Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03520/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
CÔMPUTO.
AUTOLIQUIDAÇÃO.
NOÇÃO.
ARTº.131, DO C.P.P.T.
Sumário:1. O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública.

2. A contagem do prazo para interposição de recurso contencioso de impugnação deve fazer-se nos termos do artº.279, do C. Civil, isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis (cfr.artº.20, nº.1, do C.P.P.Tributário).

3. A doutrina e a jurisprudência referem-se à autoliquidação para aludir ao acto cuja iniciativa pertence ao contribuinte por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração normalmente acompanhada do respectivo meio de pagamento.

4. Nos termos do artº.131, nº.3, do C.P.P.T., só não depende de prévia reclamação a impugnação da autoliquidação, quando se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:
a)A autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária;
b)O fundamento da impugnação for exclusivamente matéria de direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“W.......................... - CONSTRUÇÃO ........................, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF de Almada, exarada a fls.58 a 66 do processo, através da qual se julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, mais se absolvendo a Fazenda Pública da instância, tudo no âmbito de processo de impugnação visando autoliquidações de I.V.A. relativas aos 1º., 2º. e 3º. trimestres de 2002.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.110 a 134 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Em 16 de Setembro de 2005, a recorrente apresentou as declarações periódicas de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (doravante apenas “IVA”), respeitantes aos 1º, 2º e 3º trimestres de 2002 onde foi apurado o montante global de IVA de € 1.465.100,64;
2-Como o respectivo meio de pagamento não foi junto às sobreditas declarações, foi instaurada execução fiscal para a sua cobrança, que corre termos sob o nº. ..................no 1º. Serviço de Finanças do ....... e para o qual a recorrente foi citada pelo Ofício nº.7519, datado de 18 de Outubro de 2005 (cfr.citação junta como Doc.1 à petição inicial e para a qual se remete nos termos legais), estando em cobrança nessa execução fiscal o montante de € 1.465.100,64, de IVA, e acrescido de € 531.147,07 (que incluía juros de mora no valor de € 527.436,00);
3-A recorrente não foi notificada de qualquer liquidação oficiosa de IVA (doravante abreviadamente designada por “LO”), respeitante aos 1º., 2º. e 3º. trimestres de 2002, nem tão pouco foi sujeita a qualquer inspecção externa nesta matéria, bem como, nunca foi notificada da liquidação de juros de mora, tendo tomado conhecimento dessa liquidação, de imposto e juros, somente através da predita citação (cfr.citação junta como doc.1 à petição inicial);
4-Neste contexto, a recorrente apresentou reclamação graciosa nos termos - expressis verbis nos termos do artº.68 e seg. do CPPT - não tendo logrado qualquer resposta da Administração Tributária durante mais de 6 meses, fazendo assim presumir o indeferimento (tácito) daquela para efeitos da apresentação da impugnação judicial, em 16/10/2006, que está na origem dos presentes autos (cfr.artº.57, nº.5, da Lei Geral Tributária - doravante “LGT”);
5-Finalmente, a sentença ora sob recurso rejeitou a sobredita impugnação judicial por alegada intempestividade, absolvendo a Fazenda Pública da instância, por entender que a reclamação e subsequente impugnação seguiram o regime do artº.131, do CPPT. Esta solução preconizada pela sentença em crise, reputada de ilegal pela recorrente, nos termos e com os fundamentos que brevitatis causae se passam a expor;
6-Analisando a matéria de facto é antes do mais necessário especificar no ponto 7 e 8 da sentença que a reclamação graciosa referida no aludido ponto 7 foi apresentada em 16/1/2006 por carta registada com aviso de recepção, dando assim entrada nos serviços em 17/1/2006, com fundamento expresso nos artºs.68 e seg., do CPPT, o que foi totalmente omitido pela sentença;
