Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:57/08.6BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMT
DIREITO DE AUDIÇÃO
LIQUIDAÇÃO COM BASE NA DECLARAÇÃO
APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I - O artigo 60º, nº2, alínea a), da LGT, na redacção aqui aplicável, dispõe que é dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte, formulação esta que deve ser interpretada de harmonia com a garantia constitucional do direito de audiência do interessado (cfr. artigo 267º, nº5, da CRP), tendo o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico.
II - “O conhecimento acerca da real situação tributária dos contribuintes é detido, em primeiro lugar, por estes, pelo que a sua participação nas decisões da administração tributária que lhes digam respeito é essencial, em face dá prevalência do princípio do inquisitório e da tributação pelo valor real. As situações em que a administração tributária deve conceder o direito de audição no procedimento tributário constam das várias alíneas do n° 1, salvo quando exista disposição em sentido contrário”.
III – No caso sub judice, a audição prévia não poderia ser dispensada, sabendo-se que uma diferente apreciação da matéria de facto e/ou de direito tinha influência na decisão final do procedimento, o acto de liquidação. De resto, no caso, ressalta particularmente justificável ouvir o sujeito passivo, até numa lógica de confiança em anteriores actuações (dele próprio, ao apresentar o pedido de liquidação, e da Notária, ao apurar diferentes valores na escritura e que serviram de base o pedido formulado em 2 de Maio).
IV – Considerando que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M... contra o indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), respeitante ao ano de 2007, no montante de € 11.417,56, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

I. Decidiu, a Douta Sentença, julgar procedente a presente impugnação e declarar nula a liquidação de IMT respeitante ao ano de 2007, condenando a Autoridade Tributária ao reembolso do valor de imposto pago, por preterição do exercício do direito de audição prévia, com o que não se concorda;

II. Discorda-se, desde logo, do facto dado como provado no ponto 10) da matéria de facto, pois a data de 03/05/2007 ali indicada, como sendo aquela em que o impugnante apresentou requerimento no “Serviço de Finanças, afim de proceder ao pagamento do IMT (…) no montante mencionado de 45.659,73 €” não corresponde à data aposta no carimbo do documento n.º 2 junto pelo Impugnante, com a sua petição. A data que consta como sendo a de entrada daquele pedido no Serviço de Finanças é de 04.05.2007;

III. 03.05.2007 é a data da declaração para pagamento, no montante de 193 939,63 Euros, apresentada pelo contribuinte no Serviço de Finanças, bem como da respectiva liquidação;

IV. Pelo que, não pode o Tribunal “a quo” considerar, como fez, “Recepcionado tal requerimento o impugnante é imediatamente confrontado com a liquidação (…) na qual é considerado valor substancialmente diverso daquele que era por si expectável”, tendo-o pago” e “Não obstante é-lhe apresentada imediatamente liquidação para pagamento sem que o visado tenha sido “ouvido”, designadamente pelo sujeito activo da relação jurídica tributária. Esta legitimação do apuramento que conduziu à liquidação sem que previamente ao contribuinte tenha sido conferido o direito de audição em cumprimento do disposto no art.º 60.º n.º 1, al. a) da LGT. E, sendo assim, tem de concluir-se que ocorreu preterição de formalidade legal”;

V. Do documento de liquidação pode ler-se: “Declarou que pretendia pagar o IMT devido, com referência à importância de € 193 939,63 que leva a mais em bens imóveis rústicos e urbanos, na partilha por divórcio, conforme Escritura de Partilhas de 2 de Abril de 2007 (…)”;

VI. Tendo em conta as datas constantes dos documentos, as quais são também indicadas pela Autoridade Tributária, em sede de Reclamação Graciosa, não se atinge como o Tribunal “a quo”, concluiu que “Perante tal circunstancialismo dirige o impugnante requerimento ao Serviço de Finanças acompanhado da sobredita escritura pública no qual consigna a sua pretensão de ser liquidado IMT e o valor que resulta submetido a este por via do excesso na composição da sua quota-parte na partilha operada. Recepcionado tal requerimento o impugnante é imediatamente confrontado com a liquidação que acima se enumera, na qual é considerado valor substancialmente diverso daquele que era por si expectável”;

VII. Com todo o respeito, trata-se de elaboração sem aderência à realidade, tal como nos é transmitida pelos documentos constantes dos Autos e datas neles apostas;

VIII. A liquidação em apreço resultou de declaração modelo 1 apresentada pelo contribuinte, efectuada em 03.05.2007, de cuja descrição consta “Declarou que pretendia pagar o IMT devido…”. Pelo que, ao contrário do decidido, é-lhe aplicável a alínea a) do n.º 2 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e, portanto, dispensada a audição prévia;

IX. Por outro lado, a Douta Sentença, apenas aprecia (para além da preterição do direito de audição prévia), da invocada, em sede de contestação, degradação de tal omissão em formalidade não essencial, por estar a Autoridade Tributária a agir ao abrigo de poderes vinculados;

X. E refere que, “sem pretender entrar em apreciações mais profundas questiona-se o valor de tais poderes, designadamente a interpretação apresentada para conduzir ao valor tributável, e o periclitante que tal tributação se mostra”. Trata-se de afirmação não sustentada em factos ou direito, a qual, por não apreciada “mais profundamente”, se revela imperceptível;

XI. Invoca também norma aditada pelo art.º 97.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, a qual, como é fácil de ver, não estava em vigor na data a que se reportam os presentes Autos;

XII. Pelo que, fez a Douta Sentença, errada fixação de factos e errada apreciação daquela matéria de facto que correctamente considerou provada;

XIII. Fez, também, incorrecta aplicação do direito, violando o disposto nos art.ºs 60.º da LGT e art.º 49.º do CIMT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.


