Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03961/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/22/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IVA
REALIZAÇÃO DE OBRAS DE INFRA -ESTRUTURAS PREVISTOS NA AUTORIZAÇÃO DO LOTEAMENTO E DE ACORDO COM O RESPECTIVO PROJECTO DE OBRAS DE URBANIZAÇÃO E CONCEITO DE EMPREITADA DE OBRA PÚBLICA
Sumário:I)-A realização das infra-estruturas urbanísticas é uma condição de funcionalidade, eficácia e validade do alvará de loteamento e uma condição imperativa de obras de urbanização, como tudo resulta, conjugadamente, dos art. 41º, 44º n° l, 53º e ss e 77º do DL n° 555/99, de l6 de Dezembro, na redacção introduzida pelo DL n° 177/2001, de 4 de Julho.

II) -Inserindo-se tais infra estruturas urbanísticas em projectos da recorrente de urbanização construção de edifícios cujos apartamentos se destinam à revenda, os correspectivos custos serão imputáveis no preço final dos espaços destinados à revenda.

III) -Decorre da lei a obrigatoriedade de as infra-estruturas urbanísticas reverterem automática e gratuitamente para o domínio público municipal por força do disposto no art. 44 n° 1 e 3 do diploma citado e estabelecendo o art. 9° n° 31 do CIVA que dele estão isentas as operações sujeitas a Sisa, hoje IMI, é forçoso concluir que, fazendo as infra estruturas urbanísticas parte juridicamente inseparável do loteamento ou de obras de urbanização com destino final à revenda, como é o caso dos autos, elas, pela natureza jurídica que as qualifica, não permitem ser objecto de repercussão do IVA nelas gasto e muito menos pelo método pró rata do art. 23 do CIVA como defendido vem pela recorrente.

IV) -Esta gratuitidade é plena e terá de ser suportada pelo operador urbanístico e inserida nos custos globais do empreendimento, tanto mais que é indispensável a existência de caução para prevenir o caso de incumprimento do respectivo operado imobiliário e da não realização das infra-estruturas urbanísticas, utilizada para suportar as respectivas despesas, isso precisamente porque as infra-estruturas urbanísticas são um condição gratuita e inseparável da operação imobiliária e, não tendo autonomia económica e jurídica, salvo em caso de incumprimento, elas não podem ser qualificadas como prestação de serviços autónoma.

V) -Assim, a pretensão da recorrente de o IVA pago nos materiais e serviços atinentes à realização das infra-estruturas dever ser repercutido em tais obras e ser suportado pela CM, afronta o comando normativo contido no art. 44 n° 1 do citado diploma que impõe a gratuitidade plena das infra estruturas urbanísticas.

VI) -A seguir-se tese da recorrente sobre a repercussão do IVA relativo às infra-estruturas urbanísticas, dada a natureza gratuita e o automatismo da transmissão que as reveste, o respectivo destinatário representado pela Câmara Municipal, porque de doação se trata, não seria o consumidor final e consequentemente não poderia arcar com o IVA inerente aos seus custos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DESTE TRIBUNAL:

1. -A...S.A., inconformada com a sentença proferida pela Srª. Juíza do TAF de Sintra que julgou improcedente a presente impugnação por si deduzida contra a liquidação de IVA referente ao ano de 2003- 2º Semestre, veio recorrer concluindo as suas alegações como segue:
“1. A ora Recorrente, como descrito na PI de impugnação que aqui se dá por integralmente reproduzida, dedica-se à actividade de comércio armazenista de materiais de construção, empreitada de obras públicas, exportação, importação, construção de casas para venda, compra e venda de prédios e revenda de prédios adquiridos para esse fim, o que inclui a aquisição de prédios rústicos para posterior loteamento, realização de infra-estruturas e venda.