7-É necessário também especificar que no sobredito ponto 8 do aresto recorrido, se diz que a petição inicial terá dado entrada no Tribunal em 19/10/2006 mas, em rigor, foi apresentada, nos termos e para os efeitos legais (mormente do artº.150, nº.1, al.b), do Código de Processo Civil - doravante “CPC”) por carta registada e com aviso de recepção, em 16/10/2006;
8-Assim, requer-se a alteração dos pontos 7 e 8 da fundamentação de facto, nos termos conjugados do artº.123, nº.2, do CPPT, com os artºs.511, nº.1, e 712, do CPC, aditando-lhes as partes seguidamente sublinhadas:
9- “7. Com entrada no Serviço de Finanças do .......... em 17/01/2006, mas remetido em 16/01/2006 por correio registado com aviso de recepção, a impugnante apresentou um articulado denominado Reclamação Graciosa com fundamento expresso nos artigos 68º e ss. do CPPT no qual reclama das liquidações identificadas nos pontos 1 a 4 do probatório […]”
10- “8. A presente petição inicial deu entrada neste Tribunal em 19/10/2006 (cfr.carimbo aposto na fl. de rosto da petição inicial) mas foi remetida por correio registado com aviso de recepção em 16/10/2006. […]”;
11-São aplicáveis as seguintes normas: os artºs.56 e 57, da LGT, os artºs.68 e seg. (mormente o 70) o artº.102, nº1, al.d), e o artº.131, todos do CPPT;
12-Neste quadro, a sentença em crise concluiu, ao que parece, que para a ora recorrente poder apresentar a petição inicial que originou os presentes autos, teria forçosamente que o fazer, exclusivamente, nos termos do artº.131, nºs.1 e 2, do CPPT;
13-A ora recorrente entende todavia que andou mal a sentença recorrida, porque a petição é tempestiva;
14-A sentença “sub judice” labora em erro na aplicação do direito que fez aos factos, mercê da errónea selecção que efectuou destes últimos, importando desde já clarificar alguns pontos nessa formulação;
15-A recorrente, conforme controverteu já nestas alegações, impugna desde já a data de 17/1/2006 mencionada no trecho supra, sendo a data correcta a de 16/1/2006 correspondente ao envio, nos termos legais, da reclamação graciosa ora em apreço, por correio registado e com aviso de recepção;
16-Assim, vai impugnada também a data de formação do indeferimento tácito, que ocorreu em 16/07/2006 e não em 17/07/2006 como vem referido na Sentença recorrida (mesmo considerando que a data em causa até seria, em tese, mais favorável à ora recorrente, mas que por não corresponder à verdade nunca seria aqui adoptada por esta…) e consequentemente, a data de início e termo do prazo para interposição da impugnação judicial ali mencionadas - 18/7/2006 e 18/8/2006 (rectius 01/09/2006, alegadamente em virtude das férias judiciais) respectivamente - que vão também impugnadas, por erro nos pressupostos (prazo a quo) supra evidenciado, e errada aplicação do artº.131, nºs.1 e 2, do CPPT;
17-Também não se pode aceitar a indicação errada da apresentação da petição inicial de impugnação judicial ora “sub judice” em 19/10/2006, pois na verdade a mesma foi apresentada tempestivamente (como se verá de seguida) em 16/10/2006, nos termos e para os efeitos do artº.150, nº.1, al.b), do CPC (cfr.aviso de recepção junto como Doc.1 à resposta à contestação oportunamente junta aos autos);
18-A recorrente apresentou reclamação graciosa nos termos gerais, i.é., expressamente fundamentada nos artºs.68 e seg., do CPPT, que não logrou obter decisão por parte da Administração Tributária no prazo legal de seis (6) meses, assim originando o aludido indeferimento tácito da mesma - artº.57, nº.5, da LGT;
19-Corroborando que era possível apresentar reclamação graciosa nos termos gerais do artº.68, e seg., do CPPT, também nos casos de autoliquidação, veja-se o douto parecer, pela clareza de raciocínio, do renomado e Ilustre Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, JORGE LOPES DE SOUSA, in CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO, I Volume, anotado e comentado, 2006, da Áreas Editora, na anotação 3 ao artº.131, do CPPT, a págs. 946-947 (já defendida na versão de 2002 da referida obra, a págs.653, também na anotação 3 ao referido artº.131, do CPPT);
