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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1350/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PRINCÍPIO PRO ACTIONE
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I. O princípio pro actione aponta para interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo, promovendo, pois, emissões de pronúncia sobre o mérito.
II. Tendo a AT procedido a notificação via edital, sem que tenha previamente assegurado a exigível notificação via postal nos termos legalmente previstos e a notificação por contacto pessoal, conclui-se estarmos perante uma situação de falta de notificação da liquidação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 07.12.2017, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por M…. (doravante Recorrida ou oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º …..591, que o Serviço de Finanças (SF) de Lisboa ….. lhe moveu, por reversão de dívidas da devedora originária P….., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. A oposição à execução fiscal almeja a extinção da execução pela eventual procedência de algum dos fundamentos elencados na norma do artigo 204.° do CPPT e que impliquem a extinção total ou parcial da dívida exequenda em relação ao executado.

II. Ora, vindo aquele mesmo executado em sede de oposição à execução, peticionar que seja "declarada a caducidade da liquidação da dívida exequenda", tal pedido não se coaduna como fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT, por constituir antes fundamento de impugnação judicial, i.é, por contender com a legalidade da liquidação de imposto, motivo pelo qual, não caberia ao Tribunal a quo dirimi-las em sede do presente mecanismo processual.

III. Porém, ainda que assim não se entenda e sem conceder, considera esta RFP que a sociedade devedora originária foi correcta e validamente notificada das liquidações de imposto antes de transcorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, motivo pelo qual não se mostra verificado e demonstrado o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT.

IV. Com efeito, o recurso à notificação edital das liquidações de imposto operado pelo serviço de finanças competente, mostrou-se in casu justificado face à impossibilidade de notificar a sociedade devedora originária, por ninguém se encontrar nas suas presuntivas instalações para recepcionar correspondência a ela endereçada ou que cuidasse do levantamento das cartas junto do posto de correios.

V. Impossibilidade de notificação que até se mostrou corroborada por ulteriores diligências praticadas já em sede de execução fiscal, como o demonstra o auto de diligências no qual se atestou que o prédio onde deveria funcionar a sede daquela, se mostrava encerrado e com sinais de abandono.

VI. Em face do exposto, deve entender-se, contrariamente ao determinado na douta sentença a quo, que não só se mostrou legalmente justificado recurso à notificação edital das liquidações de imposto na pessoa da sociedade devedora originária, por cumprir todos os requisitos previstos nos artigos 233°, 244.°; 248.° e 251.° do CPC, como também esta notificação se processou validamente e antes de transcorrido o prazo de caducidade do direito á liquidação de imposto.

VII. Pelo que, não resta à Fazenda Pública senão concluir, muito respeitosamente, que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora objecto de recurso, ao decidir como efectivamente o fez, menosprezou o regime legal aplicável, tendo-se estribado numa errónea apreciação da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, violando o disposto nas supra mencionadas disposições legais”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente insurge-se contra a douta Sentença que concluiu que as liquidações de IVA referentes ao ano de 2003 e objecto de impugnação, não foram validamente notificadas à devedora originária, por não obedecerem aos trâmites prescritos no artigo 249.° do CPC.

2. Com efeito, encontra-se assente que, face à devolução das cartas registadas endereçadas à sociedade devedora, a Fazendo pública promoveu, de imediato, a sua citação edital.

3. A notificação edital apenas poderia ser accionada, a coberto do disposto no artigo 239.° e 240.° do CPC, quando o notificando se encontrasse ausente em parte incerta, ou quando fossem incertas as pessoas a notificar.

4. Ora, da mera devolução das cartas registadas inicialmente endereçadas, a Recorrente não poderia dar “um passo maior que a perna" e considerar a devedora originária ausente em parte incerta para, então, levar a cabo a notificação edital.

5. Note-se, neste contexto, que o Auto de Diligência de Penhora a que se refere a Recorrente nos artigos 5.° e 6.° das doutas Alegações, sendo datado de 30.10.2018, é irrelevante para a apreciação da validade da citação edital com fundamento na “ausência em parte incerta”, que foi promovida a 21.12.2007.

6. Nesta data, a única que releva, não dispunha a Autoridade Tributária de elementos que lhe permitisse concluir, sem mais, que a devedora se considera ausente em parte incerta.

