Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:451/11.5BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
ÓNUS PROBATÓRIO
FALTA DE APRECIAÇÃO DE ELEMENTOS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL SEM NATUREZA CONDENATÓRIA
Sumário:I- A mera apresentação da declaração de rendimentos fora do prazo legal mas dentro do prazo de caducidade não implica, per se, a anulação da liquidação oficiosa, desde logo, porque não goza da presunção de verdade declarativa.

II- Tendo sido apresentada declaração de rendimentos após a emissão de liquidação oficiosa, mas dentro do prazo de caducidade e mediante a faculdade consignada no artigo 76.º, nº4 do CIRS, o princípio da tributação pelo rendimento real impõe diligências por parte da AT, designadamente, a realização de ação inspetiva para aferição dos valores declarados.

III- Se na pendência da impugnação judicial, a AT solicita esclarecimentos e elementos junto da Inspeção Tributária e com base nos mesmos vem, complementar, o indeferimento desta feita aduzindo que estes não são de molde a corroborar os elementos declarados pelo contribuinte, tal fundamentação por não ser contemporânea do ato, não pode ser atendida.

IV- Com a anulação da decisão da reclamação graciosa, não fica prejudicado o julgamento da liquidação impugnada, não só porque deduzida impugnação judicial do indeferimento de uma reclamação graciosa, o objeto mediato da impugnação judicial é o ato de liquidação, donde a impugnação do indeferimento não é autónoma do ato de liquidação, como o processo de impugnação judicial tem natureza meramente anulatória e não condenatória.

V- Não se coadunando a situação vertente com deficit instrutório, mas sim com a violação do ónus probatório, porquanto a AT não ponderou os elementos declarados pelo contribuinte, em momento e sede própria, admitir a condenação à reapreciação da reclamação graciosa nestas condições, ou mesmo determinar que o Tribunal analise elementos não valorados oportunamente, consubstanciaria um contorno das exigências probatórias legalmente previstas, com a inerente violação da lei.

VI- O vício de violação de lei, por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação, determina a anulabilidade do ato de liquidação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

l – RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V..... tendo por objeto a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante aos rendimentos do ano de 2008, no montante de €37.184,78 e o ato do Diretor Adjunto de Finanças de Faro, datado de 01 de julho de 2011 que decidiu a reclamação graciosa apresentada contra o aludido ato de liquidação.


***

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

1. A presente Impugnação refere-se ao Indeferimento da Reclamação Graciosa, assim como à liquidação de IRS do ano de 2008.

2. Foi alegado, em síntese, que a liquidação deveria ter sido baseada no rendimento real determinado de acordo com a contabilidade.

3. A douta sentença julgou a Impugnação procedente, anulando o acto de Indeferimento da RG, decisão com a qual a FP não pode concordar pelas seguintes razões:

4. A liquidação de IRS impugnada foi efectuada oficiosamente, decorrente da falta de entrega dentro do prazo legal da respectiva declaração de rendimentos por parte do sujeito passivo, que se encontrava registado pela actividade de "Restaurantes com lugares ao balcão" CAE 056102", no regime da contabilidade organizada.

5. O rendimento líquido da categoria B foi determinado, nos termos do disposto no art, 76° n.°s 1 b) e 2 do CIRS, e após a notificação a que se refere o seu n.° 3, de acordo com as regras do regime simplificado, tomando-se em consideração os valores declarados em sede de IVA no ano de 2007.

6. Apenas em 08/01/2011, o ora Recorrido apresentou a declaração Mod. 3 de IRS para o exercício de 2008, com o n.° 11….-2008- …… (declaração fora de prazo), que ficou na situação "não líquidável".

7. A Reclamação Graciosa manteve a liquidação oficiosa.

8. Apesar disso, a FP requereu, à Inspecção Tributária, informação para apuramento da veracidade dos rendimentos declarados pelo SP.

9. Até porque a presunção de veracidade das declarações apenas deve funcionar para declarações apresentadas pelo SP dentro do prazo legal, como se afere do art. 75° n.º 1 da LGT.

10. Existindo uma liquidação oficiosa anterior, caberia ao aqui Recorrido a prova dos elementos declarados, de acordo com as regras respeitantes ao ónus da prova, designadamente, o disposto no n,° 1 do art.° 342.° do CC.

11. Ainda assim, no decurso da presente Impugnação, a Fazenda Pública diligenciou no sentido do apuramento dos rendimentos reais, auferidos pelo ora Recorrido, no âmbito da sua actividade profissional, a fim de que o TAF de Loulé pudesse dispor de todos os elementos concretos para eventual anulação total ou parcial da liquidação impugnada.

12. A Informação, prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, foi junta aos autos por requerimento de 20/03/2012.

13. No âmbito dessa verificação, foi apurado que não foi possível confirmar os rendimentos declarados pelo sujeito passivo relativos ao ano de 2008, por falta de elementos contabilísticos, Justificação para determinados factos e detecção de Incongruências, conforme fundamentação devidamente descrita na Informação referida e junta aos autos.