20-Tendo sido apresentada a reclamação graciosa nos termos gerais, o seu indeferimento tácito deu-se seis (6) meses depois, iniciando-se, então, o prazo de impugnação judicial de 90 dias contados do referido indeferimento tácito (cfr.artº.102, nº.1, al.d), do CPPT);
21-Ao contrário da interpretação da sentença em análise, o regime aplicável à impugnação judicial na sequência de indeferimento tácito da reclamação graciosa como a ora em apreço (apresentado nos termos dos artºs.68 e seg., do CPPT, reitera-se) não é o preceituado no artº.131, nº.2, do CPPT, mas outrossim, o previsto no nº.3 daquele normativo e que excepciona, precisamente, o disposto nos números que o antecedem e que estão subjacentes à ratio decidendi;
22-É que o fundamento da Impugnação ora em apreço é exclusivamente matéria de direito, como resulta meridiano da sua simples leitura, e as autoliquidações aí em crise foram submetidas de acordo com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária, o que de resto não foi posto em causa pela Fazenda Pública ao longo do processo retirando-se inclusive esse elemento da sua contestação, nem a sentença ora em crise infirma em nenhum passo do seu trecho decisório;
23-Nesta conformidade, o prazo aplicável para a impugnação é (por remissão expressa do referido nº.3, do artº.131, do CPPT) de 90 dias contados a partir dos factos previstos no nº.1, do artº.102, do CPPT, in casu, a partir da formação da presunção do indeferimento tácito prevista na al.d), deste normativo;
24-Pelo que, a apresentação, nos termos expostos supra, da petição inicial em 16/10/2006, foi seguramente tempestiva, porque fundamentada no artº.131, nº.3, conjugado com o artº.102, nº.1, al.d), ambos do CPPT, na sequência de indeferimento tácito de reclamação graciosa apresentada nos termos dos artºs.68 e seg., do mesmo diploma;
25- Assim, também claudica o argumento seguidamente desenvolvido pela Sentença em crise:
De, facto, determina o art.297º, alínea e) do Código Civil que:
“ e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.”
Assim sendo e tendo a presente impugnação dado entrada em juízo no dia 19/10/2006, há muito que se encontrava decorrido o prazo de 30 dias para intentar a competente impugnação judicial”.
26-Que vai assim também aqui impugnado por erro de julgamento e violação de lei, designadamente, o artº.131, nº.3, conjugado com o artº.102, nº.1, al.d), ambos do CPPT, dado que o prazo de impugnação judicial era de 90 dias (e não de 30) contados desde o indeferimento tácito;
27-Destarte, resulta claro que a presente impugnação judicial sempre teria sido correctamente apresentada, com base na faculdade prevista nos artºs.131, nº.3, conjugado com o artº.102, nº.1, al.d), ambos do CPPT, e na sequência de indeferimento tácito de reclamação graciosa fundamentada nos artºs.68 e seg. do mesmo diploma, pois verifica-se, com meridiana clareza, que em ambas, apenas está em discussão matéria de direito, conditio sine qua non da sua apresentação nos termos alegados supra;
28-Acresce que, interpretar de outra forma os artºs.68 e seg. (mormente o artigo 70) o artº.102, nº.1, al.d) e 131, nºs.2 e 3, todos do CPPT (ergo que a impugnação judicial de indeferimento tácito de reclamação graciosa fundamentada nos termos gerais - artºs.68 e seg., do CPPT - versando exclusivamente matéria de direito, tenha que ser apresentada no prazo de 30 dias e não de 90) constituirá uma interpretação normativa violadora do princípio da legalidade e do direito à tutela plena e efectiva prescritas pelos artºs.103 e 268, nº.4, da Constituição da República Portuguesa, respectivamente;
29-A sentença ora em crise (apesar de julgar pela absolvição da Fazenda Pública do pedido) ainda aludiu ao mérito da causa, designadamente sobre a caducidade das liquidações invocada pela recorrente;
30-Todavia, a sentença sub judice decidiu pela improcedência, mas somente pela intempestividade da Petição Inicial. Com efeito:
IV – DECISÃO
Em face de tudo o anteriormente exposto, absolve-se a Fazenda Pública da instância por a presente impugnação judicial ser intempestiva.
