Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:44/18.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL;
VALOR DO LITÍGIO;
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:I. O conceito de “pronúncia indevida” previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT abrange as situações de incompetência do tribunal arbitral;
II. Não se verifica o fundamento “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT quando o tribunal arbitral conhece da legalidade de acto de autoliquidação que tenha sido precedido de pedido de revisão oficiosa, verificando-se a sua compência em razão da matéria;
III. Peticionando-se a anulação parcial da liquidação de imposto, o valor da utilidade económica do pedido para efeitos do art. 10.º, n.º 2, alínea e) do RJAT, e por conseguinte, o valor do litígio a que se refere o artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, há-de se aferir pelo quantum do pedido e não pelo da causa de pedir;
IV. Não se verifica a incompetência do tribunal arbitral em razão do valor se o quantum do pedido é inferior ao limite estabelecido artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e, portanto, não se verifica o vício de pronúncia indevida previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT;
V. Não se verifica o vício de pronúncia indevida previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT quando o tribunal arbitral anula parcialmente o acto de liquidação, concretizando o quantum de imposto, e determina a devolução do imposto indevidamente pago quantificando esse montante do reembolso;
VI. O fundamento de impugnação previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT pressupõe que os fundamentos da decisão arbitral estejam em oposição com a própria decisão, ou seja, que as premissas de facto e de direito em que assenta a decisão arbitral conduzam, logicamente, a uma solução oposta àquela que se adoptou.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com os demais sinais nos autos, vem impugnar a decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado deduzido pela R… – R…., S.A.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«1. A presente impugnação tem por objeto decisão final proferida, em 10.04.2018, pelo Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral formulado ao abrigo do regime jurídico da arbitragem tributária (RJAT), instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01,e que correu termos sob o n.º 333/2017-T;

2. A impugnante foi notificada da douta decisão arbitral por comunicação electrónica datada de 11.04.2018, a qual, de acordo com as regras previstas para as notificações enviadas por transmissão electrónica de dados [artigo 248.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1,alínea e) do RJAT, dr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo nº 01763/13, em 04-06-2014, pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário],se considera efectuada em 16.04.2018;

3. Pelo que, atendendo a que o prazo de interposição de impugnação é de 15 dias (cfr. artigo 27.º, n.º 1, do RJAT) e reveste natureza processual (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 2014-06-26, proferido no processo n.º 07084/13), o seu termo apenas ocorre em 02 de Maio de 2018,pelo que a presente impugnação é tempestiva;

4. Embora o RJAT tenha acolhido «como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais», ainda assim, a lei contempla a possibilidade de recurso (para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo) e de impugnação das decisões proferidas (para o Tribunal Central Administrativo), nos termos do artigo 27.º do RJAT;

5. No concreto caso dos autos constitui fundamento de impugnação o que se mostra estatuído na alínea b) e na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, ou seja, entende a ora impugnante que a decisão arbitral padece dos vícios de oposição entre os fundamentos e a decisão e, bem assim, do vício de pronúncia indevida, porquanto se pronunciou sobre litígio que se encontra excluído do âmbito de competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária;

6. Efetivamente constata-se que o Tribunal a quo excedeu a sua competência quanto ao segmento decisório que julgou improcedentes as excepções dilatórias de incompetência material do Tribunal Arbitral decorrentes de a) o pedido ter sido formulado na sequência de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação; b) o valor do pedido exceder o montante de € 10.000.000,00, que corresponde ao limite máximo dos litígios arbitrais e ainda, c) o pedido quantificar o valor exacto a reembolsar à ali Requerente;

7. Refira-se à cautela, quanto ao âmbito do conceito "pronúncia indevida", que não pode senão entender-se que, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, o Tribunal ad quem pode apreciar da incompetência material do tribunal arbitral (ainda que sob o regime de recurso de cassação), o que se suporta nas regras e princípios gerais de direito, por via de uma interpretação literal, sistemática e teleológica (cf. neste sentido, a anotação do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no comentário ao artigo 28.º, n.º 1 do RJAT, in Guia da Arbitragem Tributária, supra citado), bem como no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29-03-2016 e nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 09286/16, em 04/28/2016, no processo n.º 08513/15, em 12/16/2015, e no processo n.º 09156/15, em 09-06-2016;

8. Acresce que a denegação da possibilidade de apreciação nesta sede da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na alínea c) do n .º 1 do artigo 28.º do RJAT, consubstanciaria uma restrição substancial (e inconstitucional) da possibilidade de recurso nesta matéria, particularmente evidente por não ficarem salvaguardados no RJAT,em todos os casos, a possibilidade de impugnação da decisão arbitral junto dos tribunais estaduais com os fundamentos e nos termos previstos na Lei da Arbitragem Voluntária, mormente quando se está perante uma relação jurídica que decorre do exercício de poderes de autoridade, devendo neste casos reservar-se ao juiz estadual a possibilidade de uma última palavra;

9. Mais, a entender-se que se encontram excluídas do vício «pronúncia indevida», referido na alínea c) do nº 1 do artigo 28.º do RJAT, as situações referente à incompetência material do tribunal arbitral para decidir determinado litígio, então, tal entendimento ofende o princípio da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT];

10. Violando também o direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP, porque, então, segundo esta perspectiva, caberia ao próprio tribunal arbitral a apreciação em primeira (e última) instância da sua própria competência, tornando impossível sindicar, perante qualquer Tribunal estadual, em segundo grau, de vícios manifestamente mais graves de que estas decisões arbitrais podem enfermar nos termos do artigo 615.º do CPC, e que têm a ver não só com a competência material para decidir (questão aqui em discussão), mas também, por exemplo, com a regularidade da constituição do tribunal arbitral;

11. Violando ainda os princípios da tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos e do duplo grau de jurisdição, consagrados no artigo 268.º, n.º 4 e 5, da CRP;

12. Sendo que, por força de tais imperativos constitucionais se impõe, antes, a exigência de recurso necessário para um tribunal estadual, para que este se pronuncie sobre a competência daquele outro, maxime atendendo à circunstância de, por um lado, (i) a vinculação da AT estar definida a priori na Portaria n.º 112-A/2011, e, por outro, (ii) esta nunca poder tomar a iniciativa de constituir ou repudiar a constituição do tribunal arbitral por sua vontade;

13. Pelo que, face ao exposto, não pode senão considerar-se que o conceito "pronúncia indevida", previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, contém, necessariamente, a situação de pronúncia em situações em que o tribunal nem sequer podia decidir, ou seja, deve considerar-se como situação de "pronúncia indevida" aquela em que o tribunal excedeu a sua competência material para decidir, apreciando litígio de que não podia conhecer, como sucedeu na situação subjudice;

14. Sendo, assim, evidente que é inconstitucional o artigo 28.º, n.º 1 , alínea c) do RJAT, no qual se prevê que «A decisão arbitral é impugnável com fundamento na pronúncia indevida», quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral para decidir nos termos previstos no RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º,n.º 2, 202.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT);

15. Como, aliás, assim já o entendeu o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 177/2016 (e tem sido entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul - cf. acórdãos proferidos nos processos n.º 08513/15, em 12/16/2015, e n.º 09156/15, em 09-06-2016),

16. Por fim, mais se refira que, por força das disposições conjugadas dos artigos 27.º, 28.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, deve a presente impugnação ser admitida, sendo-lhe atribuído efeito suspensivo;

17. Posto isto, ora impugnante não concorda, nem se pode conformar nos termos legais, com parte do decisório do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo, porquanto entende que o mesmo padece do vício de pronúncia indevida, fundamento expressamente referido na primeira parte da alínea c) do n.º 1do artigo 28.º do aludido diploma na medida em que se pronunciou sobre litígio que se encontra excluído do âmbito de competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária;

18. Efetivamente, o Tribunal a quo excedeu a sua competência quanto ao segmento decisório que julgou improcedentes as excepções dilatórias de incompetência material do Tribunal Arbitral;

19. Isto porque, em primeiro lugar, na redacção conferida ao mencionado artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, o legislador optou expressa e manifestamente por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, pois que, para que assim não fosse, bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 à expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», nada mais distinguindo - o que não sucedeu;

20. De acordo com as regras gerais de interpretação, a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete, não podendo este, mormente em face da natureza da arbitragem necessária, ampliar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT à jurisdição arbitral, como sucedeu no acórdão arbitral recorrido, sendo um entendimento forçado querer conjecturar que o legislador legislou de forma imperfeita, olvidando-se desta referência à revisão oficiosa, quando já existia vasta jurisprudência no sentido da equiparação (para efeitos diversos, conquanto) e quando essa já era reiteradamente seguida pela actuação da AT;

21. Em suma, a última parte do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.2 112-A/2011 não pode, sob pena de manifesta ilegalidade por violação directa do art.9º nº3 do CC, ser afastada, interpretando-se a norma como se a referência específica aos artigos 131.º a 133.º do CPPT não existisse, como o fez o Tribunal a quo;

22. Neste sentido, a doutrina do ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e Processo Tributário - lI Volume, Áreas Editora - 6ª Ed./2011, pág. 65 e 409 e 410), os acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.º 51/2012-T, 236/2014-T, 364/2014-T e 603/2014-T), e ainda a declaração de voto proferida pelo Prof. Manuel Pires na decisão ora sindicada;