14. Com base nesta informação, foi requerida, pela própria Fazenda Pública, a anulação total, ou caso assim não entendesse, parcial da liquidação, em conformidade com os factos apurados.

15. No entanto, a douta sentença recorrida não relevou os factos anteriormente descritos, limitando a apreciação da Impugnação ao despacho de Indeferimento proferido em sede de Reclamação Graciosa.

16. Ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, entende a FP que deveria ter sido apreciada a legalidade da liquidação oficiosa, bem como o pedido de consideração da tributação pelo regime da contabilidade organizada e análise da veracidade dos rendimentos declarados, tal como requerido na PI.

17. A veracidade dos rendimentos declarados e a consideração da tributação pelo regime da contabilidade organizada são questões sobre as quais o Tribunal deveria ter-se pronunciado. Até porque possuía todos os elementos para o fazer.

18. Ao não se ter pronunciado sobre a legalidade da liquidação oficiosa, sobre o pedido de consideração da tributação pelo regime da contabilidade organizada e a veracidade dos rendimentos declarados, de acordo com Informação da Inspecção Tributária, o douto tribunal incorreu em erro de julgamento.

19. Deveria, antes, a liquidação Impugnada ter sido anulada totalmente ou, caso assim não se entendesse, anulada parcialmente peio Tribunal a quo.

20. Foram violadas as normas legais já invocadas, acrescidas, designadamente, das que se referem os arts. 13°, 97°, 99° e 123° do CPPT, 99° da LGT e 76° do CIRS

Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que anule totalmente, ou caso assim não se entenda, parcialmente a liquidação impugnada de acordo com o alegado, só assim se fazendo JUSTIÇA.”


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O Recorrido devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

1. O Recorrido dá por inteiramente reproduzida a argumentação vertida no douto a resto posto em crise.

2. Caso o Tribunal "ad quem" não confirme a sentença do Tribunal "a quo", pelas razões nela invocadas (o que não se concede e só por cautela de patrocínio se admite), vem o Recorrido requerer, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do nº 1 do art° 636° do C.P.C., de modo a que o Venerando Tribunal "ad quem" conheça do fundamento da acção constante das alíneas seguintes.

3. A colecta apurada pelo Serviço de Finanças nunca estaria correcta.

4. A Lei tipifica taxas para aplicação dos métodos indiciários no regime simplificado.

5. À data dos factos em apreço (2008), essa taxa era de 0,20 para as activiciades hoteleira e similares, restauração e bebidas, de harmonia com o estatuído no art° 31°, n°s 1, 2 e 5 do Código do 1RS.

6. As Finanças aplicaram, erradamente, a taxa de 0,70, que é a aplicável para os "restantes rendimentos" referidos no citado n° 2, e não para a actividade de hotelaria e similares, restauração e bebidas (prevista no mencionado n" 5).

7. A Administração Fiscal refere um rendimento global de 6 100 920,30, o que está incorrecto, pois resulta da aplicação de uma taxa de 0,70 ao montante global da receita verificada em 2007, que foi de € 144171,85, como se constata pela declaração modelo 3 de 1RS desse ano.

8. Para encontrar o rendimento líquido, a Administração Fiscal aplicou o coeficiente de 0,70 ao rendimento global proveniente da actividade restauração e bebidas, pela forma seguinte: € 144 1 71,85 x 70% = € 100 920,29.

9. Aplicando o coeficiente correcto (0,20), os cálculos deveriam ter sido os seguintes: C141171,85 x 0,20 = C 28 280,88.

10. Além disso, do montante da receita correspondente aos rendimentos extra (que são os das máquinas de renda automática de tabaco, as de jogos, as de aperitivos e ns de utilização da Internet), há a considerar a parcela de € 2 767,46 (das comissões que o contribuinte dali recebe) e é apenas sobre este montante que pode ser aplicado o coeficiente 0,70, como a seguir se indica: € 2 767,46 x 0,70= € 1 937,22.

11. Por outro lado, a Administração Fiscal tinha acesso aos rendimentos reais de 2008 através das declarações periódicas trimestrais do IVA, que foram entregues atempadamente e que evidenciavam o valor total da receita em 2008.

12. A Administração Fiscal não podia, portanto, ignorar, face aos elementos do IVA em seu poder, que a liquidação efectuada estava necessariamente incorrecta.

13. Não deveria a Administração Fiscal ter apurado a colecta pela forma como o fez.

Termos em que, na hipótese académica de o Tribunal "ad quem" não confirmar a sentença do Tribunal "a quo", pelas razões nesta aduzidas, vem o Recorrido requerer, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do n° 1 do art° 636° do C.P.C., de modo que o Venerando Tribunal "ad quem" conheça do fundamento da acção anteriormente referido,

E conclua pela procedência da acção interposta pelo Recorrido.

Assim se fazendo JUSTIÇA!