7. Deveria, desde logo, a Autoridade Tributária, proceder à notificação da sociedade através de carta registada com aviso de recepção enviada para a residência do representante legal, em conformidade com o disposto no art.° 41.° do CPPT.

8. E não podemos deixar de notar que, como resulta claramente dos autos, quando foi efectuada a citação da ora Recorrida para a reversão fiscal, a Administração Tributária conseguiu, com imediato êxito, notificar os gerentes nos respectivos domicílios.

9. Em suma, apenas depois de esgotadas as hipóteses de concretizar a citação pessoal - que, in casu, não foram realizadas - e de se concluir pela respectiva impossibilidade, por não ser comprovadamente possível apurar o paradeiro do notificando, poderá avançar-se com a realização das diligências tendentes à citação edital.

10. Por conseguinte, e suportando-se apenas na devolução das cartas registadas, sem realização de qualquer outra diligência, nunca poderia a Autoridade Tributária considerara devedora ausente em parte incerta, pelo que foi manifestamente prematuro o recurso à notificação edital.

11. Termos em que importa concluir pela invalidade da notificação promovida, que acarreta a ineficácia do acto de liquidação e determina a procedência da oposição.

12. Por fim, é salvo melhor opinião inócua a alegação de que o douto Tribunal “decidiu questão diversa daquela que havia sido peticionada pela Oponente”, pois resulta evidente do teor da PI que o que está em causa é a falta de notificação das liquidações dentro do prazo de caducidade e, dúvidas houvessem, as mesmas ficariam cabalmente esclarecidas com o teor das Alegações apresentadas pela Recorrida, onde se consigna que “a falta de notificação à Opoente das liquidações adicionais de IVA no prazo de caducidade, que afecta a eficácia de tais liquidações e acarreta a inexigibilidade da dívida exequenda, constitui fundamento de oposição à execução nos termos do artigo 204.° al. i) do CPPT’

13. Em suma, e salvo o devido respeito, a Recorrente não aduz nas doutas Alegações qualquer argumento susceptível de influir na decisão alcançada pelo douto Tribunal a quo”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de se estar perante questão para a qual a oposição não é o meio processual idóneo?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a sociedade devedora originária ter sido corretamente notificada?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 04-03-2008 o Serviço de Finanças de Lisboa – ….., instaurou contra a sociedade “P….., LDA.”, o PEF n.º …..591, visando a cobrança coerciva de dívidas fiscais referentes a IVA do 2º, 3º e 4º trimestre de 2003 e respectivos juros, no montante total de € 26.632,10 – cfr. fls. 20 a 26 dos autos.

B) Por despacho de 02-03-2009 foi determinada a preparação daquele processo para efeitos de reversão contra M…., ora Oponente, e, bem assim a notificação para efeitos de exercício do direito de audição – cfr. fls. 71/72 dos autos.

C) A Oponente pronunciou-se em sede de direito de audição sobre aquele projecto de reversão, em exposição recebida a 07-03-2009, nos termos constantes de fls. 119 a 124 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) A 09-07-2009 foi proferido despacho de reversão contra a ora oponente, pela Chefe do Serviço de Finanças do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. fls. 146 e 147 dos autos):

«Face ao exposto, nada mais resta do que decidir que, constatada a inexistência de bens da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153°, n. º 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO nos termos da alínea a) do art° 24° n° 1 da LGT contra os responsáveis subsidiários, (…) e M….. na qualidade de gerentes, desde 1998/12/07 até à sua renúncia em 2006/12/29 e 2005/09/13, por dívidas de IVA dos períodos de 2003/06T, 2003/09T E 2003/12T, no montante de 22.678,58€ (ao qual acrescem os juros de mora e as custas processuais) (…).

Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação dos executados por reversão, nos termos do Art. 160.° do C.P.P.T.(Código de Procedimento e de Processo Tributário), tendo em atenção o disposto no artigo 191.º n.º 3 do mesmo código, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu não lhes sendo exigido juros de mora nem custas (n.º 5, do art. 23.º da L.G.T. ) »

E) A Oponente foi citada para a reversão naquele processo de execução fiscal n.º …..591 - cfr. citação e cópia da assinatura do aviso CTT, a fls. 150 a 152 vº dos autos.

F) Da citação consta os seguintes “FUNDAMENTOS DA REVERSÃO” (cfr. fls. 150 dos autos):

«Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT):

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24º/n.º1/a) LGT].».