23. Deste modo, tal como mormente se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 51/2012-T, se é certo que o contribuinte que não tenha apresentado tempestiva reclamação graciosa não esteja, ípso facto, impedido de pedir a revisão do acto de retenção ao abrigo do artigo 78.º da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto, e impugnar judicialmente a decisão que indefira o pedido de revisão [cf. artigo 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT], também não parece questionável afirmar que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa;

24. É que, conforme se entendeu, em suma, na decisão arbitral proferida no processo n.º 236/2014- T, não se está perante uma simples interpretação de uma norma regulamentar, mas sim da interpretação de uma manifestação de vontade, pelo que deverão ser respeitados os poderes e deveres da Administração tal como resultam da regulamentação que conduziu à autovinculação nos seus estritos termos;

25. Nestes termos, o acesso à tutela jurisdicional arbitral encontra-se vedada na situação sub judice, pois que aqui a reclamação graciosa sempre seria obrigatória nos termos do artigo 131.º do CPPT, conforme exigido no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, pelo que, tendo-se no acórdão arbitral sob impugnação, decidido em sentido contrário, qual seja, a de que tal norma legal permite a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, houve pronúncia indevida, pois pronunciou-se sobre questão que não podia conhecer, por se encontrar excluída da jurisdição arbitral e, consequentemente, da sua competência material;

26. Em segundo lugar, não obstante a AT ter pugnado, em sede de Resposta e num juízo de prognose, que o entendimento ora em crise, proferido pelo acórdão recorrido era desconforme com a Constituição, o Tribunal não deu provimento ao raciocínio exposto pela AT;
27. Com efeito, como aí se referiu e ora se repete, o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. Artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT);

28. Isto porque, ao fixar-se nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e no artigo 2. º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários;

29. Efetivamente, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, no qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode recorrer (por contraponto à possibilidade de recurso prevista no regime de impugnação judicial, de que o regime jurídico de arbitragem tributária é meio processual alternativo), ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adaptar o comportamento potencialmente adequado a procurar efectivá-la;

30. Pelo que, salvo melhor opinião, é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais acima mencionados, a interpretação adaptada pelo acórdão arbitral recorrido, a qual amplia a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, porquanto tal determina, consequentemente, a dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno por contraposição ao regime previsto na impugnação judicial [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral];

31. Sendo que, por força do regime legal constituído, esta é a única forma pela qual se delimita a vinculação da AT, dado que esta nunca pode tomar a iniciativa de constituir o tribunal arbitral;

32. Em suma, a última parte do preceito em causa não pode, sob pena de manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, ser afastada, como determinou o Tribunal a quo, interpretando a norma como se a referência específica a um concreto procedimento administrativo não existisse, assim fazendo o intérprete-julgador tábua rasa da distinção provida pelo legislador, pois que o respeito pela vontade exteriorizada quando da vinculação à arbitragem em matéria tributária, sendo um factor de certeza e de segurança jurídicas, representa também a efectivação das consequências intencionadas pelo exercício de acção das partes em litígio, a qual não pode ser isolada dos referidos normativos de protecção constitucional, sob pena de tal pressupor um poder (inconstitucional) do intérprete-julgador na delimitação dos poderes do Estado na privatização do exercício da justiça, mormente quando não se admite a possibilidade sistemática de recurso nas arbitragens tributárias por contraposição ao regime previsto para a impugnação judicial de que a arbitragem tributária é meio alternativo (cf., ainda que indiretamente, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016);

33. De outro modo ainda, caso não tivesse sido aquela a interpretação do Tribunal a quo, aplicar-se-ia ao caso concreto o disposto artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, do qual resulta que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto do litígio subjudice, nos termos do artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a) ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa;

34. Nos mesmos termos, não pode senão entender-se - como já pugnado em sede de Resposta deduzida no processo arbitral - de que é inconstitucional o artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, na interpretação normativa segundo a qual nas «Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da norma não o permitem (aquela está outrossim construída sob a necessária identidade dos mecanismos processuais aí especificamente elencados);

35. Pois que tal viola, como referido e para que se remete, os princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT];

36. Nestes termos e atentos os poderes que cabem a este Tribunal, sendo procedente a impugnação da decisão arbitral, tal determina a anulação desta decisão e a consequente devolução do processo arbitral para proferir outra que tenha em consideração o decidido (segundo o regime de recurso de cassação);

37. De igual modo, também no que concerne à incompetência do Tribunal arbitral em função do valor, não pode a Impugnante concordar com a posição tomada na decisão arbitral pois é a própria Impugnada quem admite, mormente no artigo 15.º, que o que efectivamente pretende submeter a Tribunal é a legalidade da parte do referido acto de autoliquidação que reflecte a não dedução fiscal de encargos financeiros no montante de € 12.226.650,46 (em especial no que se refere à parcela de € 10.816.990,43), pelo que, não obstante a ali Requerente pretender ficcionar o valor do alegado imposto que será correspondente a tal parte, o valor económico que por si foi atribuído não pode ser atendido, por força desta incompetência material prévia;

38. Neste desiderato, o valor do pedido arbitral que efectivamente deve ser atendido ascende a € 12.226.650,46 ou, caso se atenda ao menor dos valores peticionados, a € 10.816.990,43, o que igualmente determina a incompetência material do Tribunal Arbitral, pois que a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000;

39. Facto este que determina a incompetência material do tribunal e constitui uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, determinante da absolvição da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;
40. Relativamente à suscitada incompetência material do Tribunal Arbitral para determinar o valor exacto do reembolso a conceder à aqui Impugnada, é um facto assente que o Tribunal o fez, isto é, condenou a AT a reembolsar o montante de € 3.056.662,62, apesar de esta determinação se não conter nas competências próprias da jurisdição arbitral, razão pela qual também por este motivo a decisão enferma do vício de pronúncia indevida.

41. Com efeito, tomando uma decisão de procedência da acção arbitral (o que aqui não se discute), o Tribunal, face às competências que lhe estão cometidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da vinculação operada nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT, apenas podia julgar o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da revisão oficiosa, no demais, efectuando uma declaração genérica a quantificar em sede de execução da decisão;

42. Em suma, não cabia ao Tribunal arbitral decidir sobre a quantificação das consequências da declaração da ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC, pois tal pedido extravasa a competência da jurisdição arbitral tributária;

43. A competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1do artigo 2.º do RJAT e da vinculação operada nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT,como tal, inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, isto, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação;

44. Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do CPTA;

45. A incompetência material do Tribunal para a apreciação da parte do pedido identificada supra consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento desse pedido e conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT e constitui fundamento para impugnação da decisão, de acordo com o previsto nos arts. 27º e 28º do RJAT e que agora se deduz;

46. Como tal, é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento de direitos subjacente à quantificação do cálculo do imposto a restituir por, alegadamente, ter sido indevidamente pago, em face da não dedução fiscal de encargos financeiros, como pretendia a então Requerente no pedido de pronúncia arbitral;

47. Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como foi entendido nos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 587/2014-T e 30/2015-T;

48. Não podendo a AT conformar-se com o reiterado e total desrespeito pelo teor literal do RJAT, mormente do disposto no art. 2º do Regime, bem como com o total atropelo dos princípios que o enformam;

49. Entendendo que a situação descrita ofende o quadro constitucional vigente, nomeadamente a garantia do acesso à Justiça e os princípios da certeza e da segurança jurídicas, bem como o princípio da legalidade, o qual enforma a actividade administrativa, nomeadamente no seu corolário da indisponibilidade do crédito tributário;

50. Caso não se entenda que tal resulta do disposto no art. 2º do RJAT, interpretando-o de forma diversa da aqui propugnada, sempre se dirá que tal interpretação será contrária à unidade da ordem jurídica e estará a violar os princípios da certeza e da segurança jurídica, sub princípios concretizadores do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa;

51. Tal interpretação seria, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efectiva, previstos, desde logo, nos artigos 13º e 20º da CRP;
52. E, bem assim, tal interpretação seria, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio da legalidade, o qual enforma toda a actividade administrativa, e o seu corolário da indisponibilidade do crédito tributário, o que tudo expressamente se invoca, para efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade;

53. Deste modo, e em suma, a tomada pelo Tribunal a quo do segmento da decisão que vem de se impugnar, fora do âmbito legal dos poderes jurisdicionais dos tribunais arbitrais, consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento desse pedido e conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n .º 1, alínea e) do RJAT;

54. Logo, verificando-se a incompetência do Tribunal a quo, a decisão arbitral é passível de anulação, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, por vício de pronúncia indevida;

55. Ainda que assim não se entenda, a ora Impugnante não concorda, nem se pode conformar nos termos legais, com parte do segmento decisório do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Colectivo, acima transcrito e identificado, porquanto entende que o mesmo padece do vício de oposição entre os fundamentos e a decisão (cf. artigo 28.º, n.º 2, alínea b) do RJAT);

56. Com efeito, decorre da pág. 21 da decisão arbitral (supra transcrita), que o Tribunal afirma que, quando a AT não concorde com o montante peticionado a título de reembolso, a sua confirmação deverá ocorrer apenas em fase de execução de sentença;