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O Digno Magistrado do Ministério Público, promoveu a improcedência do recurso, e a manutenção da decisão recorrida.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:

1. Entre 20 de Outubro de 2005 e 16 de Junho de 2011, V..... esteve colectado pela actividade principal de Restaurantes com lugares ao balcão - CIVA 56102 e pela actividade secundária de Comércio a Retalho de Equip. Telecomunicações – CIVA 47420 cfr. fls. 30-31 e 46 do processo administrativo.

2. Em 2008, V..... estava enquadrado para efeitos de IVA no regime normal trimestral e para efeitos de IRS no regime de contabilidade organizada – cfr. fls. 31 e 46 do processo administrativo.

3. V..... não entregou a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2008 dentro do prazo legal – facto confessado: artigo 2.º da Petição.

4. Em 23 de Outubro de 2010, V..... foi notificado para apresentar, no prazo de 30 dias, a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2008 – cfr. fls. 45 do apenso.

5. No dia 8 de Dezembro de 2010, a Administração Tributária elaborou a Declaração Oficiosa 11…….com base nos elementos constantes do sistema, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida – cfr. fls. 14-16 e 22 da Reclamação Graciosa.

6. Em 8 de Janeiro de 2011, V..... apresentou, relativamente ao ano de 2008, a declaração de substituição n.º 113……, tendo apurado imposto a pagar no valor de € 5.049,85 – cfr. fls. 8-11 da Reclamação Graciosa.

7. Com base na declaração oficiosa referida no ponto 5. foram emitidas as liquidações n.º 2010-50…. (IRS) e 2010-16….. (juros), relativas ao ano de 2008 – acto impugnado – no valor global de € 37.184,78 – cfr. fls. 18 do procedimento administrativo.

8. V……. reclamou contra estas liquidações – cfr. fls. 3-4 do proced. de Reclamação Graciosa.

9. No procedimento de Reclamação Graciosa, a chefe do Serviço de Finanças de Tavira emitiu o parecer de fls. 24 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:

“(…)

Segundo despacho do Senhor Director-Geral dos Impostos, datado de 2009-11-30, transcrito no Ofício-Circulado n.º 20…… de 2009-12-03 da DSIRS, tratando-se de uma liquidação realizada com base em pressupostos e condicionalismos especiais (parte final do n.º 3 do artigo 76.º CIRS), também a Reclamação terá que se cingir às especificidades dessa mesma liquidação.

(…)”

10. No dia 1 de Julho de 2011, o Director de Finanças Adjunto indeferiu – acto impugnado – a Reclamação Graciosa que V..... deduzira contra as liquidações identificadas em 7 – cfr. fls. 43 da Reclamação Graciosa.

11. Em 14 de Março de 2012, na sequência do Despacho n.º DI.2012.00049 emitido para confirmação dos rendimentos declarados por V..... relativos ao ano de 2008, foi elaborada Informação da Divisão da Inspecção Tributária III da Direcção de Finanças de Faro que concluiu que “Não foi possível confirmar os rendimentos declarados pelo s.p. relativos ao ano de 2008” – cfr. fls. 32-36 dos autos.

12. Esta informação, que aqui se dá por integralmente reproduzida, tem, além do mais, o seguinte teor:

“(…)

6 – Feita uma análise externa aos documentos contabilísticos do s.p. referentes ao ano de 2008, foram verificadas situações que influem directamente na determinação e/ou comprovação do rendimento colectável, a saber:

a. Ausência de extractos bancários de conta afecta à actividade empresarial, nos termos do art. 63.º-C da Lei Geral Tributária (LGT) e inventário de existências a 31.12.2008;

b. Falta de Z’s (apuramento de facturação ) de alguns dias, designadamente dos meses de Janeiro, Abril, Agosto, Setembro e Novembro de 2008;

7. Perante a falta de elementos indicados no ponto anterior e atendendo à relevância dos mesmos na comprovação do rendimento do s.p. foi efectuada uma notificação ao mesmo com vista à apresentação de tais elementos, cuja cópia se anexa (Anexo 1).

(…)

9. O s.p. respondeu à notificação, tendo procedido à apresentação parcial dos elementos solicitados. Dos elementos não apresentados destacam-se os rolos diários de facturação e os Z’s diários em falta. Qua nto a estes úl timos, o s.p. referiu que respeitam a períodos em que o estabelecimento esteve encerrado por motivos de férias.