2. No decurso do mesmo exercício de 2003, a Recorrente entregou uma obra de infra-estruturas numa outra urbanização designada por "Alto de Santa Catarina" e por isso, liquidou o respectivo IVA, à taxa reduzida de 5%, no valor de €65.318,77 (sessenta e cinco mil, trezentos e dezoito euros e setenta e sete cêntimos).
3. Com efeito, o IVA foi liquidado e pago ao Estado, pese embora a Administração Fiscal entenda, como adiante será exposto, que tal imposto não era dedutível por força da isenção prevista no n.° 30 do art. 9.° e do disposto no art. 20.°, n.° 1, al. a), ambos do CIVA. A inadmissibilidade das deduções resultaria também, no entender do Fisco, da alegada isenção dos trabalhos de construção de infra-estruturas à CMO prevista no art. 9.°, n.° 30 do CIVA.
4. Esse entendimento foi de facto secundado pelo Tribunal a quo quando refere que "Quanto à inclusão daquelas obras no âmbito de operações sujeitas a Sisa e portanto isentas de IVA ao abrigo do disposto no n." 31 - actual n.° 30 - do art.° 9°, do Código, considere-se que no âmbito da transmissão dos imóveis, em resultado das referidas operações urbanísticas, de acordo com a actividade desenvolvida pela Recorrente - ora Recorrente - o valor por que os bens foram transmitidos inclui implicitamente os valores suportados por aquelas obras de infra-estruturas, pelo que o imposto suportado na sua realização não era dedutível, não sendo igualmente de liquidar o imposto auanto à sua entrega ao município como bem actuou a Adm. Fiscal (...)" (sublinhado nosso).
5. Ora, não pode a Recorrente concordar com um entendimento dessa natureza, aliás revelador de uma deficiente apreciação da matéria de facto, uma vez que o Tribunal recorrido não procedeu a uma análise cuidada sobre a real natureza do facto gerador da liquidação do imposto: as obras de infra-estruturação realizadas ao município.
6. Parece existir alguma confusão de conceitos entre o que constitui o loteamento, ou seja divisão do terreno em lotes, conforme o alvará, o que implica a definição dos lotes e sua eventual venda - esta última sim em regra uma actividade sujeita a IMT e por isso eventualmente isenta de IVA - e a realização das infra-estruturas, já após o loteamento, em terrenos do domínio público municipal, as quais são entregues à Câmara (não aos compradores dos lotes) e estão sujeitas a uma fixação de valor, no alvará, que a Câmara não paga por ser contrapartida no mesmo.
7. A Recorrente, porém, sempre tratou o assunto como se do IVA sobre uma prestação de serviços absolutamente normal se tratasse: fez obras para a CMO, logo praticou uma operação tributável para efeitos de IVA.
8. Mais: do que se tratava no caso então em discussão não era do IVA referente a transmissões de imóveis mas sim, e tão só, de IVA referente a trabalhos de construção de infra-estruturas exigidas por um município.
9. Como referem a propósito das obras de urbanização / infra-estruturas JOÃO PEREIRA REIS e MARGARIDA LOUREIRO (In "Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Anotado (Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro)", Almedina, Janeiro de 2002, p. 149), "No rigor dos princípios trata-se, em boa verdade, da realização de obras públicas em sentido material" (sublinhado nosso).
10. Decorre pois do exposto que os trabalhos de infra-estruturação são na sua essência obras públicas e apenas razões de ordem jurídica e puramente formal concorrem para que sejam privados a executá-las. Nem se compreende que estas "operações" não sejam assim entendidas e qualificáveis pois que a isso obrigam os próprios princípios de hermenêutica consagrados na LGT. Com efeito, no art. 11.° da LGT é expressamente referido que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, sendo que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. Dispõe a mesma norma que persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
11. Por outro lado, se bem que seja legítimo dizer que as infra-estruturas se destinam a fazer parte de um todo, como aliás farão parte desse todo cada um dos lotes, essa afirmação só faz sentido, quanto muito, em termos urbanísticos ou arquitectónicos e nunca em termos jurídicos ou fiscais, particularmente no caso do IVA, que é um imposto que se afere sempre operação a operação e não em função da natureza do sujeito passivo.