*

Em sede de contra-alegações, com ampliação do recurso, conclui-se do seguinte modo:

I - O recorrido entende que os factos dados como provados nos presentes autos, de per se, permitiam ao Tribunal a quo decidir como decidiu. Contudo, nas suas doutas alegações, a Administração Tributária (doravante, simplesmente, designada por AT) vem efetuar um conjunto de afirmações que são contrárias com os factos alegados pelo recorrido na sua impugnação judicial. Assim sendo, prevenindo a hipótese da procedência de qualquer questão suscitada pela recorrente, requer-se a V. Exas., ao abrigo do disposto no artigo 636.° do CPC por remissão do artigo 2.° alínea e) do CPPT a ampliação do presente recurso relativamente às questões infra referidas

II - Dispõe o artigo 640.° do CPC, por remissão do artigo 2.°, alínea e) do CPPT, que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente especificar, sob pena de, imediata, rejeição do recurso quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e como é que os mesmos deveriam ter sido julgados, ónus este que não foi cumprido pela recorrente, sendo que a não satisfação do mesmo implica a imediata rejeição do recurso relativamente à matéria de facto.

III - Nas suas doutas alegações a recorrente vem dizer que não concorda com o teor do facto 10 constante da douta sentença, porquanto o requerimento que consta dos autos tem data de entrada de 4 de maio de 2007. Ora, ao analisarmos o referido fax constatamos que o mesmo foi remetido no dia 2 de maio de 2007, pelas 0hl3m, razão pela qual, como é bom de ver, a essa hora, não poderia o recorrido ter entregue o mesmo pessoalmente, o que só veio a fazer em data posterior, dia 4 de maio de 2007.

Assim sendo, salvo melhor e mais douto entendimento, bem andou o Tribunal a quo quando considerou conto provado o facto n.° 10.

IV - Sem prejuízo do recorrido entender que a matéria de facto dada como provada é suficiente para a boa resolução do caso subjudice, caso V. Exas. entendam ser necessário apurar, concretamente, se em abril de 2007, o recorrido tinha ou não já solicitado por diversas vezes a liquidação de IMT nos termos constantes do seu requerimento junto aos autos, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 636.º do CPC, ex. vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, deverá o presente processo baixar à l,a Instância para que se possa apurar, em sede de audiência de discussão e julgamento, esse mesmo facto. Igualmente, deverá apurar-se toda e qualquer factualidade alegada pelo recorrido e constante da sua impugnação judicial que V. Exas. considerem essencial à boa decisão da causa.

V - Tendo em conta os factos provados, o Tribunal aquo, e bem, considerou que a AT tinha violado o dever de audição do contribuinte previsto no artigo 60.° da LGT, o que constitui uma ilegalidade da liquidação nos termos do artigo 99.° alínea d) do CPPT. Como todos sabemos, para que o recorrido pudesse pagar o IMT devido teria de estar munido da referida liquidação, a qual é condição sine qua non para o referido pagamento. Essa liquidação reveste tão só, a natureza de uma guia de pagamento de imposto, sem a qual é impossível promover o seu pagamento.

Pelo exposto e conforme doutamente tem sido decidido pela nossa mais douta jurisprudência, temos por certo que in casu foi violado o dever de audição prévia do recorrido» já que a liquidação efetuada pela AT difere, totalmente, daquela solicitada pelo recorrente, sendo certo que o facto do recorrido ter pago e recolhido a guia de liquidação de IMT no Serviço de Finanças não permite afastar a obrigação legal da AT de ouvir o contribuinte.

VI - Como doutamente tem sido defendido peia nossa doutrina e jurisprudência, em regra, a violação do direito de audição prévia do contribuinte tem como consequência, conforme resulta da douta sentença, que a liquidação efetuada seja anulada por preterição de formalidades legais. Tal regra apenas tem uma exceção. Só assim não será caso se comprove que a omissão do dever de audição prévia não tem qualquer influência no procedimento de liquidação efetuado» caso em que tal formalidade essencial se degrada numa formalidade não essencial, o que não acontece in casu porquanto o recorrido poderia sempre demonstrar e comprovar junto do Serviço de Finanças; (1) que a existência das hipotecas dos imóveis nada em que a ver com o valor dos mesmos; (2) que o valor constante da escritura pública é o valor correto para a liquidação de IMT; (3) qual era o valor concreto em dívida na hipoteca de cada um dos imóveis; e (4) que é ilegal AT calcular a matéria coletável do imposto através da adição do valor dos prédios ao valor das hipotecas e a partir desse ponto calcular o imposto a pagar;

Assim sendo, contrariamente ao alegado pela AT, a violação do direito de audição prévia do recorrido não se degradou em qualquer formalidade não essencial, razão pela qual bem andou o Tribunal a quo quando decidiu como decidiu.

VII - A questão da falta de fundamentação, por uma questão de precedência lógica, não foi analisada pelo Tribunal a quo face à procedência da questão relativa à violação do direito de audição prévia, razão pela qual só agora em sede de ampliação de recurso — à cautela — e para o caso de V. Exa. considerarem procedente a alegação da recorrente, se coloca a presente questão para apreciação de V. Exas.

À fundamentação dos atos administrativos constitui uma garantia constitucional dos contribuintes (artigo 268.°, n.° 3, da CRP) que se encontra prevista e reguladas nas Íeis tributárias, mormente, no disposto no artigo 77.° da LGT.