10. Analisando os elementos entregues pelo s.p. em conjunto com a restante informação contida nas pastas da contabilidade e respectivos extractos contabilísticos e balancetes, importa fazer as seguintes observações:

A. O valor de prestações de serviços e proveitos suplementares (prémios contra tuais) do ano de 2008 ascende a € 117.710,32 (acresce IVA à taxa de 12% referente ao valor de € 101.710,32 e IVA à taxa de 21% referente ao valor de € 16.000,00), enquanto os extractos bancários apresentados pelo s.p. na sequência da notificação efectuada, como sendo da conta bancária afecta à actividade empresarial, registam um valor total de entradas, no período entre 2008.01.01 e 2008.12.31, de apenas € 33.158,63;

B. Verificados o s Z’s de todos os meses do ano de 2008, faltam os Z’s dos dias 7 a 19 de Setembro, dia 21 de Abril, dias 4, 24 e 28 de Agosto, dias 2 e 17 de Setembro, dias 18 e 21 a 26 de Novembro, os quais, solicitada a sua apresentação na notificação efectuada ao s.p. não foram apresentados, sendo que o s.p. justificou a não apresentação por se referir a períodos em que o estabelecimento esteve encerrado por motivo de férias do contribuinte. De referir que, segundo uma análise das compras de alguns artigos, verificou-se haver compras de águas nos dias 17 de Janeiro (fornecedores E….. , Lda.) e 28 de Agosto (C….., Lda.), dias em que o s.p. referiu não haver Z por se tratar de dias em que o estabelecimento esteve encerrado por motivo de férias do próprio. Para além da justificação escrita do s.p. sobre a ausência de Z’s nos dias referidos, não foram apresentados quaisquer outros elementos que confirmem o efectivo encerramento do estabelecimento;

C. A não apresentação dos rolos diários da facturação de 2008, conforme solicitado na notificação ao s.p., inviabiliza a comprovação da efectiva ausência dos Z’s diários, assim como um controlo das quantidades vendidas face às compras eexistência final em 31.12.2008;

D. Durante o ano de 2008, o s.p. efectuou compras no valor de € 94.612,63, a existência inicial (produtos em stock em 31.12.2007 segundo dados do balancete analítico de 2008) era de € 835,60 e no final do ano de 2008 o stock final ascendeu a € 58.501,22. Feita uma análise das compras, apesar do maior volume nos meses de Verão, situação compreensível pela maior afluência de clientes, o s.p. efectuou compras de uma forma constante ao longo do ano de 2008, não havendo razão aparente para uma existência final em 31.12.2008 de cerca de 62% do valor das compras anuais. Refira-se ainda que feita uma análise mais pormenorizada sobre as compras de alguns produtos, designadamente café e similares e águas (com e sem gás e sabores) ao longo do ano de 2008, verificou-se que a existência final em 31.12.2008, segundo inventário fornecido pelo s.p., conforme cópia que se anexa

(Anexo 2) (inventário que não descrimina quantidades, apenas valores totais por grandes rubricas), tendo em conta a média mensal de compras, corresponde a 2,5 meses no que respeita ao café e similares e a 3,5 meses no que respeita a águas.

Tendo em conta valores absolutos, a existência final de cafés e similares corresponde às compras de Outubro, Novembro e Dezembro, enquanto no que concerne às águas corresponde às compras de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro.

11. Tendo presente o referido nos pontos anteriores, atendendo à análise da informação constante nas pastas da contabilidade e demais elementos contabilísticos e falta de justificação do s.p. para determinados factos, o que resultou na detecção de incongruências, conforme explicado detalhadamente no ponto 10 da presente informação, resulta desta acção: “I – Não foi possível confirmar os rendimentos declarados pelo s.p. relativos ao ano de 2008” .


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“A.O rendimento de V..... em 2008 tenha sido o que declarou na modelo 3 referida no ponto 6. do probatório.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

Quanto à testemunha (o contabilista do Impugnante), trata-se da pessoa responsável pela contabilidade que foi posta em crise pela Administração Tributária. Declarou que a elaborou com base nos registos contabilísticos que o Impugnante lhe levava ao seu escritório, sendo este o principal modo pelo qual conhece o funcionamento do estabelecimento do Impugnante. Para o Tribunal, este conhecimento é insuficiente para fazer prova quanto aos rendimentos efectivamente auferidos pelo Impugnante, pois a testemunha apenas sabe o que dizem os documentos contabilísticos que lhe foram apresentados, desconhecendo as relações materiais que lhes são subjacentes e que, no caso, são essenciais para determinar qual o rendimento efectivamente auferido. Assim, não tendo o Impugnante apresentado outro meio de prova, não se considerou provado o facto A.


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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa de IRS respeitante ao ano de 2008, determinando a anulação do ato do Diretor Adjunto de Finanças de Faro, datado de 1 de julho de 2011, e ordenando que a Reclamação seja novamente apreciada pela AT atendendo aos elementos declarados e carreados para o procedimento, com vista à apreciação da legalidade da liquidação, ficando, por isso, prejudicada a anulação da liquidação.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, o Tribunal a quo decidiu acertadamente ao ter considerado que a AT não cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita, por não ter valorado os elementos declarados pelo Recorrido. Validando-se esse juízo de entendimento, qual a cominação inerente a esse vício, concretamente, se deveria ter ocorrido a condenação à apreciação da reclamação graciosa conforme decretou a decisão recorrida, ou se tal deveria ter acarretado, conforme propugna o Recorrente, a anulação total ou parcial do ato de liquidação.

Apreciando.

Ab initio, importa relevar que o Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, encontrando-se, por isso, a mesma devidamente estabilizada, razão pela qual importa, então, apurar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errada apreciação dos pressupostos de direito.

