Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1606/21.0 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
PRAZO DE ARGUIÇÃO
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
VALOR DA GARANTIA
Sumário:I - A incompetência territorial do órgão da execução fiscal para instaurar e tramitar a execução só pode ser arguida ou conhecida oficiosamente até findar o prazo para a oposição, implicando a remessa oficiosa do processo para o serviço considerado competente, no prazo de 48 horas, notificando-se o executado.
II - Decorrido aquele prazo, o vício sana-se, não podendo vir a ser posteriormente suprido em reclamação de acto praticado no processo.
III - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente (art.º 199/1 CPPT).
IV - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores (art.º 199/6CPPT)
V - Na avaliação da garantia, com excepção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo (art.º 199.º-A/1 CPPT).
VI - O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial (art.º 13/1 Cód. Imposto do Selo).
VII - Não se apresenta idónea uma garantia hipotecária oferecida sobre dois imóveis cujo V.P.T. é de, respectivamente, 9.920,00€ e 10.763,26€, se o valor da dívida exequenda é de 724.012,68€, ainda que, alegadamente, tais imóveis revestam valor significativamente superior, porém, não reflectido naquele V.P.T.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A…, UNIPESSOAL, LDA., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação apresentada contra a decisão do Sr. Director de Finanças de Santarém, datada de 20/10/2021, que indeferiu o seu pedido de prestação de garantia no processo n.º 1996202001022482 e apenso, que contra si corre naquele serviço por dívidas de IRS e IVA, referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018, no valor total de 727.086,42€.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
1ª) Deve ser revogada a douta decisão recorrida, id. em I., com a ref.ª SITAF nº5439281, e substituída por outra que julgue procedente por provada a reclamação de ato tributário sub judicio.

2ª) No que toca à incompetência territorial do órgão da execução fiscal, de facto, salvo o devido respeito, ela verifica-se.

3ª) Sufraga-se que a sede registada da Reclamante passou, desde 05.09.2020, a ser no concelho de Coimbra.

4ª) Curiosamente, tal informação não foi carreada para os autos pela Reclamante. Decorrendo do processo instrutor, porquanto tal é a informação que advém dos serviços centrais de registo comercial, sendo tal informação, aliás, a que consta do Portal da Justiça, pesquisável pelo NIF 510…, de que é portadora a Reclamante, in https://publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx.

5ª) As informações relativas às alterações aos contratos de sociedade são obrigatória e automaticamente comunicadas à Autoridade Tributária e Aduaneira. E foi desse modo, via processo instructor, que tal informação perpassou para os autos.

6ª) Ou seja, desde pelo menos 05.09.2020 - data em que se tornou efetivo o registo público de tal alteração ao contrato de sociedade - que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha de tal informação.

7ª) Vale por dizer que a comunicação da alteração do domicílio do sujeito passivo à administração tributária foi feita nos termos da lei pelos serviços centrais de Registo e Notariado pelo menos na predita data. Tendo sido pois dado cumprimento ao disposto no nº3 do art.19º da LGT.

8ª) Até porque tal decorre aliás, imperativamente, do disposto no art.72º-A (Comunicações obrigatórias) do Cód. Registo Comercial:
«1 - É oficiosa e gratuitamente comunicado, por via electrónica, o conteúdo dos seguintes actos de registo aos serviços da administração tributária e da segurança social:
a) A inscrição no registo comercial;
b) As alterações aos estatutos quanto à natureza jurídica, à firma, ao nome ou à denominação, à sede ou à localização de estabelecimento principal, ao capital e ao objecto;
(…)
3 - As comunicações obrigatórias efectuadas nos termos dos números anteriores determinam que os serviços da administração tributária e da segurança social não podem exigir a apresentação das respectivas declarações.».

9ª) Este normativo foi introduzido no âmbito do Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa - SIMPLEX - simplificar as comunicações dos cidadãos e das empresas ao Estado, aditado pelo Artigo 13.º do Decreto-Lei nº 122/2009, em 21.05.2009, ao Código do Registo Comercial.

10ª) No âmbito do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas passou a consagrar-se que é oficiosa e gratuitamente comunicado aos serviços da administração tributária e da segurança social, por via electrónica, o conteúdo dos atos, nele indicados, respeitantes a entidades inscritas no ficheiro central de pessoas colectivas (FCPC) que não estejam sujeitas no registo comercial.

11ª) Isto é, tais comunicações obrigatórias determinam que os serviços da administração tributária não possam exigir a apresentação das respectivas declarações.
Sem conceder, e mesmo admitindo por mera hipótese de patrocínio que assim não fosse,

12ª) A verdade é que os processos executivos foram instaurados muito tempo depois ignorando tal alteração da sede, tendo existido citação da Reclamante para os termos dos mesmos apenas em 28.12.2020.

13ª) Quando tal comunicação já tinha sido feita à administração tributária há aproximadamente 4 (quatro) meses.

