Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:499/11.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
MAIS-VALIAS
MOMENTO DA PRÁTICA DO ACTO DE ALIENAÇÃO
ARTIGO 10º, Nº3, ALÍNEAS A) E B) DO CIRS
Sumário:I - No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório (cfr. artigos 99° da LGT e 13° do CPPT), o que significa que o juiz não só pode, como também deve, ordenar ou realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
II - Este princípio e dever que o Juiz deve observar não serve, porém, para colmatar a inércia ou falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe.
III - Considerando o disposto no artigo 10º, nº3 do CIRS, em princípio – diremos, em regra - os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação (atenta a remissão do nº3 para o nº1 do artigo 10º do CIRS) o que nos remete, no caso, ao ano de 2008.
IV - Assim não será, porém, nos casos contemplados nas alíneas a) e b) do referido nº 3.
V – No caso sub judice, não obstante sabermos que a venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo 5446 foi formalizada em 2008, a verdade é que a alegada alienação em 2007 (cfr. ponto 1 da p.i) não se mostra minimamente documentada/ demonstrada, não havendo evidência bastante de tal ter ocorrido e de os compradores terem, desde 2007, a posse do imóvel.
VI - Para efeitos da aplicação da norma contida na alínea a), do nº3 do artigo 10º do CIRS (e afastamento da regra geral (os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação), cabia aos Impugnantes o ónus da prova do circunstancialismo de facto invocado, o que não lograram fazer.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

A... e H..., vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que apresentaram contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº2011 50..., do ano de 2008, e respectivos juros compensatórios, no montante total de €18.329,18.

Nas suas alegações, os Recorrentes formulam as conclusões seguintes:

«A. O Douto Tribunal violou regras de processo as quais não permitiram que fosse produzida a prova necessária à verdade dos factos carreados aos autos os quais forçosamente implicariam uma decisão diferente.

B. Assim, como avaliou erroneamente os factos e as provas juntas aos autos concluindo em sentido incoerente com a prova produzida a qual indiciava para conclusões diferentes.

C. Não permitiu a produção de prova quanto à data da entrega das chaves do imóvel alienado a qual ocorreu em 2007 aos compradores do imóvel aos Impugnantes.

D. Assim como considerou erradamente que a morada existente na escritura era prova suficiente de que os Recorrentes moravam na Rua dos T..., Lagos, o que não correspondia ao que foi alegado, demonstrando desconhecer a realidade da prática habitual das autoridades tributárias.

E. Pois na verdade a alteração da morada no cadastro ou escritura para a nova morada onde já residiam desde 2007 impossibilitaria a possibilidade do reinvestimento por administração tributária passar a considerar casa vendida como não residência permanente, sendo requisito formal habitualmente exigido pelos serviços de finanças que a escritura pública contenha a residência dos vendedores como a morada do produto alienado.

F. Considerar que os compradores não terão recebido o preço apenas porque este foi pago à advogada destes não faz qualquer sentido pois esta representação daqueles.

G. A não abertura de uma fase de instrução quando a complexidade do assunto o mereça é uma imposição legal nos termos do artigo 87° e 90° do CPTA, devendo as partes ter sido notificadas para produzirem outras diligências probatórias.

H. O artigo 114° do CPPT impõe que o Tribunal ordene as diligências de produção de prova necessárias, as quais serão produzidas no respectivo Tribunal.

J. A tributação do rendimento imputado a 2008 vai violar as normas do 45° CIRS que prevêem a possibilidade de reinvestimento por impossibilitar o fim e a radio destas normas as quais visam incentivar uma melhor de vida dos particulares conseguido cada vez habitação mais consentânea com a sua vida e família, sendo uma questão de direito à habitação, previsto constitucionalmente.

K. A intenção dos impugnantes ao venderem e adquirir a nova casa teve em consideração a possibilidade de reinvestimento, tendo comprado uma habitação em 2007, ano que fecharam negócio de venda com compradores que lhes pagaram imediatamente o preço, pela transmissão da posse e entrega das chaves diferindo-se apenas a concretização formal para mais tarde por razões de regularização registal.

L. O rendimento foi em 2007, devendo ser imputado ao ano de 2007 pelo que declaração de IRS foi bem apresentada em 2007.

M. Assim demonstra a procuração de venda de 14.06.2007 que foi outorgada a favor da mandatária dos compradores, dia em que receberam o preço 235 500,00 euros.