O Recorrente evidencia, desde logo, que a liquidação de IRS foi efetuada de harmonia com o estipulado na lei, mormente, do artigo 76.º do CIRS, porquanto existiu incumprimento declarativo por parte do sujeito passivo, não suprido no prazo concedido para o efeito pela AT, donde o rendimento líquido da categoria B foi determinado de acordo com as regras do regime simplificado, tomando-se em consideração os valores declarados em sede de IVA no ano de 2007, razão pela qual a reclamação graciosa foi indeferida.

Mais sustenta que o ónus da prova dos elementos declarados, competia ao Recorrido, sendo certo que no decurso da presente Impugnação, foi diligenciado no sentido do apuramento dos rendimentos reais auferidos pelo ora Recorrido, tendo sido junta a informação prestada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro, no âmbito da qual se concluiu que não foi possível confirmar os rendimentos declarados pelo sujeito passivo relativos ao ano de 2008.

No entanto, o Tribunal a quo não relevou tais elementos, limitando, erradamente, a apreciação da Impugnação ao despacho de indeferimento proferido em sede de reclamação graciosa, quando deveria ter sido apreciada a legalidade da liquidação oficiosa, porquanto a veracidade dos rendimentos declarados e a consideração da tributação pelo regime da contabilidade organizada são questões sobre as quais o Tribunal deveria ter-se pronunciado, até porque possuía todos os elementos para o fazer.

Conclui, assim, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto a liquidação impugnada deveria ter sido anulada totalmente ou, caso assim não se entendesse, anulada parcialmente, pelo que não o tendo feito violou os normativos 13.°, 97.°, 99.° e 123.° do CPPT, 99.° da LGT e 76.° do CIRS.

O Tribunal a quo, por seu turno, considerou que a AT havia incorrido em vício de violação de lei, porquanto não poderia, sem mais, descurar os elementos declarados pelo contribuinte, tendo no seu discurso fundamentador ajuizado, designadamente, que:

“[e]m 8 de Janeiro de 2011, quando o Impugnante apresentou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2008 – cfr. ponto 6 do probatório –, ainda não se tinha completado o prazo de caducidade, pelo que, nos termos do dito artigo 76.º, n.º 4, do CIRS, a liquidação podia ainda ser corrigida, pois que ainda não se havia formado caso decidido.

Correcção que o Impugnante pretendeu que fosse efectuada no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa decidido em 2011 – cfr. ponto 8 do probatório. Com efeito, neste procedimento a Administração poderia, desde logo, apreciar se a declaração do Reclamante, ora Impugnante, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade, deveriam, ou não, beneficiar da presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, corrigindo, ou não, a liquidação em conformidade.”

Sublinhando, depois, que não obstante a AT se ter pronunciado quanto a esses elementos na pendência da impugnação, os mesmos não podem relevar por consubstanciarem fundamentação a posteriori, relevando, para o efeito, que “[q]uanto a estes elementos a Administração apenas se pronunciou na pendência da presente Impugnação – cfr. pontos 11 e 12 do probatório -, pretendendo, deste modo, fundamentar o acto de liquidação e a decisão da Reclamação a posteriori, o que não é admissível. Com efeito, a fundamentação deve ser contextual, contemporânea e integrante do próprio acto, de modo a informar o contribuinte do itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro. Cfr., por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011 – processo n.º 619/11, e do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Maio de 2011 – processo n.º 3716/10.”

Mais esclarecendo que, na decisão de reclamação não poderiam ter sido desconsiderados os elementos carreados pelo Reclamante, convocando um Ofício-Circulado, concretamente, o ofício n.º 20142 de 2009-12-03 da DSIRS, não só porque o mesmo só tem eficácia interna, como o mesma afronta, diretamente, a lei.

Concluindo, nessa medida, que “[a]o desconsiderar em absoluto os elementos declarados pelo ali Reclamante, o acto impugnado padece de vício de violação de lei , por erro nos pressupostos de direito, o que acarreta a sua anulação, devendo a Reclamação Graciosa ser novamente apreciada pela Administração sem atender à doutrina do Ofício-Circulado n.º 20.142, de 3 de Dezembro de 2009”, ficando, por isso, “[p]rejudicada a anulação da liquidação, pois que removida esta da ordem jurídica, ficaria aquele procedimento de Reclamação Graciosa sem objecto.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento de direito.

Importa começar por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.

De harmonia com o disposto no artigo 57.º, nº1 do CIRS:

“Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da lei geral tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante: a) Os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo”.

Consignando, por seu turno, o artigo 60.º relativamente ao prazo de entrega da declaração que:

“1 - A declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º é entregue:

a) Em suporte papel:

i) Durante o mês de março, quando os sujeitos passivos apenas hajam recebido ou tenham sido colocados à sua disposição rendimentos das categorias A e H;

b) Por transmissão eletrónica de dados:

i) Durante o mês de abril, quando os sujeitos passivos apenas hajam recebido ou tenham sido colocados à sua disposição rendimentos das categorias A e H;

ii) Durante o mês de maio, nos restantes casos.