G) A dívida cuja cobrança coerciva está em causa no processo de execução fiscal em que é revertida a ora Oponente diz respeito a liquidações adicionais de IVA do 2º, 3º e 4º trimestre de 2003 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 7.201,00, € 8.068,61 e 4.275,00 e respectivos juros compensatórios – cfr. anexo à citação para a reversão a fls. 149 dos autos.

H) As liquidações referidas na alínea precedente foram expedidas para a sede da devedora originária, tendo sido devolvidas – cfr- fls. 176, 177 e 178 frente e verso dos autos.

I) Em 21-12-2007, a administração tributária considerou a devedora originária ausente em parte incerta e procedeu à notificação das citadas liquidações através da afixação de éditos de 30 dias – cfr. fls. 179, 180 e 181 dos autos.

J) A presente oposição foi enviada ao Serviço de Finanças de lisboa – ….., em 07-08-2009 – cfr. fls. 18 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Conforme individualmente especificado, os factos provados foram dados como assentes com base no exame dos documentos constantes dos autos”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

K) Os ofícios a que respeitam as expedições mencionadas em H) foram remetidos via correio postal registado (cfr. fls. 176 a 178 verso dos autos em suporte de papel).

L) Foram apostas nos ofícios mencionados em K), pelo distribuidor do serviço postal, menções com o seguinte teor: “Informar ser desconhecido na morada indicada” (cfr. fls. 176 a 178 verso dos autos em suporte de papel)

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro forma do processo

Considera, desde logo, a Recorrente que, in casu, atento o pedido formulado de que seja “declarada a caducidade da liquidação da dívida exequenda”, o mesmo não se coaduna como fundamento de oposição, constituindo antes fundamento de impugnação judicial.

Vejamos.

Quanto ao erro na forma do processo, determina o art.º 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), que “… [a] todo o direito corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”, dispondo o seu n.º 3 que “[o]rdenar-se-á a correção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.

Por outro lado, nos termos do art.º 98.º, n.º 4, do CPPT, “[e]m caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada…”.

A impugnação judicial é o meio adequado para reagir contra um ato tributário de liquidação, com fundamento em qualquer ilegalidade, tendo por objetivo a anulação total ou parcial dos atos tributários ou a declaração da sua nulidade ou inexistência.

Já a oposição é o meio processual adequado para reagir contra uma execução fiscal, nos termos e com os fundamentos enunciados no art.º 204.º do CPPT.

Nos termos desta disposição legal:

“1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:

a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;

b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;

c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;

d) Prescrição da dívida exequenda;

e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;

f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;

g) Duplicação de coleta;

h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;

i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título…”.

A aferição da ocorrência de falta de notificação da liquidação pode ser apreciada em sede de impugnação (em virtude de a notificação, para efeitos de caducidade, ter eficácia invalidante (1)) e em sede de oposição [cfr. als. e) e i) do n.º 1 do art.º 204.º d0 CPPT] (2).

No caso dos autos, compulsada a petição inicial verifica-se que a oponente alega que a devedora originária nunca foi notificada nem de qualquer liquidação adicional nem da ordem de serviço ou de ato que tenha ordenado ação inspetiva.

Sendo certo que se considera, nessa peça processual, ser de declarar a caducidade da liquidação, é formulado um pedido de procedência da oposição.

É certo que a menção à declaração da caducidade da liquidação não apresenta o melhor rigor em termos de formulação. No entanto, atenta a causa de pedir e, bem assim, o que é pretendido alcançar com uma oposição à execução fiscal, cumpre ao julgador interpretar o pedido formulado, em obediência desde logo ao princípio pro actione.

Com efeito, este princípio aponta para interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo, promovendo, pois, emissões de pronúncia sobre o mérito.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.09.2012 (Processo: 0678/12): “… afastado o rigor formalista na interpretação das peças processuais, desadequado aos tempos presentes e expressamente rejeitado pelos modernos direitos processuais que procuram dar tradução ao princípio tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes, há-de concluir-se que a petição de oposição apresentada pode interpretar-se como contendo um pedido implícito”.


Sempre se diga, aliás, que, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do CPC/2013, “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Assim, sendo a falta de notificação da liquidação fundamento de oposição e tendo nesta perspetiva o Tribunal a quo interpretado o pedido formulado, em obediência ao princípio pro actione, não se verifica qualquer erro na forma do processo.


