Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:130/21.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I. Os Municípios integram a administração tributária quanto aos tributos por eles administrados.
II. A cessação do sigilo fiscal depende da existência de uma norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos do artigo 64/2, alínea b) da LGT.
III. Os funcionários do Município estão sujeitos aos mesmos deveres de reserva e confidencialidade que recaem sobre os trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a intimação para a prestação de informações deduzida pelo Município de Cascais contra o Ministério das Finanças, onde se peticionava que a Entidade Requerida seja intimada a fornecer informação relativa ao domicílio fiscal das pessoas singulares, indicadas pelo Requerente, no âmbito dos processos de execução fiscal, por si instaurados, sob os n° 262/2020 e 624/2020, conforme oportunamente solicitado à AT.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

“III - CONCLUSÃO
56.° O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou as regras da competência em razão da matéria e em razão da hierarquia, cabendo a decisão da derrogação do sigilo profissional a Tribunal superior.
57.° A sentença ora posta em causa ao decidir como decidiu, interpretando a redação do artigo 7° do Decreto Lei 433/99, de 26/10, e qualificando-a como norma habilitante para a cessação do dever de sigilo fiscal, violou de forma grosseira o espírito do legislador e a lei substantiva da proteção de dados (Regulamento Geral de Protecção de Dados) e a sua transposição para a ordem interna (Lei 58/2019 e 59/2019, ambos de 8 de Agosto).
58.° Não se reconhece ao MC, apesar de integrar a administração tributária para aplicação das normas da LGT e CPPT, as mesmas atribuições e competências que a autorize legalmente a aceder à base de dados da AT.
59.° A recolha de dados pessoais pela AT não tem a finalidade de identificar os cidadãos perante toda e qualquer entidade administrativa.
60.° A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.
61.° Conforme se defende, para a cessação do dever de confidencialidade na cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto na al. b) do n.° 2 do artigo 64.° da LGT, é necessário a consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas, sendo que, o artigo 7.° do Decreto Lei 433/99, de 26/10, exige a publicação de uma Portaria que regulamente a forma de acesso e, na sua falta, por força do artigo 23.° da Lei da Proteção de Dados Pessoais, deverá ser elaborado um Protocolo entre o MC e a AT.
62.° Não sendo da competência do Município a elaboração da Portaria será, no entanto, a celebração do Protocolo.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso por o entendimento preconizado pela sentença do Tribunal “a quo” violar as regras da competência em razão da matéria e da hierarquia.
Mas não assim o entendendo, e por a transmissão do dado solicitado pela Recorrida configurar violação do previsto no artigo 64.° da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.°, artigo 35.°, n.° 4 e artigo 266.°, todos da Constituição da República Portuguesa, absolver a AT do pedido, com as legais consequências.


O Recorrido, Município de Cascais, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

1. A Recorrente alega a incompetência hierárquica e material do Tribunal a quo para decidir da questão que lhe foi submetida na presente intimação; no seu entendimento, ao negar prestar as informações solicitadas pelo Recorrido, a AT agiu ao abrigo do sigilo a que está obrigada pelo artigo 64.° da LGT e que, por esse motivo, a recusa seria legítima, nos termos do artigo 417.°, n.° 3, alínea c) e n.° 4 do CPC, que remete, por sua vez, para o artigo 135.° do CPP, tese de acordo com a qual só um Tribunal Superior poderia ordenar a derrogação do invocado sigilo, mediante incidente suscitado especificamente para o efeito, nos termos do disposto no artigo 135.°, n.° 3 do CPP.

2. Todavia, a presente intimação para prestação de informações foi intentada ao abrigo do disposto nos artigos 104.° e 105.° do CPTA, aplicáveis ex vi do artigo 2.°, alínea c) do CPPT, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 146.°, n.° 3 e 49.°, n.° 1, alínea e), subalínea vi) do ETAF, cabe ao tribunal tributário de primeira instância territorialmente competente, neste caso, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a apreciação da intimação, tal como sucedeu.

3. Esta questão já foi, aliás, decidida no sentido da competência dos tribunais de primeira instância para a apreciar, pelo TCA Sul que, no Acórdão proferido em 23 de abril de 2020, no âmbito do processo n.° 497/19.5BECTB decidiu que não estamos perante nenhum procedimento prévio de levantamento de sigilo fiscal, mas sim e apenas, perante uma questão que consiste em saber se a AT está, ou não, vinculada ao dever de informação decorrente do dever de colaboração previsto na lei (art.° 5°/1 do Decreto-Lei n.° 159/2006, de 8/8). É esta a questão suscitada nos autos e para a qual o tribunal é manifestamente competente.

4. De onde, sem qualquer sombra de dúvidas, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é o competente para o conhecimento desta intimação e pela improcedência da exceção invocada.

5. Mas mesmo que a competência do Tribunal a quo pudesse ser discutida, sempre teria que concluir-se que, por um lado, as normas invocadas pela Recorrente não se aplicam ao caso dos Autos; e que, por outro, ainda que se aplicassem, o que delas se retira é, também, que o Tribunal a quo é competente para apreciar a questão da legitimidade da recusa ao abrigo das mesmas.

6. Na verdade, ambas as normas invocadas pela Recorrente (ou seja, o artigo 417.° do CPC e o artigo 135.° do CPP) versam sobre a possibilidade de escusa em prestar depoimento ou informações perante os Tribunais, no âmbito do dever de colaboração para a descoberta da verdade, sobre factos relativamente aos quais tenham o dever profissional de guardar sigilo, sendo que, in casu, não foram arroladas testemunhas, nem foram requeridas quaisquer diligências de prova adicionalmente aos documentos originariamente juntos com a petição de intimação e com a resposta da Recorrente; em suma, não foi pedido à AT que divulgasse, perante o Tribunal, qualquer informação, protegida ou não, por sigilo profissional.

7. Ainda que, por absurdo, assim não se entendesse, o Tribunal a quo não teria violado quaisquer regras relativas à competência material ou hierárquica, pois que daquelas disposições legais, nomeadamente do n.° 2, do artigo 135.° do CPP, resulta claro que o Tribunal competente para aferir da legitimidade da escusa em colaborar com a descoberta da verdade não é outro que não o Tribunal de primeira instância, tal como sucedeu in casu e tal como decidiu o STJ, no seu Acórdão n.° 2/2008, proferido pelo Pleno das Secções Criminais, em 13 de fevereiro de 2008, no âmbito do processo n.° 894/07-3.

8. Em todo o caso, a verdade é que a Recorrente não deduziu o incidente de escusa nos termos preceituados nos artigos 417.°, n.° 4, do CPC e 135.° do CPP.

9. E se o tivesse feito importava então atentar ao disposto no artigo 418.°, n.° 1 do CPC que estabelece que «[a] simples confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos, em suporte manual ou informático, e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente, não obsta a que o juiz da causa, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, possa, em despacho fundamentado, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando a considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio.»

10. Razões pelas quais é clara a improcedência da exceção de incompetência alegada pela Recorrente, devendo este douto Tribunal negar provimento o recurso nesta parte.

11. No mais, o Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido de intimação apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal de dois contribuintes executados no âmbito dos correspondentes processos de execução fiscal por si instaurados, em razão de existir, por um lado, norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever de cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto no artigo 64°, n° 2, alínea b) da LGT e, por outro, que ainda que não existisse teria que considerar-se as autarquias locais como parte da AT quando no exercício de competências tributárias em tudo idênticas, como o são as relativas à cobrança coerciva dos tributos da sua titularidade.

12. Como resulta da sentença recorrida existe, ao contrário do que insiste em defender a Recorrente, «norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b), do n° 2, do artigo 64° da LGT» — cfr. Acórdão do TCA Sul, de 30 de setembro de 2020, proferido no processo n° 108/20.6BEFUN.

13. A Lei n° 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, procedeu à alteração do artigo 7.° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro, passando a facultar expressamente às autarquias locais o acesso à informação indispensável à realização de diligências de citação, notificação e execução no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados, prevendo, no seu n° 6, o direito de consulta nas bases de dados da administração tributária, de informação sobre o domicílio fiscal e a identificação e a localização dos bens do executado.

14. As alterações a que o artigo 7.° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro foi sujeito, visaram esclarecer os contornos do dever de confidencialidade, imposto pelo artigo 64.°, n° 1 da LGT à administração tributária face às autarquias locais, tornando, simultaneamente, efetivos e praticáveis os poderes tributários relativamente aos impostos e outros tributos a cuja receita estas tenham direito, nos termos do disposto no artigo 15° do RFALEI, os quais compreendem, nomeadamente, a possibilidade de cobrança coerciva desses mesmos impostos e tributos, como determina a alínea c) do mesmo normativo, através do processo de execução fiscal previsto e regulado no CPPT, tal como postula o artigo 12°, n° 2 do RGTAL e como passou igualmente a prever, de forma mais genérica, o próprio artigo 7°, n° 1 do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro, na sua redação inicial.

15. Com efeito, de pouco serviria a atribuição de uma competência específica no âmbito da execução coerciva dos tributos a cuja receita os municípios têm direito, se depois se vissem estes impedidos de levar a cabo as diligências necessárias, por falta de informação fidedigna relativamente ao domicílio fiscal dos executados e, bem assim, aos bens suscetíveis de penhora.

