Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:696/18.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO,
DIREITO DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO,
ART. 64.º DO RGCO
Sumário:Numa interpretação conforme ao art. 32.º, n.º 10 da CRP, o respeito pelo direito de audiência de julgamento que decorre da conjugação dos números 1 e 2 do art. 64.º do RGCO, passa não só pela notificação do arguido para aquilatar da sua não oposição para efeitos do n.º 2 (dimensão formal), mas também pela interpretação da sua vontade efetiva manifestada no seu requerimento em resposta àquela notificação (dimensão material).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

T..., LDA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente o recurso de contra-ordenação por si deduzido contra os despachos proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo, no âmbito dos processos de contra-ordenação n.ºs 198..., 1988... e 19882..., nos quais considerou praticadas trinta e cinco contra-ordenações fiscais de falta de pagamento de taxas de portagens, em violação do disposto no art. 5.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 25/2006, de 30.6 e punidas nos termos do art. 7.º do mesmo diploma legal, procedendo assim à aplicação de três coimas únicas, no valor total de € 6.515,06, acrescidas de custas, no valor total de € 229,50.

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«I – A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, nula.
II – O tribunal a quo convidou no dia 11/09/2018 (sem a identificação do recurso a que concretamente se referia o convite) a agora recorrente a pronunciar-se quanto ao seguinte: “Notifique o recorrente, e em seguida o Magistrado do Ministério Público para, querendo, deduzirem oposição a que o recurso seja decidido por despacho, sendo certo, que o eventual silêncio será interpretado como não oposição (art.º64.º, n.º1 e 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art.º 3.º do RGIT” – documento 004948536 dos autos – SITAF.
III – A recorrente respondeu ao convite do tribunal no dia 26/09/2018 da seguinte forma: “4 – Deste modo, a recorrente não se opõe à decisão por simples despacho judicial, caso o tribunal dê como provados os factos 4.º e 6.º da petição recursiva” – documento 004956315 dos autos – SITAF.
IV – Percorrendo a matéria de facto provada constata-se que os aludidos factos não foram dados como provados.
V – Como resulta dos autos a recorrente manifestou a sua oposição à decisão por mero despacho, caso o tribunal não desse como provados os factos descritos em 4.º e 6.º da petição de recurso.
VI – Os factos 4 e 6 não foram dados como provados no despacho decisório em crise, como também não há referência expressa no convite a que este se dirige a todas às três petições recursivas que o tribunal a quo apensou.
VII – Por isso, o despacho recorrido é nulo, por omissão de diligência processual necessária à descoberta da verdade que, em tese, teria aptidão para que o tribunal desse como assente factos com relevância para os autos.
VIII – O despacho decisório em crise padece de erro de julgamento.
IX – O despacho decisório entende que, não se verificam os requisitos para a aplicação da admoestação: i) a reduzida gravidade da infração e ii) reduzida gravidade da culpa.
X – O tribunal a quo entende que a recorrente incorreu frequentemente na prática de diversas infrações e que a situação tributária apenas foi regularizada um ano depois da prática dos atos ilícitos e, por consequência, a aplicação da admoestação em alternativa à aplicação de uma coima não é adequada à punição.
XI – A substituição da coima pela admoestação exige: i) a imputação da ilicitude a título de negligência e/ou e b) a existência de circunstâncias que atenuem a culpa, como por exemplo, fatores externos que tenham legitimado os atos ilícitos – é esta a interpretação do artigo 3.º, al. b) do RGIT e do artigo 51.º do RGCO que a recorrente entende por conforme à lei.
