Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:489/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTO;
OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
AUDIÇÃO PRÉVIA;
NOTIFICAÇÃO.
Sumário:1. Da leitura conjugada dos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos com as alegações de recurso, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
2. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.
3. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
4. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.
5. Para prova do cumprimento eficaz da formalidade da audição prévia em procedimento de reversão, incumbe à Fazenda Pública demonstrar que (i) proferiu projecto de reversão; (ii) remeteu-o por correio registado – ou outra via mais formal – para o domicílio fiscal do contribuinte que à data constava do seu sistema cadastral.
6. Só feita essa prova, pode a Fazenda Pública invocar e com sucesso prevalecer-se da não oponibilidade prevista no n.º 2 do art.º 43.º do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por F.............. à execução fiscal n.º ………… contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “P……………., Lda.” por dívidas de IVA e juros respeitantes aos períodos de 2002 e 2003, perfazendo o montante de 13.895,80 Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

O Recorrente conclui as suas alegações assim:
«
CONCLUSÕES:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, na parte em que o douto Tribunal considerou que houve omissão de audição, prévia à decisão de reversão, inquinando o procedimento enxerto de reversão e, consequentemente, a respectiva decisão, visto que não ficou provado que a Oponente haja recebido a correspondência atinente a tanto.

li. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judíce.

Ili. Refere a douta sentença que houve omissão de audição, prévia à decisão de reversão, inquinando o procedimento enxerto de reversão e, consequentemente, a respectiva decisão, visto que não se mostra comprovada a notificação do Oponente.

IV. Quanto à referida falta de prova que o Oponente haja recebida a correspondência atinente à audição prévia, antes de ser proferido despacho de reversão, verifica-se que a mesma foi remetida por correio registado para a morada fiscal do oponente, ou seja, para a RUA……………, Nº ……….,5° ESQ., ………..LISBOA.

V. É bom referir que o domicílio fiscal do revertido era à data da notificação o constante do cadastro da DGCI, na RUA………….., Nº ………, 5° ESQ., ………….LISBOA.

VI. A este propósito dispõe o nº 2 e 3 do Art. 19° da LGT, a obrigação de comunicar à AT o domicílio do sujeito passivo, advertindo que quando há alteração do domicílio, tal mudança é ineficaz enquanto não for comunicada.

VII. Também no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) se faz referência à obrigação de participação de domicílio (Art.43° do CPPT).

VIII.O nº 2 do artigo 43° do CPPT determina que, nas situações de incumprimento, relativamente à obrigação de comunicar a mudança de domicílio, não é oponível à AT a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos.

IX. Assim sendo, todas as notificações/citações remetidas pela AT em nome do oponente e para o domicílio fiscal daquela na RUA…………., Nº……, 5° ESQ., ……….LISBOA foram enviadas devidamente, não sendo oponível à AT o facto alegado de que o oponente a não recebeu.

X. Com o devido respeito, não caberá razão ao tribunal a quo, visto que os trâmites processuais foram na íntegra respeitados por estes Serviços. A notificação para audição prévia foi enviada, por carta registada (Artº 60°, nº 4 da LGT), para o oponente, pelo que o SF de Vila franca de Xira 1 agiu bem, não se verificando qualquer preterição de formalidade essencial.

XI. Face ao exposto e contrariamente ao expendido na douta sentença, não se vislumbra qualquer ilegalidade praticada pela AT, antes se denotando o exercício da sua actividade dentro dos limites estritos da lei.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida revogada quanto ao invocado fundamento de violação do direito de audição prévia, julgando-se improcedente a oposição judicial quanto aos demais fundamentos invocados na petição inicial, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


Contra-alegações, não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela falta de notificação do oponente para exercer o direito de audição prévia no procedimento de reversão.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
III – 1. Dos factos
Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos e no processo de execução, consideramos assente a seguinte factualidade:
A) Em 7 de Janeiro de 2004, o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira - 1, instaurou contra a sociedade «P…………, Lda» o processo de execução fiscal n.º ………. para cobrança de IVA referente a 2003 no valor de € 6759,11, a que foram apensados os processos n.º …………. para cobrança de IVA referente a 2002 no valor de € 987,24, …………..para cobrança de IVA de 2002 no valor de € 2306,52 totalizando a quantia exequenda € 10052,87 e acrescido no valor de € 3842,93 – cf. fls. 18 dos autos e 9 e ss do PEF;
B) Os prazos de pagamento voluntário das dívidas exequendas objecto dos processos identificados em A) ocorreram em 15/5/2003, 31/12/2003 e 31/8/2004 – cf. fls. 8 e ss do PEF;
C) Foi remetido ofício de citação através de aviso postal registado datado de 16/1/2004 – cf. fls. 9 do PEF;
D) Em 5/4/2010 foi lavrado auto de diligências referindo ter sido constatado que a sociedade executada se encontra cessada em IRC desde «6/16/2003» e que não existem outros elementos que indiquem a continuação do desenvolvimento da actividade – cf. fls. 6 do PEF;
E) Em 12 de Abril de 2010, foi proferido despacho para audição prévia do Oponente sobre o projecto de decisão de reversão – cf. fls. 7 do PEF;
F) Em 11/4/2010 foi remetido ofício de notificação do despacho referido na alínea anterior, através de correio registado dirigido à Rua …………n.º 117, 5.º Esquerdo Lisboa – cf. fls. 13 do PEF;
G) Em 9/7/2010 foi proferido despacho determinando a reversão da dívida exequenda contra o Oponente – cf. fls. não numeradas do PEF;
H) Foram remetidos dois ofícios de citação dirigidos à morada identificada em F) que foram devolvidos ao seu remetente, o primeiro por não ter sido reclamado e o segundo com a indicação de «mudou-se» – cf. PEF;
I) O Executado foi citado pessoalmente para a execução em 6/1/2011 – cf. fls. PEF;
J) Em 7/2/2011 deduziu a presente oposição – cf. fls. 24.
».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Com as alegações do recurso jurisdicional e visando demonstrar que a notificação para audição prévia no procedimento de reversão foi remetida para o domicílio fiscal do oponente que à data constava do cadastro de contribuintes, juntou o Recorrente um documento para prova desse facto, o qual se consubstancia num print extraído da base dos serviços de finanças (cf. ponto 11 das alegações).

Salienta-se que o Recorrido não apresentou contra-alegações em que, com oportunidade, se poderia opor à pretendida junção do documento.

Cumpre, pois, apreciar da oportunidade da junção daquele documento.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 651.º do CPC (ex vi do 2.º alínea e), do CPPT), «as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância».
Estabelece o mencionado art.º 425.º do CPC que «depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento».

As situações excepcionais comtempladas no art.º425.º caracterizam-se por situações de impossibilidade por superveniência objectiva (quando se vise documentar facto historicamente superveniente) ou superveniência subjectiva (quando se vise documentar facto pretérito mas que o Recorrente desconhecia ou não podia conhecer, ou, esteja em causa documento que o Recorrente desconhecia ou não podia conhecer) – vd. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Coimbra, 2014, 2.ª ed., p. 191.

Para além dessas situações excepcionais, e acompanhando o citado Autor, podem ainda ser apresentados documentos em sede de recurso «quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo».

Ora, a situação dos autos não se reconduz a nenhuma das situações previstas naquele n.º 1 do art.º 651.º do CPC que tornam legítima a junção de documentos com as alegações do recurso jurisdicional. Ora vejamos.

Na fase anterior ao julgamento, a Fazenda Pública, ora Recorrente, limitou-se a instruir o processo com o documento comprovativo da notificação ao oponente, por via postal registada, do despacho para audição prévia dirigido para a Rua …………..n.º 117, 5.º Esquerdo, Lisboa.

O Mmo. Juiz a quo entendeu tal documento insuficiente à demonstração de que a notificação se fizera para o domicílio fiscal do oponente e que não se tendo provado esta factualidade, não se achava cumprida a formalidade essencial da audição prévia.

Ora, através do documento que agora pretende juntar com as alegações, o Recorrente visa justamente demonstrar que a notificação do projecto de reversão para audição prévia dirigido para a Rua……………., n.º 117, 5.º Esquerdo, Lisboa, se fez para o domicílio fiscal do oponente que à data constava do cadastro de contribuintes da Autoridade tributária.

Só que, esta situação não se enquadra em nenhuma das situações excepcionais de impossibilidade objectiva ou subjectiva referidas no n.º 1 do art.º 651.º do CPC, muito menos em necessidade do documento ditada por julgamento surpreendente da sentença, antes traduzindo um divergente entendimento jurídico quanto à extensão e repartição do ónus de prova sobre a colocada questão do cumprimento da formalidade da audição prévia: para a Fazenda Pública/ Recorrente, para se mostrar cumprida a formalidade da audição prévia bastaria instruir os autos com a notificação expedida para o efeito; para o julgador, para se mostrar cumprida a formalidade da audição prévia era ainda necessária a prova adicional de que a notificação fora dirigida para o domicílio fiscal do oponente, prova essa ausente dos autos.

A falta dessa prova adicional é justamente o que o Recorrente pretenderia agora suprir com o documento pretendido juntar com as alegações de recurso, mas que como vimos a lei processual não consente.

Na verdade, como se refere no sumário doutrinal do Acórdão do STJ, de 30-4-2019, exarado no proc.º 22946/11.0T2SNT-A. L1. S2, “quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento».

Em vista do exposto, decide-se pela não admissão do documento pretendido juntar com as alegações do recurso, por manifesta extemporaneidade, condenando-se o Recorrente nas custas do incidente, o que se fará no dispositivo do acórdão.
Consequentemente, é com o acervo probatório da sentença, não impugnado, que temos de prosseguir na apreciação da questão de mérito do recurso.

Como resulta directa e inequivocamente da lei há lugar à audiência prévia do visado antes da reversão – cf. artigo 23.º, n.º 4 da LGT, nos termos do qual “a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”.

Por seu turno, estabelece o artigo 60º, nº 4, da LGT, que tal notificação para o exercício do direito de participação deve ser concretizada por correio postal registado – “o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”.

Mostram os autos que a Autoridade tributária: (i) elaborou o projecto de reversão; (ii) remeteu-o por correio registado para a seguinte morada: Rua ……………..n.º 117, 5.º Esquerdo, Lisboa.

Não mostram os autos que a morada indicada corresponda ao domicílio fiscal do oponente que à data constava do cadastro de contribuintes da AT.


Na falta dessa prova e tendo em conta que a sentença refere a existência no processo executivo de correspondência dirigida ao oponente para aquela mesma morada e devolvida ao remetente, não pode ter-se por seguro que a notificação para audição prévia foi remetida para morada que corresponde ao domicílio fiscal do oponente que à data constava do cadastro de contribuintes, juízo que sentença recorrida fez e agora se valida, não se podendo dar por demonstrado o cumprimento eficaz da formalidade da audição prévia.

Por outro lado, não se provando que a carta contendo o projecto de reversão para audição prévia foi dirigida para o domicílio fiscal do oponente, não pode o Recorrente prevalecer-se do disposto no n.º 2 do art.º 43.º do CPPT, segundo o qual, “a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1, não é oponível à administração tributária…”, pois essa referida não oponibilidade supõe cumprido pela AT o ónus de prova de que a notificação foi dirigida para o domicílio fiscal do contribuinte (no caso, oponente) que à data constava do sistema cadastral da Autoridade tributária, o que não sucede.

O recurso não merece provimento.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.º Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) Negar provimento ao recurso;
ii) Ordenar o desentranhamento do documento junto com as alegações e sua devolução ao Recorrente.

Custas a cargo do Recorrente, acrescidas do incidente a que deu causa, que fixo em 2UC.

Lisboa, 17 de Setembro de 2020.



______________________________
Vital Lopes




_______________________________
Luísa Soares





_______________________________
Cristina Flora