12. Importa referir que, de resto, o Fisco - aliás secundado pela jurisprudência do ST A - nunca tratou estas matérias "de modo englobado" ou como um todo, antes separando cada caso. Com efeito, sempre que um contribuinte adquiriu um prédio rústico com isenção de Sisa / IMT - por se tratar de prédio para revenda - procedeu posteriormente ao seu loteamento e, no âmbito do mesmo, entregou gratuitamente ao Município fracções de terreno, o Fisco veio sempre liquidar Sisa/IMT relativamente aos terrenos entregues ao Município por não se terem destinado à revenda.
13. Acresce salientar que a ora recorrente, ao liquidar e pagar o IVA, sempre assentou a sua conduta numa informação anterior dos serviços em tudo contrária à posição à adoptada. E, para que se não venha dizer que tal não corresponde à verdade, remete-se para parecer solicitado pela ora Recorrente em 1987 ao Director-Geral das Contribuições e Impostos -Oficio da DGCI n.° 108234 de 11.12.1987 junto à PI de impugnação em anexo ao Doe. 6 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais. A Administração Fiscal concluiu então nos termos seguintes, no que respeita às infra-estruturas propriamente ditas; "(...) pode considerar-se a primeira (realização das infra-estruturas) como enquadrada na verba 3.6 da lista II e tributada à taxai...)".
14.O que importa, pois, reter dos factos é que a Recorrente realizou determinados trabalhos de infra-estruturação para o Município, incorreu para tal em determinadas despesas, pagou o IVA a elas correspondente e deduziu esse mesmo IVA. O Fisco e agora o Mmo. Juiz a quo incorrem no equívoco de confundir transmissões de bens com os trabalhos de infra-estrutu ração e são estes trabalhos que importa qualificar para efeitos de IVA.
14. E não se diga que o facto de esta prestação de serviços ao Município ser "gratuita" - se bem que a contrapartida exista e seja bem real pois que é condição de atribuição do alvará, além de que a realização dos trabalhos implica legalmente uma diminuição correlativa dos valores das taxas a pagar ao município pelo alvará - impede que se caracterize a operação como prestação de serviços. Na realidade, a contrapartida pela realização das obras de infra-estruturas traduz-se na atribuição do alvará, o que em nada afecta o seu carácter gratuito.
15. Com efeito, o legislador acautelou no art. 4.°, n.° 2, al. b) do CIVA as hipóteses em que a empresa presta gratuitamente serviços a terceiros assimilando-as a operações onerosas para efeitos de IVA. Trata-se de algo a que vulgarmente se designa por auto consumo externo. Nestes casos, o legislador ficciona a existência de operações tributáveis em situações em que, ou não existem operações, ou existindo não são onerosas, sendo o seu valor tributável o correspondente ao das despesas incorridas para a sua prestação, que no caso equivale ao valor da garantia bancária.
16. Ora, no caso concreto dos autos nenhuma razão se vislumbra para que em sede de IVA os trabalhos de urbanização - fiquem eles a cargo do Município ou do urbanizador - devam ter tratamento fiscal diferente. Pelo contrário, o regular funcionamento do mercado, a livre concorrência e a neutralidade do imposto assim o exigem.
17.Com efeito, tratando-se de uma prestação de serviços "gratuita", a Recorrente tinha de assentar num valor para liquidar o IVA. Ora, o valor da garantia prestada para boa execução da obra é, nos casos em apreço, o correspondente aos custos dos trabalhos e dai que tenha servido de base à liquidação. Nesse sentido, importa aqui trazermos à colação o ofício circulado n.° 13336, de 25.02.1987.
