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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06676/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/04/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
CARACTERÍSTICAS TÍPICAS DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES.
CARÁCTER INSTRUMENTAL DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
PRESSUPOSTOS DA TUTELA CAUTELAR NO PROCESSO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO.
ARTº.147, Nº.6, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. Como expressamente resulta do artº.268, nº.4, da C. R. Portuguesa, a tutela jurisdicional efectiva perante a Administração Pública inclui a eventual adopção de medidas cautelares adequadas a cada caso, as quais visam dar uma regulação provisória aos interesses envolvidos no litígio.
2. Qualquer providência cautelar visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal), a fim de que a sentença se não torne numa mera decisão platónica. É em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas a saber:
a)A instrumentalidade - isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar;
b)A provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio;
c)A sumariedade - que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente.
3. Entre as características enunciadas vamos encontrar o cunho instrumental, o qual se consubstancia na dependência de uma causa principal, embora as providências cautelares possam ser intentadas antes da propositura do processo principal, no momento em que ele é instaurado, ou mesmo na sua pendência (cfr.artº.113, nº.1, do C.P.T.A.; artº.383, do C.P.Civil).
4. A tutela cautelar só faz sentido em função do processo principal, de modo a assegurar a sua utilidade. Isto explica a previsão de um conjunto de situações em que o processo cautelar caduca - assim como as providências que nele tenham sido decretadas, quando tenha sido esse o caso - por razões que dizem exclusivamente respeito ao processo principal (cfr.artº.123, do C.P.T.A.). O mesmo efeito tem lugar se o processo principal não tiver andamento por negligência imputável ao interessado ou vier a ser julgado improcedente por sentença transitada em julgado o pedido formulado neste mesmo processo.
5. No contencioso tributário, a possibilidade de dedução de providências cautelares tem consagração específica na lei, mais exactamente no artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário. Os termos em que estas providências são admitidas pelo legislador revelam-se manifestamente exíguos, pois abrangem apenas os casos em que se esteja perante situação de fundado receio de uma lesão irreparável para o requerente, o qual tem o ónus de invocar e provar tal condição, sendo que o prejuízo irreparável se deve reportar ao mesmo requerente da adopção das medidas.



O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
“A..., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso para este Tribunal tendo por objecto despacho de indeferimento liminar proferido pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarado a fls.84 a 87 do presente processo, através do qual lhe indeferiu liminarmente a presente providência cautelar não especificada, dado que a acção principal respectiva também foi indeferida liminarmente, decisão esta já transitada em julgado.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.108 a 110 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O procedimento cautelar como no presente caso, é prévio à acção que o sustenta, pelo que pode o requerente apenas intentar a acção principal após a prolação da decisão de mérito a decretar nos autos do procedimento;
2-Intentada a acção na pendência do procedimento, não pode nem deve a decisão proferida em tal causa sobre o conhecimento de alguma excepção, ser obstáculo à prolação da decisão de mérito no procedimento, quando não tenha sido respeitado, como é o presente caso, o cumprimento do prazo a que alude o artº.389, nº.1, al.d), do C.P.C., mediante a dedução de nova acção em que sejam corrigidos os vícios objecto da decisão anterior;
3-A decisão recorrida viola a lei processual aplicável ao caso dos autos, máxime as disposições legais supra citadas que aqui se reproduzem para todos os legais efeitos;
4-Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, ordenado o prosseguimento dos autos de procedimento cautelar com os legais efeitos, como é de esperada JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.137 dos autos).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.36, nº.2, do C.P.T.A.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
O despacho recorrido julgou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.85 e 86 dos autos):
1-No âmbito do processo de execução fiscal que corre termos no 11º. Serviço de Finanças de Lisboa com o nº.3344-2007/101410.2, contra a ora requerente, foi prestada garantia bancária pelo banco “B..., S.A.”;
2-Com vista à execução da referida garantia, foi citado o banco “B..., S.A.”;
3-Em 27/8/2012, a ora requerente instaurou a presente providência cautelar requerendo contra o Ministério das Finanças e o banco “B..., S.A.”, o decretamento de providência cautelar não especificada, pedindo que seja ordenado ao primeiro requerido que se abstenha de proceder ao accionamento da garantia bancária, até à prolação de decisão definitiva no recurso de revisão que interpôs junto do S.T.A., e ainda, relativamente ao segundo requerido, que se abstenha de proceder ao pagamento de qualquer montante que lhe seja solicitado pela beneficiária dos autos, com as legais consequências (cfr.articulado junto a fls.14 a 19 dos presentes autos);
4-Em 24/9/2012, a ora requerente instaurou, como acção principal, acção de intimação para um comportamento que foi distribuído neste tribunal sob o nº.2576/12 (cfr.cópia de articulado junta a fls.71 a 78 dos presentes autos; informação exarada a fls.83 dos presentes autos);
5-Na referida acção foi proferido despacho liminar rejeitando a petição inicial, já transitado em julgado (cfr.informação exarada a fls.83 dos presentes autos).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, o despacho objecto do presente recurso indeferiu liminarmente a presente providência cautelar não especificada com base na constatação de que foi rejeitada liminarmente, com trânsito em julgado, a petição da acção de que estes autos constituem incidente e de que são dependentes, assim se encontrando inviabilizado o seu decretamento, tudo com base nas disposições conjugadas dos artºs.113, nº.1, e 116, nº.2, al.d), do C.P.T.A., “ex vi” do artº.2, al.c), do C.P.P.T.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado, alegando em síntese e como supra se alude, que a decisão recorrida viola a lei processual aplicável ao caso dos autos, mormente o artº.389, nº.1, al.d), do C.P.C., norma que consagra a possibilidade de dedução de nova acção em que sejam corrigidos os vícios objecto da decisão anterior (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Como expressamente resulta do artº.268, nº.4, da C. R. Portuguesa, a tutela jurisdicional efectiva perante a Administração Pública inclui a eventual adopção de medidas cautelares adequadas a cada caso, as quais visam dar uma regulação provisória aos interesses envolvidos no litígio.