N. A prova produzida e os factos considerados provados assim o indiciam claramente.

O. O artigo 36° n° l e nº4 da LGT foram ignorados.

P. Assim como, o artigo 38° e 39 ° da LGT, bem como o artº1° do CIRS o qual prescreve que o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares incide sobre o valor anual dos rendimentos das categoriais seguintes.

Nestes termos e nos demais de direito deverá a decisão judicial recorrida anulada e dada razão aos Recorrentes devendo caso ser considerado a decisão mais certa ser ordenada a realização de julgamento e ordenada a produção de outras diligências probatórias.»


*

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer onde concluiu no sentido da improcedência do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1.
Em 17 de Fevereiro de 2004, V... e M..., venderam a A... e H..., em partes iguais, o prédio urbano, destinado a habitação e comércio, com logradouro, sito na Rua dos T... - freguesia da Luz, concelho de Lagos, inscrito na matriz sob o artigo 5... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o número 3... - cfr. fls. 11 da Reclamação Graciosa.

2.
No dia 14 de Junho de 2007, A... vendeu a A... e H..., residentes na Rua dos T... - Lagos, o prédio urbano, destinado a habitação, com garagem e logradouro, sito na U..., freguesia da Luz, concelho de Lagos, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2… - cfr. fls. 14 da Reclamação Graciosa.

3.
No mesmo dia, A... e H..., residentes na Rua dos T... - Lagos, constituíram, perante notário, como sua procuradora M... para, em seu nome, vender, pelo preço, cláusulas e condições que tiver por convenientes, quaisquer prédios ou direitos prediais sitos em Espiche, freguesia da Luz, concelho de Lagos, podendo assinar os contratos promessa de compra e venda, eventuais aditamentos, recebendo o respectivo preço, dando quitação e podendo assinar as respectivas escrituras de compra e venda - cfr. 18-19 da Reclamação Graciosa.
4.
Ainda em 14 de Junho de 2007:
a) M... emitiu, à ordem de A..., um cheque no valor de €194.782,18 - cfr. fls. 20 da Reclamação Graciosa;
b) E... emitiu, à ordem de A..., um cheque na importância de €40.717,82- cfr. fls. 20 da Reclamação Graciosa.

5.
Em 30 de Abril de 2008, A... e H... apresentaram a declaração Modelo 3 de 1RS, relativa ao ano de 2007, na qual declararam a venda, em Junho de 2007, pelo preço de € 235.000,00 de um imóvel que haviam adquirido em Fevereiro de 2004 (artigo 5..., freguesia da Luz, concelho de Lagos), bem como o reinvestimento de € 172.000,00 na aquisição do artigo 2… da mesma freguesia e concelho - cfr.fls. 33 da Reclamação Graciosa.

6.
No dia 31 de Julho de 2008, M..., na qualidade de procuradora de A... e H..., residentes na Rua dos T... -Lagos, submeteu este edifício ao regime da propriedade horizontal - cfr.fls. 29-30 da Reclamação Graciosa.
7.
Em 5 de Setembro de 2008, M..., na qualidade de procuradora de A... e H..., residentes na Rua dos T... -Lagos, vendeu a J... e E..., pelo preço global de € 240.000,00, as seguintes fracções autónomas que fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua dos T... - Lagos:
a) Pelo preço de €160.000,00, a fracção autónoma designada pela letra A, correspondente ao rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, com direito ao uso exclusivo do logradouro contíguo ao prédio;
b) Pelo preço de €80.000,00, a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão, destinada a estabelecimento comercial de pastelaria e bebidas - cfr. fls. 27 dos autos.

8.
O Cartório Notarial informou a Administração Tributária que A... e H... venderam as fracções A e B do artigo urbano 6… da freguesia da Luz, concelho de Lagos - cfr. fls. 33 da Reclamação Graciosa.



9.
A... e H... não apresentaram a declaração modelo 3 relativa ao ano de 2008, depois de notificados para o efeito - cfr. fls. 33 da Reclamação Graciosa.

10.
Em 10 de Janeiro de 2011, foi emitida a liquidação n°2011.50..., no valor de €18.329,18- acto impugnado.

11.
No dia 3 de Agosto de 2011, o substituto do Director de Finanças de Faro indeferiu a Reclamação Graciosa que A... e H... deduziram contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 2008, e anulou a relativa ao ano de 2007 proveniente da declaração referida em 5 - cfr. Reclamação Graciosa.