Aplicando os supra referidos ensinamentos ao caso subjudice, concluímos, sem qualquer dúvida, que a liquidação efetuada ao recorrido não está, minimamente, fundamentada. Já que não é percetível para o recorrido, nem para qualquer bónus pater famíliae: (1) qual a forma de cálculo utlizada para apurar a matéria coletável sujeita a imposto; e (2) quais as normas jurídicas fundamentam essa mesma liquidação.

De facto, os valores encontrados pela a AT para cada um dos prédios urbanos e rústicos não encontra qualquer correspondência, quer com a escritura de partilha por divórcio, quer pelo valor patrimonial de cada um dos prédios. Razão pela qual se desconhece como foram os mesmos encontrados.

Tal obrigação legal de fundamentação foi, assim, totalmente ignorada na presente liquidação o que desde logo inquina o ato de ilegalidade por violação expressa do artigo 77.° da LGT, determinando a sua, imediata» revogação e, consequentemente, a procedência da impugnação judicial apresentada.

Pelo exposto, deverão V. Exas. considerar que a liquidação efetuada ao recorrido é nula, pelo facto da mesma não ter fundamentada, em violação do disposto no artigo 77.° da LGT e consequentemente, deverá julgar-se procedente o pedido dó recorrido, sendo anulada a liquidação de IMT efetuada pela recorrente.

VIII - O artigo 37.° do CPPT, contrariamente ao alegado pela AT, não tem aplicação relativamente à falta de fundamentação das liquidações (isto é do ato tributário), mas apenas tem aplicação relativamente as comunicações e notificações efetuadas no procedimento tributário, mormente as deficiências de fundamentação das mesmas, mas já não as do ato notificado, in casu, a liquidação, pelo que não estava o recorrido obrigado a fazer uso de um mecanismo legal que nem sequer tinha para o efeito.

Ainda que assim não se entenda, o que nem por mera hipótese se concede, sempre se dirá:

IX - A questão do erro no cálculo da matéria coletável para efeitos de IMT e da não aplicação do disposto na alínea h) do n.° 5 do artigo 12.° do CIMT às situações referidas na regra 11.° do n.° 4 do artigo 12.° do IMT, suscita pelo recorrido na sua impugnação judicial, por uma questão de precedência lógica, não foi analisada pelo Tribunal a quo face à procedência da questão relativa à violação do direito de audição prévia, razão pela qual só agora em sede de ampliação de recurso - à cautela - se coloca tal questão para apreciação de V. Exas.

X - Tendo em conta os valores constantes da escritura de partilha e os valores patrimoniais dos bens partilhados, qualquer que seja a forma utilizada para calcular o valor sujeito a MT - nos termos do artigo 12.° n.° 4 do CIMT - o valor mantêm-se constante nos € 91,319,46, valor este que é dividido por dois já que o recorrido já era proprietário de metade destes prédios urbanos e rústicos partilhados. Facto pelo qual a liquidação de IMT relativa à partilha por divórcio do recorrido deveria ter sido realizada da seguinte forma: Artigo 1193.° - € 49.066,15 x 6,5% = 6 3.189,30; Artigo 1192.° - € 12.551,86 x 6,5% = € 815,87; Artigo 1195.° - € 11.410,86 x 6,5% = € 741,7; Artigo 2.°- HH - € 12.585,31x5% = € 629,27. O que representaria um imposto a pagar na quantia de € 5.376.15 (cinco mil trezentos e setenta e seis euros e quinze cêntimos), e não de € 11.417,56 (onze mil quatrocentos e dezassete euros e cinquenta e seis cêntimos), como foi liquidado pela AT.

XI - O artigo 12.° n.° 5 alínea h) do CIMT não é de aplicar à regra 11.° do n.° 4 do artigo 12.° do CIMT.

Pelo exposto, a AT ao promover a liquidação de IMT ao recorrido como a fez, violou o disposto na regra 11.° do n.° 4 artigo 12.° do CIMT, devendo» por conseguinte, tal liquidação ser anulada por V. Exas. por vício de violação de lei.

Ainda que assim não se entenda, o que nem por mera hipótese se concede, sempre se dirá:

XII - Nos termos do disposto no artigo l.° do CIMT o IMT incide sobre as transmissões onerosas de imóveis. Ora, os encargos a que se refere a escritura de partilha e que ficaram da responsabilidade do recorrido são encargos derivados da sua atividade comercial e por isso totalmente estranhos aos imóveis partilhados. Já que, o recorrido viu-se obrigado, no exercício exclusivo da atividade agropecuáría que exerce - a contrair junto do seu Banco - C..., CRL - dois empréstimos -um de € 300,000,00 (trezentos mil euros) e um outro de € 50.000,00 para uma conta-caucionada. Sendo que, nenhum desses encargos é relativo a qualquer imóvel objeto da partilha. Assim, também por esta razão, em caso algum poderão os referidos encargos -por serem externos aos próprios bens imóveis hipotecados - servir de base â liquidação de IMT na partilha extrajudicial efetuada, até porque os bens que foram adquiridos com os referidos empréstimos foram, também, adjudicados ao recorrido.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão:

a) o presente recurso deve ser considerado totalmente improcedente, com as legais consequências; ou caso assim não se entenda,

b) deverão as questões suscitadas nas presentes contra-alegações serem consideradas procedentes por provadas e consequentemente anulada a liquidação com os supra referidos fundamentos; só assim se fazendo a habitual

JUSTIÇA”


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O EMMP pronunciou-se pelo provimento do recurso.