14ª) Sucede que, ainda assim, não se verificou a apresentação pela Reclamante de nenhuma oposição às execuções fiscais.

15ª) Isto porque a Reclamante optou por apresentar impugnação que corre termos como Proc.nº1510/21.1BELRA, na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, tendo suscitado aí tal incompetência territorial (cfr. o disposto nos arts.1º a 5º de tal petitório e ainda no nº7 do art.19º da LGT).

16ª) Acresce que, a Autoridade Tributária e Aduaneira, desde 21 de setembro de 2020, que tinha conhecimento da procuração forense outorgada pela aqui Reclamante, em que a sede indicada já se encontrava atualizada, aquando do exercício do direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

17ª) Consequentemente, verifica-se a incompetência territorial arguida nos autos, para os devidos e legais efeitos, entre outros, os previstos nos arts.12º, 13º, 17º e 18º do C.P.P.T., e no art.81º, nº2 do C.P.C..

18ª) Foi assim ainda violado, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o princípio da legalidade tributária, previsto no art.8º, nºs.1 e 2, al.e) do C.P.P.T..
Uma vez mais sem prescindir,

19ª) Quanto à idoneidade da garantia apresentada pela Reclamante, consubstanciada na constituição de hipoteca voluntária sobre dois terrenos para construção.

20ª) Afirma a Reclamante que a constituição de garantia através de tal hipoteca voluntária deveria ter sido aceite como garante da dívida exequenda, já que o valor e a capacidade construtiva excedem o valor que se pretende cobrir.

21ª) A constituição das hipotecas sobre tais terrenos para construção, nos seus precisos termos, encontra-se, por decisão do Conservador do Registo Predial respetivo, registada desde 16.08.2021 (cfr.art.687º do C.Civil).

22ª) Verifica-se pelas certidões permanentes juntas aos autos que tais terrenos para construção não têm qualquer outro ónus ou encargo.

23ª) A hipoteca voluntária (cfr.art.712º do C.C.) permite ao credor (a administração tributária) satisfazer o seu direito de crédito com prioridade face a todos os outros credores (salvo aqueles que beneficiarem de privilégios creditórios especiais, de direito de retenção ou de prioridade de registo que inexistem) através do valor em dinheiro resultante da venda judicial do bem em processo executivo.

24ª) A hipoteca é uma garantia real das obrigações que se traduz no direito concedido a certos credores de serem pagos pelo valor de certos bens imobiliários do devedor, com preferência a outros credores estando os seus créditos devidamente registados. O direito de crédito do credor hipotecário é qualificado como crédito garantido, sendo graduado e pago em 1.º lugar.

25ª) Reveste-se da natureza de um direito real de garantia na medida em que apresenta as notas características dos direitos reais, tais como o direito de sequela e o direito de preferência. A sequela constitui um direito, na medida em que se traduz na faculdade concedida ao titular de fazer valer tal garantia sobre a coisa, onde quer que ela se encontre (Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1970, 440).

26ª) Significa isto que o credor hipotecário poderá ver solvido o seu crédito, por força do bem hipotecado, onde quer e com quer que este esteja, pois essa é, justamente, a função jurídico-social e económica da hipoteca. Nisto mesmo se traduz literalmente a expressão do art.683º do C.Civil ao estatuir que "a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor da certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro...".

27ª) Por conseguinte, temos que as hipotecas voluntárias sub judicio são juridicamente garantias idóneas.
Acontece que,

28ª) As coordenadas dos terrenos não estavam corretas pelo que teve de se fazer uma identificação no local que demorou imenso tempo, já que poucas pessoas conheciam os terrenos na realidade.

29ª) Como se pode verificar pela imagem tirada do Google Earth (reproduzida no corpo das alegações) temos um polígono (assinalado a vermelho) da área medida (mais a sul da imagem) que constitui os dois terrenos destinados a construção, e a norte está um alfinete (assinalado a amarelo) que indica a zona definida pelas coordenadas que constam das respetivas Cadernetas Prediais.

30ª) Atesta-se ainda pela referida imagem que existe um desfasamento do local levantado e dos dados nas Cadernetas Prediais de cerca de 2km.

31ª) Mais se assinala que as coordenadas das Cadernetas Prediais são coordenadas militares convertidas em coordenadas geográficas.

32ª) O fim dos terrenos era e é o que consta na modelo 1 de IMI.

33ª) Por culpa da A.T., e depois de diligências várias, só agora foi possível identificar cabalmente as propriedades.

34ª) Tendo sido finalmente elaborado em conformidade o respetivo levantamento topográfico (reproduzido no corpo das alegações).

35ª) Após essa identificação, têm sido desenvolvidas diligências no sentido de apressar os projetos para o local.

36ª) A A.T. bem sabia qual era o fim dos terrenos, conforme modelo 1 IMI oportunamente apresentada, e da qual não pode dizer que não conhecia, até porque notificou a garante.