II-B. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:
A.
As chaves do imóvel sito na Rua dos T...- Lagos, tenham sido entregues em 2007.



II-C FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.
Quanto ao facto A, alegado no artigo 11° da Petição, foi dado por não provado por não ter sido produzida prova quanto a ele e os Impugnantes terem sido identificados, várias vezes, durante o ano de 2008, perante notário, como tendo residência em Rua dos T... - Lagos.
Por outro lado, os Impugnantes alegam ter vendido o prédio por € 235.000,00 em 2007, valor que consta de dois cheques que foram passados em nome de terceiro, que não no seu ou no da sua procuradora, tendo a escritura sido celebrada, em 2008, pelo valor de € 240.000,00.
Estas discrepâncias não permitiram ao Tribunal formar a convicção de que a narrativa alegada corresponde à verdade dos factos, face à ausência de outros meios de prova.»

*

De direito

Como se retira da síntese feita na sentença recorrida, na impugnação deduzida os ora Recorrentes questionaram a liquidação de IRS n.º 2011.50..., relativa ao ano de 2008, pedindo a sua anulação, defendendo, para tanto, que venderam em 2007 o imóvel em que tinham a sua residência permanente, tendo nesse ano recebido o respectivo preço e declarado o reinvestimento de mais -valias no valor de € 172.000,00. Sustentavam que, todavia, a escritura apenas foi realizada em 2008, altura em que os adquirentes já haviam constituído o prédio em regime de propriedade horizontal. Advogavam que o facto tributário ocorreu em 2007, altura em que se constituiu a relação jurídica, sendo que a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, por já se terem produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

A sentença foi desfavorável à tese dos Recorrentes, concluindo, como se retira do excerto transcrito, que:

“Com efeito, os factos impeditivos do direito à liquidação alegados pelos Impugnantes não emergiram demonstrados, ou por sobre eles não ter sido requerida nem produzida prova, designadamente testemunhal, ou por a prova produzida não ter sido suficiente para o Tribunal formar a convicção de que a tese apresentada efectivamente ocorreu, face às discrepâncias de valores, às moradas indicadas pela procuradora dos Impugnantes como sendo a residência destes (em 2008, depois da alegada venda em 2007, sem que qualquer justificação para tal desencontro -morar num local que supostamente já fora vendido no ano anterior - tenha sido apresentada) e à intervenção de terceiros nos alegados pagamentos (A..., mandatária dos Impugnantes nos autos, mas que não era a procuradora dos mesmos para vender "quaisquer prédios ou direitos prediais sitos em Espiche, freguesia da Luz, concelho de Lagos").

Sendo que, pelo contrário, resulta provada a venda realizada em 2008 - cfr. ponto 7 do probatório.

E, nos termos gerais das regras do ónus da prova, à Administração que pretende tributar "cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado" e aos Impugnantes compete "a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado" - artigo 342º do Código Civil. Por outro lado, não se vislumbra também que a Administração esteja a exigir a declaração, rectius o pagamento, "duplo dos mesmos rendimentos" (cfr. artigo 9°, parte final, da PI), pois que a decisão da Reclamação Graciosa, ao concordar com o teor da informação que pugnou por que se tornasse definitivo o projecto de despacho de indeferimento proferido em 30-06-2011, determinou que fosse mantida "a liquidação reclamada por estar correcta e, por conseguinte, [que fosse] a liquidação n°5…, referente ao ano de 2007", anulada, elaborando-se o respectivo documento de correcção - cfr. ponto 11 do probatório.

Pelo que não tendo os Impugnantes logrado cumprir o ónus de prova que sobre eles recaía, ao contrário da Administração Tributária, a Impugnação não pode proceder”.

O assim decidido não é aceite pelos Recorrentes, tal como decorre da alegação de recurso.

Ora, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Vejamos, então.

Em primeiro lugar, os Recorrentes entendem que o Tribunal não permitiu que fosse produzida a “prova necessária à verdade dos factos carreados aos autos”, o que possibilitaria forçosamente uma decisão diversa.

Este ataque à sentença é - sem hesitações, dizemo-lo – absolutamente injustificado, pois, percorridos os autos, não se vislumbra que alguma vez, por qualquer das partes, concretamente pelos Recorrentes, tenha sido requerida a produção de prova que o Tribunal a quo tenha ignorado ou indeferido.