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Colhidos os actuais vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

II - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

1) Através de escritura pública celebrada em 02/04/2007 no Cartório Notarial de Odivelas entre o impugnante M... e M..., no acto representada por A..., foi efectuada partilha do património comum do casal dissolvido por divórcio transitado em 26/07/2006.
2) O casamento dissolvido vigorou sob o regime da comunhão de adquiridos.
3) O património a partilhar era constituído por activo e passivo.
4) O activo compunha-se de um prédio misto, sito na Herdade da A..., freguesia de Santa Maria do Castelo, concelho de Alcácer do Sal, o qual é composto por:
- prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1…, com o valor patrimonial de 49.066,15 €;
- prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1…, com o valor patrimonial de 12.551,86 €;
- prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1…, com o valor patrimonial de 11.410,86 €;
- prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1…, com o valor patrimonial de 5.705,28 €;
- prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 2…, com o valor patrimonial de 12.585,31 €.
5) Totalizaram os imóveis a partilhar o valor de 91.319,46 €.
6) O passivo era constituído por empréstimo bancário concedido na vigência do casamento sendo o montante em dívida de 246.509, 81 €, sendo o mesmo garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel;
7) Ao impugnante foi adjudicado o imóvel assumindo igualmente o encargo de pagar o encargo bancário;
8) Da escritura ficou a constar que o impugnante destinava o imóvel assim adjudicado exclusivamente a sua habitação própria e permanente;
9) Ficou ainda a constar de tal documento que "Para efeitos de liquidação de Imposto de Selo e de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis verifica-se um excesso relativamente à quota-parte do primeiro outorgante no bem imóvel que lhe foi adjudicado no montante de quarenta e cinco mil seiscentos e cinquenta e nove euros e setenta e três cêntimos";
10) No dia 03/05/2007 o impugnante apresentou requerimento no Serviço de Finanças afim de proceder ao pagamento do IMT devido em razão do excesso da quota-parte de imóveis que lhe foi concedido em virtude da partilha por divórcio conforme Escritura Pública que exibiu e no montante mencionado de 45.659,73 €;
11) Nessa sequência foi elaborada a liquidação n° 1... de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis de que resultou imposto apagar no valor de 11.417,56 €;
12) O impugnante procedeu a tal pagamento nessa mesma data de 03/05/2007;
13) Não se conformando com tal liquidação apresentou em 07/08/2007 reclamação graciosa;
14) Tal reclamação graciosa veio a ter despacho de indeferimento notificado ao impugnante em 10/12/2007;
15) Do parecer para onde remete a decisão consta:
"V - Apreciação
28. Nos termos previstos no n° l do art. 19°do CIMT, "A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados para cujo efeito devem apresentar uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida "
29. Por sua vez o n°2 do art. 60°da LGT refere que "É dispensada audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte... "
30. Conforme evidenciado na Descrição da liquidação em causa o reclamante "Declarou que pretendia pagar o IMT devido com referência à importância de € 193.939,63 que leva a mais em bens imóveis rústicos e urbanos na partilha por divórcio, conforme Escritura de Partilha de 2 de Abril de 2007 no Cartório Notarial de Odivelas... "
31. Do que se conclui que não há lugar ao exercício do direito de audição.
32. Por outro lado no caso das partilhas extrajudiciais e de acordo com o disposto nos n° s 3 e 4 do art. 21°, no art. 23°ena alínea c) do n°4 do art. 49° do CIMT a liquidação é promovida pelo serviço de finanças competente sendo o imposto liquidado com base em cópia das escrituras de partilhas de que façam parte bens imóveis remetidas pelos notários em harmonia com as obrigações de cooperação a que estas entidades estão legalmente obrigadas.
33. O que significa que a matéria tributável é determinada com base nos valores constantes da escritura pública e de acordo com as disposições vigentes no Código.
34. Surgindo assim a liquidação no âmbito dos poderes vinculados.
35. A pretensa preterição de formalidades essenciais pelo não exercício do direito de audição prévia degrada-se, pois. Em formalidade não essencial na medida em que se conclui que a participação do reclamante não poderia ter produzido qualquer influência na decisão final tomada.
36. Nos termos da alínea c) do n° 5 d art. 2°d CIMT é sujeito a IM o excesso da ota-pate que ao aquirente pertencer, nos bens imóveis em acto de divisão u partilhas.
37. Por sua vez a alínea a) o art. ° do CIMT enuncia que nas divisões e partilhas o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda da sua quota nesses bens.
38. Atenta a factualidade expressa acima verifica-se que o reclamante é sujeito passivo de IMT pelo excesso da quota-parte que lhe ficou a pertencer em partilha extrajudicial por motivo de divórcio.
39. Para determinarmos o valor tributável temos e nos socorrer das regras contidas no art. 12°do CIMT.
40. Com efeito n° l deste normativo gal contém a regra geral para determinação valor tributável.
41. Deste modo, o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato sobre o valor patrimonial dos imóveis consoante o que for maior.
42. A regra 11 a do n° 4 do art. 12° do CIMT refere que "Nas partilhas judiciais ou extrajudiciais, o valor do excesso de imóveis sobre a quota-parte do adquirente, nos termos da alínea c) do n ° do art. 2° é calculado em face do valor patrimonial tributário dos bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha ".
43. Por sua vez a alínea h) do n° 5 do mesmo art. 12° enuncia que se considera valor do acto ou do contrato, isolada ou cumulativamente quaisquer encargos e que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.
44. Deste modo foi considerado na liquidação o montante de € 148.279,90 relativo ao encargo que o reclamante assumiu junto da instituição bancária.
45. O valor patrimonial tributário do imóvel (...) é de € 91.319,46.
46. Sendo a quota atribuída a cada outorgante de metade ou 50 % significa que a quota do reclamante é de € 45.659,73.
47. No entanto foi adjudicado ao reclamante o referido imóvel com o valor de €91.319,46, pelo que se verifica um excesso à sua quota-parte no montante de €45.659,73.
48. De modo que foi apurada a matéria tributável no valor de € 193.939,63.
49. (...)
50. Considerando que de acordo ainda com a escritura de partilhas o prédio urbano artigo 1… foi destinado exclusivamente a habitação própria do reclamante, ficando isento de tributação em IMT, nos termos previstos no art. 9° do CIMT.
51. O montante sujeito a imposto é de € 181.823,03.
52. Nos termos da alínea b) do art. 17° do CIMT a taxa a aplicar pela aquisição de prédios rústicos é de 5 %.
53. Nos termos da alínea c) do art. 17° do CIMT a taxa a aplicar pela aquisição de outros prédios urbanos e outras aquisições onerosas é de 6,5 %.
54. Pelo que é devido o imposto de € 11.417,56.
55. Sendo as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo devidamente explanadas na liquidação bem como no detalhe de declaração de liquidação modelo 1."
16 - Não se conformando com este indeferimento apresentou em 01/02/2008 a petição inicial que deu origem aos presentes autos de impugnação (que se numera, já que não consta da sentença a numeração correspondente).
6.1.
Resultou a convicção do tribunal da análise dos documentos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo.
7.
MATÉRIA NÃO PROVADA
Não se provaram outros factos vertidos na petição inicial que resultarão inócuos perante a decisão a proferir.