37ª) A não avaliação e a situação que agora se vive deve ser imputada à exequente já que nada fez do que foi solicitado, nomeadamente a avaliação e a identificação cabal das propriedades

38ª) Acresce que tudo isto tem acarretado enormes prejuízos para a executada e para a garante. A executada viu a sua atividade absolutamente suspensa pelas sucessivas penhoras das contas.

39ª) A garante não conseguiu apresentar em tempo útil os projetos, e cumprir prazos de alguns compromissos que tinha relativamente à garantia e ainda outros com os clientes.

40ª) Os terrenos são de facto maiores do que o que consta nas matrizes pelo que têm de ter as áreas rectificadas junto da A.T. e ainda junto da conservatória.

41ª) Esses procedimentos são morosos e ainda vão tornar toda a situação mais no limite para oferta de garantia.

42ª) Portanto, se existem atrasos eles devem-se à A.T., pela indefinição do local, da área e dos limites da propriedade.

43ª) A A.T. sabia a todo o tempo qual era a intenção da garante relativamente aos terrenos e não colhe a situação que inviabilizou a apresentação e consequente avaliação dos terrenos, já que se tal não aconteceu essa responsabilidade tem de ser assacada à AT.

44ª) Tais circunstâncias não podem ser de modo algum imputadas à garante e à aqui Reclamante.

45ª) Tivesse o trabalho sido bem feito desde início e já os armazéns que constituem o parque logístico estariam em fase de licenciamento ou até em construção.

46ª) Os vícios que inquinam o ato da administração tributária reclamado, e consequentemente da douta sentença recorrida, são os assinalados, mutatis mutandis, nos dois Arestos que seguem que se deixam integralmente reproduzidos e invocados nesta sede para os devidos e legais efeitos.

47ª) Parafraseando o douto Acordão do T.C.A.N., proferido em 26.09.2019, e disponível in http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0215fb2ddb59b1e5802584d200504cdd?OpenDocument:

«1 – A constituição de uma hipoteca voluntária a favor da Administração Tributária por parte de uma sociedade alheia à dívida tributária, mas que mantém uma relação comercial, ainda que de forma indirecta, com a Executada, sendo um modo de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, tem de ser reconhecida, abstractamente e à luz do artigo 199.º do CPPT, como garantia idónea com vista à suspensão do processo de execução fiscal.
2 - A idoneidade, em concreto, da hipoteca voluntária oferecida, ainda que respeitante a património de uma terceira entidade [uma sociedade comercial] como garantia para suspender a execução fiscal, está sujeita a uma apreciação casuística pelo órgão competente da Administração Tributária, em face da susceptibilidade do património hipotecado responder pelo integral pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
3 - A Administração Tributária não pode recusar a constituição de uma hipoteca voluntária a seu favor, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com total desprezo pelos interesses legítimos da Executada.
4 - A Administração Tributária só pode recusar uma hipoteca voluntária constituída a seu favor, se puder concluir, perante razões objectivas, que ela não garante, em concreto, o integral pagamento da quantia exequenda e do acrescido.»,

48ª) E o igualmente mui o douto Acordão do T.C.A.S., proferido em 19.12.2018, e disponível in
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/6649558aaec5f24380258376004e961f?OpenDocument:

« 1. Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.), consubstanciando um deles a hipótese em que o próprio executado oferece uma garantia idónea susceptível de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, do C.P.P.T.).
2. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na prestação de garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor, na fiança ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário).
3. Ponderado o disposto nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária, e 183, nº.1, do C.P.P. Tributário, a execução fiscal pode suspender-se mediante a prestação da dita garantia idónea por parte do executado (ou até de um terceiro com interesse em tal-v.g.promitente-comprador de um imóvel que não ocupa o lugar de executado). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr. artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário). Sobre o valor da garantia, deve esta abranger a dívida exequenda, juros de mora computados até cinco anos e custas, tudo acrescido de 25% e conforme dispõe o artº.199, nº.6, do C.P.P.Tributário.
4. O penhor de móveis (direito real de garantia), não só é plenamente admitido em direito (cfr.artº.666, do C.Civil), como também o é nos termos especialmente previstos no artº.199, nº.2, do C.P.P.T., enquanto modalidade de garantia a prestar visando a suspensão da execução fiscal, embora mediante prévia concordância da A. Fiscal.
5. O mencionado regime é, obviamente, uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais sempre devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer no processo de execução fiscal suspenso.
6. Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
7. A garantia tem de ser idónea para assegurar os créditos do exequente. Para ser idónea para este efeito, a garantia não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afectar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia. E, não obstante a falta de definição legal do que seja uma "garantia idónea", não pode deixar de se concluir que, em razão das normas contidas nos artºs.169 e 199, do C.P.P.T., e 52, da L.G.T., essa idoneidade depende da capacidade de, no caso do órgão de execução fiscal ter de accionar a garantia prestada, esta se mostre apta a assegurar o pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos.
8. O legislador consagrou no artº.199, do C.P.P.T., um conceito amplo de "garantia idónea", com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata da garantia.
9. A recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas sempre relacionadas com a concreta não susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não sendo lícito a Fazenda Pública fundamentar essa recusa em aspectos meramente qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do artº.199, do C.P.P.T..».