18.Ora, não compreende a ora Recorrente, mesmo porque colide com a razão, o facto de, se efectivamente a operação não era tributável em sede de IVA - o que aqui se admite por mera hipótese e sem conceder -, o imposto liquidado e entregue ao Estado jamais lhe ter sido devolvido, como seria expectável nessa situação.
19.Em face de todo o exposto, a sentença recorrida não poderá deixar de merecer a censura de V. Exas., por ser violadora dos artigos 20.°, n.° 1, al. a), e 9.°, n.° 30, ambos do CIVA.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que anule a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios supra aludida, assim se fazendo JUSTIÇA!”
Não houve contra -alegações.
A EPGA emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.
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2. -Na sentença recorrida deram-se como provados os factos constantes do respectivo probatório e que são os relevantes para a questão a decidir, a saber:
Factos Provados
“A) Dá- se aqui por reproduzida a liquidação adicional de IVA do 3° e 4° trimestre do ano de 2003 e respectivos juros compensatórios, devidamente notificada à impugnante . - cfr Nota de Liquidação , de fls 24 e 25, dos autos.
B) A liquidação mencionada supra resultou de uma acção externa efectuada pelos serviços de I.T. nas instalações da impugnante, de que resultou a elaboração do Relatório Final, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, do qual constam determinadas correcções de imposto dedutível no valor de €84.407,51 deduzido do IVA liquidado sobre a garantia bancária, relativo ao..."5.2.1-IVA suportado na construção das infra-estruturas referentes ao centro de custos isentos... uma vez que se trata de uma obra a seu cargo, englobado na construção de toda a urbanização e cuja entrega terá como contrapartida apenas uma"licença de construção"... consubstancia uma mera operação de construção isenta de IVA nos termos do n°31 do art° 9°, pelo que o imposto suportado nestes investimentos não é dedutível, nos termos do n°l, alínea a), do art° 20° do CIVA...( trata-se)... de uma simples transferência de obra concluída .. e não ...de uma empreitada de obra pública...fazem parte de ... um projecto único de urbanização por conta do urbanizador que é também o dono da obra... 5.2.4.-IVA liquidado S/ valor da garantia
O valor do IVA liquidado... sobre o valor das garantias bancárias vai ser objecto de correcção a favor do sujeito passivo...". - cfr Relatório da I.T. de fls 53 a 73, dos autos.
C) Dá-se aqui por reproduzido o "alvará de loteamento n°12/95 , emitido pelo Município de Oeiras e as correspondentes alterações efectuadas àquele alvará, e respectiva receptação das obras de urbanização - cfr fls 32 a 35 e fls 36 a 45 e fls 46 a 49, dos autos
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Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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3. - Esquematizados os factos provados e delimitado objectivamente o recurso pelas conclusões da alegação da recorrente - artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC e al. f) do artº 2º e artº 169º, estes do CPT- verifica-se que a questão decidenda consiste em saber se a realização de obras de infra-estruturas previstos na autorização do loteamento e de acordo com o respectivo projecto de obras de urbanização a que se refere a alínea C), do probatório, se insere no conceito de empreitada de obra pública, ou se ao invés, se deve considerar como mera contrapartida da realização de uma obra particular e portanto, isenta de IVA por resultar de operação sujeita a Sisa, como defende a Adm. Fiscal.
Esta questão foi já objecto de apreciação e decisão no Acórdão deste TCAS de 16/06/2009, tirado no Recurso nº 3035/09, publicado http://www.dgsi.pt/ cuja relação pertenceu ao relator desta formação em que também interveio o 1º adjunto nessa mesma posição e em que estava em causa a liquidação adicional de IVA do ano de 2004 e respectivos juros compensatórios, por isso se indo adoptar a fundamentação daquele aresto ao caso concreto.