31-Assim as afirmações sobre o mérito da causa foram absolutamente irrelevantes para a decisão (que se fundou só em intempestividade), não tendo sido sua ratio decidendi, e por conseguinte - pensa-se, com o devido respeito - é irrelevante também para este recurso (nada decidiu a respeito da questão de fundo limitando-se a um comentário);
32-De todo o modo (alega-se à cautela), a sentença também aí erra de direito porque a autoliquidação não constitui acto tributário (conforme, inter allia, o já citado Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, I Volume, anotado e comentado, 2006, da Áreas Editora, na anotação 3 ao artigo 131º do CPPT, a págs. 946-947 - supra transcrito) apto a impedir a caducidade do artº.45, da LGT;
33-Interpretar de outra forma o artº.45, da LGT (ergo que auto-liquidação constitua acto tributário apto a impedir a caducidade) constituirá uma interpretação normativa violadora do princípio da legalidade e do direito à tutela plena e efectiva prescritas pelos artºs.103 e 268, nº.4, da Constituição da República Portuguesa, respectivamente;
34-Pelo que a recorrente reitera a aplicação ao caso dos autos do artº.45, nº.2, da LGT, pois não há maior erro evidenciado do que a não entrega das declarações, mas é como se disse, matéria fora do perímetro decisório;
35-Termina, pugnando por que seja a sentença recorrida anulada, proferindo-se outra que, em sua substituição, considere procedente a impugnação oportunamente apresentada, com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso (cfr.fls.140 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.141 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.60 a 62 dos autos):
1-Em 16/9/2005, a impugnante apresentou as declarações periódicas de IVA dos 1º., 2º. e 3º. trimestres de IVA do exercício de 2002 (cfr.documento junto a fls.34 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.35 do processo administrativo apenso; factualidade admitida pela impugnante no artº.2 da p.i.);
2-Com base na declaração apresentada pela impugnante foi por esta apurado IVA em favor do Estado referente ao 1º. trimestre de 2002 no montante de € 422.196,43 (cfr. documento junto a fls.19 do processo de reclamação apenso; factualidade admitida pela impugnante no artº.3 da p.i.);
3-Com base na declaração apresentada pela impugnante foi por esta apurado IVA em favor do Estado referente ao 2º. trimestre de 2002 no montante de € 613.279,27 (cfr. documento junto a fls.19 do processo de reclamação apenso; factualidade admitida pela impugnante no artº.3 da p.i.);
4-Com base na declaração apresentada pela impugnante foi por esta apurado IVA em favor do Estado referente ao 3º. trimestre de 2002 no montante de € 429.624,94 (cfr. documento junto a fls.19 do processo de reclamação apenso; factualidade admitida pela impugnante no artº.3 da p.i.);
5-Por ofício datado de 17/10/2005, foi a impugnante citada no âmbito do processo executivo nº.............../107010.0 que corre termos no 1º. Serviço de Finanças do ........., para efectuar o pagamento das dívidas referentes às liquidações identificadas nos pontos 1 a 4 deste probatório, acrescidas de juros, perfazendo o montante global de € 1.992.536,70 (cfr.documento junto a fls.15 dos presentes autos);
6-Ao ofício identificado no ponto anterior foram juntas as certidões de dívidas (cfr. documentos juntos a fls.16 a 18 dos presentes autos);
7-Em 17/1/2006, a impugnante apresentou um articulado denominado reclamação graciosa no qual reclama das liquidações identificadas nos pontos 1 a 4 do probatório (cfr. documentos juntos a fls.2 a 10 do processo de reclamação apenso);
8-A presente petição inicial deu entrada neste Tribunal em 19/10/2006 (cfr.carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita …”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
Levando em consideração que o recorrente põe em causa, parcialmente, a matéria de facto que fundamentou a sentença objecto do presente recurso, e dado que a factualidade em análise se baseia essencialmente em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
9-No cabeçalho da reclamação graciosa a que faz referência o nº.7 da matéria de facto provada menciona-se que o mesmo articulado é deduzido nos termos dos artºs.68 e seg. do C.P.P.Tributário (cfr.folha inicial da reclamação graciosa junta a fls.2 do processo de reclamação apenso);
10-A p.i. identificada no nº.8 supra e que deu origem ao presente processo foi remetida para o TAF de Almada por correio registado, com aviso de recepção, em 16/10/2006 (cfr.documentos juntos a fls.48 e 49 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
O Tribunal não considera provada qualquer outra factualidade com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, a relativa à data de remessa (16/01/2006) por correio registado com aviso de recepção da reclamação graciosa por parte da impugnante/recorrente, dado não ter sido produzida qualquer prova documental nesse sentido.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença objecto do presente recurso julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, mais absolvendo a Fazenda Pública da instância.
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Antes de mais, refira-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O recorrente discorda do decidido sustentando desde logo, como supra se alude, que se devem aditar factos aos pontos 7 e 8 da fundamentação de facto da sentença recorrida, tudo conforme consta dos nºs.9 e 10 das conclusões do recurso exaradas acima (cfr.conclusões 6 a 10 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Quanto a este fundamento do recurso, o Tribunal “ad quem” já supra se pronunciou, tendo aditado à factualidade provada os nºs.9 e 10 exarados anteriormente, mais efectuando a análise crítica da prova produzida, pelo que nada mais haverá a acrescentar.
Igualmente argui o recorrente que, ao contrário da interpretação da sentença recorrida, o regime aplicável à impugnação judicial na sequência de indeferimento tácito da reclamação graciosa ora em apreço (apresentado nos termos dos artºs.68 e seg., do CPPT, reitera-se) não é o preceituado no artº.131, nº.2, do CPPT, mas outrossim, o previsto no nº.3 daquele normativo, dado que o fundamento da impugnação que originou o presente processo é exclusivamente matéria de direito, como resulta meridiano da sua simples leitura, e as autoliquidações aí em crise foram submetidas de acordo com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária. Nesta conformidade, o prazo aplicável para a impugnação é (por remissão expressa do referido nº.3, do artº.131, do C.P.P.T.) de 90 dias contados a partir dos factos previstos no nº.1, do artº.102, do C.P.P.T., in casu, a partir da formação da presunção do indeferimento tácito prevista na al.d), deste normativo. Pelo que, a apresentação da petição inicial em 16/10/2006, nos termos expostos, foi seguramente tempestiva porque fundamentada no artº.131, nº.3, conjugado com o artº.102, nº.1, al.d), ambos do C.P.P.T. (cfr.conclusões 12 a 24 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do C.P. Tributário; artº.102, do C.P.P.Tributário; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.241; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/6/95, rec.19056, Ap. D.R., 14/8/97, pág.1725 e seg.).
Por outras palavras, o prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.493, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido.
A contagem do prazo para interposição de recurso contencioso de impugnação deve fazer-se nos termos do artº.279, do C. Civil, isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis (cfr.artº.49, nº.2, do C.P.Tributário; artº.20, nº.1, do C.P.P. Tributário; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.730).
Assente que a contagem do prazo para dedução da impugnação judicial se faz de acordo com as regras previstas no artº.279, do C. Civil, haverá que apurar qual o “dies ad quem” ou termo final dessa contagem no caso concreto.
Desde logo, se dirá que a presente impugnação se enquadra no regime previsto no artº.131, do C.P.P.T. (dado que nos encontramos perante situação de autoliquidação derivada da obrigação declarativa do impugnante/recorrente prevista nos artºs.26 e 40, do C.I.V.A.), constatação esta com a qual o próprio recorrente concorda (cfr.cabeçalho da p.i. que originou o presente processo; conclusão 27 do presente recurso). Adianta, no entanto, o recorrente que a apresentação da petição inicial em 16/10/2006, foi seguramente tempestiva, porque fundamentada no artº.131, nº.3, conjugado com o artº.102, nº.1, al.d), ambos do C.P.P.T., na sequência de indeferimento tácito de reclamação graciosa.
Haverá, pois, que interpretar o regime previsto no artº.131, do C.P.P.T. (cfr.artº.151, do anterior C.P.Tributário).
Dir-se-á que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.11, da L.G.T.; artº.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Na epígrafe do preceito o legislador fala-nos em “Impugnação em caso de autoliquidação”.
A doutrina e a jurisprudência referem-se à autoliquidação para aludir ao acto cuja iniciativa pertence ao contribuinte por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração normalmente acompanhada do respectivo meio de pagamento (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.129; Manuel M. Pires Fernandes, Glossário de Direito Fiscal, Dislivro, 2007, pág.48; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/5/2003, rec.316/03).
No caso dos autos e atenta a matéria de facto provada encontramo-nos perante autoliquidações de I.V.A. relativas ao 1º., 2º. e 3º. trimestres do exercício de 2002 (cfr.nºs.1 a 4 da matéria de facto provada).
O artº.131, do C.P.P.T., estabelece que:

“1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
2 - Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº.1 do artigo 102.”.

Nos termos dos nºs.1 e 2, do preceito sob exame a impugnação da autoliquidação é, em regra, obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa.
Compreende-se a perspectiva da lei ao impor a precisão de reclamação graciosa necessária, no caso em apreço, em que a administração tributária não tomou qualquer posição sobre a sua relação com o contribuinte, não sendo materialmente inconstitucional tal posição do legislador, antes constituindo uma forma de favorecer a concretização optimizada e generalizada do princípio do acesso aos Tribunais, que é preocupação constitucional manifestada nos nºs.1 e 4, do artº.20, da C. R. P. Se isto é assim, nos casos em que foi efectuado pagamento, por maioria de razão será nos casos em que a autoliquidação não foi acompanhada de pagamento e em que a situação de lesão dos interesses do contribuinte não é tão intensa.
Nos termos do normativo em exegese só assim não acontecerá, não dependendo de prévia reclamação a impugnação da autoliquidação, quando se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:
1-A autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária;
2-O fundamento da impugnação for exclusivamente matéria de direito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/5/2008, proc.2236/08; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.319; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.947).
“In casu”, conforme se retira do exame da p.i. que originou o presente processo, o impugnante/recorrente apresenta as seguintes causas de pedir em tal articulado:
1-A ilegalidade das autoliquidações de I.V.A. efectuadas em 16/9/2005 e respeitantes a I.V.A. do 1º. e 2º. trimestres de 2002, devido a alegada caducidade do direito à liquidação;
2-A ilegalidade da liquidação de juros de mora devido a alegado erro nos pressupostos para a sua estruturação.
Ora, a apreciação das questões colocadas ao Tribunal não podem ser consideradas só de direito como vem pretendido. Tratando-se de uma questão de ocorrência ou não de caducidade do direito de liquidação há que verificar a factualidade subjacente a essa alegada caducidade, factualidade que se mostra controvertida com a posição assumida pela recorrente. De igual modo a suscitada questão da ilegalidade da liquidação dos juros e da respectiva natureza (mora ou compensatórios) tinha de ser analisada com interpretação e fixação dos elementos de facto articulados na p.i., o que afasta, desde logo, estarmos perante uma apreciação exclusiva de matéria de direito.
Falecendo um dos requisitos mencionados supra, não pode a impugnação que originou o presente processo seguir o procedimento consagrado no citado artº.131, nº.3, do C.P.P.T., antes devendo seguir o regime sancionado nos nºs.1 e 2, do mesmo preceito, tudo conforme se conclui na sentença recorrida.
Fixado o regime aplicável ao caso dos autos, calculemos agora o “dies ad quem” ou termo final do prazo de dedução de impugnação.
O impugnante, dentro do prazo de dois anos consagrado na lei, reclama graciosamente da sua autoliquidação em 17/1/2006 (cfr.nº.7 do probatório supra). A Administração Fiscal nada decidiu dentro do prazo de seis meses estabelecido no artº.57, da LGT, ou seja, não há qualquer decisão até 17/7/2006. Assim sendo, no dia 18/7/2006, inicia-se a contagem do prazo de 30 dias para a interposição da impugnação judicial (cfr.artº.131, nº.2, do C.P.P.T.), que terminou em 18/8/2006. Como nesta ultima data os Tribunais se encontravam em férias judiciais, a impugnação judicial deveria ter dado entrada (ou sido enviada por correio registado) em Tribunal ou no Serviço de Finanças até 1/9/2006, o primeiro dia útil depois das férias judiciais de Verão (cfr.artº.279, al.e), do C.Civil).
Nestes termos, considera-se manifestamente intempestiva a p.i. que foi remetida para o TAF de Almada por correio registado, com aviso de recepção, em 16/10/2006 (cfr.nº.10 da matéria de facto provada).
Pelo que, bem andou a sentença recorrida ao julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, devido a intempestividade do recurso de anulação apresentado pelo impugnante, a qual leva a que o Tribunal se abstenha de conhecer do mérito da causa e absolva a Fazenda Pública da instância.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, deve confirmar-se a sentença recorrida e não conhecer dos outros fundamentos do recurso, porque prejudicados, nos termos do disposto no artº.660, nº.2, “ex vi” do artº.713, nº.2, ambos do C.P.Civil, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 4 de Outubro de 2011

(Joaquim Condesso - Relator)
(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)
(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)