16. Acresce que não é diferente, no que respeita ao seu peso jurídico, o interesse da AT em conhecer o domicílio fiscal dos contribuintes no âmbito de uma execução fiscal, do interesse das autarquias locais em obter essa mesma informação para esse mesmo efeito, no domínio dos tributos por si administrados, não fazendo qualquer sentido conferir tratamento díspar à AT e às autarquias locais, permitindo à primeira o conhecimento do domicílio fiscal dos devedores e vedando essa mesma informação às segundas, tal como decidiu o Tribunal a quo (cf. p. 25 da sentença).

17. Neste contexto, irreleva a necessidade de regulamentação, via Portaria ainda não aprovada, dos termos em que poderá decorrer a consulta informática direta àquelas bases de dados, como dispõe o n° 8, do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro, pois que, o facto de a consulta informática direta às bases de dados se encontrar carecida de maiores desenvolvimentos legislativos, em nada belisca a legitimidade dos municípios no que respeita à consulta não direta, ou seja, por meio dos serviços da AT (como, de resto, vinha acontecendo, sem qualquer oposição, até outubro de 2020, conforme se demonstrou e se pretende que se dê como provado).

18. Esta é a única conclusão que se coaduna com os princípios subjacentes à interpretação da Lei, vigentes no nosso ordenamento jurídico e plasmados no artigo 9.° do Código Civil: desde logo, os elementos literal e lógico favorecem o entendimento do ora Recorrido, na medida em que o termo ‘consulta’, referido no n° 6 do artigo 7.° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro é um termo que abrange qualquer tipologia de consulta, seja ela direta informática, direta não informática, indireta informática ou indireta não informática, e na medida em que, permitindo-se o ‘fim’ consulta, necessariamente se permitem os meios necessários à sua consecução, não se restringindo os mesmos à aprovação de sistema informático próprio para o efeito - como se extrai também da sentença recorrida (p. 30).

19. Também os elementos sistemático e histórico validam a autonomia do direito à consulta das bases de dados da AT independentemente da instituição de um sistema informático para consulta direta, como se retira da análise do regime de consulta instituído para os agentes de execução e previsto no artigo 749.° do CPC (cuja redação é, atualmente, bastante próxima da que veio a ser conferida ao artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro), de onde resulta que a Lei já previa a possibilidade de consulta a determinadas bases de dados antes mesmo de conceber a possibilidade de a mesma ser efetuada informática e diretamente pelos agentes de execução, não tendo esse direito sido suspendido durante o tempo em que aquela não se encontrou regulamentada por Portaria.

20. O artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro, na redação que lhe foi dada pela LOE para 2018 é claro ao afirmar que apenas a consulta informática direta - e não a consulta em termos genéricos - está dependente de operacionalização por meio de Portaria e ao estabelecer que a identificação do domicílio fiscal dos executados, por mera indicação do respetivo nome e NIF, se encontra abrangida pelo direito de consulta previsto - cf. artigo 7.°, n.° 7 do Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro.

21. Não existe qualquer impedimento, de natureza legal, institucional ou procedimental, a que os municípios acedam às informações necessárias ao exercício das suas competências em matéria de cobrança coerciva dos tributos por si administrados, sendo inequívoca a legitimidade do Recorrido, decorrente dos n.°s 6 e 7 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 433/99 de 26 de outubro, bem como o seu interesse legítimo e qualificado, decorrente das suas competências em matéria de cobrança coerciva dos impostos e outros tributos por si administrados em conhecer a informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos de execução fiscal por si instaurados.

22. Acresce que o direito de consulta não pode, pois, ser ilegalmente limitado nos termos pretendidos pela Recorrente: seja pela obtenção da informação junto de outra fonte, seja pela celebração prévia de um qualquer protocolo para o efeito, a exemplo do que foi feito por outras entidades, criteriosamente enumeradas, nas alegações apresentadas: primeiramente, porque é à base de dados da AT que a Lei Fiscal confere expressamente o direito de acesso e, segundamente, porque o confere especificamente às autarquias locais e não a qualquer dessas outras entidades, razão pela qual certamente se viram as mesmas obrigadas a celebrar o protocolo a que se refere o artigo 23.°, n.° 2 da Lei da Proteção de Dados Pessoais.

23. Se assim é, ou seja, se é a própria Lei que estabelece a faculdade de acesso à base de dados da AT para efeitos da obtenção, por parte das autarquias locais, da informação relativa ao domicílio fiscal dos contribuintes, nos termos já sobejamente expostos, a existência de outras possibilidades não é nem pode ser utilizada pela AT como pretexto para se escusar de lhe dar cumprimento.

24. Conclusão diversa violaria o disposto nos n.°s 6 e 7 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 433/99 de 26 de outubro e, bem assim, na alínea b), do n.° 2, do artigo 64.° da LGT, que impõem a derrogação do sigilo fiscal no âmbito do dever legal de cooperação entre entidades públicas.

25. Razão pela qual andou bem o Tribunal a quo ao conceder provimento à intimação apresentada, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e mantida integralmente a sentença recorrida.

26. Em todo o caso, ainda que pudesse entender-se que o artigo 7.°, n.° 6 institui, não um direito à consulta de informações, mas, na esteira do que defende a Recorrente, um direito à ‘consulta informática direta’ sempre teria de reconhecer-se que o legislador acautelou devidamente a possibilidade de demora na operacionalização dessa faculdade, pois que, a par da consulta às bases de dados da AT, o artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro também passou a prever, de forma expressa, no seu n.° 10 que «quando não seja possível o acesso eletrónico, pelo município, aos elementos sobre a identificação e a localização dos bens do executado, a AT deve fornecê-los pelo meio mais célere e no prazo de 30 dias».

27. O entendimento da Recorrente no sentido de que só em caso de “indisponibilidade do sistema informático” podem os Municípios invocar o disposto naquela norma não pode proceder, desde logo porque o que a Lei prevê como pressuposto do acesso indireto ou mediato, por meio de solicitação, às bases de dados da AT é a impossibilidade de acesso eletrónico e não a mencionada ‘indisponibilidade do sistema informático’.

28. Quando o legislador estabelece que a AT deve facultar a consulta às informações a que os municípios têm direito por consulta direta, por qualquer outro meio ‘quando não seja possível o acesso eletrónico’, refere-se, na falta de menção em contrário, a qualquer impossibilidade no acesso eletrónico e não a uma impossibilidade específica e temporária derivada de uma qualquer falha de funcionamento de um sistema informático que a ser criado no âmbito de uma Portaria que não existe ainda.

29. A diferença entre mencionar, por um lado, a possibilidade do recurso aos serviços da AT, quando não seja possível o ‘acesso eletrónico’ e, por outro, a ‘indisponibilidade do sistema informático’, torna-se, neste ponto, evidente: é que, enquanto a falta de um sistema informático apropriado à consulta direta consubstancia a impossibilidade de acesso eletrónico por excelência, já a indisponibilidade do sistema informático pressupõe a existência de um, como condição prévia de acesso à informação.

30. Perante a redação da Lei, apenas há que questionar se à data em que foi solicitada à AT prestação das informações sub judice era possível o acesso eletrónico direto às suas bases de dados por parte da Requerente, devendo a AT, em caso de resposta negativa - como sucede in casu - facultar a consulta aos dados solicitados pelo Recorrido, no prazo de 30 dias, conforme decorre do n° 10, do artigo 7°, do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro.

31. Neste ponto, valem igualmente as considerações já tecidas a propósito dos princípios da interpretação da Lei, mormente no que respeita aos elementos sistemático e histórico, por paralelismo com o regime aplicável aos agentes de execução, para quem a Lei sempre previu o direito à consulta, em variadas bases de dados, dos elementos identificativos dos executados e dos bens suscetíveis de penhora e respetiva localização e, bem assim, um prazo para que o produto dessa consulta lhes fosse disponibilizado pelas entidades competentes - cf. artigo 833°, n° 1 e n° 3 do CPC, entretanto revogado (hoje artigo 749° do CPC).

32. Com a aprovação do Decreto-Lei n° 226/2008, de 20 de novembro, que substituiu o artigo 833° pelo artigo 833°-A, passou, então a prever-se o mesmo direito de consulta, desta feita por meio preferencial de consulta direta informática, nunca se tendo questionado que o direito à consulta em si mesmo se manteve intacto durante o tempo que mediou esta alteração e a aprovação da portaria que regulamentou aquela consulta direta informática.

33. Sendo factual que não lhe é, presentemente, possível o acesso eletrónico às bases de dados da AT, é inequívoca a sua obrigação em facultar ao Recorrido as informações oportunamente solicitadas, ao abrigo do n° 10, do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro, conclusão a que chegou igualmente o Tribunal a quo na sentença recorrida, onde se lê que «a impossibilidade de acesso eletrónico, sujeita a regulamentação ou à celebração de protocolos direcionados para o efeito, não pode condicionar o acesso à informação, pelo que o direito de consulta deve ser assegurado por qualquer outra via, designadamente, como se passa no caso dos autos, mediante a apresentação de um pedido, devidamente circunstanciado, com a indicação da finalidade a que se destina e do processo de execução fiscal em causa.» — cf. p. 30 - mas também no âmbito da intimação que correu termos sob o n° 955/10.9BESNT, entre as mesmas partes e versando sobre a mesma questão.

34. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao ter intimado o Ministério das Finanças a prestar essas mesmas informações, no prazo máximo de 10 dias, conforme dispõe o artigo 108.°, n.° 1 do CPTA, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e confirmada a sentença recorrida.

35. Finalmente, como decorre do disposto no artigo 1.°, n.° 3 da LGT e como concluiu o Tribunal a quo, sempre se dirá que as autarquias locais «integram a administração tributária, não se justificando uma diferença de tratamento entre entidades que detêm, nos termos da lei, os mesmos poderes tributários, in casu, a Autoridade Tributária e as autarquias locais.» - p. 24 da sentença recorrida.

36. Já no âmbito do enquadramento legislativo anterior à LOE para 2018, devia entender-se que o sigilo fiscal previsto no artigo 64.°, n.° 1 da LGT não é aplicável entre os órgãos da AT stricto sensu e as demais entidades integrantes da Administração Tributária para efeitos do disposto no artigo 1.°, n.° 3 da LGT.

37. Quer a AT e o Recorrido são, para efeitos daquela norma, entidades similares, dotadas dos mesmos poderes tributários, sendo que a comunicação ao Recorrido dos dados recolhidos pela AT nesse âmbito não desvirtua a finalidade da dita recolha.

38. Adicionalmente, do artigo 64.°, n.° 3 da LGT resulta que o dever de sigilo, previsto no n.° 1 do mesmo artigo se comunica a quem quer que obtenha da Autoridade Tributária os elementos protegidos pelo dever de confidencialidade, nos mesmos termos em que esta está sujeita e obrigada a tal dever.

39. Nestes termos, «a derrogação do sigilo comporta uma extensão do dever de confidencialidade às entidades e agentes a favor de quem tal derrogação opera» - cf. sentença do TAF de Sintra, proferida na intimação n.° 955/20.9BESNT, p. 15.

40. Concluindo-se, na esteira do que se deixou plasmado no Parecer n.° 496/2015, proferido no âmbito do processo n.° 745/2015 pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que a comunicação ao Recorrido da informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos por si instaurados, no âmbito dos poderes tributários de que dispõe, não acarreta necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar dos titulares da informação, uma vez que o Recorrido se encontra, igualmente, sujeito ao dever de sigilo.

41. Com as alterações legislativas operadas pela LOE para 2018, o legislador mais não fez do que tornar expressa uma interpretação que, na verdade, já resultava da Lei fiscal: a de que, por via dos poderes tributários que lhe são conferidos por Lei, nomeadamente em matéria de cobrança coerciva dos tributos por si administrados, as autarquias locais têm legitimidade de acesso às informações necessárias à realização das diligências de execução cabíveis, no âmbito dos processos por si instaurados, em pé de igualdade com a AT.

42. Em conclusão, mesmo que fosse possível entender o artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro como uma norma ‘incompleta’ para efeitos da derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do disposto no artigo 64.°, n.° 2, alínea b) da LGT, sempre se diria que ela não era necessária para fundamentar a partilhas das informações nos termos requeridos.

43. Tudo razões para que seja negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a sentença recorrida.

IV. DO PEDIDO
Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se integralmente a douta sentença proferida pelo proficiente Tribunal a quo e intimando-se, em consequência, o Ministério das Finanças a facultar a informação relativa ao domicílio fiscal dos executados no âmbito dos processos de execução fiscal n.°s 262/2020 e 624/2019, instaurados e a correr termos na Câmara Municipal de Cascais, com as necessárias consequências legais, pois,

Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, em primeiro lugar, se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra era o competente para a ação.

Depois, e em caso de resposta afirmativa, se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na apreciação dos factos considerados provados ou das normas ao caso aplicáveis.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) Em 02.10.2019, a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, Divisão de Identificação de Contribuintes dirigiu o ofício n° GI9034 à Câmara Municipal de Cascais Execuções Fiscais, pelo qual remeteu os extratos informáticos dos elementos, existentes naquela Direção de Serviços, referentes ao contribuinte P..., solicitados no ofício de 23.09.2019, com o Prc° 249/2019 - [cf. fls. 32/93 [18/20] dos autos];

B) Em 13.12.2019, a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, Divisão de Identificação de Contribuintes dirigiu o ofício n° G23425 à Câmara Municipal de Cascais Execuções Fiscais, pelo qual remeteu os extratos informáticos dos elementos, existentes naquela Direção de Serviços, referentes ao contribuinte D..., solicitados no ofício de 09.12.2019, com o Prc° 502/2019 - [cf. fls. 32/93 [21/23] dos autos];

C) No dia 14.04.2020, a DSRC - Direção de Serviços de Registo de Contribuintes remeteu "mail" à Div. Execuções Fiscais, com o assunto “Pedido de informação”, pelo qual remeteu os extratos informáticos dos elementos, existentes naquela Direção de Serviços, referentes ao contribuinte S..., solicitados no ofício de 12.03.2020, com o Prc° 207/2019 - [cf. fls. 32/93 [24] dos autos];

D) Em 20.08.2020, a DSRC - Direção de Serviços de Registo de Contribuintes remeteu "mail" à Div. Execuções Fiscais, com o assunto “Pedido de informação”, pelo qual remeteu os extratos informáticos dos elementos, existentes naquela Direção de Serviços, referentes ao contribuinte N..., solicitados no ofício de 13.07.2020, execução fiscal n° 120/2017 - [cf. fls. 32/93 [25] dos autos];

E) No dia 24.08.2020, a DSRC - Direção de Serviços de Registo de Contribuintes informou a Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais que se encontrava disponível um novo canal privilegiado de contacto com os contribuintes, denominado e-balcão - [cf. fls. 32/93 [26] dos autos];

F) Em 09.10.2020, através do ofício n° 030661, a Câmara Municipal de Cascais, Execuções Fiscais, dirigiu ao Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes, pedido de informação, com a referência “Processo de Execução Fiscal n° 262/2020, instaurado contra K... com o NIF2...”, onde consta o seguinte:
"As autarquias locais exercem poderes tributários nos termos consagrados por lei, os quais compreendem as competências relativas à cobrança coerciva dos tributos que administram, enquanto administração tributária, conforme resulta do n° 3 do artigo 1° da Lei Geral Tributária.
Tais competências são exercidas com recurso ao processo de execução fiscal, nos termos decorrentes do artigo 12°, n° 2 da Lei n° 52-E/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e da alínea c) do artigo 15° da Lei n° 72/2013 de 3 de setembro, que aprovou o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais.
Ao abrigo das mencionadas disposições legais e tendo em vista a instrução do processo de execução fiscal identificado em epígrafe, a Responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais, da Câmara Municipal de Cascais, considerando a existência de um dever geral de cooperação das entidades públicas com a Administração Tributária, consagrado no artigo 49° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda, a obrigação decorrente dos n°s 7 e 10, do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99, de 26 de outubro, que aprova o Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação dada pela Lei n° 114/2017, de 29 de dezembro, que aprova o Orçamento de Estado para o ano de 2018, nos termos dos quais a informação relativa ao domicílio fiscal do executado deverá ser fornecida pela Autoridade Tributária, no prazo de 30 dias, vem solicitar informação relativa ao domicílio fiscal do(a) executado(a) supra identificado(a)". - [cf. fls. 33 dos autos];

G) Em 12.10.2020, através do ofício n° 030823, a Câmara Municipal de Cascais, Execuções Fiscais, dirigiu ao Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes, pedido de informação, com a referência "Processo de Execução Fiscal n° 624…, instaurado contra R..., com NIF 2...", com o mesmo teor do ofício, mencionado na alínea que antecede - [cf. fls. 32 dos autos];

H) Em 15.10.2020, a Direção de Serviços de Justiça Tributária da AT elaborou informação no processo 65302020…, com o assunto "Sigilo Fiscal (art. 64° LGT). Pedido informação - CM Cascais - Proc. 624/2019”, donde se extrai, designadamente o seguinte:
"(…)
2. O n°, 1 do artigo 64°. da Lei Gera! Tributária (LGT), que se refere ao dever de confidencialidade, determina que os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outra dever de segredo legalmente regulado.
Tal dever de sigilo poderá, no entanto, cessar nas situações tipificadas no n°. 2 do artigo 64°. da LGT, de que se destaca na alínea b) a cooperação legal da administração tributária com outras ENTIDADES PÚBLICAS, na medida dos seus poderes.
Contudo, esta não é uma norma de aplicação direta, mas de REMISSÃO para os preceitos legais que, no caso, afastem o dever de sigilo. E a derrogação do sigilo fiscal com fundamento na alínea b) do n°. 2 do mesmo artigo, dependerá ainda da existência de uma NORMA ESPECÍFICA que atribua à ENTIDADE PÚBLICA que solicita os elementos, poderes de acesso à informação protegida.
(...)
“9.1 - A primeira das situações em que se prevê a possibilidade de quebra do segredo fiscal diz respeito à cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes.
Trata-se, pois, de uma norma autorizadora em branco, que pressupõe, para a respetiva aplicação, a existência de outras NORMAS LEGAIS que ESPECIFICAMENTE prevejam a obrigação, por parte da Administração Tributária, de fornecimento, no quadro da cooperação entre entidades públicas, de informações abrangidas pelo segredo fiscal. Em face desse preceito, e na falta de expressa previsão legal, as estruturas orgânicas da AT não poderão facultar dados de natureza sigilosa a quaisquer organismos públicos, não havendo, neste caso, que distinguir, pelas razões que acima se aduziram, entre organismos internos ou exteriores à mesma Autoridade." .
3. Neste contexto, as questões que importam aqui esclarecer, serão as de saber:
• Se o DOMICILIO FISCAL da contribuinte pessoa singular R..., é (ou não) um dado abrangido pelo dever de sigilo, nos termos do n°. 1 do artigo 64°. da LGT,
• Em caso afirmativo, se estão (ou não) verificados os pressupostos para que possa ocorrer a cessação do dever de sigilo e a prestação da informação protegida, no âmbito da cooperação legal da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com outras entidades públicas, designadamente com a CM de Cascais, nos termos da alínea b) do n° 2 do mesmo artigo 64°. da LGT.
(...)
Na parte que aqui releva, o ponto 1) do artigo 4°. do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril, define DADOS PESSOAIS nos seguintes termos:
■ "Informação relativa a uma PESSOA SINGULAR identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser Identificada, direta ou indireta mente, em especial por referência a um IDENTIFICADADOR como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular."
E assim sendo, isto é, por ser uma informação relativa a uma pessoa singular, “in casu”, identificada através do respetivo Nome e NIF, teremos de concluir que, caso exista na base de dados da AT, o DOMICÍLIO FISCAL da contribuinte R... (titular dos dados), é um DADO PESSOAL dessa mesma contribuinte.
E, por esse motivo, está abrangido pelo dever de sigilo, nos termos do n° 1 do artigo 64°. da LGT.
3.2. Importa, portanto, averiguar se existe alguma NORMA ESPECÍFICA que, derrogando o dever de sigilo, atribua à CM de Cascais o acesso à informação protegida, no âmbito da cooperação legal da AT com outras Entidades Públicas, nos termos da alínea b) do n°. 2 do artigo 64°. da LGT.
(...)
3.2.1, O artigo 7°. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 269°. da Lei n°, 114/2017, de 29 de Dezembro (aprovou o OE/2018) é a NORMA ESPECÍFICA que, derrogando o dever de sigilo, vem atribuir aos MUNICÍPIOS, poderes de acesso à informação protegida pelo dever de sigilo.
Assim, igualmente na parle que aqui releva, os n°s 6, 7, 6, 9 e 10 do artigo 7°. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro (aprovou o CPPT), estabelecem o seguinte:
"6 - A realização de PENHORA é precedida das diligências que a AUTARQUIA considere úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, PROCEDENDO ESTA, sempre que necessário, à CONSULTA, nas BASES de DADOS da administração tributária, de informação sobre a IDENTIFICAÇÃO do EXECUTADO e sobre a identificação e localização dos bens do executado.
7 - A informação sobre a IDENTIFICAÇÃO do EXECUTADO referida no número anterior apenas inclui o DOMICÍLIO FISCAL, mediante indicação á Autoridade Tributária e Aduaneira do número de identificação fiscal.
8 - A CONSULTA DIRETA pelo município às bases de dados referidas no n°. 6 é efetuada em termos a DEFINIR por PORTARIA dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais.
9 - A REGULAMENTAÇÃO referida no número anterior deve especificar, em relação a CADA CONSULTA, a obtenção e a conservação dos dados referentes à data da consulta e â identificação do respetivo processo executivo e dos trabalhadores e titulares de órgãos municipais que tenham acesso a informação transmitida pela AT.
10 - Quanto não seja possível o ACESSO ELETRÓNICO, pelo Município, aos elementos sobre a identificação e a localização dos bens do executado, a AT deve fornecê-los pelo meio mais célere e no prazo de 30 dias.”
3.2.2. Ora, o que se encontra estabelecido nos citados n°s 6, 7, 8 e 9 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°, 433/99, de 26 de outubro, é a CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT, e portanto, através do sistema informático (acesso eletrónico), pelos próprios MUNICÍPIOS, designadamente pelos seus "trabalhadores e titulares de órgãos municipais", com vista à obtenção de informações sobre o "DOMICÍLIO FISCAL” e sobre a "identificação e localização de bens" dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar pelos mesmos Municípios.
Para esse efeito, conforme resulta do disposto nos n°s 8 e 9 da mesma norma legal, será ainda necessária a DEFINIÇÃO e regulamentação através de PORTARIA, dos termos em que se irá processar aquela CONSULTA DIRETA. Diploma que, entre outras matérias, deverá especificar:
• os utilizadores credenciados (trabalhadores e titulares e órgãos municipais), que poderão efetuar a consulta direta das bases de dados da AT;
• os dados ou categorias de dados, que serão disponibilizados para consulta pelos Municípios.
3.2.3, Assim sendo, quando em conformidade com o estabelecido nos n°s 6, 7, 8 e 9 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°, 433/99, de 26 de outubro, bem como, com o que vier a ser definido na referida Portaria, estiver implementada a FUNCIONALIDADE que permitirá o ACESSO ELETRÓNICO (através de meios informáticos), às bases de dados da AT, serão os próprios Municípios, designadamente os seus "trabalhadores e titulares de órgãos municipais" (credenciados para o efeito), que terão LEGITIMIDADE para proceder à CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT e é pesquisa de informação sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar pelos mesmos Municípios.
Só EXCECIONALMENTE, quando por “indisponibilidade do sistema informático" não for possível o ACESSO ELETRÓNICO, e consequentemente, a CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT, pelos próprios Municípios, será possível aos Municípios invocarem o disposto no n°. 10 do artigo 7°., para solicitarem DIRETAMENTE aos Serviços de Finanças, informações sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados.
Sendo que, nesse caso, porque a LEI assim o prevê, os Serviços de Finanças já poderão prestar-lhes as informações solicitadas, nos mesmos termos em que esta informação estaria acessível “por consulta direta", se não tivesse ocorrido a impossibilidade de acesso eletrónico.
À contrário, isto é, por falta de DISPOSIÇÃO LEGAL expressa nesse sentido, nas restantes situações, que serão todas aquelas que não integram a previsão do n°. 10 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, os Serviços da AT, NÃO têm LEGITIMIDADE para, em resposta aos pedidos que lhes sejam dirigidos - diretamente - pelos Municípios, efetuarem pesquisas nas bases de dados da AT e prestarem informações sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar nos Municipios.
(...)
• Na presente data, não pode ter ocorrido qualquer situação de impossibilidade de “acesso eletrónico" às bases de dados da AT, de modo a fundamentar a aplicação do n°. 10 do mesmo artigo 7º. do referido diploma legal.
Sendo que, conforme já aqui foi referido, por falta de disposição legal expressa nesse sentido, nas restantes situações (que serão todas aquelas que não integram a previsão do referido n°. 10 do artigo 7°.), os serviços da AT NÃO têm LEGITIMIDADE para, em resposta aos pedidos que lhes sejam dirigidos - diretamente - pelos Municípios, efetuarem pesquisas nas bases de dados da AT, e prestarem informações sobre o “domicílio fiscal" dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar pelos Municípios.
• Pese embora o alegado pela CM de Cascais, o pedido que efetuou não integra a previsão do n°. 10 do artigo 7º. do mesmo diploma legal.
E. consequentemente, esta disposição legal não pode fundamentar a cessação do dever de sigilo, e a prestação pelo respetivo SF ou pela DSRC - diretamente - à CM de Cascais, da informação que solicitou sobre o DOMICÍLIO FISCAL da contribuinte pessoa singular R..., no âmbito da cooperação legal da AT com outras entidades púbicas, nos termos da alínea b) do n°. 2 do artigo 64°. da LGT.
4. Finalmente, importa ainda referir, que o artigo 49°. do CPPT, também invocado pela CM de Cascais, apenas consagra um DEVER GERAL de COOPERAÇÃO ou de AUXILIO, entre Entidades Públicas.
Pelo que, não tendo a caraterística de Norma Especifica, também não pode fundamentar a cessação do dever de sigilo, e a prestação da informação solicitada pela CM de Cascais, no âmbito da cooperação legal da AT com outras entidades públicas, nos termos da alínea b) do n°. 2 do artigo 64°. da LGT.
5. Por todo o exposto, propõe-se o INDEFERIMENTO do pedido de informação efetuado
(...)” - [cf. fls. 32/93 [6/10] dos autos];

I) Na mesma data, a Direção de Serviços de Justiça Tributária da AT elaborou informação no processo 653020206…, com o assunto "Sigilo Fiscal (art. 64° LGT). Pedido informação - CM Cascais - Proc. 262/2020", com idêntico teor da informação reproduzida na alínea que antecede - [cf. fls. 32/93 [11/17] dos autos];

J) Por despacho concordante da Subdiretora Geral da Justiça Tributária da AT, datado de 19.10.2020, com as informações, constantes das alíneas anteriores, foram indeferidos os pedidos de informação, apresentados pelo Requerente - [cf. fls. 32/93 [4 e 11] dos autos];

K) Em 28.10.2020, o Serviço de Finanças de Cascais dirigiu, à Câmara Municipal de Cascais, o ofício n° 2672, sob registo, com a referência alfanumérica RH493…PT, com o assunto "Pedido de informação relativamente ao DOMICÍLIO FISCAL dos executados, referentes aos PEF’s 262/2020 e 624/2019", onde consta o seguinte:
"Fica por este meio notificado que os pedidos de informação apresentados, através de ofício ao Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes, em nome dos contribuintes identificados nos PEFs supra identificados, foram indeferidos, por despacho do Subdiretor Geral - A..., datado de 19.10.2020, conforme fundamentação constante do mesmo bem como da informação que lhe está subjacente, cujas cópias se anexam para todos os efeitos legais. (...)" - [cf. fls. 32/93 [3] dos autos];

L) Em 27.11.2020, a Câmara Municipal de Cascais apresentou recurso hierárquico do despacho de indeferimento dos pedidos de informação apresentados, nos processos n°s 653020206… e 65302020653… - [cf. fls. 32/93 [28/52] dos autos].


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Inexistem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, que devam julgar-se como não provados.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos para os quais se remete no final de cada facto que não foram impugnados e que, pela sua natureza ou qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal, bem como no teor da posição expressa pelas partes nos respetivos articulados, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova.


II.2 Do Direito

O Município de Cascais intentou contra o Ministério das Finanças ação de intimação para a prestação de informações, ao abrigo dos artigos 104º e 105º do CPTA, que foi julgada procedente e o Requerido, ora Recorrente condenado a prestar as requeridas informações, relativas ao domicílio fiscal de dois executados em processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva de tributos administrados pela autarquia.

Inconformado com a decisão interpôs o presente recurso no qual alega que Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou as regras da competência em razão da matéria e em razão da hierarquia, cabendo a decisão da derrogação do sigilo profissional a Tribunal superior (cf. conclusão 56).

Vejamos, pois, em primeiro lugar a questão relativa à violação da competência em razão da matéria e da hierarquia.

Com efeito, a competência dos tribunais tributários, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede a de outra matéria [cf. artigo 16/1.2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 13º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 96º e 97º do Código Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 2.c).d) CPPT].

Ora, como é consabido, a infração às regras da competência em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. artigo 16/1 CPPT).

Esta questão trazida à liça pela Recorrente, foi recentemente analisada e decidida em acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n° 497/19.5BECTB, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos e não vemos motivos para decidir em sentido diferente.

De acordo com o disposto nos artigos 209/1.b) e 212/3 da Constituição (CRP), compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos (a que correspondem atualmente as ações administrativas) que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais [cf. artigo 1/1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)].

Por relação jurídica tributária, deve entender-se a relação estabelecida entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas [artigo 1/2 da Lei Geral Tributária (LGT)]

A jurisprudência tem contruído o conceito de questão fiscal como aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da atividade tributária da administração.

Assim, e tal como se sintetiza no citado acórdão TCAS, o que determina a competência em razão da matéria dos tribunais tributários é a natureza tributária do litígio, ou seja, a competência material destes tribunais decorre da natureza jurídica das questões a resolver ou do litígio a dirimir e não da natureza jurídica das partes ou da forma processual utilizada.

Nos termos do artigo 4/1.b) do ETAF compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.

Ora, o pedido formulado pelo Município e a recusa da Autoridade Tributária e Aduaneira em fornecer a informação solicitada integra-se manifestamente no âmbito de uma disposição de direito, pelo que a respetiva apreciação pertence à jurisdição fiscal.

No que respeita à competência em razão da hierarquia, é consabido que são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal o Supremo Tribunal Administrativo, os Tribunais Centrais Administrativos (TCA) e os Tribunais Administrativos de Círculo e os Tribunais Tributários.

O Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, que compreende três níveis hierárquicos. Na base da pirâmide estão os tribunais administrativos e fiscais, seguida pelos TCA e no topo, o STA.

Ora, nos presentes autos foi peticionado a intimação do Ministério das Finanças a, no prazo máximo de 10 dias, fornecer a informação relativa ao domicílio fiscal das pessoas singulares indicadas pela Requerente no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados sob os nº 262/2020 e 624/2020, anteriormente solicitado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Como defende a Recorrida nas suas alegações, no caso em análise não estamos aqui perante um procedimento prévio de levantamento de sigilo fiscal, mas tão só em responder à questão sobre se a Autoridade Tributária está, ou não, vinculada ao dever de informação decorrente do dever de colaboração previsto na lei (artigo 7/7 do Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de outubro).

Com efeito, se a questão é de levantamento de sigilo fiscal, esse levantamento deveria ser objeto de processo autónomo a instaurar nos termos do Código de Processo Penal, como defende a Recorrente.

Todavia, nos termos do artigo 49/4.e).vi do ETAF, é expressamente atribuída competência aos tribunais tributários para conhecer dos pedidos de intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações.


É esta a questão suscitada nos autos e para a qual o tribunal é manifestamente competente.

Por conseguinte, podemos concluir, é competente material e hierarquicamente o TAF de Sintra para a intimação requerida pelo Município de Cascais.

Vejamos agora de fundo.

A questão a decidir no presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a informação que o Município de Cascais pretende obter do Ministério da Finanças – Autoridade Tributária e Aduaneira e que consiste em saber qual o domicílio fiscal dos executados, afronta ou viola o dever de sigilo ou confidencialidade previsto no artigo 64.º da Lei Geral Tributária.

A sentença recorrida identificou corretamente o objeto do litígio. Diz:

O objeto do pedido de intimação judicial delimita-se por referência ao pedido formulado pelo Requerente, junto da Administração.

E, no caso dos autos, o Requerente peticionou à Entidade Requerida, através de dois requerimentos, dirigidos ao Diretor de Serviços de Registo dos Contribuintes, solicitando informação relativamente ao domicílio fiscal dos munícipes executados no âmbito dos processos de execução fiscal n°s 262/2020 e 624/2020, nos termos dos n°s 7 e 10 do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10 [cf. alíneas F e G) do probatório].

Na resposta aos pedidos apresentados, a Entidade Requerida recusou a prestação das informações, referentes ao domicílio fiscal, escudando-se no dever de sigilo, consagrado no n° 1 do artigo 64° da LGT, alegando (i) não estar em causa o dever de colaboração entre entidades públicas; (ii) que o domicílio fiscal se insere no conceito de dados pessoais, acrescentando que (iii) não existe norma legal específica que permita o acesso, por parte do Município, aos dados requeridos, entendendo que os pedidos não integram a previsão do n° 10 do artigo 7°.


E as normas em confronto, fazendo uma súmula dos interesses em causa:

Na presente Intimação, o Requerente invoca, em abono da sua pretensão, o facto de exercer poderes tributários, nos termos do disposto no artigo 238° do CRP, bem como lhe cabe a possibilidade de cobrança coerciva dos tributos (artigo 15°, alínea c) da Lei n° 72/2013 de 03.09 - Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais), defendendo que o sigilo fiscal, previsto no artigo 64°, n° 1 da LGT, não é absoluto e pode ser derrogado.

Argumenta que o artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10, com a redação introduzida pela Lei n° 114/2017, de 29.12, faculta, expressamente, o acesso à informação indispensável à realização de diligências de citação, notificação e execução no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados, esclarecendo os contornos do dever de confidencialidade imposto à administração tributária, face às autarquias locais, tornando simultaneamente, efetivas as competências em matéria de execuções fiscais.

Reconhece, ainda o Requerente que o facto de a consulta informática direta às bases de dados se encontrar carecida de maiores desenvolvimentos legislativos, em nada belisca a legitimidade dos municípios no que respeita à consulta não direta, ou seja, por meio dos serviços da AT, sendo a lei clara ao estabelecer que a identificação do domicílio fiscal dos executados, por indicação do respetivo nome e NIF se encontra abrangida pelo direito de consulta previsto no n° 7 do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10, existindo, por isso, norma habilitante, específica, que permite a derrogação do sigilo fiscal (artigo 7° n° 6 do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10).

Afirma, por isso, que tem interesse legítimo e qualificado, decorrente das suas competências em matéria de cobrança coerciva dos impostos e outros tributos por si administrados, fazendo parte da administração tributária, nos termos do disposto no artigo 1°, n° 3 da LGT, pelo que a AT deve facultar a consulta aos dados solicitados, como decorre do n° 10 do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10.

A Entidade Requerida, reiterando os motivos que nortearam o indeferimento dos requerimentos apresentados pelo Requerente, salienta que o domicílio fiscal está qualificado como dado pessoal, portanto, a coberto do dever de sigilo, pelo que, ainda que reconheça que o Município integre a administração tributária, não lhe podem ser transmitidos os elementos de natureza pessoal, uma vez que estes só podem ser utilizados para finalidades não determinantes da recolha, se tal estiver legalmente previsto.

Sustenta a sua posição, estribando-se no facto de não existir norma específica que habilite o Requerente ao acesso à informação pretendida, considerando que o artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.08 está dependente de portaria que regulamente a forma de consulta direta e na Deliberação 632/2016 de 05.04 da CNPD que soluciona a questão, uma vez que os dados relativos à residência podem ser obtidos através da Base de Dados de Identificação Civil.

Nas alegações de recurso, na conclusão 57º, a Recorrente dissente do decidido precisamente quanto à interpretação dada ao artigo 7° do Decreto Lei 433/99, em confronto com o que entende ser o espírito do legislador e a lei substantiva da proteção de dados (Regulamento Geral de Proteção de Dados) e a sua transposição para a ordem interna (Lei 58/2019 e 59/2019, ambos de 8 de Agosto). Vejamos o que se decidiu:

Cumpre, assim, verificar se incumbe à Entidade Requerida o dever de prestar as informações solicitadas pelo Município de Cascais, com a extensão pretendida por este, em face do enquadramento normativo que se mostra aplicável ao caso.

Nos termos dos artigos 101° alínea f) da Lei Geral Tributária (LGT) e 146° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões, regulados nos termos dos artigos 104° a 108° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por remissão expressa do n° 1 do citado preceito contido no artigo 146° do CPPT.

Estatui o n° 1 do artigo 104° do CPTA que "quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção’’.

Este meio processual visa assegurar o direito de informação, previsto no n° 1 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa (CRP), em que se estabelece que "os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas’.

Dispõe o n° 2 do mesmo normativo constitucional que "os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas (...)’’.

Tais direitos à informação procedimental e não procedimental encontram-se reconhecidos como direitos fundamentais, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, pelo que só pode ser restringido ou comprimido por lei, nos casos expressamente previstos na Constituição, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, com dimensão garantística mais nobre, os que tenham subjacentes matérias relativas a segredo de Estado, conexas com a proteção de propriedade intelectual ou industrial, sigilo fiscal ou outras (artigos 17°, n° 4 e 18°, n° 2 da CRP). [neste sentido, v. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6ª Edição, 2011, Lisboa, Vislis, pp. 511 e José Figueiredo Dias, O Direito à informação no novo Código de Procedimento Administrativo, in Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, 4ª Edição, 2018, Lisboa, AAFDL Editora, pp. 710].

Nas palavras de Raquel Carvalho, “o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjetivas diretas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de proteção de interesses mais objetivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da ação administrativa." [in O direito à informação administrativa procedimental, Porto, 1999, págs. 160 e 161].

Neste desiderato, não obstante a consagração do princípio da Administração aberta e do direito dos interessados de acesso aos arquivos e registos, tal princípio não consubstancia um direito absoluto, devendo ser temperado pelos princípios da proporcionalidade, adequação e razoabilidade, de harmonia com o disposto no n° 2 do artigo 18° da CRP.

O Código do Procedimento Administrativo (CPA) consagrou, no elenco dos princípios gerais da atividade administrativa, o princípio da administração aberta (artigo 17°), sendo de relevar o disposto na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos que regula o acesso aos registos e arquivos (Lei n° 26/2016 de 22.08) e condiciona e limita o referido direito, com fundamento, designadamente, no sigilo fiscal.

No que se reporta ao regime do segredo fiscal, a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n° 398/98, de 17.12, estabelece no seu artigo 64°, com a epígrafe “Confidencialidade”, na redação em vigor, à data dos factos e para o que aqui importa, o seguinte:
"1. Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.
2. O dever de sigilo cessa em caso de:
a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária;
b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes;
c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;
d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.

O segredo fiscal, como modalidade de segredo profissional, é erigido, no âmbito da lei fiscal, como uma das mais importantes garantias dos contribuintes perante a Administração Tributária, constituindo um instrumento jurídico privilegiado de proteção da reserva da intimidade da vida privada e familiar constitucionalmente consagrado (artigo 26°, n°s 1 e 2 da CRP); por essa razão, não pode a Administração Tributária utilizar os dados de que dispõe relativamente a cada contribuinte outra utilização que não seja o exercício das suas funções, salvo exceção expressa na lei, devendo utilizá-los exclusivamente no âmbito do procedimento ou processo de natureza tributária.

Como preconizam José Maria Pires e outros, o sigilo fiscal, como modalidade de segredo profissional, é um instrumento jurídico privilegiado de garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar consagrado na Constituição (cf. artigos 26 e 35° da CRP) e na Lei de Proteção de Dados Pessoais (cf. Lei n° 58/2019 de 08.08). O sigilo fiscal, plasmado no artigo 64° da LGT é o resultado de um equilíbrio entre três princípios ou valores fundamentais no qual se funda o direito ao sigilo fiscal, são eles: (i) o direito constitucional à reserva da vida privada; (ii) o princípio da confiança dos cidadãos perante a administração tributária e (iii) o princípio da administração aberta [vide, com maior desenvolvimento, Lei Geral Tributária, Almedina, 2015, pp. 706 e ss, em anotação ao artigo 64°].

Portanto, neste contexto, a Administração Tributária tem o poder (vinculado) de recusar o acesso à documentação e que apenas pode ser exercido de acordo com os princípios da transparência e da proporcionalidade.

Na proibição de divulgação dos dados, em obediência ao dever de confidencialidade, ficam abrangidas não apenas as informações de natureza estritamente pessoal, mas ainda as referentes à situação económico-financeira, ao património e aos atos jurídico-negociais dos obrigados tributários. Por outro lado, não se considera que sejam dados, sujeitos ao dever de confidencialidade, os que sejam livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam os registos predial, comercial e civil [cf. Parecer n° 20/94 de 09.02.1995 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República citado no Acórdão do TCAS de 30.09.2020, proferido no processo n° 108/20.6BEFUN].

Relativamente aos elementos identificativos, relativos às pessoas singulares, dispõe-se no n° 1 do artigo 9° do Decreto-Lei n° 14/2013 de 28.01, conjugado com os artigos 36°, n° 1 e 41°, do mesmo diploma, que estão abrangidos, pelo sigilo fiscal, entre outros, o nome completo e o domicílio fiscal, estatuído no artigo 19° da LGT, que integram a base de dados do registo de contribuintes da AT.

Como observa Filipa Urbano Calvão, das regras comunitárias e nacionais erigidas a respeito da proteção dos dados pessoais, resulta que estes "correspondem a qualquer informação relativa a uma pessoa identificada ou identificável, direta ou indiretamente. Assim, a simples suscetibilidade de identificar a quem se reporta uma informação, transforma-se em dado pessoal e sujeita-se a um regime jurídico de proteção específico’’ [cf. A Proteção de dados pessoais na internet: desenvolvimentos recentes, in Revista de Direito Intelectual, n° 2, 2015, Coimbra, Almedina, pp. 68].

Todavia, como se enunciou, o artigo 64° da LGT prevê um elenco de situações em que o dever de sigilo cessa, passando a admitir-se a revelação a terceiros (determinados ou indeterminados) de informações outrora incluídas no âmbito da confidencialidade fiscal. Como ensina Vieira de Andrade "os direitos fundamentais, mesmo os direitos, liberdades e garantias, não são absolutos nem ilimitados’’ devendo ser conciliadas "as suas naturais exigências com as imposições próprias da vida em sociedade: a ordem pública, a ética ou moral social, a autoridade do Estado, a segurança nacional, entre outros’’. [in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2â Edição, 2001, Coimbra, Almedina, pp. 275]. 

Por isso, e para o que aqui importa, enunciam-se as situações em que a informação é transmitida a um destinatário identificado e determinado, permitindo- se à AT prestar uma assistência mútua e uma cooperação legal a outras entidades públicas nacionais ou internacionais, aos serviços judiciais e às Administrações Tributárias de outros países (artigo 64°, n° 2, alíneas b) a e) da LGT), no âmbito do esforço comunitário e internacional de promoção da transparência fiscal e de luta contra a evasão e fraude fiscal.

No que concerne à cooperação legal, com outras entidades públicas, entende a doutrina que se trata de uma norma autorizadora em branco, da qual depende a necessidade de existência de um dever específico, constante de norma expressa, do qual resulte a prevalência do dever de cooperação legal sobre o dever de sigilo. Isto porque as derrogações ao sigilo fiscal devem ser entendidas como normas de carácter excecional e que como tal carecem, por regra, de uma previsão legal. Neste pendor, adita, José Maria Pires, que “se bastasse que as entidades públicas invocassem a existência de um dever de cooperação genérico da AT, que aliás existe com quase todos os entes públicos, para efeitos de derrogação do sigilo fiscal, este correria o risco de deixar de existir." [cf. José Maria Pires, et al, Lei Geral Tributária, ob. cit, pág. 711];

Relativamente à comunicabilidade do dever de confidencialidade, prevista no n° 3 do artigo 64°, pronunciou-se a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) no Parecer n.° 496/2015 - processo n.° 745/2015, no sentido de: “ Acompanhando a doutrina do Acórdão do TC [Acórdão n.° 517/2015, proferido pelo mesmo Tribunal em 17 de março] e do Tribunal de Justiça [Acórdão que o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) proferiu em 30 de maio de 2013, no âmbito do Processo C - 342/12] pode considerar-se que a eventual comunicação de informação detida pelos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não implica necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar da titular da informação, uma vez que os Serviços da entidade requerente (...) e outros agentes que, eventualmente, venham a ter contacto com o processo estão sujeitos ao dever de sigilo.’’ [disponível em http://www.cada.pt/files/pareceres/2015/496.pdf].

A este propósito, concretamente, sobre a derrogação do sigilo fiscal, em casos de cooperação com outras entidades públicas, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 16.11.2011, proferido no processo n° 0838/11, cuja fundamentação se transcreve:
"(…)
Deste modo, apesar de o artigo 64.° da Lei Geral Tributária consagrar o dever de sigilo fiscal, ele também estabelece que tal dever cessa nas circunstâncias previstas no seu n.° 2, designadamente no caso de «Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes» - alínea b).
Existindo, assim, o apontado dever legal de cooperação entre a Administração e os Municípios no que toca à informação atualizada dos dados referentes à liquidação e cobrança de impostos municipais e à transferências dessas receitas para os municípios, tem de cessar, quanto a esses dados, o dever de confidencialidade fiscal, embora apenas na medida estritamente necessária para alcançar os objetivos visados com a norma que autoriza o acesso e impõe o dever de cooperação, tendo sempre em atenção a ponderação dos interesses em jogo.

Razão por que continuarão a ter carácter reservado ou confidencial todos os dados de natureza pessoal cuja divulgação, não sendo livremente cognoscível, não se mostre necessária para alcançar os objetivos visados pela norma que legitima o acesso dos Municípios àquela informação, bem como todos os dados cuja difusão, parcelar ou globalmente, evidencie a situação patrimonial ou capacidade contributiva das empresas sujeitas à liquidação e cobrança dos impostos municipais, sabido que essa norma de acesso não afasta expressamente do dever de confidencialidade fiscal a matéria relativa à situação tributária dos contribuintes. [destaque nosso].

Conclui o douto Acórdão que podem "ser revelados os dados pessoais livremente cognoscíveis (dados públicos ou dados pessoais constantes de documento público oficial, como acontece, por exemplo, com o número de identificação fiscal, com a identificação dos bens inscritos na matriz predial ou no registo predial e comercial) bem como os dados fiscais que não reflitam nem denunciem a situação tributária dos contribuintes."

Neste mesmo sentido, milita o Parecer da Procuradoria Geral da República n° 7/2013, de 12.10.2015, onde se entende que "para além dos dados constantes do(s) processo(s) tributário(s ) que não tenham as características apontadas - por não refletirem a situação tributária do contribuinte - há ainda que excluir da confidencialidade os dados constantes desse(s) processo(s) que tenham natureza pública, isto é, quando sejam livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam o registo predial, comercial, civil, etc." [publicado na 2â Série do Diário da República, em 16.10.2015, pp. 29828].

Por fim, considerando que o Requerente invoca, em abono da sua pretensão, a existência de cooperação entre as entidades públicas, como fundamento de derrogação do dever de sigilo, uma vez que pertence à administração tributária, chama-se à colação o que dispõe o artigo 1° da LGT:
"(...)
2. Consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas.
3. Integram a administração tributária, para efeitos do número anterior, a Direção-Geral dos Impostos, a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos sobre o Consumo, a Direção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministério das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais".

Pelo que, no âmbito do conceito de entidades públicas, legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos, se enquadram as autarquias locais, atendendo aos poderes tributários que lhes são atribuídos por lei.

Feito este périplo pelas normas legais aplicáveis, revertendo ao caso concreto, atentemos no que elege o probatório.

Para o que aqui releva, resultou demonstrado nos autos que o Município de Cascais, aqui Requerente, efetuou dois pedidos de informação, junto do Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes, solicitando que lhe fosse fornecido o domicílio fiscal de duas executadas, K..., com o NIF 2... e R..., com o NIF 2..., nos processos de execução fiscal n°s 262/2020 e 624/2019 [cf. alíneas F) e G) do probatório].

Por despacho da Subdiretora Geral da Justiça Tributária da AT, de 19.10.2020, os pedidos, apresentados pelo Requerente, foram indeferidos, com o fundamento que a norma contida no artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10 necessita de regulamentação, através de portaria, pelo que não constitui norma específica, habilitante do acesso à informação que se encontra abrangida pelo sigilo fiscal [cf. alíneas H) a K) do probatório].

E aqui chegados, desde já se adiante que não assiste razão à Entidade Requerida na recusa da informação, com o fundamento invocado.

Desde logo, porque como afirma o Requerente e como supra se explanou, as autarquias locais integram a administração tributária, não se justificando que exista uma diferença de tratamento entre entidades que detém, nos termos da lei, os mesmos poderes tributários, in casu, a Autoridade Tributária e as autarquias locais.

A propósito dos poderes tributários das autarquias, enquanto expressão da sua autonomia financeira, constitucionalmente garantida no artigo 238° e 288°, alínea n) da CRP, estatui-se, no Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFAL), aprovado pela Lei n° 73/2013 de 03.09, mormente, no artigo 15°, que:
"Os municípios dispõem de poderes tributários relativamente a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nomeadamente:
a) Acesso à informação atualizada dos impostos municipais e da derrama, liquidados e cobrados, quando a liquidação e cobrança seja assegurada pelos serviços do Estado, nos termos do n.° 6 do artigo 17.° e do artigo 19.°;
b) Possibilidade de liquidação e cobrança dos impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nos termos a definir por diploma próprio;
c) Possibilidade de cobrança coerciva de impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nos termos a definir por diploma próprio;
(...)”

Neste desiderato, nos termos dos artigos 1°, n° 3, e 3°, n°s 1, alínea b) e 2 da LGT, conjugados com os artigos 15°, alínea c), do RFAL e 12°, n° 2, do RGTAL, as autarquias locais, nomeadamente os municípios, podem recorrer ao processo de execução fiscal, previsto no CPPT, para exigir o pagamento coercivo dos tributos que administrem e lhes sejam devidos. Sendo que o processo de execução fiscal está regulado nos artigos 148° e ss. do CPPT.

Como se deixou antever, no caso dos autos, estamos perante duas entidades públicas, que exercem, em simultâneo, os poderes tributários de cobrança coerciva de tributos, sendo que, no caso das autarquias, se resumem aos tributos que as mesmas administram, cabendo-lhes as mesmas prerrogativas de "jus imperii", de poderes de autoridade, que cabem à Autoridade Tributária, na tramitação dos processos de execução fiscal, privilégios que se fundamentam no interesse público na cobrança de tais receitas tributárias.

Destarte, afigura-se que, resulta do artigo 64°, n° 2 alínea b) da LGT, que o sigilo fiscal deve ceder perante o dever de cooperação entre duas entidades que têm iguais prerrogativas, que exercem os mesmos poderes tributários e que necessitam dos mesmos instrumentos para a prossecução do interesse público, na arrecadação das receitas tributárias, que, no caso da cobrança coerciva, se resumem aos poderes que detêm no âmbito dos processos de execução fiscal, inerentes à respetiva tramitação (citação, penhora, venda, etc.).

Tanto mais que, que a ratio do preceito, no segmento que respeita à derrogação do segredo fiscal, radica, também, no combate à fraude e evasão fiscal, pelo que se justifica a cooperação ativa com uma entidade que, in casu, solicita, apenas, a indicação dos domicílios fiscais de duas executadas, para realização de atos de citação/notificação, no âmbito dos processos de execução fiscal que lhes estão cometidos.

Acresce que, o Requerente, nos pedidos formulados junto da Administração Tributária e na presente Intimação, não peticiona um acesso indiscriminado, ilimitado e desregulado à informação que, repita-se, diz, apenas, respeito aos domicílios fiscais que, aliás, como aponta a Fazenda Pública, alicerçada na Deliberação n° 632/2016 da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), podem ser obtidos através da Base de Dados de Identificação Civil (ainda que, quanto aos cidadãos estrangeiros, essa informação tem que ser disponibilizada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).

O Requerente apresentou dois pedidos, justificando o interesse legítimo em obter a indicação da residência fiscal das executadas, indicando, com precisão, o número dos processos de execução fiscal, para que dúvidas não subsistissem quanto à finalidade subjacente à obtenção da informação, que, seguramente, terá como destino permitir a citação/notificação das executadas, para os termos da execução.

Porque, se é bem verdade que a Autoridade Tributária, enquanto polo aglutinador de dados pessoais dos contribuintes, deve utilizar a informação recolhida, exclusivamente, para as finalidades que prossegue, designadamente, no tocante à cobrança coerciva das dívidas tributárias, não podendo os dados ser divulgados para outra finalidade, também é verdade que a comunicação dos dados pessoais e sensíveis a uma entidade, que detém os mesmos poderes, no seio do sistema fiscal, não se desvia da finalidade para a qual foram recolhidos.

Acresce que, como se deixou enunciado, o facto dos dados serem comunicados ao Município de Cascais, ora Requerente, não lhes retira nem a natureza de dados pessoais, nem os liberta da cobertura do sigilo, nos termos do n° 3 do artigo 64° da LGT.

A este propósito, saliente-se o que se deixou expendido no Acórdão n° 517/2015, do Tribunal Constitucional, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
“Por outro lado - como ainda se anotou no acórdão n° 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64° da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (...).

Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado - ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos - «o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária» (Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, página 619)".

E como se reforça no Parecer n° 496/2015 (processo n° 745/2015) da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA):
"Acompanhando a doutrina do Acórdão do TC [Acórdão n.° 517/2015, proferido pelo mesmo Tribunal em 17 de março] e do Tribunal de Justiça [Acórdão que o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) proferiu em 30 de maio de 2013, no âmbito do Processo C - 342/12] pode considerar-se que a eventual comunicação de informação detida pelos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não implica necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar da titular da informação, uma vez que os Serviços da entidade requerente (...) e outros agentes que, eventualmente, venham a ter contacto com o processo estão sujeitos ao dever de sigilo." [disponível em http://www.cada.pt/files/pareceres/2015/496.pdf].

No entanto, sem embargo do que se deixou precedentemente exposto, que tanto bastaria para autorizar o acesso aos dados peticionados, considerando o dever de cooperação entre entidades públicas e a consequente derrogação do dever de sigilo, é mister atentar no disposto no artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10, considerando que o Requerente invoca que, para além do dever de cooperação entre entidades públicas, existe, ainda, norma que especificamente o habilita ao acesso à informação indispensável à realização de diligências de citação, notificação e execução no âmbito dos processos de execução fiscal, por si instaurados.

Nesta conformidade, prevê o artigo 7° do Decreto Decreto-Lei n° 433/99, de 26.10, que aprovou o Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação introduzida pela Lei n° 100/2017, de 28.08 e pela Lei n° 114/2017 de 29.12, sob a epígrafe "Tributos administrados por autarquias locais’’, que:
"1. As competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei a órgãos periféricos locais ou, no que respeita às competências de execução fiscal, a órgãos periféricos regionais, são exercidas pelas autarquias quanto aos tributos por elas administrados.
2. As competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei ao dirigente máximo do serviço ou a órgãos executivos da administração tributária serão exercidas, nos termos da lei, pelo presidente da autarquia.
(...)
6. A realização de penhoras é precedida das diligências que a autarquia considere úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, procedendo esta, sempre que necessário, à consulta, nas bases de dados da administração tributária, de informação sobre a identificação do executado e sobre a identificação e a localização dos bens do executado.
7. A informação sobre a identificação do executado referida no número anterior apenas inclui o domicílio fiscal, mediante indicação à Autoridade Tributária e Aduaneira do número de identificação fiscal.
8. A consulta direta pelo município às bases dados referidas no n° 6 é efetuada em termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais.
9. A regulamentação referida no número anterior deve especificar, em relação a cada consulta, a obtenção e a conservação dos dados referentes à data da consulta e à identificação do respetivo processo executivo e dos trabalhadores e titulares de órgão municipais que tenham acesso a informação transmitida pela AT.
10. Quando não seja possível o acesso eletrónico, pelo município, aos elementos sobre a identificação e a localização dos bens do executado, a AT deve fornecê-los pelo meio mais célere e no prazo de 30 dias."

Como tal, decorre do citado normativo, que a competência para a realização dos atos, no âmbito do processo de execução fiscal, que o CPPT atribui ao órgão periférico local, referido no n° 1 do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99, pertencerá à unidade orgânica, permanente ou flexível, a que os respetivos órgãos municipais atribuam tal competência, nas respetivas estruturas orgânicas municipais.

E, nos termos dos n°s 6 e 7, a Autarquia tem direito a aceder às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, para consulta de informação sobre a identificação do executado que apenas inclui o domicílio fiscal, mediante indicação à Autoridade Tributária e Aduaneira do número de identificação fiscal, beneficiando de um regime de derrogação do dever de sigilo, alicerçado no dever de cooperação entre entidades públicas.

Aliás, como flui do probatório, procedimento que a AT adotou, em pedidos que lhe foram dirigidos pelo Município de Cascais, ao fornecer, através de ofício ou mail, os extratos informáticos donde constavam elementos referentes a diversos executados, nos processos de execução fiscal, da responsabilidade da edilidade [cf. alíneas A a D) do probatório].

E, como se infere do despacho que indeferiu os pedidos apresentados, não foi invocada razão legal que justificasse a alteração dos procedimentos que foram seguidos desde 2019 até agosto de 2020 [cf. alíneas H) a J) do probatório].

Pelo que, neste conspecto, validamos, na íntegra, as considerações do Requerente, quanto à interpretação que faz do termo “consulta”, inciso na norma em questão, olhando aos elementos literal, teleológico e histórico.

Com efeito, se se permite a consulta às bases de dados da AT, permite-se qualquer tipo de consulta, imediata ou mediata, informatizada ou não, direta ou a pedido, não se podendo restringir o direito, com razões de praticabilidade, designadamente, o não ser possível o acesso, por meios informáticos, que carece de regulamentação, mediante portaria ou de protocolo celebrado, com esse desiderato.

Nessa medida, como bem observa o Requerente, a impossibilidade de acesso eletrónico, sujeita a regulamentação ou à celebração de protocolos direcionados para o efeito, não pode condicionar o acesso à informação, pelo que o direito de consulta deve ser assegurado por qualquer outra via, designadamente, como se passa no caso dos autos, mediante a apresentação de um pedido, devidamente circunstanciado, com a indicação da finalidade a que se destina e do processo de execução fiscal em causa.

Observa-se, ainda que, enquadrando-se o domicílio fiscal na categoria de dados pessoais e que estes devem ter um tratamento para fins específicos, reconhece-se que estes só podem ser utilizados para finalidades não determinantes da recolha, se tal estiver legalmente previsto.

Tal imposição de previsão legal expressa da possibilidade de desvio da informação relativa a dados pessoais para fins diversos dos que determinaram a recolha, resulta, conjugadamente, do artigo 35° da CRP, do artigo 8°, n° 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do artigo 8° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais e artigo 6° do RGPD.

Neste desiderato, entendemos que a norma legal que expressamente prevê essa situação é precisamente, o enunciado artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10, ainda que fosse defensável arguir que as finalidades prosseguidas pela AT e pelo Município de Cascais, no que se reporta à cobrança coerciva das receitas tributárias, sejam, na substância, as mesmas e que, portanto, nem sequer seria necessária uma norma legal especificamente destinada a permitir o acesso aos dados pessoais.

A este propósito, tendo em vista o que se decidiu no Acórdão do TCAS de 30.09.2020, proferido no processo n° 108/20.6 BEFUN, já citado, “a cessação do sigilo fiscal depende da existência de uma norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b) do n° 2 do artigo 64° da LGT".

E, conforme exposto, existindo norma habilitante para a consulta e acesso às bases de dados da AT, ainda que efetuada, de forma mediata, revela-se adequado e necessário que o referido acesso se faça através da apresentação de um pedido, expresso, com indicação dos fins a que se destina a informação (designadamente, com a indicação do número de identificação fiscal e do número do processo de execução fiscal).

Acresce que, ainda à luz do crivo da proporcionalidade, na ótica da ponderação dos interesses em presença, não saem beliscados os direitos dos contribuintes, na proteção dos dados pessoais, em confronto com o interesse público na cobrança das receitas tributárias, subjacente à aprovação da nova redação do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10, que estreita a cooperação entre entidades públicas da administração tributária.

Designadamente, porque os executados dos processos de execução fiscal, da competência da AT não merecem nem maior nem menor proteção, relativamente aos seus dados pessoais, que os executados dos processos de execução fiscal, da competência da Autarquia, para que não se criem entropias no sistema.

Depois, porque o dever de confidencialidade se comunica à entidade a quem os dados são fornecidos, não sendo de livre acesso público.

Pelo que, face ao que antecede, é inequívoca a obrigação da AT em facultar ao Requerente as informações oportunamente solicitadas, ao abrigo dos n°s 6, 7 e 10 do artigo 7° do Decreto-Lei n° 433/99 de 26.10, devendo a Entidade Requerida ser intimada a fornecer as informações solicitadas pelo Município.

Do extrato transcrito, resulta que a sentença fez uma correta ponderação dos interesses em conflito, e encontra-se bem balizada nas normas ao caso aplicáveis, seguindo a jurisprudência recente dos tribunais superiores que cita.

A portaria prevista no artigo 7/8 do Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de outubro, que virá a regulamentar o acesso direto às bases de dados da Autoridade Tributária, consubstancia uma tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo, é o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida (in Ac. STA de 2014.10.01, recurso n.º 01548/13).

Ora, a própria Recorrente não põe em causa que o Município integra a administração tributária (cf. conclusão 58º), discorda, isso sim, que tenha as mesmas atribuições e competências que o autorizem legalmente a aceder à base de dados da AT.

Todavia, não está aqui em causa o acesso direito ou consulta direta pelo Município Requerente, ora Recorrido, às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo certo, como se decidiu, que os funcionários do Município estão sujeitos aos mesmos deveres de reserva e confidencialidade que recaem sobre os trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Acrescente-se ainda que os processos de execução fiscal foram já instaurados, e foram devidamente identificados pelo número no pedido de informações, sendo que os próprios contribuintes têm a expetativa de ser notificados/citados para o seu domicílio fiscal e não no local da sua residência habitual.

Com efeito, apesar de o domicílio fiscal e o local de residência habitual serem, em regra coincidentes, os contribuintes podem aderir ao sistema de notificações eletrónicas, indicando, nesse caso, um endereço eletrónico ou ter nomeado representante fiscal, informações estas que constariam do cadastro.

A sentença que assim decidiu não merece a censura que lhe foi feita e será de confirmar.


Sumário/Conclusões:

I. Os Municípios integram a administração tributária quanto aos tributos por eles administrados.

II. A cessação do sigilo fiscal depende da existência de uma norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos do artigo 64/2, alínea b) da LGT.

III. Os funcionários do Município estão sujeitos aos mesmos deveres de reserva e confidencialidade que recaem sobre os trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]


Lisboa, 13 de maio de 2021

Susana Barreto