XII – No caso concreto, as infrações não são de qualificar como graves, pois o limite máximo da moldura contraordenacional não ultrapassa os 15 000 euros e mesmo em relação a essas não fica automaticamente vedada a substituição da coima pela admoestação.
XIII – Como também não foi aplicada qualquer sanção acessória, os próprios despachos qualificam a culpa como de negligência simples – “[a]atuação por negligência” e existem fatores que atenuam a culpa, v.g. à data do cumprimento das obrigações a recorrente era titular de créditos sobre clientes (10, 20 e 28 do probatório).
XIV – Créditos esses de um valor total 49 649,16 euros [11 845, 13 euros, 35 173,08 e 2630,95], ou seja, quando o montante total das taxas de portagem pagas era de 491 euros – documento com a referência 004926317 do SITAF.
XV – Razão pela qual, o valor total do crédito [a falta de disponibilidade financeira de tal montante] não foi inócuo na gestão financeira da recorrente, como parece defluir da decisão recorrida.
XVI – Consequentemente verificam-se os dois requisitos que legitimam a substituição da aplicação da coima pela admoestação e, como tal, a decisão deve ser revogada - violação dos artigos 3.º, al. b) do RGIT e 51.º do RGCO.
XVII – Paralelamente, não se deve concluir em sentido contrário com o facto de a ora recorrente ter praticado várias infrações e que apenas pagou as taxas de portagem após a notificação dos despachos de fixação das coimas.
XVIII – Insiste-se nenhuma das contraordenações é de considerar grave e, em segundo lugar, não se pode ignorar que não se verificaram quaisquer circunstâncias agravantes ou a aplicação de uma sanção acessória.
XIX – Simultaneamente é importante referir que o pagamento das taxas de portagem foi voluntário, ou seja, sem que o órgão da execução fiscal tenha penhorado quaisquer bens e no ano da instauração dos processos executivos. Ou seja, quando existiu disponibilidade financeira.
XX – Reforça-se assim que a decisão em crise tem de ser revogada.
XXI – Em terceira linha, quanto à dispensa da coima entende a decisão em crise que existiu prejuízo para a receita tributária e que não existiu regularização da situação tributária.
XXII – A correta interpretação do vertido na alínea a), n.º 1 do artigo 32.º do RGIT impõe que se conclua que não há prejuízo para a receita quando o imposto, juros de mora e custas processuais são pagas – “incentivar o sujeito passivo faltoso a regularizar o pagamento do imposto”.
XXIII – Na presente hipótese, o probatório demonstra que a recorrente procedeu ao pagamento das taxas de portagem, juros de mora e custas processuais.
XXIV – Quanto à regularização da situação tributária, o tribunal a quo conclui que a mesma deve ocorrer até a decisão do processo de contraordenação.
XXV – O artigo 32.º, n.º 1, al. b) do RGIT dispõe que deve: “b) Estar regularizada a falta cometida”, isto é, não resulta do normativo que a regularização tem de ocorrer até à decisão do processo de contraordenação – é esta a interpretação que o tribunal a quo devia ter aplicado.
XXVI – E respeitando a aludida norma ao Direito Sancionatório – aquele em que o princípio da legalidade se manifesta de forma particular – entende-se que tal interpretação não tem refração no elemento literal da norma.
XXVII – Pelo que, o tribunal ao quo violou o artigo 32.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT ao considerar que existiu prejuízo para o Estado e que a falta não foi regularizada e como tal, também por aqui, a decisão deve ser revogada.
XXVIII – Paralelamente, quanto à questão de quem é o credor da receita da utilização das portagens observa a jurisprudência que os créditos não são tributários.
XXIX – Com tal sentido interpretativo também se conclui que não existiu prejuízo para a receita tributária, atento o titular ativo da receita.
XXX – Pelo que, também por aqui a decisão em crise viola o artigo 32.º, n.º 1 do RGIT.
XXXI – Em resumo, o despacho padece de erro de julgamento e deve ser revogado.
Assim, deve a decisão recorrida ser declarada nula ou, subsidiariamente, revogada, nos termos supra expostos.»