No caso particular do alegado e concluído em C), repudia-se o teor do afirmado, pois dizer que o tribunal não permitiu a produção de prova quanto à data da entrega das chaves do imóvel faz pressupor que foi requerida prova para demonstrar tal circunstancialismo, o que – insiste-se – não corresponde à verdade.

Sustentam, ainda, os Recorrentes que o Tribunal “avaliou erroneamente os factos e as provas juntas aos autos concluindo em sentido incoerente com a prova produzida a qual indiciava para conclusões diferentes”.

Nesta curta afirmação, e ainda que formulada em termos menos precisos, está sintetizada a discordância com o julgamento da matéria de facto (avaliar erradamente as provas).

Ora, como se lê no acórdão deste TCA Sul nº 07193/13, de 13/02/14, “no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1.ª Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.art.º 685.º-B, n.º 1, do C.P.Civil, “ex vi” do art.º 281.º, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3.º, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2.ª Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul-2.ª Secção, 14/11/2013, proc.5555/12).

Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual art.º 640.º, n.º 1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6”.

De volta ao caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, uma vez que nunca se indicam, nos termos legalmente exigidos, os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Tanto basta para rejeitar a incipiente tentativa de impugnar a matéria de facto.

Prosseguindo.

Perpassa ao longo do recurso o ataque à actividade do Tribunal a quo, em concreto por o Mmo. Juiz a quo não ter ordenado a “abertura de uma fase de instrução quando a complexidade do assunto o mereça”, como impõe o “artigo 87° e 90° do CPTA, devendo as partes ter sido notificadas para produzirem outras diligências probatórias”. Mais refere que o “artigo 114° do CPPT impõe que o Tribunal ordene as diligências de produção de prova necessárias, as quais serão produzidas no respectivo Tribunal”.

Desde já se diga que não se justifica aqui, em sede de impugnação judicial, a invocação dos citados preceitos legais do CPTA. Desde logo, o CPPT tem normas próprias sobre a instrução dos autos, como é o caso do artigo 114º do CPPT. Por outro lado, o invocado artigo 87º do CPTA dirige-se ao despacho saneador, fase processual que nem sequer está contemplada nesta espécie processual.

Se bem se percebe, no entendimento dos Recorrentes, o Mmo. Juiz deveria ter ele mesmo ordenado as diligências de prova que entendesse adequadas à prova do circunstancialismo referente à entrega das chaves do imóvel em 2007, à morada dos Impugnantes, ao efectivo recebimento do preço em 2007, em suma a tudo (ou quase tudo) o que foi alegado, em termos fácticos, subjacente à pretensão jurídica visada na impugnação judicial.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito, sabido que no processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório (cfr. artigos 99° da LGT e 13° do CPPT), o que significa que o juiz não só pode, como também deve, ordenar ou realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.

Com efeito, dispõe o nº 1 do artigo 99º da LGT que o “tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”. Por seu turno, o artigo 13º, nº1 do CPPT preceitua que aos “juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.

De modo claro, devemos afirmar que este princípio e dever que o Juiz deve observar não serve, porém, para colmatar a inércia ou falta de diligência das partes, como aqui patentemente aconteceu, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, imprimindo ao processo um cariz absolutamente paternalista que entendemos que o mesmo não deve assumir.

Por seu turno, e quanto à instrução dos autos, dispõe o CPPT, no artigo 114º, que o juiz, não conhecendo logo do pedido, ordena as diligências de produção de prova necessárias. Mas, também aqui, realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis ao juiz para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados não pode significar que o juiz, perante a absoluta inércia probatória, relativamente ao circunstancialismo que os Recorrentes pretendiam ver contemplado no probatório, substitua a parte que tem o ónus de a alegar e provar, promovendo a produção de prova, designadamente, como parece ser o caso, a testemunhal. No caso, relativamente ao facto não provado - As chaves do imóvel sito na Rua dos T...- Lagos, tenham sido entregues em 2007 – pretendiam os Recorrentes que o Tribunal ordenasse a produção de prova para demonstrar o mesmo, prova este que, não só cabia aos impugnantes, como só eles estão em condições de a indicar, o que notoriamente não foi feito, nem tão-pouco ensaiado.

Improcede, também esta questão que vimos de analisar.

Continuando, e mostrando-se estabilizada a matéria de facto, passemos ao julgamento de direito.