49ª) Tendo em consideração que o valor da presente ação, e consequentemente o valor do presente recurso, é superior a €275.000,00, requer-se a final que seja a Reclamante dispensada de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos admitidos pelo art.6º, nº7 do R.C.P., ponderadas que sejam a natureza e complexidade da causa e a regularidade do comportamento processual que previsivelmente virá a ser evidenciado pelas partes.
E ASSIM DECIDINDO,
VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO A JÁ COSTUMADA
JUSTIÇA.».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo ser de negar provimento ao recurso in totum.

Com dispensa dos vistos legais dada a natureza urgente do processo, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, são essencialmente duas as questões a resolver: (i) indagar se a sentença errou ao julgar não verificada a arguida excepção de incompetência territorial do órgão da execução fiscal; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar a decisão reclamada.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com interesse para a decisão da presente reclamação, fixo a seguinte factualidade:

1. Em 18.09.2018 foi registada alteração ao contrato de sociedade da Reclamante pela qual a mesma passou a ter sede no Loteamento Industrial da Carregueira, Lote X, Herdade da G… – Ecoparque do Relvão, 2140-X Carregueira (cf. certidão de fls. 239 e seguintes do SITAF);
2. Em 05.09.2020 foi registada alteração ao contrato de sociedade da Reclamante pela qual a mesma passou a ter sede na Avenida da G…, n.º X, 3040-X Coimbra (cf. certidão de fls. 239 e seguintes do SITAF);

3. Em 16.12.2020 a Direção de Finanças (DF) de Santarém instaurou contra a Reclamante o PEF n.º 1996202001022482 para cobrança coerciva de dívidas de IRS e IVA referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018, no valor total de €722.562,05 (cf. auto e certidões de fls. 41 e seguintes do SITAF);

4. Em 16.12.2020 não determinada a DF de Santarém instaurou contra a Reclamante o PEF n.º 1996202001022890 para cobrança coerciva de dívidas de IVA referentes ao exercício de 2015 no valor de €1.450,63 (cf. simulação de fls. 117 e informação de fls. 118 e seguintes, todas do SITAF);

5. Em 28.12.2020 o SF da Chamusca emitiu Citação Pessoal em nome da Reclamante no âmbito do PEF n.º 1996202001022482 e apenso n.º 1996202001022890, pela quantia exequenda total de €727.086,42 (cf. ofício de fls. 160 do SITAF);

6. À data de 26.07.2021 o prédio urbano sito na freguesia de Sosa, concelho de Vagos, inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º X e registado na Conservatória do Registo Predial de Vagos sob o n.º X tinha o valor patrimonial tributário de €10.763,26, apurado em 2019 (cf. certidão de fls. 114 e seguintes do SITAF);

7. Em 11.08.2021 a Caixa Geral de Depósitos dirigiu ao SF da Chamusca ofício com o assunto Penhora pelo qual comunicava a penhora de conta de depósitos à ordem titulada pela Reclamante, no âmbito do PEF n.º 1996202001022482 e apenso (cf. ofício de fls. 185 do SITAF);

8. Em 13.08.2021 o Banco M… dirigiu ao SF da Chamusca ofício com o assunto Penhora de depósitos bancários pelo qual comunicava a penhora de conta de valores mobiliários e de conta de depósitos à ordem tituladas pela Reclamante, no âmbito do PEF n.º 1996202001022482 e apenso (cf. ofício de fls. 184 do SITAF);

9. Em data concretamente não determinada a Reclamante apresentou junto do SF da Chamusca requerimento de levantamento da penhora de contas bancárias, aí informando também da constituição de hipoteca voluntária sobre dois prédios urbanos onde está prevista a instalação de duas estruturas de serviços logísticos e de escritórios, alegando que os valores previstos de investimento são superiores a dez milhões de euros (cf. requerimento de fls. 108 e seguintes do SITAF);

10. Em 16.08.2021 foi registada a constituição de hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito na freguesia de Sosa, concelho de Vagos, inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º X e registado na Conservatória do Registo Predial de Vagos sob o n.º X, tendo como sujeito passivo a sociedade P… – Agricultura e Propriedades, Ld.ª e como sujeito ativo a Autoridade Tributária e Aduaneira, com o intuito de “Garantia do integral pagamento do capital indicado, sendo respeitante à dívida exequenda no valor de 724.012,68€, juros de mora, encargos e taxa de justiça, acrescidos de 25% calculados nos termos do artigo 196º, nº 6 CPPT, tudo referente aos processos nºs 1996202001022482 e apensos e 1996202001022890 e apensos do Serviços de Finanças de Chamusca, em que é executada a sociedade A…UNIPESSOAL, LDA” (cf. certidão de fls. 110 e seguintes do SITAF);