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- De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões da alegação de recurso, resulta claro que os Recorrentes assacam à sentença recorrida os seguintes erros:

- erro de julgamento de facto, concretamente quanto ao facto provado correspondente ao nº 10 do probatório;

- erro de julgamento de direito, por a sentença ter concluído que, in casu, foi preterido o direito de audição prévia à liquidação de IMT.

Prevenindo a hipótese de o Tribunal ad quem conceder provimento ao recurso jurisdicional, o Recorrido requer a ampliação do mesmo, de modo a ver apreciados os restantes fundamentos de impugnação judicial cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução alcançada no sentido da violação do direito de audição.

Vistas as questões a apreciar, avancemos, lembrando que a sentença julgou procedente a impugnação e declarou nula a liquidação de IMT respeitante ao ano de 2007, por preterição do exercício do direito de audição prévia – lê-se na sentença: “Vista a situação vertente nesta perspectiva, haverá que concluir que a audiência prévia do impugnante era exigível quanto à liquidação aqui em causa pelo que a consequência não pode ser outra que não a de declarar nula a mesma. Procede, pois, tal fundamento de impugnação. Como consequência desta procedência e visto que foi efectuado o pagamento da liquidação que se anulará deverá ser o impugnante ser reembolsado do respetivo montante”.

Vejamos, então, por partes.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto, lembrando que, tal como resulta da conclusão II, “Discorda-se, desde logo, do facto dado como provado no ponto 10) da matéria de facto, pois a data de 03/05/2007 ali indicada, como sendo aquela em que o impugnante apresentou requerimento no “Serviço de Finanças, afim de proceder ao pagamento do IMT (…) no montante mencionado de 45.659,73 €” não corresponde à data aposta no carimbo do documento n.º 2 junto pelo Impugnante, com a sua petição. A data que consta como sendo a de entrada daquele pedido no Serviço de Finanças é de 04.05.2007”.

Tenhamos presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Em tal preceito se dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

A leitura da citada disposição legal, no confronto com a conclusão em apreciação, mostra que a Recorrente deu cumprimento às imposições decorrentes da lei, pelo que passamos a apreciar a requerida alteração ao probatório.

Averiguemos, então, se a data indicada em 10 do probatório é, ou não, correcta. Lembremos o seu teor: “10) No dia 03/05/2007 o impugnante apresentou requerimento no Serviço de Finanças afim de proceder ao pagamento do IMT devido em razão do excesso da quota-parte de imóveis que lhe foi concedido em virtude da partilha por divórcio conforme Escritura Pública que exibiu e no montante mencionado de 45.659,73 €”.

Para a Fazenda Pública, a data indicada – 03/05/07 – está errada, pois que, conforme carimbo aposto no documento dois junto à p.i de impugnação, a data de entrada do requerimento corresponde ao dia 04/05/07.

Visto o documento em causa, junto a fls. 48 e 49 dos autos, pode afirmar-se, sem hesitar, que a Fazenda Pública nenhuma razão tem ao pretender que o Tribunal dê como provado que o dito pedido foi apresentado em 4 de Maio de 2007, apesar de se confirmar que no mesmo se mostra aposto carimbo de recebimento no Serviço de Finanças de Alcácer do Sal, datado de 4 de Maio.

É que, como decorre igualmente da análise de tal requerimento, o mesmo foi remetido ao Serviço de Finanças através do fax com origem em Advogados 2…, em 2 de Maio de 2007, pelas 0:13 (cfr. fls. 48 dos autos), número este, aliás, que corresponde ao do Senhor Mandatário subscritor da petição inicial de impugnação, tal como consta do carimbo constante de fls. 19 dos autos (última folha do articulado inicial).

Significa isto, portanto, que improcede a pretensão da Recorrente de ver alterada a data de 3 de Maio, constante do ponto 10 do probatório, para 4 do mesmo mês.