Defendem os Recorrentes que “A tributação do rendimento imputado a 2008 vai violar as normas do 45° CIRS que prevêem a possibilidade de reinvestimento por impossibilitar o fim e a ratio destas normas as quais visam incentivar uma melhor de vida dos particulares conseguido cada vez habitação mais consentânea com a sua vida e família, sendo uma questão de direito à habitação, previsto constitucionalmente”. “A intenção dos impugnantes ao venderem e adquirir a nova casa teve em consideração a possibilidade de reinvestimento, tendo comprado uma habitação em 2007, ano que fecharam negócio de venda com compradores que lhes pagaram imediatamente o preço, pela transmissão da posse e entrega das chaves diferindo-se apenas a concretização formal para mais tarde por razões de regularização registal”. Por isso, para os Recorrentes “O rendimento foi em 2007, devendo ser imputado ao ano de 2007 pelo que declaração de IRS foi bem apresentada em 2007”. Salientam que “demonstra a procuração de venda de 14.06.2007 que foi outorgada a favor da mandatária dos compradores, dia em que receberam o preço 235 500,00 euros”; que “o artigo 36° n° l e nº4 da LGT foram ignorados”.

Vejamos o que dizer a este propósito, começando por deixar claro aquele que foi o discurso argumentativo alinhado na sentença. Aí se escreveu:

“(…)

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo que – n.º 3 – os ganhos se consideram obtidos no momento da prática do acto de alienação. No entanto, - alínea a) deste n.º 3 – nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens objecto do contrato.

Como se disse, a tese dos Impugnantes radica em o facto tributário ter sido praticado no ano de 2007, que não no de 2008.

No entanto, não resultou provado que as chaves do imóvel tenham sido entregues em 2007 – cfr. facto A dado por não provado – nem, consequentemente, que qualquer negócio relativo ao prédio tenha ocorrido nesse ano.

Com efeito, os factos impeditivos do direito à liquidação alegados pelos Impugnantes não emergiram demonstrados, ou por sobre eles não ter sido requerida nem produzida prova, designadamente testemunhal, ou por a prova produzida não ter sido suficiente para o Tribunal formar a convicção de que a tese apresentada efectivamente ocorreu , face às discrepâncias de valores, às moradas indicadas pela procuradora dos Impugnantes como sendo a residência destes (em 2008, depois da alegada venda em 2007, sem que qualquer justificação para tal desencontro – morar num local que supostamente já fora vendido no ano anterior – tenha sido apresentada) e à intervenção de terceiros nos alegados pagamentos (A..., mandatária dos Impugnantes nos autos, mas que não era a procuradora dos mesmos para vender “quaisquer prédios ou direitos prediais sitos em Espiche, freguesia da Luz, concelho de Lagos”).

Sendo que, pelo contrário, resulta provada a venda realizada em 2008 – cfr. ponto 7 do probatório.

E, nos termos gerais das regras do ónus da prova, à Administração que pretende tributar “cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e aos Impugnantes compete “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado” – artigo 342.º do Código Civil.

Por outro lado, não se vislumbra também que a Administração esteja a exigir a declaração, rectius o pagamento, “duplo dos mesmos rendimento s” (cfr. artigo 9.º, parte final, da PI), pois que a decisão da Reclamação Graciosa, ao concordar com o teor da informação que pugnou por que se tornasse definitivo o projecto de despacho de indeferimento proferido em 30-06-2011, determinou que fosse mantida “a liquidação reclamada por estar correcta e, por conseguinte, [que fosse] a liquidação n.º 5…, referente ao ano de 2007”, anulada, elaborando-se o respectivo documento de correcção – cfr. ponto 11 do probatório”.

Adianta-se, desde já, que esta análise merece a nossa inteira concordância.

Vejamos, com detalhe.

Resulta da matéria e facto (ponto 7) que, em 5/9/08, M..., na qualidade de procuradora de A... e H..., vendeu a J... e E..., pelo preço global de € 240.000,00, as seguintes fracções autónomas que fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua dos T... - Lagos: a) Pelo preço de €160.000,00, a fracção autónoma designada pela letra A, correspondente ao rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, com direito ao uso exclusivo do logradouro contíguo ao prédio; b) Pelo preço de €80.000,00, a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão, destinada a estabelecimento comercial de pastelaria e bebidas - cfr. fls. 27 dos autos.

Considerando o disposto no artigo 10º, nº3 do CIRS, em princípio – diremos, em regra - os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação (atenta a remissão do nº3 para o nº1 do artigo 10º do CIRS) o que nos remete ao ano de 2008.

Assim não será, porém, nos casos contemplados nas alíneas a) e b) do referido nº 3. No caso, interessa-nos a alínea a), ou seja, os casos de “promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato”.

É a inserção nesta alínea que os Impugnantes, ora Recorrentes, pretendiam fazer valer e que o TAF de Loulé considerou não ter sido demonstrado um circunstancialismo que a torne aplicável. E, na verdade, assim é, considerando o que emerge do probatório.

Desde logo, não obstante sabermos que a venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo 5… foi formalizada em 2008, a verdade é que a alegada alienação em 2007 (cfr. ponto 1 da p.i) não se mostra minimamente documentada/ demonstrada, não havendo evidência bastante de tal ter ocorrido e de os compradores terem, desde 2007, a posse do imóvel. Como o TAF evidenciou, a prova produzida não demonstra tal circunstancialismo.

Atente-se no facto não provado, segundo o qual “As chaves do imóvel sito na Rua dos T...- Lagos, tenham sido entregues em 2007”. Atente-se, igualmente, na circunstância de os Recorrentes surgirem, não apenas em 2007 mas posteriormente também, como residentes na Rua dos T..., Lagos, morada que alegam já não ser a sua residência desde a venda em 2007. É assim na escritura correspondente ao documento 9, de Setembro de 2008, junta a fls. 26 e ss e, bem assim, na escritura de Julho de 2008, correspondente ao documento 11, a fls. 33 e ss. Por outro lado, a soma dos valores dos cheques a que alude o ponto 4 dos factos provados não corresponde ao valor de venda constante da escritura a que se reporta o ponto 7 dos factos provados, o que não contribui para fazer a correspondência que os Recorrentes pretendem. Igualmente fica por confirmar a tese dos Recorrentes de que no dia 14/06/07 receberam integralmente o preço pelo qual venderam o seu imóvel, por cheques emitidos e depositados nesse dia, sendo que, como a sentença evidenciou, os mesmos mostram-se passados em nome de terceiro. Diga-se, por último, que a procuração a que se reporta o ponto 3 do probatório, não permite dissipar dúvidas sobre a alienação em 2007, por a mesma ser genérica (respeitante aos prédios ou direitos prediais sitos em Espiche, freguesia da Luz) e não se reportar concretamente ao imóvel a que corresponde o artigo matricial 5446.

Ora, como o TAF de Loulé concluiu, em termos que não nos oferecem reservas, para efeitos da aplicação da norma contida na alínea a), do nº3 do artigo 10º do CIRS (e afastamento da regra geral (os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação), cabia aos Impugnantes o ónus da prova do circunstancialismo de facto invocado, o que não lograram fazer, nos termos expostos, o que nem sequer se pode dizer que fosse complexo.

Assim, o ano de obtenção dos rendimentos não podia deixar de ser considerado, como foi, o ano de 2008, aqui se considerando verificado o facto tributário.

No caso, nenhum sentido faz o apelo ao artigo 36º, nº 4 da LGT, segundo o qual “A qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”, pois a AT não está, no caso, a desqualificar o negócio jurídico efectuado pelas partes em 2008, constante de documento autêntico. Os contribuintes, isso sim, é que invocam um circunstancialismo diverso, conformador de uma situação de tradição/posse do imóvel, que não emerge minimamente demonstrada.

É de afastar igualmente a convocação que se faz do disposto nos artigos 38º e 39º da LGT, pois não está em causa situação que se reconduza à ineficácia de actos e negócios jurídicos ou à simulação dos negócios jurídicos.

O desfecho dos presentes autos, como a sentença bem assinalou, prende-se unicamente com a actuação das regras dos ónus de prova, sabido que, nos termos do artigo 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

No caso, a AT demonstrou o que lhe competia quanto à obtenção dos rendimentos e à data dos mesmos, de acordo com a regra geral. Aos contribuintes faltou demonstrarem o que alegavam, com vista a incluírem a sua situação tributária no previsto na alínea a) do nº3 do artigo 10º do CIRS.

Em suma, improcedem na totalidade as conclusões da alegação de recurso, negando-se provimento ao mesmo.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Registe e notifique.

Lisboa, 28/01/21


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro

Ana Cristina Carvalho