Como tal, carece a Recorrente de razão nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento no tocante à falta de notificação

Considera, por outro lado, a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, uma vez que, tendo havido notificação edital, devidamente justificada, não se pode falar em falta de notificação.

Vejamos.

A falta de notificação do ato de liquidação é passível de fundamentar uma oposição à execução fiscal, sob dois prismas:

a) A falta de notificação tout court, constituindo fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT;

b) A falta de notificação dentro do prazo de caducidade, fundamento enquadrável na al. e) do mesmo n.º 1.

Como referido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.01.2010 (Processo: 0832/08):

“… em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.

(…) [A]ctualmente, à face do CPPT, todas estas situações em que não houve qualquer notificação, são susceptíveis de enquadramento na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º (…).

[Logo], em todos os casos em que não foi efectuada uma notificação da liquidação antes da instauração da execução está-se perante uma situação de ineficácia do acto que é fundamento de oposição à execução fiscal” (sublinhado nosso).

A notificação dos atos tributários decorre desde logo do desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”.

Trata-se, pois, de um direito e garantia do administrado.

Ao nível da lei ordinária, decorre do n.º 6 do art.º 77.º da LGT que a eficácia do ato depende da sua notificação.

Quanto à forma das notificações, somos remetidos para os art.ºs 36.º e ss. do CPPT, nos quais são definidas as formalidades subjacentes à notificação dos diversos atos tributários.

Assim, nos termos do art.º 38.º do CPPT (redação à época):

“1 - As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.

3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.

(…) 5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário.

6 - Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal…”.

Por seu turno, nos termos do art.º 39.º do mesmo diploma:

“1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção.

3 - Havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.

5 - Em caso de o aviso de receção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efetuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.

6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil…”.

É ainda de chamar à colação o art.º 41.º do CPPT, relativo à notificação das pessoas coletivas, nos termos do qual:

“1 - As pessoas coletivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.

2 - Não podendo efetuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do ato, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa coletiva ou sociedade…”.

Como referido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2017 (Processo: 01271/15):

“[A]s sociedades devem, por princípio e como regra geral, ser notificadas na pessoa física dos seus representantes legais, notificação que pode ocorrer tanto na sede da sociedade, como na residência destes, como em qualquer outro lugar onde se encontrem, à semelhança, aliás, do que se previa no Código de Processo Civil perante o preceito então vigente – cfr. art. 237º.

Regra que se se aplica tanto à notificação pessoal como à notificação por carta registada (…)

(…) [C]aso não seja encontrado, no citado endereço [da sede da sociedade], a pessoa do legal representante da sociedade ou qualquer empregado desta que possa receber a carta e assinar o A/R, designadamente porque as instalações se encontravam encerradas, e o distribuidor postal procede à sua devolução sem ali deixar aviso que permitisse reclamá-la na estação do serviço de correios, impõe-se à Administração Tributária proceder à notificação da sociedade através de carta registada com A/R enviada para a residência do representante legal, ou, até, para local onde saiba que ele se encontra (v.g. outras instalações da sociedade), em conformidade com o disposto no art.º 41.º do CPPT”.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, atentos os elementos constantes dos autos, trata-se de situação subsumível ao n.º 1 do art.º 38.º do CPPT. Com efeito, estamos perante ato suscetível de alterar a situação tributária do contribuinte, nada tendo sido alegado nem nada constando dos autos que permita concluir em sentido distinto (veja-se que a oponente alegou nunca ter sido a devedora originária notificada em sede de ação inspetiva, nada tendo sido dito nem provado pela FP em sentido distinto).

Sucede que, como resulta provado [cfr. facto H)], as liquidações adicionais de IVA em causa foram remetidas para a sede de devedora originária, via correio postal registado [cfr. facto K)], tendo sido devolvidas, com a indicação “desconhecido na morada” [cfr. facto L)].

Ou seja, não se trata de situação de devolução com menção “não reclamado” e consequente depósito pelo distribuidor de correio postal do aviso para o seu levantamento, mas sim de uma devolução motivada por não ser conhecido o notificando na morada em causa.

Resulta ainda provado que foram afixados éditos, em virtude de a administração tributária (AT) ter considerado a devedora originária ausente em parte incerta.

Desde logo, sublinhe-se que a forma de notificação utilizada, em termos de via postal, não é a legalmente prevista, porquanto não foi feita notificação através de carta registada com aviso de receção, in casu exigível, mas foram tão-só remetidas as liquidações através de registo simples.