2 - A declaração a que se refere o número anterior é ainda apresentada nos 30 dias imediatos à ocorrência de qualquer facto que determine alteração dos rendimentos já declarados ou implique, relativamente a anos anteriores obrigação de os declarar, salvo se outro prazo estiver previsto neste Código.”

No concernente à liquidação dispõe o artigo 75.º do CIRS que é competente para a liquidação de IRS a Direção Geral dos Impostos, processando-se a mesma nos termos consignados no artigo 76.º do mesmo diploma o qual, sob a epígrafe de “procedimentos e formas de liquidação” preceitua que:

“1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes:

Tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objeto o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º;

b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha;

c) Sendo superior ao que resulta dos elementos a que se refere a alínea anterior, considera-se a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respetiva cessação de atividade.

2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 2 do artigo 31.º.

3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º.

4 - Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.”

Da interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que, caso o sujeito passivo não cumpra o prazo legal de entrega da declaração periódica de rendimentos, a AT está legitimada a emitir uma liquidação a qual terá por base os elementos de que a Direção Geral de Impostos disponha, determinando-se o rendimento líquido da Categoria B em conformidade com as regras do regime simplificado.

De relevar, neste particular, que a AT antes de estruturar a liquidação oficiosa está vinculada à notificação do sujeito passivo em incumprimento declarativo, para cumprir a obrigação no prazo de 30 dias, sendo que só após essa notificação, e caso a situação de incumprimento persista, é que pode ter lugar a tributação com base nos elementos que a AT disponha.

Não obstante o exposto, diz-nos, como visto, o citado artigo 76.º, nº4 do CIRS que a liquidação pode ser corrigida dentro dos prazos de caducidade do direito à liquidação e em conformidade com o preceituado nos artigos 45.º e 46.º da LGT.

Visto o direito atentemos, então, no recorte probatório dos autos e comecemos por aquilatar se a AT se limitou, conforme a mesma defende, a cumprir o preceituado na Lei.

Do recorte probatório dos autos resulta que:

O Recorrido não procedeu à entrega da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2008, dentro do prazo consignado na lei, tendo sido notificado a 23 de outubro de 2010, para suprir a falta declarativa no prazo de 30 dias, não o tendo cumprido no prazo estipulado.

Razão pela qual, a AT elaborou, em 08 de dezembro de 2010, a competente declaração oficiosa, tendo o Recorrido a 8 de janeiro de 2011, apresentado declaração modelo 3, na qual apurou imposto a pagar no valor de €5.049,85.

Ulteriormente, em conformidade com a aludida declaração oficiosa, foram emitidas as competentes liquidações oficiosas de IRS e juros, no valor global de €37.184,78.

Resultando, in fine, que a evidenciada liquidação oficiosa foi objeto de reclamação graciosa a qual foi objeto de indeferimento, não sendo valorados e analisados os elementos declarados pelo Recorrido.

Ora, em face do supra aludido impõe-se concluir que a AT estava, efetivamente, legitimada a emitir o ato de liquidação oficiosa, conforme propugna a Recorrente e, aliás, bem ajuizou o Tribunal a quo.

Porém, se é certo que a AT atuou com respeito pelo princípio da legalidade, a verdade é que após a declaração oficiosa o Recorrido fez uso atempado da possibilidade que lhe conferia o artigo 76.º nº 4 do CIRS e apresentou a competente declaração de rendimentos, a qual carecia da devida ponderação.

É certo, outrossim, que, conforme sustenta a Recorrente, a mera apresentação da declaração de rendimentos fora do prazo legal mas dentro do prazo de caducidade não implica per se a anulação da liquidação oficiosa, desde logo, porque não goza da presunção de verdade declarativa, contudo é, igualmente, certo que essa presunção não é estendida à contabilidade, desde que devidamente organizada.

Com efeito, se atentarmos no artigo 75.º, nº1 da LGT “[o] mesmo parece dissociar a apresentação tardia (fora de prazo) da declaração legal do contribuinte, dos “ dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” pois que contempla a palavra chave “apresentadas” por referência às declarações dos contribuintes e a palavra “organizadas” por referência à contabilidade ou escrita; o que parece poder conduzir à interpretação de que uma declaração de IRS apresentada tardiamente, mas com suporte em contabilidade imaculada, organizada de acordo com regras legais, não faz estender a não presunção da sua veracidade a esta contabilidade que uma vez apreciada em sede inspectiva poderá fazer reassumir a presunção de verdade da declaração apresentada fora de prazo.(1)”

Pelo que, tendo, como visto, o Recorrido em data ulterior à emissão da liquidação oficiosa apresentado a competente declaração de rendimentos, na qual fez constar no respetivo campo 436 do anexo C, um lucro de €26.225,65, apurado segundo as regras da contabilidade organizada, tais elementos não poderiam sem mais-entenda-se sem a devida e necessária indagação, ponderação, e aferição da suficiência dos elementos apresentados, e inerente desencadeamento de ação inspetiva-conforme, de resto, legalmente lhe incumbia, em conformidade, designadamente, com o consignado no artigo 63.º da LGT-serem negligenciados, com a subsequente manutenção do ato de liquidação oficiosa.