Assim:
Quanto a saber se a realização de obras de infra-estruturas previstos na autorização do loteamento e de acordo com o respectivo projecto de obras de urbanização a que se refere a alínea C), do probatório, se insere no conceito de empreitada de obra pública, não existindo uma definição legal para efeitos tributários, do conceito de obra pública, dever-se-á adoptar a noção definida na legislação específica relativa ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas à data a que se reportam os factos, i. é. no ano de 2003. Ora, Nessa sede vigorava o disposto no Dec-Lei n° 59/99, de 02.03., o qual no seu art° 1° definia como tal as obras de construção de bens imóveis, executadas por conta de um dono de obra pública, considerando estes últimos aqueles que vêm elencados no seu art° 3° do mesmo diploma, o qual não comporta as entidades privadas que, como é o caso, ficam obrigados a prestar ao município a compensação devida pelas operações urbanísticas definidas por contrato de urbanização -cfr alínea C), do probatório.
Efectivamente, sabe-se que os planos municipais de ordenamento de território e as operações urbanísticas são executados, por sua iniciativa, directamente (ou mediante concessão) por parte do município, ou com a cooperação dos particulares interessados; ou por iniciativa dos particulares de acordo com o referido sistema de compensação a prestar ao município.
Ora, se no 1° caso pode-se falar eventualmente de obras a cargo da edilidade, já no 2° caso dúvidas não se põem que a compensação a ser efectuada em resultado do contrato de urbanização cuja iniciativa de execução é dos particulares, não se traduzem em qualquer obra pública tal como ficou definido supra- cfr nesse sentido os art°s 118° e segs, do Dec-lei n° 380/99, de 22.09.
Quanto a tratar-se isenta de IVA por resultar de operação sujeita a Sisa, a inclusão daquelas obras no âmbito de operações sujeitas a Sisa e portanto isentas de IVA ao abrigo do disposto no n°31, do art°9°, do Código, considere-se que no âmbito da transmissão dos imóveis, em resultado das referidas operações urbanísticas, de acordo com a actividade desenvolvida pela impugnante, o valor por que os bens foram transmitidos inclui implicitamente os valores suportados por aquelas obras de infra-estruturas, pelo que o imposto suportado na sua realização não era dedutível, não sendo igualmente de liquidar o imposto quanto à sua entrega ao município como bem actuou a Adm Fiscal, conforme resulta do relatório referido em B), do probatório.
Quanto à falta de observação dos prazos consignados no n°4, do art° 60°, apenas para dizer que não se trata aqui de quaisquer prazos peremptórios que extingam o direito conferido à Adm Fiscal tendo em vista a prática do acto tributário, estando em presença de meros prazos indicativos, sem prejuízo dos prazos máximos instituídos por lei para efeitos de caducidade ou extinção do direito por parte do Estado.
Como se apurou nos autos foram efectuadas correcções de imposto dedutível relativo ao IVA suportado na construção das infra-estruturas referentes ao centro de custos isentos uma vez que se trata de uma obra a cargo da impugnante, englobado na construção de toda a urbanização e cuja entrega terá como contrapartida apenas uma "licença de construção". E, por assim ser, entendeu a AT que tal operação consubstancia uma mera operação de construção isenta de IVA nos termos do n°31 do art° 9°, pelo que o imposto suportado nestes investimentos não é dedutível, nos termos do n°1, alínea a), do art° 20° do CIVA uma vez que se trata de uma simples transferência de obra concluída e não de uma empreitada de obra pública, fazendo parte de um projecto único de urbanização por conta do urbanizador que é também o dono da obra.
A realização das infra-estruturas urbanísticas é uma condição de funcionalidade, eficácia e validade do alvará de loteamento e uma condição imperativa de obras de urbanização, como tudo resulta, conjugadamente, dos art. 41º, 44º n°1, 53º e ss e 77º do DL n°555/99, de l6 de Dezembro, na redacção introduzida pelo DL n°177/2001, de 4 de Julho.