No entanto, cumpre atentar na tramitação subsequente, para aferir se a efetiva notificação se veio a concretizar ou não.

Com efeito, nos termos do n.º 5 do art.º 38.º do CPPT, pode a AT proceder à notificação pessoal do ato tributário, sendo a este propósito seguidas as regras da citação pessoal previstas no CPC (cfr. n.º 6 do mesmo art.º 38.º).

Como referido, in casu, foram afixados éditos com vista à notificação da devedora originária.

A notificação edital configura-se como uma ultima ratio em matéria de notificações. Com efeito, atento o disposto no art.º 243.º do CPC/1961, a notificação edital apenas pode realizar-se quando não seja possível a via postal ou através de contacto pessoal, por se considerar o notificando ausente em parte incerta.

Ora, na situação sob apreciação, não se pode considerar que se possa concluir que o notificando era ausente em parte incerta.

Com efeito, tendo em linha de conta, desde logo, o disposto no art.º 41.º do CPPT, a notificação das pessoas coletivas pode ser feita na sua sede ou na residência dos seus representantes. In casu, apenas foram remetidas notificações para a sede da devedora originária, devolvidas ao remetente com a indicação “desconhecido na morada indicada”, não tendo sido feita qualquer tentativa de notificação para a residência dos seus representantes.

Por outro lado, não foram feitas quaisquer diligências, tendentes à sua notificação através de contacto pessoal (cfr. art.ºs 239.º a 241.º do CPC/1961).

Ou seja, face à insuficiência das diligências de notificação efetuadas, não se pode concluir que se tratasse de situação de ausência em parte incerta do notificando. Ademais, a opção pela afixação de éditos sempre exigiria a prévia realização de diligências adicionais (cfr. art.º 244.º do CPC/1961), justamente para assegurar que se trata de situação de ausência em parte incerta.

Ora, nada disto ocorreu in casu, onde, após a devolução das notificações efetuadas via correio postal registado, que não chegaram ao conhecimento do seu destinatário, como decorre da sua devolução com a menção “desconhecido na morada indicada”, se procedeu de imediato à notificação edital (e sem que tivessem sido publicados anúncios, ao contrário do que decorre do art.º 248.º do CPC/1961 (3)). Sublinhe-se, a este propósito, que carece de pertinência o resultado das diligências tendentes à citação, levadas a cabo já no âmbito do PEF, porquanto é da notificação do tributo que estamos a tratar e, bem assim, do cumprimento das exigências legalmente prescritas a este respeito.

Face a este quadro fatual, decorre que a AT não cumpriu com as exigências que lhe estavam adstritas em termos de notificação, desde logo não tendo diligenciado no sentido de notificar os representantes na sua residência, não tendo dado cumprimento às exigências atinentes à notificação através de carta registada com aviso de receção, não tendo diligenciado no sentido de notificar as liquidações através de contacto pessoal, tendo imediatamente passado à notificação edital, feita, aliás, de forma irregular, porque desacompanhada da publicação de anúncios, sem que estivesse demonstrada a circunstância de o notificando estar ausente em parte incerta.

Sendo aplicável a esta notificação as regras da citação pessoal, atento o disposto no art.º 195.º, n.º 1, al. c), do CPC/1961, há falta de notificação quando se tenha empregado indevidamente a notificação edital.

Ora, este circunstancialismo faz extrair a conclusão de que não houve notificação da devedora originária (sendo irrelevante se foi antes ou depois do prazo de caducidade do direito à liquidação, porquanto, como já referimos supra, a falta de notificação é, em qualquer um destes momentos temporais, fundamento de oposição), uma vez que a notificação via correio postal veio devolvida com a menção “desconhecido na morada indicada” e não foram realizadas quaisquer diligências, legalmente exigíveis, se não a notificação edital, sem que se reunissem os pressupostos para o efeito.

Não tendo sido notificada a devedora originária, trata-se de circunstância que conduz à extinção da oposição contra a Recorrida, nos termos já decididos pelo Tribunal a quo, por força do disposto no art.º 204.º, n.º 1, als. e) e i), do CPPT.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)


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(1) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489.

(2) Cfr., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.10.2017 (Processo: 0660/15) e 22.04.2015 (Processo: 051/15).

(3) V. a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.04.2011 (Processo: 00409/05.3BEBRG).