Aliás, em bom rigor, o que há é que rectificar a data indicada – 3 de Maio – para 2 de Maio, por ser essa efectivamente a data registada no envio do fax.

Assim, e sem mais delongas, não acolhendo a pretensão da Recorrente, rectifica-se o nº 10 do probatório, passando o mesmo a contar com a seguinte redacção:

- 10) No dia 02/05/2007 o impugnante remeteu, via fax, requerimento ao Serviço de Finanças a fim de proceder ao pagamento do IMT devido em razão do excesso da quota-parte de imóveis que lhe foi concedido em virtude da partilha por divórcio, conforme Escritura Pública que exibiu e no montante mencionado de 45.659,73 €.


*

Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artigo 662, nº.1, do CPC:

17 – A fls. 51 e 52 dos autos de impugnação foi junto o seguinte documento cujo teor se dá por reproduzido:


«Imagem no original»

*


Estabilizada a matéria de facto, avancemos para o direito.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, lembrando que a impugnação judicial foi julgada procedente com base na preterição do direito de audição.

Antes de avançar, deixemos devida nota do raciocínio alinhado na sentença, para que assim melhor se perceba o ataque que a Fazenda Pública fez ao decidido. Escreveu-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“Ora, no caso em apreço, resulta seguro que o impugnante ficou ciente do dever de pagar quer imposto de selo quer imposto municipal sobre as transmissões onerosas aquando da outorga da escritura pública de partilha de património comum após a dissolução do seu casamento.

Mais, resulta assente que em tal documento ficou consignado o motivo e ainda o valor a considerar para efeitos de aplicação do imposto.

Perante tal circunstancialismo dirige o impugnante requerimento ao Serviço de Finanças acompanhado da sobredita escritura pública no qual consigna a sua pretensão de ser liquidado IMT e o valor que resulta submetido a este por via do excesso na composição da sua quota-parte na partilha operada.

Recepcionado tal requerimento o impugnante é imediatamente confrontado com a liquidação que acima se enumera, na qual é considerado valor substancialmente diverso daquele que era por si expectável.

Registe-se que o impugnante procedeu ao pagamento do valor nesses termos apurado.

Posto isto, haverá que salientar desde logo que a liquidação não foi efectuada por iniciativa do contribuinte na medida em que este se apresenta a pagamento de imposto com premissa que a Administração Fiscal sabia ser diferente e legitimamente fundado no valor calculado pelo Notário que presidiu à escritura pública de partilha.

Não obstante é-lhe apresentada imediatamente liquidação para pagamento sem que o visado tenha sido “ouvido”, designadamente pela discrepância de valores entre o apresentado pelo sujeito passivo e imposto pelo sujeito activo da relação jurídica tributária.

Esta legitimação do apuramento que conduziu à liquidação ocorreu sem que previamente ao contribuinte tenha sido conferido o direito de audição em cumprimento do disposto no art. 60º, nº 1, al. a) da LGT.

E, sendo assim, tem de concluir-se que ocorreu preterição de formalidade legal.

(…)”

Contra o assim decidido, sustenta a Fazenda Pública que: “03.05.2007 é a data da declaração para pagamento, no montante de 193 939,63 Euros, apresentada pelo contribuinte no Serviço de Finanças, bem como da respectiva liquidação”, pelo que “não se atinge como o Tribunal “a quo”, concluiu que “Perante tal circunstancialismo dirige o impugnante requerimento ao Serviço de Finanças acompanhado da sobredita escritura pública no qual consigna a sua pretensão de ser liquidado IMT e o valor que resulta submetido a este por via do excesso na composição da sua quota-parte na partilha operada. Recepcionado tal requerimento o impugnante é imediatamente confrontado com a liquidação que acima se enumera, na qual é considerado valor substancialmente diverso daquele que era por si expectável”. Para a Recorrente, “trata-se de elaboração sem aderência à realidade, tal como nos é transmitida pelos documentos constantes dos Autos e datas neles apostas”, pois a liquidação contestada “resultou de declaração modelo 1 apresentada pelo contribuinte, efectuada em 03.05.2007, de cuja descrição consta “Declarou que pretendia pagar o IMT devido…”. Pelo que, ao contrário do decidido, é-lhe aplicável a alínea a) do n.º 2 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e, portanto, dispensada a audição prévia”.

Portanto, temos que a Recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que nos termos do nº 2, do artigo 60º da LGT, não há necessidade de promover a audição prévia do sujeito passivo, quando a liquidação é feita com base nos valores declarados por este. Segundo a Fazenda Pública, a liquidação tem por base os valores declarados na declaração modelo 1. Neste pressuposto, não se vislumbra a mínima hipótese de, em sede de audição prévia, vir o impugnante a apresentar argumentos que contrariem os valores contidos no referido documento.

Avançando para o enquadramento jurídico relevante, tenhamos em conta, na síntese feita no acórdão deste Tribunal, de 30/01/14, no processo nº 07094/13, o seguinte: “Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou, inicialmente, este direito no artº.100, do C.P.Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).

O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).

A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).

Mesmo antes da entrada em vigor da L.G.T., é uniforme a jurisprudência do S.T.A.-2ª.Secção no sentido de que o C.P.A., publicado após a entrada em vigor do C.P.T., estabelece, no seu art.2, nº.5, na redacção dada pelo dec.lei 6/96, de 31/1, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial. Uma dessas normas que concretizam preceitos constitucionais, é o artº. 100, do C.P.A., pelo que ele terá passado a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário. Assim, deve concluir-se que, após a entrada em vigor do C.P.A. e até à vigência da L.G.T. (que contém normas especiais sobre a matéria no seu artº.60), a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do C.P.A., sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu artº.103, do mesmo diploma, e do próprio condicionalismo em que o próprio artº.100 prevê tal direito de audiência (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/4/2002, rec.26248; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc. 5791/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.424 e seg.).