Note-se que, no caso vertente, e conforme dimana do probatório, a reclamação graciosa foi objeto de indeferimento, tão-só, porque: “Segundo despacho do Senhor Director-Geral dos Impostos, datado de 2009-11-30, transcrito no Ofício-Circulado n.º 20….. de 2009-12-03 da DSIRS, tratando-se de uma liquidação realizada com base em pressupostos e condicionalismos especiais (parte final do n.º 3 do artigo 76.º CIRS), também a Reclamação terá que se cingir às especificidades dessa mesma liquidação.”

Ora, tal entendimento conforme expendido pelo Tribunal a quo, não pode ser validado porquanto desvirtua a descoberta da verdade material, e descura o ónus que impende sobre a AT.

Na senda do expendido pelo Tribunal a quo, não obstante a AT se tenha escudado num Ofício Circulado para a não atendibilidade dos elementos declarados, a verdade é que tal atendibilidade não tem qualquer fundamento legal, não só porque, por um lado, e conforme é consabido os Ofícios Circulados apenas vinculam a AT, não detendo eficácia externa, como, por outro lado, o convocado ofício se encontra em desconformidade com a lei, mormente, com o citado artigo 76.º, nº4 do CIRS.

De resto, não se pode perder de vista e descurar que a liquidação oficiosa se faz, por definição, com base num rendimento presumido por inexistirem, no prazo legal, elementos declarados pelo sujeito passivo, assumindo, portanto, a natureza de uma declaração provisória.

Neste particular, importa convocar os ensinamentos de Rui Duarte Morais(2), ainda que expendidos em sede de IRC mas totalmente transponíveis para o caso vertente:

“O art. 83º nº 1, al. b) e c)(3), dispõe que, na falta de entrega da declaração periódica de rendimentos (grosso modo, a declaração em que se procede ao apuramento do resultado fiscal do exercício anterior), a administração fiscal procederá, oficiosamente, à liquidação, a qual terá por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada (e da qual não poderá resultar imposto em dívida de valor inferior ao “imposto mínimo” a que estão sujeitos os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado) ou na falta de tais dados, os elementos de que disponha.Temos dúvidas quanto ao sentido desta liquidação oficiosa. Pensamos que o seu sentido mais não é do que prevenir uma eventual caducidade do direito à (a qualquer) liquidação.O montante assim fixado será, necessariamente, provisório (como de resto é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correcção posterior pela administração tributária). Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível do contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado de um exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio), significaria abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo. A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação “provisória”, o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efectuar uma acção inspectiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação actual”.

De chamar à colação, outrossim, o doutrinado, no já citado Acórdão do STA, datado de 05 de dezembro de 2018, segundo o qual: “[s]e após a declaração oficiosa o(a) contribuinte fez uso atempado da possibilidade que lhe conferia o artº 76º nº 4 do CIRS e apresentou a declaração modelo 3 de IRS, esta declaração ainda que não gozasse da presunção de veracidade não podia ser totalmente ignorada na sua substância.” e isto porque, “[o] princípio da tributação do rendimento real impunha a sua apreciação e aconselhava a realização de inspecção”.

E por assim ser, face a todo expendido, concordamos com o ajuizado pelo Tribunal a quo, quando aduz que a AT não deveria ter descurado a declaração apresentada em conformidade com a possibilidade contemplada no artigo 76.º, nº4 do CIRS, incorrendo, nessa medida, num vício de violação de lei.

É certo que na pendência da presente impugnação judicial, a AT solicitou esclarecimentos e elementos junto da Inspeção Tributária e com base nos mesmos veio, complementar, o indeferimento desta feita aduzindo que estes não são de molde a corroborar os elementos declarados pelo contribuinte.

Porém, esta não foi a fundamentação que motivou a manutenção do ato tributário, como visto, a AT rejeitou liminarmente a possibilidade de consideração de quaisquer elementos declarados pelo contribuinte, não requerendo quaisquer elementos atinentes a comprovar a realidade contemplada na modelo 3 de IRS, não diligenciando na junção de qualquer documentação contabilística ou aquiescendo de qualquer insuficiência, pelo que tal fundamentação -apenas junta em sede de impugnação judicial- não pode relevar por consubstanciar, efetivamente, fundamentação a posteriori.

Note-se que, não nos encontramos perante uma situação de limitação de conhecimento no processo de impugnação judicial às ilegalidades anteriormente suscitadas(4), mas sim com uma questão concatenada com uma fundamentação totalmente díspar que motivou a emissão e manutenção do ato de liquidação impugnado.

Porém, se até aqui validamos o raciocínio perfilhado pelo Tribunal a quo, já não podemos sancionar o juízo de entendimento atinente à cominação legal, concretamente, à condenação da AT à reapreciação da reclamação graciosa para apreciação dos elementos juntos em sede de impugnação.