Visto que, como a própria recorrente reconhece, as mencionadas infra estruturas urbanísticas se inserem em projectos seus de urbanização construção de edifícios cujos apartamentos se destinam à revenda, impõe-se-nos concluir, num juízo de normalidade, que os correspectivos custos serão imputáveis no preço final dos espaços destinados à revenda.
Ora, decorre da lei a obrigatoriedade de as infra-estruturas urbanísticas reverterem automática e gratuitamente para o domínio público municipal por força do disposto no art. 44 n°1 e 3 do diploma citado e estabelecendo o art. 9° n°31 do CIVA que dele estão isentas as operações sujeitas a Sisa, hoje IMI, é forçoso concluir que, fazendo as infra estruturas urbanísticas parte juridicamente inseparável do loteamento ou de obras de urbanização com destino final à revenda, como é o caso dos autos, elas, pela natureza jurídica que as qualifica, não permitem ser objecto de repercussão do IVA nelas gasto e muito menos pelo método pró rata do art. 23 do CIVA como defendido vem pela recorrente.
No Acórdão do STA de 9.2.2005, Recurso nº 0860/04, como argumento a contrario do que se acaba de afirmar, verteu-se que “…quanto às «operações imobiliárias», a Administração tem entendido não poder aplicar-se o método pro rata por este gerar as referidas «distorções significativas na tributação» - dito art. 23°, n.° 3, al. b) - não correspondendo à actividade exercida, já que «a dimensão das obras faz com que as vendas se não repartam com regularidade por diversos exercícios, concentrando-se, por sua vez, num único ano, vendas respeitantes a obras que demoraram anos a construir»; por isso é que, para os contribuintes que renunciarem à isenção, o art. 5°, n°1 do DL n°241/86, de 20 de Agosto, determina que a dedução do imposto relativo a cada imóvel ou parte autónoma, relativamente àqueles que tenham optado pela sujeição a imposto, se deve efectuar segundo o método da afectação real de todos os bens e serviços, ut dito art. 23°, n°2, condição facilitada pela exigência de contabilidade separada para os imóveis e partes autónomas a alienar com sujeição ao imposto - art. 12°, n°5 do CIVA.
Trata-se, aí, de casos em que o mesmo sujeito passivo realiza operações imobiliárias sujeitas a imposto e dele não isentas, ao mesmo tempo que constrói prédios ou fracções autónomas cuja venda está isenta.
Cfr. Emanuel Vidal Lima, Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, 9ª edição, págs. 407/08.”
Donde que, deverá entender-se que esta gratuitidade é plena e terá de ser suportada pelo operador urbanístico a qual se insere nos custos globais do empreendimento.
E tanto assim é que há a indispensabilidade da existência de caução para prevenir o caso de incumprimento do respectivo operador imobiliário e da não realização das infra-estruturas urbanísticas, utilizada para suportar as respectivas despesas, isso precisamente porque as infra-estruturas urbanísticas são um condição gratuita e inseparável da operação imobiliária e, não tendo autonomia económica e jurídica, salvo em caso de incumprimento, elas não podem ser qualificadas como prestação de serviços autónoma.
Ora, a pretensão da recorrente de o IVA pago nos materiais e serviços atinentes à realização das infra-estruturas dever ser repercutido em tais obras e ser suportado pela CM de Cascais, afronta o comando normativo contido no art. 44º n°1 do citado diploma que impõe a gratuitidade plena das infra estruturas urbanísticas.
Aduz-se, por fim, que, a seguir-se a tese da recorrente sobre a repercussão do IVA relativo às infra-estruturas urbanísticas, há-de entender-se que, pela natureza gratuita e automatismo da transmissão que as reveste, o respectivo destinatário representado pela Câmara Municipal, porque de doação se trata, não é o consumidor final e consequentemente não pode arcar com o IVA inerente aos seus custos.
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4. - Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 22/06/2010

(Gomes Correia)

(Pereira Gameiro)

(Aníbal Ferraz)