No caso concreto, defende a Recorrente que no procedimento tendente à emissão da liquidação de IMT, objecto do presente processo, a AT não tinha que promover a audição prévia do sujeito passivo, atento o disposto no artigo 60º nº 2, da LGT, dado que tal acto tributário foi estruturado com base na declaração do contribuinte, a referida Modelo 1.

Vejamos o que dizer sobre isto.

O artigo 60º, nº2, alínea a), da LGT, na redacção aqui aplicável, dispõe que é dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte, formulação esta - “com base na declaração do contribuinte” – que deve ser interpretada de harmonia com a garantia constitucional do direito de audiência do interessado (cfr. artigo 267º, nº5, da CRP), tendo o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico.

Ora, saber se a liquidação em causa foi efectuada de acordo com a declaração do contribuinte é o que divide as partes em confronto, podendo nós afirmar que o caso em apreciação não se apresenta como uma situação linear, revelando especificidades particulares que importa ponderar.

Vejamos, então.

Como se percebe, a sentença teve em consideração, como pressuposto, a circunstância de ter sido formulado pedido de liquidação de IMT, apresentado em 03/05/07 (que, porém, se veio a concluir ter sido apresentado em momento anterior até, concretamente em 02/05/07), sobre o valor de € 45.659,73 e, nesse pressuposto, analisou a violação do direito de audição por a liquidação ter sido emitida em 03/05/07, tendo por base o valor de €193 939,63.

A Fazenda defende que o tal pedido de liquidação do IMT foi apresentado em 4 de Maio, ou seja, posteriormente à liquidação e que esta foi apurada em resultado da declaração modelo 1, datada de 3 de Maio.

Deixemos sublinhado o que já atrás dissemos: o tal requerimento pedindo a liquidação do IMT devido sobre o excesso da quota-parte, no valor de € 45.659,73, decorrente da escritura de partilha no divórcio, foi apresentado em 2 de Maio de 2007 (e não em 4 de Maio, como a Fazenda Pública afirma)

Tenha-se ainda presente o que consta do ponto 9 dos factos provados, no sentido de que “Ficou ainda a constar de tal documento (leia-se, escritura de partilha) que "Para efeitos de liquidação de Imposto de Selo e de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis verifica-se um excesso relativamente à quota-parte do primeiro outorgante no bem imóvel que lhe foi adjudicado no montante de quarenta e cinco mil seiscentos e cinquenta e nove euros e setenta e três cêntimos".

Como evidencia José Maria Fernandes Pires e outros, in LGT, Comentada e Anotada, Almedia, pág. 614, “O conhecimento acerca da real situação tributária dos contribuintes é detido, em primeiro lugar, por estes, pelo que a sua participação nas decisões da administração tributária que lhes digam respeito é essencial, em face dá prevalência do princípio do inquisitório e da tributação pelo valor real. As situações em que a administração tributária deve conceder o direito de audição no procedimento tributário constam das várias alíneas do n° 1, salvo quando exista disposição em sentido contrário”.

Será o caso das situações em que o acto tributário tem por fundamento declaração do contribuinte, “o que se compreende, porque este já exerceu, através da apresentação da declaração, o seu direito de participação na formação desse acto (parte-se aqui do princípio que a liquidação foi apenas efectuada, do ponto de vista factual e jurídico, de acordo com os dados fornecidos pelo contribuinte na declaração). Nestes casos, a decisão que, em condições normais, será uma liquidação, resulta exclusivamente do tratamento matemático dos dados dos próprios contribuintes. Pelo que, não havendo conhecimento nem factualidade nova no procedimento, que tenham sido inseridos pela administração tributária, não se justifica que os contribuintes tenham que se pronunciar acerca de uma factualidade que foi por eles aportada ao procedimento” – obra citada, pág. 617.

Será este o caso? Entendemos que não.

É verdade, e o Tribunal não desconsidera, que nos termos do artigo 36º, nº 7 CIMT, e quanto ao prazo de pagamento do imposto, se dispõe que nas partilhas judiciais e extrajudiciais, o imposto deve ser pago nos 30 dias posteriores à notificação. Não se desconsidera igualmente que é obrigação de cooperação dos notários enviar à Direcção-Geral dos Impostos cópia das escrituras de divisões de coisa comum e de partilhas de que façam parte bens imóveis (49º, nº1, alínea c) do mesmo diploma), o que levou a AT, em sede de reclamação graciosa, a considerar que, neste caso, nem haveria uma obrigação declarativa por parte do sujeito passivo e, assim sendo, nem sequer se colocaria a questão da aplicação do nº 2 do artigo 60º da LGT.

Não é exactamente esta, porém, a linha argumentativa da Fazenda Pública, aqui Recorrente, já que esta defende que o caso em análise é precisamente um dos que caiem no âmbito do nº 2 do artigo 60º da LGT (ou seja, de dispensa).

A verdade é que, em 2 de Maio de 2007, foi requerida a liquidação de IMT através de requerimento dirigido ao SF de Alcácer do Sal. A verdade é que a liquidação de IMT, com vista ao pagamento, foi requerida sobre o montante de € 45.659,73, nos termos que resultam da escritura pública de partilha e aí expressamente consignado pela Senhora Notária (cfr. ponto 9 dos factos provados). A verdade é que, num contexto de normalidade, o contribuinte esperaria (bem ou mal, não é o que agora importa apurar) o apuramento do imposto em conformidade com o requerido, de acordo com os valores declarados.

Ora, o apuramento e liquidação subsequente, de 3 de Maio de 2007, nada têm a ver com os valores que constam declarados no requerimento de 2 de Maio, nem com o apurado pela Notária quanto ao excesso relativamente à quota parte, para efeitos de IMT. A liquidação contestada tem pressuposto o valor de €193 939,63, ao passo que o valor indicado pelo sujeito passivo foi de – repete-se – € 45.659,73.

Se tivermos presente o escopo da participação dos contribuintes da formação das decisões que lhes digam respeito, percebe-se que, neste caso, a audição prévia não poderia ser dispensada, sabendo-se que uma diferente apreciação da matéria de facto e/ou de direito tinha influência na decisão final do procedimento, o acto de liquidação. De resto, no caso, ressalta particularmente justificável ouvir o sujeito passivo, até numa lógica de confiança em anteriores actuações (dele próprio, ao apresentar o pedido de liquidação, e da Notária, ao apurar diferentes valores na escritura e que serviram de base o pedido formulado em 2 de Maio).

Nesta conformidade, consideramos que foi violado o direito de audição anterior à liquidação, já que, como sustenta o Recorrido, a liquidação efetuada pela AT difere, totalmente, daquela por si solicitada. Dito de outro modo, a AT não estava dispensada, nos termos do nº2 do artigo 60º da LGT, de ouvir o contribuinte, atentas as particularidades do caso que o afastam da emissão de uma declaração com base na declaração do sujeito passivo.

Portanto, pelas razões expostas, dir-se-á que o sentido da decisão, quanto à preterição do direito de audição, é correcto.

Acrescente-se que a falta da audição prévia dos interessados, quando não esteja dispensada, constitui um vício de forma do acto final do procedimento tributário, resultante da preterição de formalidade essencial para a sua prática, que conduz à anulabilidade (que não nulidade, como, a sentença refere). A este ponto regressaremos adiante.

Com isto dito, atentemos na conclusão IX), atinente à aplicação no caso do princípio do aproveitamento do acto, atenta a circunstância, segundo a Recorrente, de a AT estar a agir a abrigo de poderes vinculados.

Vejamos, então, se procede este quadro argumentativo explanado pela Fazenda Pública, o qual, segundo o interpretamos, se reconduz, no essencial, a pretender retirar o efeito invalidante ao não cumprimento do direito de audição.

Não suscita dúvidas que a audiência dos interessados destina-se, no essencial, a possibilitar a participação destes nas decisões que lhes digam respeito, o que permite que os mesmos contribuam para o completo esclarecimento dos factos e, nessa medida, para uma decisão mais ponderada e justa. Assim, em princípio, a omissão da audição dos interessados constitui uma preterição de formalidade legal determinante da anulabilidade do acto.

Dizemos em princípio porque podemos considerar situações em que seja manifesto e evidente que a decisão eivada do vício de preterição de audição prévia, só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto.

Como se assinala no acórdão do Pleno STA, de 22/01/14, proferido no processo nº 441/13, “… a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur”.

Ora, para assim concluir, necessário se torna um exame casuístico, uma análise em concreto do caso sub judice, não bastando argumentar, como pretende a Recorrente, que a actuação da AT foi levada a cabo ao abrigo de poderes vinculados. Decisivo para concluir pela aplicação de tal princípio é a não susceptibilidade da participação do interessado poder influenciar (contribuir) para o sentido e fundamentos do acto final.

Ora, é o enfoque no caso concreto que nos leva a concluir que, no caso, não podia dar-se por seguro que o exercício do direito de audiência não teria qualquer influência no conteúdo do acto de liquidação, como salienta o Recorrido, na conclusão VI), ao referir-se à existência das hipotecas sobre os diversos imóveis. Aí se lê - o recorrido poderia sempre demonstrar e comprovar junto do Serviço de Finanças; (1) que a existência das hipotecas dos imóveis nada em que a ver com o valor dos mesmos; (2) que o valor constante da escritura pública é o valor correto para a liquidação de IMT; (3) qual era o valor concreto em dívida na hipoteca de cada um dos imóveis; e (4) que é ilegal AT calcular a matéria coletável do imposto através da adição do valor dos prédios ao valor das hipotecas e a partir desse ponto calcular o imposto a pagar.

Com efeito, antes da emissão da liquidação adicional podiam os contribuintes procurar convencer a Administração Tributária do erro da sua argumentação, juntando elementos, discutindo razões e argumentos, com vista a conciliar a factualidade aceite com a legalidade que entendem aplicável ao caso em análise.

Concluímos, pois, que não estamos perante uma situação em que se demonstra que, mesmo sem ter sido cumprida a formalidade correspondente ao direito de audição, a decisão final do procedimento – leia-se, o acto de liquidação - não poderia ser diferente.

Tanto basta, pois, para concluir pela improcedência das conclusões que vimos de analisar e pela manutenção da sentença que concluiu pela invalidade do acto, invalidade esta que corresponde (como explicámos) à anulabilidade do acto, o que aqui fica consignado.

Fica prejudicado o conhecimento do demais alegado e da ampliação do recurso formulada pelo Recorrido.

III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a sentença recorrida, que julgou procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação da liquidação sindicada.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2021


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)
(Ana Cristina Carvalho)