57. O que sucede no caso em apreço, como se retira do teor da excepção aduzida em sede de Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a qual, de outro modo, seria totalmente desprovida de sentido, caso a AT já tivesse emitido pronúncia sobre o quantum decorrente de uma eventual anulação;

58. Todavia, não obstante a fundamentação de facto dada como provada pelo Tribunal, quanto à apreciação da excepção invocada pela AT- na qual se delimitou o pedido formulado pela então Requerente e, nessa medida, também a competência do Tribunal Arbitral - a final, mais concretamente no segmento decisório vertido na referida alínea d), o Tribunal vem decidir em sentido claramente diverso daquele para o qual tal fundamentação aponta;

59. Estando assente pelo Tribunal a quo que, caso a AT não concorde com o valor de reembolso peticionado - o que, em face da excepção deduzida, sucedeu -, cabe-lhe a si, em sede de cumprimento do julgado, calcular esse valor, verifica-se, então, uma óbvia contradição entre o que foi a fundamentação subjacente à apreciação da excepção invocada pela AT e a decisão final, a qual não se limitou à procedência daquele pedido, isto é, não se limitou a determinar a anulação parcial da liquidação, pois que veio ainda determinar a condenação da AT ao pagamento da quantia de € 3.056.662,62;

60. Pois que, num silogismo jurídico, os fundamentos de facto e de direito apontados conduzem, inevitavelmente, a uma decisão oposta à proferida, qual seja, a condenação da AT, apenas ao vertido nas alíneas b) e c) do decisório, devendo, assim, nos termos expostos, ser declarada a nulidade do segmento decisório do acórdão arbitral quanto à parte final da alínea d);

61. Em suma, a decisão arbitral impugnada padece de vício de pronúncia indevida ou, mesmo que assim não se entenda, padece do vício de oposição dos fundamentos com a decisão e, como tal, de acordo com o estatuído no artigo 27º, n.º 1, do RJAT, deve a mesma ser anulada no segmento impugnado, isto quer esta prolação seja proferida pelo Tribunal ad quem, no âmbito dos poderes conferidos nos termos do artigo 149.º do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2 do RJAT, no âmbito de um recurso de substituição, quer seja pelo Tribunal a quo em virtude da determinação desse Tribunal em remeter-lhe a decisão, caso se julgue funcionar este processo somente como recurso de cassação.

62. Mais se requerendo, nos termos acima peticionados, que face a entendimento jurisprudencial pacífico e atento o comportamento da Impugnante nada ter de reprovável, agindo em litigância legítima, em defesa de interpretação da lei propugnada pela defesa dos interesses públicos que lhe estão cometidos, que o valor máximo a considerar para cálculo da taxa de justiça do processo seja fixado em 8 UC, referente ao teto máximo de 275.000 €, sendo fundadamente dispensado o pagamento do respeitante ao excesso.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente impugnação ser julgada procedente nos termos peticionados, com as devidas consequências legais.»

A Recorrida, apresentou as suas contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«i) Da improcedência da acusação de incompetência que apela ao facto de o procedimento administrativo prévio ter sido o da revisão oficiosa

A) O artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao modificar o âmbito de aplicação da arbitragem tributária, viola a Lei habilitante (lei de autorização legislativa), e viola o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição.

B) O artigo 4.º do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011), ao permitir que Portaria, no caso a Portaria n.º 112-A/2011, modifique o âmbito material de aplicação da arbitragem tributária por si (RJAT) delimitado (nos seus artigos 2.º e 10.º), viola a Lei habilitante, e viola o artigo 112.º, n.º 2 e n.º 5, da Constituição.

C) Atenta a sua antinomia quer com o âmbito material de aplicação da arbitragem tributária estabelecido no RJAT, quer com o âmbito projectado na Lei de Autorização Legislativa (deve [a arbitragem tributária] constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial)], o artigo 2.º, designadamente na sua alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, deve ser interpretado de modo a fazer o menor dano possível a estas prescrições de nível hierárquico superior e seus prescritos objectivos.

D) A redacção introduzida pela Lei n.° 64-B/2011 ao artigo 4.º do RJAT, no sentido de que a Portaria de vinculação “estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”, não pode ser interpretada como conferindo, através do uso da expressão designadamente, um cheque em branco para a Portaria em causa fazer o que quiser da delimitação material do âmbito da arbitragem consagrado nos actos normativos hierarquicamente superiores, designadamente no RJAT, artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1. Pois isso viola o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição.

E) Donde que, por mais esta razão, no máximo dos máximos a chamada Portaria de vinculação poderá modificar o âmbito aplicável da arbitragem tributária por referência ao tipo de litígio ou ao seu valor, não também por referência ao facto de o litígio ter sido precedido de procedimento de reclamação graciosa ou, pelo contrário, de procedimento de revisão oficiosa (com afastamento, neste último caso, da arbitragem tributária pela Portaria, na interpretação da alínea a) do seu artigo 2.º pretendida pela AT), ou por referência a quaisquer outros factos que, por capricho ou outro motivo, a Portaria resolvesse eleger.

Por cautela de patrocínio, sem conceder:

F) Sobre a incompetência suscitada pela AT nos casos em que a autoliquidação seja previamente submetida ao procedimento de revisão oficiosa, pronunciou-se já o TCAS, no processo n.º 08599/15:
“Considerando aqueles preceitos legais a decisão arbitral [proferida no processo n.º 630/2014-T] concluiu pela viabilidade de apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, julgando não verificada a excepção de incompetência suscitada. Concordamos na íntegra com todo o discurso fundamentador da decisão arbitral, cuja a fundamentação aqui transcrevermos apenas em parte [pág 28]
(...)
Pelo exposto, não se verifica o fundamento "pronúncia indevida", previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.°, n.° 1 do RJAT, porquanto o tribunal arbitral" tem competência em razão da matéria para conhecer da legalidade de acto de autoliquidação que tenham sido precedido de pedido de revisão oficiosa [pág. 33]
(...)
não é pelo facto de estarmos perante um normativo de uma portaria de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que não se poderá proceder à interpretação das normas dele constantes, por outras palavras, não ofende o princípio da legalidade tributária a interpretação de normativo da portaria de vinculação.
É que ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação [pág.36]”.

G) E o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 244/2018 (Doc. Anexo), confirmou já que nenhuma inconstitucionalidade existe na interpretação, neste sentido, da norma do artigo 2.º, alínea a), da Portaria (n.º 112-A/2011) de vinculação. A interpretação generalizada da mesma, que foi também a do TCAS.

H) E mais acrescentou o Tribunal Constitucional, citando e subscrevendo o referido acórdão do TCAS:
“Ora, como é referido na decisão a quo, «ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação», pelo que «não se verificando uma exclusão expressa, não se poderá dizer que estamos perante uma ampliação da vinculação, mas tão-somente perante interpretação de norma de exclusão de vinculação (...)» (cfr. p. 36 do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Abril de 2017, fls. 136).”.

I) A norma na alínea a) do artigo 2.º da Portaria de vinculação nenhuma inovação pretendeu consagrar. Limita-se a acolher a solução praticada em sede de processo judicial tributário/impugnação judicial, vertida no artigo 131.º do CPPT, através de expressa remissão para aí: sempre que se esteja perante uma autoliquidação, antes de ir para tribunal, tem de se dar oportunidade à AT para apreciar essa autoliquidação e ilegalidades que lhe sejam apontadas.

J) Este objectivo (de apreciação prévia pela AT) é aliás textualmente assumido na alínea a) do artigo 2.º da Portaria de vinculação: não se pode recorrer a Tribunal Arbitral com respeito a pretensões contra autoliquidações “que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa”.

K) O facto de o artigo 131.º do CPPT dizer que no caso da autoliquidação a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa, jamais, em décadas de aplicação desta norma, levou os Tribunais tributários a entenderem ser de excluir a apreciação de impugnações de autoliquidações precedidas de procedimento administrativo de revisão oficiosa. E a AT aceita pacificamente esta interpretação deste quadro legal para o qual remete a Portaria de vinculação (ver citado artigo 53.º das alegações da AT).

L) Aceita, pois, a AT e toda a comunidade jurídica que lida com esta norma, o entendimento equilibrado dos Tribunais tributários de que o objectivo perseguido por esta norma é, quando se está perante autoliquidações, dar oportunidade à AT para se pronunciar previamente à impugnação judicial.

M) Donde que, para efeito da satisfação deste, e único, objectivo da norma, seja indiferente (espírito da norma) se essa pronúncia prévia da AT se dá em sede de procedimento administrativo de revisão oficiosa ou de procedimento administrativo de reclamação graciosa stricto sensu.

N) Sendo este o entendimento, velho de anos, em sede de impugnação judicial, e sendo este entendimento de há muito respeitado pela AT, não se percebe por que razão defende a AT o contrário em sede do meio alternativo da impugnação (substituto desta) que é a arbitragem tributária.

O) A arbitragem tributária é do tipo institucional. É um substituto, organizado e permanentemente disponível, do recurso aos tribunais tributários. É, pois, um regime legal de resolução alternativa de conflitos no campo dos impostos, paralelo ao processo judicial tributário. E como regime legal que é está sujeito às mesmíssimas regras interpretativas a que estão sujeitas todas as leis e normas jurídicas.