11. Em 16.08.2021 foi registada a constituição de hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito na freguesia de Sosa, concelho de Vagos, inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º X e registado na Conservatória do Registo Predial de Vagos sob o n.º X, tendo como sujeito passivo a sociedade P… – Agricultura e Propriedades, Ld.ª e como sujeito ativo a Autoridade Tributária e Aduaneira, com o intuito de “Garantia do integral pagamento do capital indicado, sendo respeitante à dívida exequenda no valor de 724.012,68€, juros de mora, encargos e taxa de justiça, acrescidos de 25% calculados nos termos do artigo 196º, nº 6 CPPT, tudo referente aos processos nºs 1996202001022482 e apensos e 1996202001022890 e apensos do Serviços de Finanças de Chamusca, em que é executada a sociedade A… UNIPESSOAL, LDA” (cf. certidão de fls. 112 e seguintes do SITAF);

12. Em 07.10.2021 o SF da Chamusca elaborou informação no âmbito do PEF n.º 1996202001022482 e apenso com o assunto Apreciação de garantia para efeitos de suspensão de PEF, podendo aí ler-se, com relevo, o seguinte (cf. informação de fls. 118 e seguintes do SITAF):
“(…)
Análise:
Aos 16/12/2020, foi instaurado contra o executado o PEF 1996202001022482, para cobrança de dívidas de IRS referente aos exercícios de 2015; 2016; 2017; 2018; e de IVA referentes ao período 201503T; 201506T; 201509T; 201512T; 201603T; 201606T; 201609T; 201612T; 201703T; 201706T; 201709T; 201712T; 201803T; 201806T; 201809T201812T; 201902; 201904 e201905.
Em 16/12/2020, foi instaurado PEF n.º 1996202101022890, para cobrança de dívidas de IVA referentes ao período 201509.
Estas dívidas foram em 28/05/2020 objeto de pedido de reclamação graciosa, tendo esta petição sido indeferida por despacho de 07/07/2021.
A decisão referida é passível de recurso administrativo (recurso hierárquico) ou judicial (impugnação), não constando do sistema de gestão de contencioso, nem administrativo, nem judicial o registo de nenhuma petição.
Subentende-se assim, que existirá da parte da executada a intenção de interpor recurso contencioso, visando a garantia a suspensão dos processos executivos, pretensão esta prevista no n.º 2 do art.° 169.° do CPPT.
As garantias constituídas sob a forma de hipotecas voluntárias* foram constituídas sobre os seguintes bens:
Distrito/Concelho/Freguesia – Aveiro/Vagos/Soza
• Tipo/Artigo - X
o V.P.T. (€) - 9.920,00*
o Descrição na CRP – X /Sosa
o N.º e data da apresentação -1132 de 2021/08/16
• Tipo/Artigo – X
o V.P.T. (€) - 10.763,26*
o Descrição na CRP – X /Sosa
o N.º e data da apresentação - X de 2021/08/16
* As hipotecas foram constituídas por uma entidade terceira, no caso a firma: P…-Agricultura e Propriedade, Lda, NIPC – 516….

Por consulta da situação relativa aos pedidos de avaliação dos prédios indicados, verifica-se que foram de facto, entregues/submetidas declarações modelo I, para efeitos de avaliação em 26/07/2021, mas estas declarações constam como anuladas em 06/10/2021.
Assim, não se encontrando à presente data nenhum procedimento de avaliação em curso, para efeitos de garantia os imóveis deverão ser considerados apenas pelo seu valor líquido, devendo deduzir-se ao valor patrimonial os ónus e encargos que sobre eles incidem (instruções da DSGCT, veiculadas via mail de 05/04/2012 e da DF-Santarém - Direção veiculadas via mail em 09/04/2012).
Não consta da respetiva certidão nenhum registo de ónus ou encargos;
Conclui-se assim, poder ser aceite como garantia o valor patrimonial total dos imóveis:
• Valor total = € 20.683,26
Outros valores a considerar
• Penhoras (Outros valores e rendimentos)
> C…- € 283,16 (Depósito em 17/09/2021)
> M… BCP - € 862,47 (Depósito em 07/10/2021)
> B… S.A. - € 1.067,64 (Depósito em 11/08/2021)
Total das penhoras bancárias - € 2.213,27 Valor total das garantias - € 22.896,53 Valor da garantia a prestar
• Data de registo das hipotecas voluntárias - 16/08/2021
• Data de citação – 16/01/2021 (não se verifica o disposto no n.º 14 do art.º 169.º do CPPT).
Assim, valor da garantia a prestar é de:
• € 934.329,89 (valor calculado em 11/08/2021 nos termos do n.° 6 do art.° 199.° do
CPPT e obtido a partir do Sistema de Gestão de Garantias, cf. documento em anexo)
Conclusão
Em face do exposto concluiu-se que os bens indicados podem constituir garantia idónea mas são insuficientes, pois apresentam um valor inferior ao necessário para garantir a dívida do PEF indicado.
Deve, no entanto e em conformidade com as instruções veiculadas para efeitos de validação ser remetido ao Ex.mo Sr. Diretor de Santarém todos os elementos necessários.
Deve ainda suspender-se o PEF, durante o período de análise da garantia em conformidade com o mail de 15 de janeiro de 2018 do Sr. Diretor Finanças Santarém.
(…)”