Qualquer providência cautelar visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal), a fim de que a sentença se não torne numa mera decisão platónica. É em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas a saber:
1-A instrumentalidade - isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar;
2-A provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio;
3-A sumariedade - que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente (cfr.Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, I, Coimbra Editora, 1982, pág.619 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.22 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina, 1981, pág.129 e seg.; José Carlos Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 6ª. edição, Almedina, pág.321 e seg.).
Entre as características enunciadas vamos encontrar o cunho instrumental, o qual se consubstancia na dependência de uma causa principal, embora as providências cautelares possam ser intentadas antes da propositura do processo principal, no momento em que ele é instaurado, ou mesmo na sua pendência (cfr.artº.113, nº.1, do C.P.T.A.; artº.383, do C.P.Civil).
Os requisitos do requerimento de providência cautelar encontram-se devidamente especificados no artº.114, nº.3, do C.P.T.A. (normativo aplicável ao processo tributário “ex vi” do artº.2, al.c), do C.P.P.T.), entre estes surgindo a indicação da acção principal de que a mesma providência depende ou irá depender (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.599 e seg.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.768 e seg.).
Sendo que o legislador consagra a necessidade de existência de despacho liminar de admissão ou rejeição do requerimento de providência cautelar (cfr.artº.116, do C.P.T.A.), mais elegendo como motivo de rejeição da providência a falta de qualquer dos requisitos consagrados no citado artº.114, nº.3, do C.P.T.A. O despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o Tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é infundada ou que existem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente.
Mais se dirá que a tutela cautelar só faz sentido em função do processo principal, de modo a assegurar a sua utilidade. Isto explica a previsão de um conjunto de situações em que o processo cautelar caduca - assim como as providências que nele tenham sido decretadas, quando tenha sido esse o caso - por razões que dizem exclusivamente respeito ao processo principal (cfr.artº.123, do C.P.T.A.). O mesmo efeito tem lugar se o processo principal não tiver andamento por negligência imputável ao interessado ou vier a ser julgado improcedente por sentença transitada em julgado o pedido formulado neste mesmo processo (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob.cit., pág.762).
Revertendo ao caso “sub judice”, não pondo o recorrente em causa a factualidade provada pelo Tribunal “a quo” (cfr.artº.685-B, do C.P.Civil), deve esta instância judicial de controlo confirmar a decisão recorrida, atento o indeferimento liminar, com trânsito em julgado, do processo principal de que depende a presente providência cautelar não especificada (cfr.nºs.4 e 5 do probatório), tudo sem prejuízo de o recorrente poder apresentar novo requerimento de providência cautelar conforme ao disposto no artº.116, nºs.3 e 4, do C.P.T.A.
Por outro lado, haverá que recordar ao recorrente que, em sede de contencioso tributário, a possibilidade de dedução de providências cautelares tem consagração específica na lei, mais exactamente no artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário. Os termos em que estas providências são admitidas revelam-se manifestamente exíguos, pois abrangem apenas os casos em que se esteja perante situação de fundado receio de uma lesão irreparável para o requerente, o qual tem o ónus de invocar e provar tal condição, sendo que o prejuízo irreparável se deve reportar ao próprio requerente da adopção das medidas. No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa. Serão de considerar factos geradores de prejuízos irreparáveis, por exemplo, a paralisação da actividade comercial de uma empresa, desde que se comprove que tenha como consequência a perda de clientela, o dispêndio de quantias cujo pagamento seja susceptível de afectar significativamente a estrutura económico-financeira de uma empresa, fazendo perigar a sua subsistência enquanto ente empresarial, os sofridos por quem não tem outros meios de assegurar a sua subsistência e os que provoquem uma diminuição apreciável do nível e da qualidade de vida do requerente ou a satisfação das suas necessidades primárias (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.592 e seg.).
No caso concreto, a factualidade alegada pelo recorrente não preenche os requisitos previstos na lei, mais exactamente no aludido artº.147, nº.6, do C. P. P. Tributário, no que se refere à tutela cautelar no contencioso tributário. Assim é, porquanto, os possíveis prejuízos alegados pelo requerente de modo algum se podem ter por irreparáveis, porquanto estão em causa realidades que, manifestamente, se prestam a uma mensuração rigorosa, exacta, o valor da garantia alegadamente prestada no âmbito da execução fiscal que corre termos no 11º. Serviço de Finanças de Lisboa, sob o nº.3344-2007/101410.2 (cfr.nº.1 do probatório).
Nestes termos, deve concluir-se que o recorrente não alega factualidade indiciária do pressuposto típico de qualquer providência cautelar requerida no âmbito do contencioso tributário, previsto no examinado artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário, também este vector se podendo erigir como fundamento do indeferimento liminar da presente providência cautelar, devido a manifesta improcedência.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe. Notifique.
X
Lisboa, 4 de Junho de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)