P) E uma Portaria, como um qualquer outro diploma legal, é certamente um acto de vontade e informado pela vontade do órgão competente para o emitir; mas a voluntariedade acaba aí; mal conclui a sua formação, o diploma atinge automaticamente e de imediato a maioridade plena libertando-se da tutela do seu criador e ficando sujeito às normais regras de interpretação de normas jurídicas; acresce, se por absurdo assim não se entendesse, que num sistema jurídico como o nosso, mesmo em sede de direito privado o significado dos contratos ou de negócios jurídicos unilaterais está longe de ser uma função do império da letra e dos dicionários, concorrendo aí também considerações sobre o equilíbrio dos resultados, boa-fé, abuso de direito, perspectiva sistemática, finalidade discernível das disposições, etc.

Q) Não se pode, pois, tratar a Portaria n.º 112-A/2011 como propriedade da AT, imune às regras gerais de interpretação das normas jurídicas. Não o é, nem o que ali está é menos normativo do que o que se pode encontrar no CPPT ou no RJAT.

R) Mais ainda, a Portaria de adesão à arbitragem tributária é ela própria um acto normativo, formal e substancialmente (as suas disposições são gerais e abstractas, compostas de previsão e estatuição), e no ponto que interessa aqui faz sua o que é, inquestionavelmente, mais uma norma jurídica, a constante do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT. Pelo que são as regras de interpretação das normas jurídicas que se lhe hão-de aplicar.

S) Acresce que, como já se referiu, a questão da interpretação do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não é privativa desta norma. Ela é muito mais antiga, e data, pelo menos, da aprovação do CPPT, onde consta o artigo 131.º do CPPT, para o qual remete o preceito da Portaria aqui em causa.

T) Donde que se tenha dificuldade em compreender como, em face do meio paralelo à impugnação judicial que é a arbitragem tributária, e perante remissão pela Portaria de vinculação à arbitragem tributária para o artigo 131.º do CPPT, se pretenda, como não podia deixar de ser, receber esta norma na arbitragem, mas rejeitar o acquis jurisprudencial que a seu propósito se formou, e que nos diz que não obstante a sua formulação não é inimpugnável o acto de liquidação precedido do procedimento administrativo de revisão oficiosa.

U) Ou seja, tendo a Portaria em causa remetido para a solução do artigo 131.º do CPPT, trazendo para a arbitragem essa norma, a AT pretende que, não obstante, não seria de acolher o acquis jurisprudencial que se formou a seu propósito e que entende que a mesma não exclui a impugnabilidade caso o procedimento administrativo prévio tenha sido o da revisão oficiosa. Não se percebe este corte: vem a norma, diz a AT, mas não vem a jurisprudência, e prática generalizada, sobre a norma.

V) A pretensão da AT contraria todo o entendimento dos nossos Tribunais Superiores (e primeiras instâncias) em face do preceito, para o qual remete a Portaria n.º 112-A/2011, constante do citado artigo 131.º do CPPT.

W) Tal pretensão, em coerência, afastaria o recurso ao próprio meio “impugnação judicial”, uma vez que mal se compreenderia que um mesmo preceito (o artigo 131.º do CPPT, directamente, e o artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, que o recepciona / que para ele remete), incluindo na sua função, tivesse interpretações opostas.

X) Esta é, pois, literalmente, uma questão de unidade do sistema jurídico.

Y) E é-o não só por um prisma jurídico-formal, mas também por um prisma jurídico- material. Com efeito, atendendo-se à unidade do sistema jurídico não faz sentido que o processo matriz, o judicial tributário, possa ser usado para discutir a legalidade de actos de autoliquidação na sequência de indeferimentos de pedidos de revisão oficiosa (ou de reclamações graciosas), e o processo arbitral tributário, que tem por objectivo constituir uma opção ou alternativa paralela ao processo matriz, não possa ser usado quando em sede de autoliquidações o procedimento administrativo prévio tenha sido de um tipo (pedido de revisão oficiosa) e não de outro (reclamação graciosa).

Z) Também do ponto de vista da unidade do sistema jurídico num prisma jurídico-material, no prisma da coerência e da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (presunção de que o legislador tem recta intenção e é justo, por oposição a arbitrário), esta exclusão não faz qualquer sentido, não se apoia em qualquer fundamento racional, antes constituirá, a vingar, uma solução arbitrária ou, se se quiser, caprichosa. E é de presumir que o Estado, designadamente o Estado legislador, não age caprichosamente.

AA) E a interpretação pretendida pela AT contraria os objectivos da arbitragem tributária: “por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais”, são tudo objectivos e funções queridas pelo legislador para a arbitragem tributária (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

BB) É incompatível com os objectivos supra referidos o entendimento de que em reacção a um indeferimento de pedido de revisão oficiosa se possa recorrer aos tribunais administrativos e fiscais para que apreciem o acto de (auto)liquidação controvertido mas já não à arbitragem tributária. Especialmente (coerência do sistema) num contexto em que perante um acto administrativo de indeferimento de uma reclamação graciosa que discuta essa mesmíssima (auto)liquidação as duas vias estão reconhecidamente abertas.

CC) Acresce que em sede de Lei de autorização legislativa em matéria de arbitragem tributária se prescreve que o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), desiderato que ficará parcialmente amputado se se der à alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o sentido que a AT pretende (que para ela olha como uma ilha isolada de tudo o resto, incluindo da jurisprudência que se formou a propósito de norma idêntica no CPPT).

DD) É de referir que acresce ainda que o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que fez uso da referida autorização legislativa, não distinguiu [cfr. o seu artigo 2.º e 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b)], em consonância com o espírito e a letra da lei de autorização legislativa, entre reacção a actos administrativos de indeferimento em sede de procedimento de reclamação graciosa e em sede de procedimento de revisão oficiosa: ambos podem desencadear o recurso à arbitragem, o que está alinhado com a prescrição de que a arbitragem seja um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

EE) E do ponto de vista da materialidade subjacente faz todo o sentido que assim seja: o que realmente se discute é a legalidade de um acto de (auto)liquidação que não deixa de ser o que é independentemente do procedimento administrativo (de apreciação do mesmo) prévio a que tenha sido sujeito.

FF) Em sentido contrário ao deste entendimento da AT se pronunciaram já incontáveis decisões arbitrais e respectivos Senhores Árbitros, que nestas alegações se deixaram referenciadas, não se percebendo de que modo este entendimento consubstanciaria a violação dos preceitos constitucionais suscitada pela AT nas suas alegações.

GG) Como se referiu supra, também o TCAS e o Tribunal Constitucional intervieram já nesta questão, nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade tendo vislumbrado na interpretação de que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar autoliquidações precedido de procedimento administrativo de revisão oficiosa.

HH) Conforme acima desmontado e aqui não se repetirá, é falha de sentido a acusação de violação do princípio da legalidade, do Estado de direito, da separação de poderes, do direito de acesso à justiça e da indisponibilidade dos créditos tributários (misturada com referências ao âmbito limitado dos recursos na arbitragem tributária), caso não seja acatada a proposta interpretativa de que na sequência da apreciação pela AT de autoliquidação de imposto em procedimento de revisão oficiosa, não é depois possível recorrer à arbitragem.

II) Custa particularmente a engolir a acusação de violação do direito de acesso à justiça, sabendo a AT perfeitamente que o estado calamitoso da justiça nos tribunais tributários, com delonga de décadas na resolução final de qualquer caso (que a arbitragem tributária procura precisamente atenuar, conforme Lei de autorização legislativa e Decreto-Lei de execução), a favorece brutalmente a si, atribuindo-lhe na prática o exclusivo da primeira e última palavra em matéria de lei fiscal.

ii) Da improcedência da acusação de incompetência em razão do valor

JJ) A ora impugnada formulou pedido de anulação de liquidação de imposto no montante de € 3.056.662,62 (cfr. artigos 13.º a 15.º, conclusões, e pedido final, do pedido de pronúncia arbitral).

KK) O limite de competência da arbitragem tributária são € 10.000.000.

LL) Logo, é inequívoco que o presente Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a causa também do ponto de vista do seu valor.

MM) O motivo nestes autos magicado pela AT para obter conclusão contrária vive da confusão entre pedido e causa de pedir.

NN) Sobre questão idêntica e a título exemplificativo veja-se o acórdão arbitral de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 30/2015-T (Conselheira FERNANDA MAÇÃS, Dr. PAULO LOURENÇO e Dra. MANUELA ROSEIRO), justamente citado pela AT no artigo 93.º das suas alegações de impugnação (cfr. as págs. 12 a 15 da versão PDF publicada no site do CAAD).

iii) Da improcedência da acusação de incompetência para anulação de um concreto montante de imposto, e determinação do seu reembolso

OO) Conforme jurisprudência firme (e sensata) o acto tributário é uma realidade divisível, sendo que essa característica protege antes de mais o credor tributário e a boa aplicação do princípio da proporcionalidade ou da justa medida (só anular, destruir, eventual parte ilegal, e não todo o acto de liquidação a pretexto de uma ilegalidade parcial).