13. Em 08.10.2021 o Chefe do SF da Chamusca apôs na informação referida em 12. o seguinte despacho (cf. despacho de fls. 121 e seguintes do SITAF):
“(…)
(…) determino que:
- Se remeta toda a informação necessária ao Ex.mo Sr. Diretor de Finanças para análise e validação desta decisão.
- Até à validação desta decisão se suspenda o PEF em conformidade com mail de 15/01/2018 do Sr. Diretor de Finanças de Santarém.
- Se mantenham as penhoras bancárias solicitadas, visto não existirem fundamentos legais para promover o seu levantamento.
- Caso o procedimento de avaliação dos imóveis venha a ser reiniciado e concluído, deve rever-se esta informação e proceder-se a nova análise.
(…)”

14. Em 15.10.2021 a DF de Santarém elaborou informação no âmbito do PEF n.º 1996202001022482 e apenso com o assunto Prestação de garantia – Hipoteca Voluntária sobre dois Prédios Urbanos, podendo aí ler-se, com relevo, o seguinte (cf. informação de fls. 179 e seguintes do SITAF):
“(…)
Em 04-10-2021, veio o Sr. Dr. P…, na qualidade de mandatário da executada supra identificada, em requerimento, solicitar a suspensão do Pef 1996202001022482 e Apenso apresentando como garantia hipotecas voluntárias, já constituídas sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Soza, concelho de Vagos sob o artigo X, com o VPT atual de € 10.860,92 e o prédio urbano, inscrito na matriz predial da freguesia de Soza, concelho de Vagos sob o artigo X, com o VPT atual de €10.763,26, solicitando também, o levantamento da penhora efetuada às contas bancárias.