E isto porque-conforme, aliás, aduzido pela Recorrente-não logra provimento o propugnado pelo Tribunal a quo, no sentido de que com a anulação da decisão da reclamação graciosa fica prejudicado o julgamento da liquidação impugnada, não só porque deduzida impugnação judicial do indeferimento de uma reclamação graciosa, o objeto mediato da impugnação judicial é o ato de liquidação, donde a impugnação do indeferimento não é autónoma do ato de liquidação, como o processo de impugnação judicial tem natureza meramente anulatória e não condenatória.

Mais importa salientar que, não é passível de qualquer confusão conceptual o vício de violação de lei por preterição do ónus probatório e o deficit instrutório, sendo que só este último poderá acarretar a baixa dos autos para a realização das diligências instrutórias tidas por pertinentes.

Noutra formulação, dir-se-á que só poderia ajuizar-se a baixa dos autos, não para a entidade administrativa, mas sim para o órgão jurisdicional a quo, se o Tribunal a quo tivesse incorrido em deficiente instrução do processo, o que, não é, de todo, o caso, porquanto não estava obrigado a requerer qualquer diligência adicional.

Não logrando, outrossim e face a todo o exposto, provimento a análise da legalidade do ato com uma uma fundamentação não contemporânea do mesmo. Como visto, no caso sub judice, a AT demitiu-se da sua função fiscalizadora, não requereu quaisquer esclarecimentos, nem encetou qualquer ação de fiscalização, e não analisou, tout court, a legalidade dos elementos declarados por entender que estaria cerceada tal opção, logo não tem o Tribunal a quo de analisar informações ulteriores e não contemporâneas do ato sub judice.

Ora, in casu, e como é bom de ver a situação coaduna-se com a violação do ónus probatório, porquanto a AT não ponderou os elementos declarados pelo contribuinte, ou seja, a AT não cumpriu com os seus deveres, ónus, levando a que um ato tributário liquidado oficiosamente não fosse, devidamente, escrutinado, logo admitir a condenação à reapreciação da reclamação graciosa nestas condições, ou mesmo determinar que o Tribunal analise elementos não valorados, em sede própria, pela AT, consubstanciaria um contorno das exigências probatórias legalmente previstas, com a inerente violação da lei.

Neste sentido, convoque-se novamente o citado Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0220/11.2, que vimos acompanhando no sentido de que “No presente caso a apresentação da declaração de substituição, referida na alínea I) do probatório, dentro do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (cfr.artº.76, nº.4, do C.I.R.S.), não podia ser desconsiderada na sua substância, como o foi pela AT (…)”, logo, “[n]o caso dos autos a declaração modelo 3 do IRS (a que vimos por facilidade de expressão chamando “de substituição” porque visa substituir a declaração oficiosa apresentada pela AT na circunstância de omissão declarativa do contribuinte mesmo depois de notificado para a prática do acto declarativo) foi apresentada não na sequência de uma primitiva declaração do contribuinte (que inexistiu) mas na sequência da declaração oficiosa elaborada pela AT e nas circunstâncias dos autos, necessariamente antes de ao sujeito passivo ser dada a conhecer a liquidação. Nestas condições, salvo o devido respeito por opinião diversa, devia ter sido considerada a declaração do contribuinte em toda a extensão do seu conteúdo como mais um elemento a considerar para uma eventual reforma/correcção da liquidação oficiosa com prévio recurso aos serviços de inspecção tributária em ordem ao apuramento da verdade fiscal. Neste sentido segundo cremos a lição de J. Lopes de Sousa no seu CPPT comentado e Anotado 6ª edição vol. I página 507 a 509.”

Destarte, a superveniência dos novos elementos constantes na declaração modelo 3 de IRS impunham a sua ponderação, pelo que nunca tendo ocorrido essa valoração dimana inequívoco que a liquidação oficiosa não pode manter-se por padecer de vício de violação de lei por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação, devendo ser cominada com a correspondente anulabilidade.

Assim, mantém-se integralmente a decisão recorrida quanto à procedência do aludido vício de violação de lei, apenas se alterando a consequência extraída pelo Tribunal a quo, no sentido da condenação da AT à reapreciação da reclamação graciosa, a qual não é, conforme já devidamente explicitado, de manter, nesta parte, o que se determinará no dispositivo.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, e em conformidade com a fundamentação exposta no ponto III, anular a liquidação oficiosa.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha]

Patrícia Manuel Pires


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(1)In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0220/11.2BEVIS, de 05 de dezembro de 2018.
(2)In Apontamentos de IRC, edição: Almedina, 2007, pp. 208 e 209.
(3)Autor reporta-se ao CIRC na redação vigente até 31/12/2009 e antes da republicação pelo DL 159/2009 de 13/07 com efeitos a partir de 01/01/2010.
(4)Vide, neste sentido, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0793/14, de 03.06.2015.