PP) O tribunal que conheça da legalidade do acto deve promover a sua anulação parcial se for o caso, não constituindo isso interferência na área de competência da AT, e só assim se operando a tutela judicial efectiva prevista na Constituição: cfr. o acórdão do STA de 02.12.2015, proferido no processo n.º 0754/15 (FONSECA CARVALHO – relator –, ISABEL MARQUES DA SILVA e PEDRO DELGADO), ou o acórdão do TCAS de 8 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 06112/12 (JOAQUIM CONDESSO – relator – CATARINA ALMEIDA E SOUSA e BÁRBARA TAVARES TELES). Consequentemente, tendo sido quantificada a parte ilegal, nenhuma razão há para diferir a mesma para execução de julgados.

QQ) A segregação do montante da parte do acto tributário anulável e a condenação no reembolso consequencial a essa anulação, não constituem interferência alguma na área de competência da AT, e está entre os poderes de qualquer Tribunal que tenha competência para anular actos de liquidação, total ou parcialmente. O Tribunal nada cria, limita-se a anular com precisão uma parte de um todo pré-existente.

RR) Acresce que é irreconciliável com o reconhecimento (a que a AT também adere) de que entre os poderes do Tribunal está o da condenação em juros, a negação do poder, logicamente prévio, de condenação no reembolso do montante de imposto anulado (posto que demonstradamente pago, evidentemente, o que no caso não é ponto controverso).

SS) Como se nota no recentíssimo acórdão do TCAS, de 8 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 06112/12, a exclusão de tais poderes aos tribunais com competência material para anular actos de liquidação fere o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.

TT) É consequentemente inconstitucional a leitura da norma, designadamente do artigo 2.º, n.º 1, e mais especificamente ainda, da sua alínea a), do RJAT, que veja nela implícita essas exclusões, por violação do princípio do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição).

UU) É patentemente falso que a jurisprudência citada pela AT no artigo 93º das suas alegações de impugnação corrobore a sua posição.

VV) As inconstitucionalidades aqui suscitadas pela AT vão no sentido precisamente inverso ao por si indicado. Como se aludiu supra, se ao Tribunal estivesse vedado anular o concreto montante de imposto que padece da ilegalidade, e consequencialmente condenar no seu reembolso (caso esse montante tenha sido pago), reembolso a que aliás a AT está já desde logo ex lege obrigada,

WW) então aí sim a norma, o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, assim interpretada, seria inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do princípio do Estado de direito democrático (privilégio injustificável atribuído à AT, sacrifício injustificável do interesse legítimo da outra parte, o contribuinte/administrado).

iv) Da improcedência da acusação de contradição entre a decisão arbitral e os seus fundamentos

XX) Finalmente, nenhum contradição há entre o facto de o Tribunal ter afirmado em tese que havendo divergência de quantificação entre as partes a matéria dever ser relegada para execução de sentença, e o facto de o Tribunal, justamente por não ter discernido qualquer divergência de quantificação (a AT nenhuma vício imputou à quantificação do contribuinte e muito menos contrapôs uma outra), nada neste campo ter relegado para execução de sentença.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO À IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL, MANTENDO-SE NA ORDEM JURÍDICA A DOUTA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL ARBITRAL.
ASSIM DELIBERANDO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA.»
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu o seguinte parecer:

«1 – A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA vem, além de deduzir impugnação da Decisão Arbitral referenciada nos autos, solicitar a fixação ao processo o valor de € 275.000 para efeito de custas.
Alegou, para o efeito, nos termos que constam na conclusão nº 62ª das alegações.

2 – Analisando o conteúdo dos autos, a tramitação processual, a conduta das partes, desde logo da requerente, sem incidentes nem diligências dilatórias, afigura-se-nos dever ser deferido o pedido, o que se promove ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7 do RCP.»

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se verificam-se os vícios previstos na alínea b) e na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, designadamente se a decisão arbitral enferma de vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como o de pronúncia indevida.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«a) A Requerente era, à data dos factos, sociedade dominante do Grupo R…, tendo a 31 de Maio de 2011 procedido à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 com referência ao exercício de 2010 do mencionado grupo. Nessa autoliquidação de IRC (incluindo derrama estadual) e derrama municipal consequente, afastou a dedução fiscal de encargos financeiros num montante que ascendeu a € 12.226.650,46. A Requerente apresentou ainda Modelo 22 de substituição sem alterações no que aqui se discute (cfr. Documentos n.º 2 e 3, junto ao pedido de pronúncia arbitral).

b) Em 28 de Maio de 2015, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2010 (Documento n.º 4), pedido esse indeferido por despacho de 11 de Novembro de 2016 da Exma. Senhora Subdirectora-Geral da Área de Gestão Tributária – Impostos sobre o Rendimento, notificado em 21 de Novembro de 2016 (Cfr. Documentos n.º 4, 5 e 6, junto do pedido de pronúncia arbitral).

c) Em reacção ao mencionado indeferimento, a Requerente apresentou recurso hierárquico em 21 de Dezembro de 2016 (Cfr. Documento n.º 7, junto ao pedido de pronúncia arbitral), não havendo até à data decisão do recurso hierárquico.

d) Na sua declaração modelo 22 individual relativa ao mesmo exercício de 2010, a Requerente acresceu, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável/resultado fiscal, o montante de € 12.226.650,46 a título de encargos financeiros supostamente não dedutíveis fiscalmente ao abrigo do artigo 32.º, n. º2, do EBF (cfr. Documento n.º 8, junto ao pedido de pronúncia arbitral).

e) Tal afastamento no exercício de 2010 da dedução fiscal de encargos financeiros no montante de € 12.226.650,46 foi efectuado nos termos do disposto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, e a sua imputação pelas participações sociais (ou partes de capital) detidas pela Requerente com que se relacionam nocionalmente à luz da metodologia da referida Circular, é conforme o quadro infra (cfr. Documentos n.ºs 10 e 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral);


(“texto integral no original; imagem”)

f) As participações sociais detidas pela Requerente (cujos encargos financeiros acrescidos são representativos de 89% do valor total dos encargos financeiros acrescidos pela Requerente, nos termos do quadro supra) não foram objecto de aquisição geradora de qualquer consumo ou mobilização de recursos (financiamento), próprios ou alheios, o que resulta provado no seguinte quadro-síntese:


(“texto integral no original; imagem”)

III.1.2 Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.


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Com base na matéria de facto supra exposta, foi emitida pronúncia arbitral pelo Tribunal Arbitral Colectivo no âmbito do processo n.º 333/2017-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa, que julgou improcedentes as excepções quanto à incompetência material e quanto ao valor, julgou procedente o pedido de pronuncia arbitral na parte respeitante à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico verificado em 19 de Fevereiro de 2017 e, bem assim, o indeferimento do precedente pedido de revisão oficiosa e consequente anulação dos mesmos, julgando procedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC de 2010 e consequente anulação parcial da mesma, e julgando procedente o pedido de reembolso do IRC pago, acrescido de juros indemnizatórios, a partir do prazo de um ano após o pedido de revisão do acto tributário.

A Impugnante não se conformando com aquela pronúncia, vem invocar os vícios previstos na alínea b) e na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, designadamente vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, e vício de pronúncia indevida.

Com efeito, entende a Impugnante que o tribunal arbitral excedeu a sua competência quanto ao segmento decisório que julgou improcedentes as excepções dilatórias de incompetência material do tribunal arbitral decorrentes de: i) o pedido ter sido formulado na sequência de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação; ii) o valor do pedido exceder o montante de 10.000.000,00€ que corresponde ao limite máximo dos litígios arbitrais; iii) o pedido quantificar o valor exacto a reembolsar à ali Requerente.

Vejamos.

O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 10/11, de 20 de Janeiro, que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (RJAT).

No que respeita aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, estabelece o art. 28.º, n.º 1, do RJAT que a decisão é impugnável com os seguintes fundamentos:

“a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b) Oposição dos fundamentos com a decisão;
c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º. “

Trata-se de uma enumeração que tem sido entendida como “taxativa” dos fundamentos de impugnação da decisão arbitral (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pp. 234 e ss; Acórdão do TCAS, de 21/05/2015, proc. n.º 08146/14, de 05/03/2015, proc. n.º 06526/13, de 05/03/2015, proc. n.º 05946/12, de 19/02/2015).

Porém, importa ter presente que a verificação daqueles vícios poderá ter em consideração um leque mais vasto de situações do que as contempladas para a nulidade da sentença no art. 125.º do CPPT, impondo-se, portanto, uma análise casuística norteada pelos princípios constitucionais.

Está em causa na presente impugnação, desde logo, o fundamento “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT, cumprindo aferir, antes de mais, se este fundamento invocado pela Impugnante abrange a incompetência material do tribunal arbitral.

Ora, sobre esta questão já se debruçou, o Tribunal Constitucional (TC), no Acórdão n.º 177/2016, de 3 de Maio, proc. n.º 126/15 no sentido de “[j]ulgar inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado Acórdão n.º 177/2016, de 3 de maio pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «pronúncia indevida» não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;”

Com efeito, o TC pese embora dê como assente que não se encontra constitucionalmente garantido um direito ao duplo grau de jurisdição, quer com base no artigo 20.º da CRP, quer em termos gerais, refere que não pode deixar de impressionar, relativamente aos tribunais comuns e administrativos, comparativamente com o regime do CPC, artigo 629.º, n.º 2, alínea a), que estabelece que a decisão desse tribunal relativamente à sua competência material nunca é definitiva, dela cabendo sempre recurso - independentemente do valor da causa, que a decisão de um tribunal arbitral sobre a sua competência que não é própria, mas subtraída a um tribunal do Estado, e se extingue no termo do processo arbitral, não seja susceptível de reapreciação por um outro tribunal.

Porém, tratando-se dos tribunais arbitrais tributários afirma o TC “a comparação não apenas impressiona, como as suas consequências são inaceitáveis. É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco.”

Concluindo que “a alegada incompetência do tribunal arbitral não pode deixar de se considerar coberta pela expressão «pronúncia indevida»; na interpretação normativa oposta, adotada na decisão recorrida, terá ocorrido ofensa daqueles preceitos da Constituição.”

Em suma, interpretamos o conceito de “pronúncia indevida” previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT no sentido de abranger as situações de incompetência do tribunal arbitral.

Assim sendo, importa aferir, in casu, se o tribunal arbitral é materialmente competente para o conhecimento do pedido de pronuncia arbitral objecto da presente Impugnação, ou seja, se se pronunciou sobre litígio que se encontra excluído do âmbito de competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária.

Os fundamentos da Impugnante para sustentar a pronúncia indevida assentam na sua interpretação do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, pois a AT apenas se vincula nos termos daquele diploma se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa conforme o disposto no art. 131.º do CPPT, interpretação que deverá prevalecer sob pena de violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação dos poderes, direito de acesso à justiça e da legalidade (conclusões 1.ª a 36.º).

Vejamos.

Sobre idêntica questão que se coloca nos presentes autos, a Relatora do presente processo já tomou posição no acórdão deste TCAS de 27/04/2017, proc. n.º 08599/15 e por essa razão aqui se transcreve o decidido em tudo aplicável ao presente caso:

“Conforme resulta do art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta [alínea a)]
e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais [alínea b)].

Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais depende dos termos da vinculação da Autoridade Tributária (AT) à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT. Com efeito, o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Nos termos da alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011 ficam excluídas do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Considerando aqueles preceitos legais a decisão arbitral concluiu pela viabilidade de apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, julgando não verificada a excepção de incompetência suscitada. Concordamos na íntegra com todo o discurso fundamentador da decisão arbitral, cuja a fundamentação aqui transcrevermos apenas em parte:
“A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
No caso em apreço, é pedida a anulação do acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010, bem como a anulação do acto de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa.
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.
Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. (1)
A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.
Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
(…)
A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. (2)
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.
Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.”

Portanto, à semelhança do que se decidiu naquele acórdão do TCAS, também in casu, não se verifica o fundamento “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT, porquanto o tribunal arbitral tem competência em razão da matéria para conhecer da legalidade de acto de autoliquidação que tenha sido precedido de pedido de revisão oficiosa.

Ademais, e reiterando, de igual modo o decidido naquele acórdão do TCAS, também não assiste razão à Impugnante quando entende que o art. 2.º, alínea a) da portaria n.º 112-A/2011 na interpretação segundo a qual nas “pretensões relativas à declaração da ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” se incluiu o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da norma não o permitem viola os princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (art. 20.º do CRP) e da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo 226.º, n.º 2 da CRP no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.

Com efeito, e quanto às inconstitucionalidades invocadas importa ainda salientar que o juízo de não inconstitucionalidade que assumimos no acórdão do TCAS de 27/04/2017, proc. n.º 08599/15 subscrito pela ora Relatora já foi objecto de escrutínio pelo Tribunal Constitucional no âmbito do recurso interposto pela Impugnante daquela decisão, e por conseguinte, limitamo-nos, por suficiente, transcrever a decisão do Tribunal Constitucional de 11/05/2018, acórdão n.º 244/2018, proc. n.º 636/2017, 1.ª secção que decidiu não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD:

7. A recorrente invoca que a referida interpretação violava os «princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade (cfr. 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT).» (cfr. n.º 3 do requerimento de recurso, fls. 148 e verso).

8. Os argumentos apresentados pela recorrente para sustentar esta inconstitucionalidade são de dois tipos.

Por um lado, alega a recorrente que «dos diversos elementos de interpretação (literal, sistemático e histórico) não se alcança outra solução normativa para a situação sub judice que não seja a de que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido da declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa» (cfr. conclusão 8.ª das alegações de recurso, fls. 175). Argumenta que «a letra e o espírito» do preceito delimitam a jurisdição do CAAD a casos em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», não permitindo a interpretação feita pois tal norma «está outrossim construída sob a necessária identidade dos mecanismos processuais aí especificamente elencados» (cfr. n.º 2 do requerimento de recurso, fls. 148, e n.º 11 das alegações de recurso, fls. 168). A recorrente entende que esta interpretação «para alargar o âmbito de sujeição da AT a uma opção do sujeito passivo (…) que o legislador pretendeu que fosse (…) delimitada por vontade da própria AT, numa clara reserva de administração em matéria de autovinculação» levaria o «intérprete-julgador [a fazer] tábua rasa da distinção provida pelo legislador», pondo em causa a «certeza e (…) segurança jurídicas» e pressupondo «um poder (inconstitucional) do intérprete-julgador na delimitação dos poderes do Estado na privatização do exercício da justiça» (cfr. conclusões 17.ª, 18.ª e 19.ª das alegações de recurso da recorrente, fls. 176). Ou seja, numa primeira linha de argumentação, coloca-se em causa a constitucionalidade da norma com base na falta de legitimidade constitucional da interpretação do preceito da Portaria em causa, alegando a recorrente que a interpretação efetuada não é permitida nem pela letra nem pelo espírito do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011 (cfr. conclusão 8.ª das alegações de recurso da recorrente, fls. 175).

Ora, como é referido na decisão a quo, «ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação», pelo que «não se verificando uma exclusão expressa, não se poderá dizer que estamos perante uma ampliação da vinculação, mas tão-somente perante interpretação de norma de exclusão de vinculação (…)» (cfr. p. 36 do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Abril de 2017, fls. 136).

Não cabe na jurisdição do Tribunal Constitucional dirimir o confronto entre duas interpretações possíveis dos preceitos que regulam a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Efetivamente, o Tribunal Constitucional está impedido de dirimir conflitos interpretativos relativos ao direito infraconstitucional. Neste âmbito, não cabe ao Tribunal Constitucional emitir juízos sobre a correção do processo interpretativo dos preceitos legais ou regulamentares aplicáveis a que o tribunal a quo recorreu, mas apenas da constitucionalidade da norma resultante desse processo.

9. Neste contexto, na sua segunda linha de argumentação, a recorrente invoca que a norma em causa viola o «direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP)».

A norma objeto do presente processo determina a inclusão dentro do possível âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao abrigo do RJAT, dos litígios em que a impugnação da autoliquidação é precedida de um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011. Efetivamente, o RJAT estabelece no seu artigo 4.º, n.º 1, que a administração tributária fica vinculada à jurisdição dos referidos tribunais arbitrais (com a competência prevista no artigo 2.º), nos termos de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Ao abrigo dessa habilitação foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que vinculou à jurisdição do CAAD vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública.

As entidades administrativas delimitadas nessa Portaria não podem recusar a constituição de tribunais arbitrais, nas matérias aí previstas, se o administrado o solicitar. É, portanto, uma situação algo distinta da que ocorre na arbitragem voluntária, uma vez que as entidades administrativas estão a priori vinculadas à opção que o administrado tomar neste domínio. A lógica subjacente a um pacto arbitral em que ambas as partes do litígio acordam a sua sujeição a um tribunal arbitral, que justifica certas dimensões do regime da arbitragem voluntária, não pode ser inteiramente tida como aplicável na presente situação. Desta forma, parte do enquadramento constitucional aplicável aos tribunais arbitrais necessários deverá ser considerado aplicável neste caso, em especial no que diz respeito às garantias de independência e imparcialidade dos tribunais e de processo arbitral equitativo.

Tal não significa, no entanto, que possa qualificar-se esta situação como uma derrogação face à garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva, neste caso, para tutela dos interesses públicos por parte da administração. Não pode ser esquecido que o artigo 209.º, n.º 2 da Constituição prevê expressamente a existência de tribunais arbitrais na ordem jurídica portuguesa. Os tribunais arbitrais exercem a função jurisdicional na ordem jurídica da República Portuguesa lado a lado com os tribunais estaduais. Da «admissibilidade constitucional dos tribunais arbitrais», o Tribunal Constitucional tem retirado que «a Constituição não reserva em absoluto a função jurisdicional aos tribunais estaduais, podendo caber aqui uma margem de conformação do legislador no recurso à arbitragem como forma de resolução de conflitos» (cfr. o Acórdão n.º 123/2015, n.º 11.3.1.).

É certo que «a criação de tribunais arbitrais não pode deixar de se encontrar preordenada a outros princípios constitucionais e, de entre estes, à garantia de acesso aos tribunais e à garantia de reserva de jurisdição» (Acórdão n.º 230/2013, ponto 11). Existem, assim, limites constitucionais à criação de tribunais arbitrais, em especial face a tribunais arbitrais necessários, pelo que é possível a fiscalização da sua constitucionalidade. De acordo com o preâmbulo do RJAT, a introdução deste regime foi motivada pela prossecução pelo legislador de «três objetivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais». Tendo em conta a legítima prossecução destes objetivos e o reconhecimento constitucional dos tribunais arbitrais como categoria de tribunal da República Portuguesa, parece não existir uma afetação prima facie pela norma objeto de juízo da garantia de acesso aos tribunais.

Neste âmbito, a recorrente entende que «a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável» (cfr. n.º 42 das alegações de recurso, fls. 171). O que é invocado não é, assim, propriamente a garantia de acesso à justiça e aos tribunais pela sujeição do litígio a um tribunal arbitral, mas a dimensão de acesso a uma via de recurso. Efetivamente, o que a recorrente contesta é o regime «restritivo de recorribilidade das decisões» (cfr. n.º 54 das alegações de recurso, fls. 172, verso) e que, por causa desse regime, ao fixar «a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários» (cfr. n.º 41 das alegações de recurso, fls. 171).

Ora, a norma cuja constitucionalidade é objeto de juízo é a integração dos casos em que existiu «pedido de revisão oficiosa» no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao abrigo do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011. A questão da constitucionalidade do regime de recursos da decisão arbitral encontra-se fora do âmbito da norma a quo, na medida em que resulta de uma norma autónoma, que decorre da interpretação de preceitos distintos do RJAT e que tem um âmbito de aplicação distinto e muito mais amplo. Com efeito, num caso estamos a discutir a norma de delimitação de competência dos tribunais arbitrais, noutro caso, a norma que determina o regime de recorribilidade das decisões emitidas pelos mesmos tribunais. Assim, a apreciação neste recurso da conformidade com a Constituição da norma relativa à irrecorribilidade das decisões arbitrais encontra-se vedada ao Tribunal Constitucional por não corresponder à norma objeto do pedido (artigo 79.º-C da LTC).

No caso em presença, a norma objeto de fiscalização não tem a potencialidade de afetar a garantia de recurso judicial, na medida em que apenas incide sobre a delimitação do âmbito de jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

10. Conclui-se, assim, pela não inconstitucionalidade da norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.”

Portanto, em suma, nesta parte não se verifica o fundamento de “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT, improcedendo in totum, as conclusões 1.ª a 36.ª e 61.º.

Vejamos, então, quanto à invocada incompetência do tribunal arbitral em função do valor (conclusões 37.ª a 39.ª).

Dispõe o artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que estabelece os termos da vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que “A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a (euro) 10 000 000”.

Portanto, nos termos daquele normativo a competência em razão do valor dos tribunais arbitrais fica limitada aos litígios, cujo valor não seja superior a 10.000.00€.

Com base neste normativo a Impugnante sustenta que o valor do litígio é de 12.226.650,46€ considerando que se retira do art. 15.º da p.i. que o se pretende efectivamente é submeter ao tribunal arbitral a legalidade da parte do referido acto de autoliquidação que reflecte a não dedução fiscal de encargos financeiros, e, portanto, o valor do pedido arbitral é aquele, sendo superior a 10.000.000€.

Mas é manifesta a falta de razão da Impugnante.

Nos termos do art. 10.º, n.º 2, alínea e) do RJAT “O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar: (…) e) A indicação do valor da utilidade económica do pedido (…)”

Resulta da p.i. (artigos 13.º a 15.º e do pedido formulado a final) que o efeito jurídico pretendido pelo Requerente é o da anulação parcial do acto de autoliquidação de IRC, do exercício de 2010, na parte referente ao montante de 3.056.662,62€.

Considerando este pedido, dúvidas não há que este é o valor, cuja anulação se pretende, que consubstancia a utilidade económica do pedido para efeitos do art. 10.º, n.º 2, alínea e) do RJAT, e por conseguinte, configura o valor do litígio a que se refere o artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e que portanto, há-de corresponder ao valor da utilidade económica do “pedido” como expressamente refere aquele preceito legal sendo manifesto que se exclui que essa utilidade económica seja aferida pela causa de pedir.

Com efeito, a procedência do pedido formulado implicará a anulação da liquidação na parte respeitante ao montante afectado pelo (s) vício (s) invocados, é aquele quantum vertido no pedido (e não o que constitui a causa de pedir) que consubstancia a utilidade económica do pedido.

Em sentido idêntico tem decidido o nosso Supremo Tribunal Administrativo em sede de impugnações judiciais. Com efeito, conforme se escreve no acórdão do STA de 08/09/2016, proc. n.º 01178/15 “…o legislador concretizou no artigo 97.º-A do CPPT as regras segundo as quais deve ser atribuído um valor concreto aos processos que corram os seus termos nos Tribunais Tributários e em que se discutam questões relativas a tributos.
O despacho recorrido, apoiando-se na alínea c), do n.º 1 deste preceito legal, concluiu que o valor indicado na petição inicial estaria incorrecto, assim o corrigindo, e determinando o reforço da taxa de justiça em conformidade com as regras próprias estabelecidas no RCP.
Dispõe o artigo 296º, n.º 1 do CPC que, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
Da leitura conjugada destas duas disposições legais resulta com evidência que o valor da causa será determinado sempre em função do pedido, uma vez que é da sua procedência que o impugnante retirará um benefício económico imediato.
Ou seja, é pelo pedido, tal como vem formulado pelo autor, que deve ser aferida aquela utilidade económica imediata, porque outras utilidades haverá que resultarão da procedência do pedido de forma mediata ou indirecta, e às quais não haverá que atender para este efeito.” (sublinhado nosso) – no mesmo sentido v. também acórdão do STA de 03/02/2016 tirado no proc. n.º 01146/15

Assim sendo, de modo algum o valor que resulta da causa de pedir poderá corresponder ao valor da utilidade económica do pedido a que se reporta art. 10.º, n.º 2, alínea e) do RJAT, pois não é o que resulta da letra deste preceito legal, nem o que resulta da jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo. Tal como num processo de impugnação judicial não se atende à causa de pedir para determinar o valor da acção quando se peticiona a anulação da liquidação, razões não há para que se entenda de modo diverso por estarmos perante um processo arbitral quando o que se peticiona também é a anulação da liquidação (in casu, parcial).

A referência que é feita no art. 15.º da p.i. ao montante de 12.226.650,46€ diz respeito à causa de pedir que sustenta a anulação da liquidação na parte afectada pelo acto de autoliquidação que reflecte a não dedução fiscal de encargos financeiros que ascendem ao montante de 12.226.650,46€, este montante cuja legalidade se contestou é a causa de pedir da anulação da liquidação de IRC na parte correspondente a 3.056.662,62€.

Portanto, tendo sido peticionado a anulação parcial do acto de liquidação, designadamente na parte referente ao montante de 3.056.662,62€, esse montante corresponde à utilidade do pedido formulado que se concretiza na anulação da liquidação na parte impugnada e consequentemente, esse montante deixa de ser devido pelo contribuinte.


Portanto, in casu, o valor do litígio é inferior ao limite estabelecido artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e, portanto, não se verifica o vício de pronúncia indevida previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT, improcedendo, também nesta parte, os fundamentos da impugnação.

Importa, de igual modo, aferir da invocada incompetência do tribunal arbitral para determinar o valor exacto da anulação e do reembolso a conceder à Impugnada, interpretação do tribunal arbitral que, na perspectiva da Impugnante, viola a Constituição e seus princípios (conclusões 40.º a 54.º e 61.º)

A respeito da competência dos tribunais arbitrais em matéria de condenação pronunciou-se recentemente o acórdão do TCAS de 22/05/2019, proc. n.º 7/18.1BCLSB:

“A competência dos tribunais arbitrais está fixada no art.º 2.º, n.º1 alíneas a) e b), do RJAT, pelo que importará, desde logo, indagar se o pedido de condenação da AT “no reembolso à Requerente do montante de imposto pago (€ 55.081,78)”, se compreende no âmbito da competência do tribunal arbitral para apreciar a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Uma leitura conjugada do disposto naquele art.º 2.º do RJAT com o disposto no art.º 10.º, n. º1, alínea a) do mesmo diploma, parece apontar no sentido de que a competência dos tribunais arbitrais corresponderá, salvo restrições legais, aos casos em que, no processo judicial tributário, os tribunais tributários conhecem das pretensões através do meio processual da impugnação judicial – artigos 97.º, n.º1 alíneas a) a f), 99.º e 102.º, n.º1, todos do CPPT.

Como se sabe, em processo judicial tributário, é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo Autor não se ajusta à finalidade abstractamente configurada por lei para essa forma processual, ocorre erro na forma do processo (cf. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição - reimpressão, págs. 288/289).

Só que, estando os tribunais arbitrais limitados na sua competência material à apreciação de pretensões que se prendem com “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”, quaisquer outras pretensões – não compatíveis, em processo judicial tributário, com a forma processual da impugnação judicial – excedem o âmbito da sua competência, fixada no art.º2.º, n.º1 do RJAT.

Ora, por força da consagração do princípio constitucional da tutela judicial efectiva (cf.artº.268.º, nº.4, da Constituição da República), o processo judicial tributário tem vindo a perder a sua natureza estrita de um contencioso de mera anulação e a conferir tutela a pretensões características de um contencioso de plena jurisdição. É que, como se diz no Acórdão deste tribunal de 06/08/2017, tirado no proc.º06112/12, aquele princípio constitucional “somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros” (sublinhado nosso).

E para sustentar a natureza tendencial da impugnação como processo de plena jurisdição, aponta-se também no aresto em citação, “o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária” e, ainda e por último, “razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso tributário ou aos limites à plena jurisdição de um tal contencioso, os quais só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a mesma plena jurisdição implique para o juiz tributário a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (v.g. discricionariedade técnica)”.

Nesta linha de entendimento, não se descortinam razões para restringir aos tribunais arbitrais a possibilidade – que se confere aos tribunais tributários em processo de impugnação judicial – de proferirem decisões de natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros, desde que tal não implique para o tribunal arbitral a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (cf. Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado”, Almedina, 2016, a págs.120 e ss.).

Concluímos, pois, pela competência dos Tribunais Arbitrais para proferir condenatórias nas situações em que, como a dos autos, contribuinte requerente solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante de imposto pago acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

Não existe, pois, pronúncia indevida por parte da decisão arbitral impugnada (artigo 28.º, nº 1, al. c), do RJAT), improcedendo este segmento da impugnação.”

Portanto, acolhendo para o caso dos autos a jurisprudência supra citada importa concluir que também in casu, o tribunal arbitral tem competência para anulação parcial do acto de liquidação consubstanciado num montante de imposto, bem como na condenação quantificada do seu reembolso.

Relativamente às inconstitucionalidades invocadas pela Impugnante relativamente ao art. 2.º, n.º 1 do RJAT, estas também não se verificam, tudo em moldes semelhantes ao que foi decidido pelo Tribunal Constitucional supra citado que aqui aplicamos mutatis mutandis:

“A norma objeto do presente processo determina a inclusão dentro do possível âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao abrigo do RJAT, dos litígios em que a impugnação da autoliquidação é precedida de um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011. Efetivamente, o RJAT estabelece no seu artigo 4.º, n.º 1, que a administração tributária fica vinculada à jurisdição dos referidos tribunais arbitrais (com a competência prevista no artigo 2.º), nos termos de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Ao abrigo dessa habilitação foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que vinculou à jurisdição do CAAD vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública. (…)

Tal não significa, no entanto, que possa qualificar-se esta situação como uma derrogação face à garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva, neste caso, para tutela dos interesses públicos por parte da administração. Não pode ser esquecido que o artigo 209.º, n.º 2 da Constituição prevê expressamente a existência de tribunais arbitrais na ordem jurídica portuguesa. Os tribunais arbitrais exercem a função jurisdicional na ordem jurídica da República Portuguesa lado a lado com os tribunais estaduais. Da «admissibilidade constitucional dos tribunais arbitrais», o Tribunal Constitucional tem retirado que «a Constituição não reserva em absoluto a função jurisdicional aos tribunais estaduais, podendo caber aqui uma margem de conformação do legislador no recurso à arbitragem como forma de resolução de conflitos» (cfr. o Acórdão n.º 123/2015, n.º 11.3.1.).

É certo que «a criação de tribunais arbitrais não pode deixar de se encontrar preordenada a outros princípios constitucionais e, de entre estes, à garantia de acesso aos tribunais e à garantia de reserva de jurisdição» (Acórdão n.º 230/2013, ponto 11). Existem, assim, limites constitucionais à criação de tribunais arbitrais, em especial face a tribunais arbitrais necessários, pelo que é possível a fiscalização da sua constitucionalidade. De acordo com o preâmbulo do RJAT, a introdução deste regime foi motivada pela prossecução pelo legislador de «três objetivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais». Tendo em conta a legítima prossecução destes objetivos e o reconhecimento constitucional dos tribunais arbitrais como categoria de tribunal da República Portuguesa, parece não existir uma afetação prima facie pela norma objeto de juízo da garantia de acesso aos tribunais.”


Pelo exposto, improcedem in totum estes fundamentos.

Por fim, importa aferir da invocada oposição entre os fundamentos e a decisão nos termos da alínea b), do n.º 1 do art. 28.º do RJAT, uma vez que a Impugnante invoca que a alínea d) da parte final do segmento decisório está em oposição com os fundamentos da decisão, pois a decisão arbitral não se limitou a determinar a anulação parcial da liquidação, mas determinou a condenação da AT ao pagamento da quantia de 3.056.662,62€, após ter afirmado que caso a AT não concorde com o valor do reembolso peticionado cabe-lhe a si o cálculo desse valor (conclusões 55.º a 61.º).

Relativamente à oposição dos fundamentos com a decisão, como a jurisprudência tem reiteradamente afirmado, apenas se verifica quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente (cfr. Acórdão do STA de 05/01/2014, proc. n.º 01380/13).

O fundamento de impugnação previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT pressupõe, pois, que os fundamentos da decisão arbitral estejam em oposição com a própria decisão, ou seja, que as premissas de facto e de direito em que assenta a decisão arbitral conduzam, logicamente, a uma solução oposta àquela que se adoptou.

No entanto, se a decisão arbitral julgou de facto e de direito em sentido contrário ao pugnado pela Impugnante, não se verifica qualquer oposição dos fundamentos com a decisão que possa subsumir à alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT. Quando muito, poderia haver erro de julgamento, mas extravasa os fundamentos admissíveis de Impugnação da decisão arbitral, e nessa medida, não pode ser conhecido nesta sede.

Por outro lado, apenas a oposição absoluta que não permita, segundo as várias soluções plausíveis de direito, estabelecer uma correspondência útil e lógica entre os fundamentos e a decisão é que constitui fundamento de anulação da decisão arbitral (cfr. Ac. do TCA Sul de 30/01/2014, proc. n.º 06952/13).

“A oposição entre fundamento e decisão também não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esteja juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.” (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 362).

Regressando ao caso dos autos, invoca a Impugnante que a decisão arbitral não se limitou a determinar a anulação parcial da liquidação, mas determinou a condenação da AT ao pagamento da quantia de 3.056.662,62€, após ter afirmado que caso a AT não concorde com o valor do reembolso peticionado cabe-lhe a si o cálculo desse valor.

Ora, não se verifica qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, quando muito que poderia existir é erro de julgamento do tribunal arbitral ao ter condenado ao pagamento dessa exacta quantia e não outra, erro de julgamento que não é aqui sindicável.

Na verdade, da decisão arbitral não resulta qualquer contradição lógica entre os fundamentos da decisão arbitral e a decisão adoptada, entendeu-se que se poderia condenar ao pagamento de uma determinada quantia independentemente da concordância da AT.

A questão de saber se esse exacto montante se encontra correctamente apurado enquadra-se no erro de julgamento não sindicável nesta sede.

Pelo exposto, não se verifica o fundamento de impugnação previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT.

Em suma, improcedem in totum os fundamentos da presente Impugnação.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a impugnante, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Não obstante, considerando o alegado pela Impugnante na sua conclusão 62.º, e considerando que o valor da presente causa é superior a 275.000,00€, e que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP é de conhecimento oficioso (cfr. Ac. do STA de 07/05/2014, proc. n.º 01953/13) adiante-se, desde já, que se encontram reunidos os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP para que no âmbito da presente impugnação seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Na verdade, ponderado o montante da taxa de justiça que será devida, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário, face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, verificando-se os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP. No presente recurso as questões apreciadas não apresentam complexidade, considerando-se, de igual modo que a conduta processual das partes foi a normal e adequada, e nessa medida, julgam-se verificados os pressupostos do art. 6.º, n.º 7 do RCP, para a dispensa de ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela presente impugnação.

Sumário

I. O conceito de “pronúncia indevida” previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT abrange as situações de incompetência do tribunal arbitral;
II. Não se verifica o fundamento “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT quando o tribunal arbitral conhece da legalidade de acto de autoliquidação que tenha sido precedido de pedido de revisão oficiosa, verificando-se a sua compência em razão da matéria;
III. Peticionando-se a anulação parcial da liquidação de imposto, o valor da utilidade económica do pedido para efeitos do art. 10.º, n.º 2, alínea e) do RJAT, e por conseguinte, o valor do litígio a que se refere o artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, há-de se aferir pelo quantum do pedido e não pelo da causa de pedir;
IV. Não se verifica a incompetência do tribunal arbitral em razão do valor se o quantum do pedido é inferior ao limite estabelecido artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e, portanto, não se verifica o vício de pronúncia indevida previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT;
V. Não se verifica o vício de pronúncia indevida previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT quando o tribunal arbitral anula parcialmente o acto de liquidação, concretizando o quantum de imposto, e determina a devolução do imposto indevidamente pago quantificando esse montante do reembolso;
VI. O fundamento de impugnação previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT pressupõe que os fundamentos da decisão arbitral estejam em oposição com a própria decisão, ou seja, que as premissas de facto e de direito em que assenta a decisão arbitral conduzam, logicamente, a uma solução oposta àquela que se adoptou.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

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Custas pela impugnante.
Dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no âmbito desta impugnação, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
D.n.
Lisboa, 25 de Junho de 2019.

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Cristina Flora




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Tânia Meireles da Cunha




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Anabela Russo


(1)Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.
(2)Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.