As referidas dívidas foram em 28-05-2020, objeto de reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho 07-07-2021, sendo esta decisão passível de recurso administrativo-recurso hierárquico, ou judicial- impugnação, que por consulta ao sistema de gestão de contencioso, nem administrativo, nem judicial, não consta o registo de qualquer petição, pelo que se depreende que a executada, tem intenção de interpor recurso contencioso, visando a garantia apresentada a suspensão dos processos executivos, nos termos do n°2 do artigo 169° do CPPT.
(…)
5. Garantia
Nos termos do n° 6 do artigo 199° do CPPT, o valor mínimo da garantia a prestar para efeitos de suspensão dos processos executivos, era de € 934.329,89, à data de 11-08-2021.
Com vista á suspensão da execução, a executada, veio oferecer como garantia a constituição de hipoteca voluntária sobre o inscrito na matriz predial da freguesia de Soza, concelho de Vagos sob o artigo X, com o VPT atual de € 10.860,92 e o prédio urbano, inscrito na matriz predial da freguesia de Soza, concelho de Vagos sob o artigo X, com o VPT atual de €10.763,26.
Por consulta da Aplicação do Imposto Municipal sobre Imóveis, verifica-se que o bem oferecido, encontra-se averbado em nome de P… - AGRICULTURA E PROPRIEDADES LDA NIF 516… (entidade terceira). Também pela análise da Certidão Permanente da Conservatória do Registo Predial, do prédio inscrito sob o n°4026/20070126 que corresponde ao urbano X e do prédio inscrito sob o n° X/20070126 que corresponde ao urbano X ,ambos freguesia de Soza, verificamos que os bens oferecidos estão registados em nome da referida Firma P… - AGRICULTURA E PROPRIEDADES LDA NIF 516…, e que sobre eles encontram-se registados Hipotecas voluntárias, AP.1132 de 2021/08/16, capital 934.329,89 Euros a favor de Autoridade Tributária e Aduaneira para garantia da divida no processo execução fiscal supra referido, não existindo, mais ónus ou encargos, sobre os referidos prédios.
Conforme consta da petição apresentada, a executada, remete pedidos de avaliação para os artigos urbanos, mas por consulta da situação de registo dos pedidos de avaliação, verifica-se que foram entregues/submetidas, em 26-07-2021, declarações modelo I, para efeitos de avaliação, constando estas declarações, como anuladas em 06-10-2021.
A suspensão da execução depende de prestação de garantia idónea, conforme disposto nos artigos 52° da LGT, 195° e 199° do CPPT;
A garantia idónea deverá consistir em garantia bancária, caução, seguro caução, podendo ainda, mediante concordância da AT, consistir em penhor ou hipoteca voluntária.
Sobre esta matéria a Administração Tributária emitiu o Oficio Circulado n° 60 076 de 2010-07-29, com base no despacho do Exmo. Senhor Diretor dos Impostos da mesma data, veio sancionar o seguinte entendimento:
A constituição de garantia em processo de execução fiscal destina-se a assegurar a cobrança dos créditos tributários, sendo essa prestação, condição essencial da suspensão legal do processo, conforme determinam o artigo 52° da LGT e o artigo 169° do CPPT.
Tanto o n° 2 do artigo 52° da LGT, como o n° 1 do artigo 199° do CPPT exigem que a garantia seja idónea, o qual deverá ser interpretado em obediência ao interesse público da regular cobrança dos tributos legalmente devidos ao credor tributário e que se encontram em cobrança coerciva. Essa idoneidade deverá ser aferida em função do tipo e valor, mas também deve ser avaliada em função da sua capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, levar á efetiva cobrança dos créditos garantidos, pelo que a mesma deverá cobrir todo o período constante do n° 6 do artigo 199° do CPPT, devendo ser de montante equivalente ao referido no n° 5 do mesmo artigo. O órgão competente da Administração Tributária deve dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentam maior grau de liquidez, entendendo-se com tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, direta e imediata.
Nestes termos deverá preferir a constituição de garantia bancária, caução ou seguro caução, conforme o n° 1 do artigo 199° do CPPT.
O artigo 199° do CPPT, no seu n° 1 revela preferência pela constituição destes tipos de garantia, distinguindo-as positivamente das que constam do n° 2 do mesmo artigo, ou seja, do penhor e da hipoteca voluntária, e tal deve-se ao facto de estas ultimas garantias incidirem sobre bens cujo valor pecuniário e de mais incerta ou indireta realização ou execução.
Do mesmo modo, quando não seja possível a constituição das garantias referidas no n° 1 do art°199° do CPPT, deve dar-se preferência à constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária.
A garantia constituída deverá ter valor suficiente para proporcionar ao credor tributário a cobrança efetiva da totalidade da divida e nunca deve ser inferior à soma da quantia exequenda, juros de mora contados até à data do pedido e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores (cfr n° 6 do art° 199 do CPPT).
Também segundo o ofício circulado 60076 e as instruções n° 02/2012 de 09/04/2012 da DJT da DF Santarém, de forma a se poder apreciar se o imóvel poderá ou não constituir garantia idónea, deverão ser deduzidos os encargos que o oneram, devendo ser considerado o valor liquido do prédio.

6. Parecer do Órgão de Execução Fiscal
O Serviço de Finanças de Chamusca emitiu despacho de não aceitação da garantia prestada, por ser de valor insuficiente.

7. Apreciação da garantia
Analisados e verificados os documentos remetidos e outros elementos ao dispor, constata-se que o VPT dos imóveis oferecidos (21.624,21 €), mesmo acrescendo as penhoras já concretizadas sobre entidades bancárias (2.213,27€), daria o valor de 23.837,48€, inferior ao valor necessário da garantia a prestar que é de 934.329,89 €. Pelo que se conclui que os bens são de valor insuficiente para constituir garantia.

8. Parecer
Assim, face ao acima exposto, verificados os requisitos e cumpridas as formalidades legais, sou do parecer que a garantia prestada é de valor manifestamente insuficiente, não se mostrando como tal garantia idónea e suficiente de forma a garantir a dívida exigível nos presentes autos.
No entanto, poder-se-ão aceitar estes bens, mesmo de valor insuficiente, desde que a executada preste nova garantia idónea pela diferença de valor da garantia a prestar.
(…)”
15. Em 20.10.2021 o Chefe de Divisão da DF de Santarém apôs na informação referida em 14. o despacho “Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos neles aduzidos, indefiro o pedido formulado. (…)” (cf. despacho de fls. 172 do SITAF);

16. À data de 18.11.2021 a Reclamante constava das bases de dados de contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira como tendo sede no Loteamento Industrial da Carregueira, Lote X, Herdade da Galega – Ecoparque do Relvão, 2140-000 Carregueira (cf. cadastro de fls. 186 e seguintes do SITAF
*
De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.

Para a prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 16., foi determinante a análise da prova documental junta aos autos pelo órgão da execução fiscal aquando da remessa do processo a este Tribunal, bem como daquela que foi junta pela Reclamante no âmbito deste processo, sem que qualquer das partes tenha apresentado oposição à junção da referida documentação ou, por qualquer forma, impugnado os documentos, tudo conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório – cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil.
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.».

B.DE DIREITO

Começando a apreciação do recurso pela arguida incompetência em razão do território do órgão da execução fiscal para a instauração do processo em que veio a ser proferida a decisão reclamada, vejamos.