O recorrido, Ministério Público, devidamente notificado para o efeito, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«1. A matéria constante dos artigos 4º e 6º da petição inicial de recurso de consiste em afirmações de carácter genérico, que nem sequer se referem directamente à ora Recorrente, não sendo passíveis de comprovar mediante prova testemunhal,
2. Ao que acresce que se trata de factualidade irrelevante para a decisão a proferir.
3. Decisão essa que seria idêntica caso tal fosse considerado provado,
4. Pelo que não se verifica a invocada nulidade de omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade.
5. Os requisitos da admoestação estão previstos no art. art. 51.º, n.º 1, do RGCO, aplicável ex vi do art. 3.º, al. b), do RGIT, consistindo em tanto a infracção como a culpa do agente serem de reduzida gravidade, o que in casu se não verifica, desde logo pelo número elevado de infracções, prolongadas no tempo.
6. O mesmo sucedendo com a dispensa de coima, considerando a verificação de prejuízo efectivo à receita tributária – art. 32.º, n.º 1, do RGIT – uma vez que o pagamento apenas foi efectuado no âmbito do processo executivo visando o pagamento coercivo da quantia em dívida.
7. Em face do exposto, a douta sentença recorrida deverá ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso.
Vossas Excelências, como sempre, melhor decidirão, fazendo JUSTIÇA!»
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O Digno Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de nulidade, pois a Recorrente entende que a sua não oposição à decisão por simples despacho foi sujeita à condição de que o tribunal desse como provado os factos 4.º e 6.º da petição, o que não se verificou, e nessa medida foi omitida diligência processual quer permitiria ao tribunal descobrir a verdade material (conclusões I) a VII) das alegações de recurso).




II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


1. No dia 18 de Abril de 2018, foi levantado um auto de notícia, em nome da Recorrente, onde consta, designadamente, que “(…)

«Imagem no original»




«Imagem no original»


(…)” (cfr. auto de notícia, de fls. 04 e 05 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Na mesma data, o Serviço de Finanças do Cartaxo instaurou o processo de contra- ordenação n.º 198..., em nome da Recorrente, com base no auto de notícia descrito no ponto antecedente (cfr. autuação, de fls. 03 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Por despacho exarado, 11 de Maio de 2018, o Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo decidiu aplicar uma coima única à Recorrente, no valor de € 1.749,06, acrescida de custas, no valor de € 76,50 (cfr. decisão de aplicação da coima, de fls. 12 e 13 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Na decisão identificada no ponto antecedente, consta, designadamente, que “(…)

«Imagem no original»


(…)” (cfr. decisão de aplicação da coima, de fls. 12 e 13 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Através do documento n.º 34829368.1, de 17 de Maio de 2018, o Serviço de Finanças do Cartaxo comunicou à Recorrente, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. documento, de fls. 14 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. O documento identificado no ponto antecedente foi depositado na caixa postal electrónica da Recorrente, em 17 de Maio de 2018 (cfr. documento e print dos serviços da administração tributária, de fls. 14 e 15 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. No dia 11 de Junho de 2018, deu entrada, no Serviço de Finanças do Cartaxo, o presente recurso (cfr. data aposta na petição inicial, de fls. 16 a 25 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Em Abril de 2017, a Recorrente era titular de créditos sobre clientes, no valor líquido de € 11.845,13 (cfr. extrato da conta de clientes, de fls. 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. Em data que se desconhece, mas certamente em 2018, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 198820..., em nome da Recorrente, para efeitos de cobrança coerciva das taxas de portagem e custos administrativos com o processo de contra-ordenação, do período de tributação de Abril de 2017, na quantia exequenda de € 133,15, cuja falta de pagamento determinou o levantamento do auto de notícia descrito no ponto n.º 1 do probatório (cfr. guia de pagamento, print do sistema informático da administração tributária e informação do Serviço de Finanças, de fls. 28 a 30 e 33 a 35 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. No dia 07 de Junho de 2018, a Recorrente procedeu ao pagamento integral da dívida exigida junto do processo de execução fiscal identificado no ponto antecedente (cfr. comprovativo de pagamento e informação do Serviço de Finanças, de fls. 27 e 33 a 35 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. No dia 18 de Abril de 2018, foi levantado um auto de notícia, em nome da Recorrente, onde consta, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. auto de notícia, de fls. 37 a 40 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. Na mesma data, o Serviço de Finanças do Cartaxo instaurou o processo de contra- ordenação n.º 1988..., em nome da Recorrente, com base no auto de notícia descrito no ponto antecedente (cfr. autuação, de fls. 36 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. Por despacho exarado, em 11 de Maio de 2018, o Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo decidiu aplicar uma coima única à Recorrente, no valor de € 3.699,72, acrescida de custas, no valor de € 76,50 (cfr. decisão de aplicação da coima, de fls. 48 a 50 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. Na decisão identificada no ponto antecedente, consta, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. decisão de aplicação da coima, de fls. 48 a 50 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. Através do documento n.º 34829369.1, de 17 de Maio de 2018, o Serviço de Finanças do Cartaxo comunicou à Recorrente, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. documento, de fls. 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

16. O documento identificado no ponto antecedente foi depositado na caixa postal electrónica da Recorrente, em 17 de Maio de 2018 (cfr. documento e print dos serviços da administração tributária, de fls. 51 e 52 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17. No dia 11 de Junho de 2018, deu entrada, no Serviço de Finanças do Cartaxo, o presente recurso (cfr. data aposta na petição inicial, de fls. 53 a 62 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18. Em Maio de 2017, a Recorrente era titular de créditos sobre clientes, no valor líquido de € 35.173,08 (cfr. extrato da conta de clientes, de fls. 69 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

19. Em data que se desconhece, mas certamente em 2018, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 19..., em nome da Recorrente, para efeitos de cobrança coerciva das taxas de portagem e custos administrativos com o processo de contra-ordenação, do período de tributação de Maio de 2017, na quantia exequenda de € 281,31, cuja falta de pagamento determinou o levantamento do auto de notícia descrito no ponto n.º 11 do probatório (cfr. guia de pagamento, print do sistema informático da administração tributária e informação do Serviço de Finanças, de fls. 65 a 68 e 71 a 73 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

20. No dia 07 de Junho de 2018, a Recorrente procedeu ao pagamento integral da dívida exigida junto do processo de execução fiscal identificado no ponto antecedente (cfr. comprovativo de pagamento e informação do Serviço de Finanças, de fls. 64 e 71 a 73 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

21. No dia 20 de Abril de 2018, foi levantado um auto de notícia, em nome da Recorrente, onde consta, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. auto de notícia, de fls. 75 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

22. Na mesma data, o Serviço de Finanças do Cartaxo instaurou o processo de contra- ordenação n.º 19882..., em nome da Recorrente, com base no auto de notícia descrito no ponto antecedente (cfr. autuação, de fls. 74 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

23. Por despacho exarado, 14 de Maio de 2018, o Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo decidiu aplicar uma coima única à Recorrente, no valor de € 1.066,28, acrescida de custas, no valor de € 76,50 (cfr. decisão de aplicação da coima, de fls. 81 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

24. Na decisão identificada no ponto antecedente, consta, designadamente, que “(…)
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(…)” (cfr. decisão de aplicação da coima, de fls. 81 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

25. Através do documento n.º 34866692.1, de 18 de Maio de 2018, o Serviço de Finanças do Cartaxo comunicou à Recorrente, designadamente, que “(…)
«Imagem no original»


(…)” (cfr. documento, de fls. 82 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

26. O documento identificado no ponto antecedente foi depositado na caixa postal electrónica da Recorrente, em 19 de Maio de 2018 (cfr. documento e print dos serviços da administração tributária, de fls. 82 e 83 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

27. No dia 12 de Junho de 2018, deu entrada, no Serviço de Finanças do Cartaxo, o presente recurso (cfr. data aposta na petição inicial, de fls. 84 a 93 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

28. Em Janeiro de 2016, a Recorrente era titular de créditos sobre clientes, no valor líquido de € 2.630,95 (cfr. extrato da conta de clientes, de fls. 99 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

29. Em data que se desconhece, mas certamente em 2018, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 198..., em nome da Recorrente, para efeitos de cobrança coerciva das taxas de portagem e custos administrativos com o processo de contra-ordenação, do período de tributação de Janeiro de 2016, na quantia exequenda de € 76,54, cuja falta de pagamento determinou o levantamento do auto de notícia descrito no ponto n.º 21 do probatório (cfr. guia de pagamento, print do sistema informático da administração tributária e informação do Serviço de Finanças, de fls. 96 a 98 e 101 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

30. No dia 07 de Junho de 2018, a Recorrente procedeu ao pagamento integral da dívida exigida junto do processo de execução fiscal identificado no ponto antecedente (cfr. comprovativo de pagamento e informação do Serviço de Finanças, de fls. 95 e 101 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
*

Nada mais foi provado com relevância para a decisão da causa, atendendo ao pedido e à causa de pedir.


Motivação da decisão de Facto

A decisão sobre a matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos juntos aos autos, tudo conforme foi especificado a propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação, nos termos dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por remissão sucessiva do art. 3.º, al. b), do RGIT, do art. 41.º, n.º 1, do RGCO, e do art. 4.º do Código de Processo Penal (CPP).

*


Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria proferiu decisão por simples despacho nos termos do disposto no art. 64.º. n.ºs 1 e 2 do RGCO, e aplicou à arguida a coima única de 6.515,06€. Nessa decisão se fez constar expressamente que “Sem oposição da Recorrente e da Digna Magistrada do Ministério Público, nos termos do art. 62.º, n.º 1, do RGCO, aplicável ex vi do art, 3.º alínea b), do RGIT (cf. despacho e notificações e resposta, de fls. 111 a 114 dos autos)”.

Contudo, a recorrente vem, desde logo, arguir a nulidade da decisão, entendendo que a sua não oposição à decisão por simples despacho foi sujeita à condição de que o tribunal desse como provado os factos 4.º e 6.º da petição, o que não se verificou, e nessa medida foi omitida diligência processual quer permitiria ao tribunal descobrir a verdade material (conclusões I) a VII) das alegações de recurso).

Apreciando.

Resulta dos autos que a fls. 111 que pela Meritíssima Juíza do TAF de Leiria foi efetivamente proferido o despacho a que alude o art. 64.º, n.º 1 e 2 do RGCO.

A arguida vem responder a esse despacho nos termos do requerimento de fls. 114 dos autos, no qual consta, para além do mais, que “a recorrente não se opõe à decisão por simples despacho judicial, caso o tribunal dê como provados os factos 4.º e 6.º da petição recursiva”.

Na verdade, na p.i. a arguida arrolou 1 testemunha. Alegou no art. 4.º que “As empresas que laboram no sector do transporte de mercadorias têm dificuldades em receber na data do vencimento as facturas que emitem”. No art. 6.º alegou que “Sendo necessário, por vezes, mais de seis meses para receberem os montantes facturados”.

Analisado os factos dados como provados na decisão recorrida, dos mesmos não constam os alegados pela arguida no art. 4.º e 6.º. Por outro lado, embora se refira na fundamentação da decisão recorrida a tais factos, não se tomou qualquer posição quanto aos mesmos no sentido de os considerar como provados.

Ora, independentemente da relevância de tais factos para a aplicação do direito ao caso dos autos, constata-se, efetivamente, que em momento algum o tribunal os considerou na tomada da decisão recorrida. Portanto, importa concluir que efetivamente os factos alegados no art. 4.º e 6.º da p.i. não foram dados como provados.

Sucede que, no momento em que a arguida manifestou a sua não oposição à decisão por simples despacho judicial, deixou inequivocamente claro que essa não oposição ficaria condicionada ao juízo do tribunal ser o de dar como provado os factos alegados no 4.º e 6.º da p.i., que na sua perspetiva são essenciais à resolução do caso dos autos.

Por outras palavras, resulta inequívoco da manifestação da arguida sobre a possibilidade da decisão ser por simples despacho que tinha o interesse na audiência de julgamento unicamente para a prova daqueles factos, e se o tribunal os desse como provados sem tal produção de prova, então, unicamente nesse caso, não se oporia à decisão por simples despacho, porque no fundo, a prova testemunhal que pretendia fazer seria desnecessária se o tribunal considerasse os factos provados por outro meio de prova, designadamente, a documental.

Contudo, como vimos, a decisão foi proferida por simples despacho sem que se satisfizesse a condição probatória manifestada pela arguida, o que implica um erro na interpretação da não oposição manifestada.

Efetivamente, o respeito pelo direito de audiência de julgamento e que decorre da conjugação dos números 1 e 2 do art. 64.º do RGCO passa não só pela notificação do arguido para aquilatar da sua não oposição para efeitos do n.º 2 (dimensão formal), mas também pela interpretação da sua vontade efetiva manifestada no seu requerimento em resposta àquela notificação (dimensão material).

A decisão por simples despacho judicial apenas se poderá verificar mediante a verificação dos 2 pressupostos legais cumulativos (cf. por todos, acórdão do STA de 24/01/2018, proc. n.º 0245/17):

i) O juiz não considere necessária a audiência de julgamento e;

ii) O arguido ou o Ministério Público não se oponham.


In casu importava interpretar adequadamente o requerimento da arguida, e ainda que a Meritíssima Juíza tenha considerado desnecessária a audiência de julgamento, ainda assim, deveria ter considerado que se verificava no caso dos autos uma oposição da arguida à decisão por simples despacho, caso os autos não dispusessem de prova documental suficiente e adequada à prova dos factos alegados no art. 4.º e 6.º da p.i.

A possibilidade de decidir por simples despacho o recurso de contraordenação da decisão administrativa de aplicação de coima, fica dependente de uma inequívoca e plena não oposição do arguido, o que não sucede no caso dos autos.

Sublinhe-se que está em causa o assegurar ao arguido os direitos de audiência e defesa no processo de contraordenação consagrados no art. 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, e nessa medida, importa cumprir escrupulosamente o disposto no n.º 2, do art. 64.º do RGCO, fazendo uma interpretação do mesmo em conformidade com a Lei Fundamental.

Como se escreve no acórdão do STA de 24/01/2018, proc. n.º 0245/17 “Assim, estando a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial, por simples despacho, absolutamente dependente da não oposição do arguido e do Ministério Público a essa forma de decidir, a omissão da audição do arguido e do Ministério Público para esse efeito, contra o que impõe o n.º 2 do artigo 64.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, conforma a nulidade da alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, e constitui também omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, integrando a nulidade processual da alínea d), do nº 2, do artigo 120º do CPP, a qual, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do mesmo Código, torna inválida a decisão por simples despacho (neste sentido, Simas Santos e Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2ª edição, 2002, pags. 376/377).
Verifica-se pois a nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 119.º, bem como a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120.º, ambos do CPP, o que determina a invalidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 122.º do mesmo CPP, sempre aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT e do art. 41.º do RGCO - cf. também neste sentido, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2014, recurso 1024/14, e de 19.11.2014, recurso 1291/14, ambos in www.dgsi.pt.”.


Em suma, in casu, não foi acautelada a dimensão material do exercício do direito da arguida à audiência de julgamento, na medida em que não foi devidamente interpretada a sua manifestação de não oposição à decisão por simples despacho, o que coloca em causa o seu direito de defesa, nomeadamente, porque não lhe foi permitido fazer a prova dos factos alegados no art. 4.º e 6.º da p.i. através da prova testemunhal arrolada, e/ou da participação da arguida na audiência de julgamento conforme estatuídos nos artigos 67.º e ss do RGCO, pelo que a decisão por simples despacho é nula por violação do disposto no n.º 2, do art. 64.º do RGCO.


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


Numa interpretação conforme ao art. 32.º, n.º 10 da CRP, o respeito pelo direito de audiência de julgamento que decorre da conjugação dos números 1 e 2 do art. 64.º do RGCO, passa não só pela notificação do arguido para aquilatar da sua não oposição para efeitos do n.º 2 (dimensão formal), mas também pela interpretação da sua vontade efetiva manifestada no seu requerimento em resposta àquela notificação (dimensão material).

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, declarar a nulidade da decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos para que seja realizada a audiência de julgamento.



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Sem custas - artigos 94.º, n.º 3 e 4 do RGCO, aplicável ex vi, art. 3.º, alínea b) do RGIT.

D.n.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.