De acordo com o art.º 10.º, n.º 1, do CPPT, aos serviços da administração tributária cabe, nomeadamente e, entre o mais, nos termos da sua alínea f), “instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes”.

E, nos termos do seu n.º 2, para o efeito são territorialmente competentes os órgãos periféricos locais da administração tributária do domicílio ou sede do contribuinte.

Nos termos do art.º 12.º, n.º 1 do CPPT, «Os processos da competência dos tribunais tributários são julgados em 1.ª instância pelo tribunal da área do serviço periférico local onde se praticou o ato objeto da impugnação ou no caso da execução fiscal, no tribunal da área do domicílio ou sede do executado».

Estabelece o art.º 17/1 do CPPT que «A infração das regras de competência territorial determina a incompetência relativa do tribunal ou serviço periférico local ou regional onde correr o processo», dispondo o seu n.º 3 que «No processo de execução fiscal, a incompetência territorial do órgão de execução só pode ser arguida ou conhecida oficiosamente até findar o prazo para a oposição, implicando a remessa oficiosa do processo para o serviço considerado competente, no prazo de 48 horas, notificando-se o executado».

Ou seja, a incompetência do órgão da execução fiscal em razão do território deve ser arguida pelo executado no próprio processo de execução e no prazo de oposição, onde aí constituirá excepção dilatória que, a verificar-se, implica a remessa oficiosa do processo ao órgão competente para a instauração.

Mostram os autos que foi emitida citação pessoal à executada em 28/12/2020 (cf. ponto 5. do probatório), sendo que a recorrente não alega dela não ter tido conhecimento, pelo contrário, diz ter optado por apresentar impugnação judicial em detrimento da oposição à execução e naquele processo arguir a violação das regras de competência territorial (cf. pontos 12.º a 15.º das doutas conclusões).

Sendo o prazo de oposição de 30 dias a contar da citação pessoal, é manifesto que à data de apresentação da reclamação (15/11/2021), já o prazo para a executada arguir a incompetência do órgão da execução fiscal há muito havia decorrido (cf. artigos 203/1 al. a) e 20/2 do CPPT e 188.º do CPC).

Ou seja, em consequência da passividade da executada, o vício de incompetência relativa sanou-se, como bem decidiu a sentença recorrida, não havendo agora a possibilidade de o suprir na reclamação.

Improcede, pelas indicadas razões, este segmento do recurso.

Já quanto à questão de fundo, que se prende com a idoneidade da garantia apresentada pela reclamante consubstanciada na constituição de hipoteca voluntária sobre dois terrenos para construção, é manifesto que a Recorrente não tem razão no inconformismo que expressa com a decisão impugnada.

Como sobressai do probatório, o valor patrimonial tributário dos dois imóveis objecto da garantia hipotecária oferecida é de 9.920,00€ e 10.763,26€, respectivamente para os artigos X e X da freguesia de Sosa/Vagos /Aveiro, para uma dívida exequenda no valor de 724.012,68€, lembrando-se que, nos termos do art.º 199/6 do CPPT, “a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores…”, que a AT diz ascender a 934.329,89€.

Diz a Recorrente que os terrenos têm valor significativamente superior, apenas não reflectido no V.P.T. dos imóveis por vicissitudes de vária ordem na conduta da Administração tributária, que obstaculizaram a avaliação dos imóveis.

Sucede que a legalidade da conduta da AT ou os prejuízos que eventualmente daí advenham para a Recorrente não pode ser sindicado em sede de reclamação judicial, por idoneidade do meio processual.

Aqui, do que se trata é unicamente de sindicar a legalidade da decisão reclamada que indeferiu a garantia hipotecária oferecida.

E nesse modo de ver, nada há para censurar na decisão reclamada. Com efeito, dispõe o art.º 199.º-A, n.º 1, que «Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo».

E o C.I.S., no seu art.º 13.º, relativo à determinação do valor tributável dos bens imóveis, dispõe que «O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial».

Portanto, há que conceder que perante os factos descritos e o enquadramento legal dos mesmos, outro caminho não restava à AT que indeferir a garantia hipotecária oferecida por não se apresentar idónea em razão do valor dos bens dela objecto face ao da dívida exequenda.

A sentença que validou a decisão reclamada não enferma, pois, dos vícios que lhe são imputados pela Recorrente, merecendo ser confirmada e negado provimento ao recurso.
*

O valor atribuído ao processo é de 727.086,42 euros.
A circunstância de o recurso não envolver especial complexidade na solução jurídica das questões colocadas, conjugada com o facto de o montante da taxa de justiça devida (nos termos da tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais) ser manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, quebrando a relação sinalagmática inculcada no pagamento da taxa, justifica a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cf. artigo 6.º n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais), nos termos pedidos, o que se determinará no dispositivo do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
ii. Dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo da dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 28 de Abril de 2022


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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha