Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06971/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/14/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). CONCEITO E ÂMBITO DESTA NULIDADE.
NULIDADES PROCESSUAIS SECUNDÁRIAS.
CONHECIMENTO IMEDIATO DO PEDIDO PREVISTO NO ARTº.113, Nº.1, DO C.P.P.T., É OBRIGATÓRIO.
O FORNECIMENTO DE GÁS É CONSIDERADO UM SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL.
A DEFINIÇÃO DOS BENS DO DOMÍNIO PÚBLICO E O SEU REGIME INSEREM-SE NA RESERVA RELATIVA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA A.R.
PRINCÍPIO DA GENERALIDADE E UNIVERSALIDADE DOS TRIBUTOS.
NOÇÃO DE TAXA. A TAXA SITUA-SE APENAS NO DOMÍNIO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DIVISÍVEIS.
A TAXA PODE TER POR FUNDAMENTO, ALÉM DO MAIS, A UTILIZAÇÃO DE UM BEM DO DOMÍNIO PÚBLICO.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. ARTº.103, Nº.2, DA C.R.PORTUGUESA.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes.

2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.

3. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto.

4. Embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento.

5. Os desvios do formalismo processual previsto na lei constituirão nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil. Neste caso, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição da nulidade neste último.

6. O conhecimento imediato previsto no artº.113, nº.1, do C.P.P.T., é obrigatório, tanto no caso de estar em causa apenas resolução de questões de direito, como no caso de estar em causa também, ou exclusivamente, questões de facto, como se infere da redacção imperativa adoptada no mesmo preceito (“...conhecerá...”). No caso de estar em causa a resolução de questões de facto, o conhecimento imediato não deixa de ser obrigatório, mas a questão de saber se o processo fornece os elementos necessários envolve alguma subjectividade, a mesma que está ínsita na possibilidade de o juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade, conforme estatui o artº.13, nº.1, do C.P.P.T. De qualquer modo, só no caso de o juiz entender ser de realizar ou ordenar diligências de prova poderá deixar de conhecer imediatamente do pedido.

7. O fornecimento de gás é considerado um serviço público essencial, o qual se encontra sujeito a especiais regras de protecção dos utentes do mesmo serviço (cfr.artº.1, nº.2, al.c), da Lei 23/96, de 26/7, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2008, de 26/2).

8. A definição dos bens do domínio público e o seu regime inserem-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e já se inseriam nessa reserva à face da redacção da Constituição saída da revisão constitucional de 1989 (cfr.artº.168, nº.1, al.z), da C.R.Portuguesa). Actualmente tal regime de reserva relativa encontra-se consagrado no artº.165, nº.1, al.v), da C. R. Portuguesa. Este regime de reserva da A. R. abrange a definição, não apenas do domínio público do Estado, mas também do de outras entidades públicas susceptíveis de serem titulares dele, como sejam as regiões autónomas ou as autarquias (cfr.artº.84, da C.R.Portuguesa).

9. Por força do princípio da generalidade e universalidade dos tributos, onde se incluem as taxas (artº.5, nº.2, da L.G.Tributária), estes a todos são aplicáveis, incluindo o ora recorrente. Sendo que, no caso concreto, a legitimidade da C.M.Sintra para liquidar as taxas objecto do presente processo se baseia nos artºs.238, nº.4, e 241, da C.R. Portuguesa, e no artº.19, al.c), da Lei das Finanças Locais (L.F.L.) aprovada pela Lei 42/98, de 6/8 (cfr.actualmente artº.8, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29/12; artº.15, da L.F.L. aprovada pela Lei 2/2007, de 15/1).

10. A taxa situa-se apenas no domínio dos serviços públicos divisíveis. Na verdade, existem actividades públicas ditas indivisíveis, dado que o benefício para os particulares das mesmas resultante tem carácter genérico (v.g.defesa nacional; actividade legislativa; actividade diplomática). Porém, existem muitas outras actividades e serviços públicos de que os particulares podem extrair vantagens individualmente consideradas, pelo que, nesses casos, há a possibilidade de realizar a respectiva cobertura financeira, total ou parcialmente, mediante a criação de taxas (v.g.propinas da instrução pública; custas da justiça; portagens pagas nas vias de comunicação).

11. A taxa pode definir-se como uma prestação coactiva, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos. Em contraste com o imposto de características unilaterais, a taxa caracteriza-se pela sua natureza cumutativa ou bilateral, devendo o seu valor concreto ser fixado de acordo com o princípio da equivalência jurídica. A natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma actividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr.artº.4, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária; artºs.3 e 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29/12; artº.15, nº.2, da L.F.L. aprovada pela Lei 2/2007, de 15/1).
12. O tributo objecto dos presentes autos é uma taxa (e não um imposto) e que a sua criação e cobrança não ofende o princípio da legalidade tributária consagrado no nº.2, do artº.103, da C.R.Portuguesa.

13. O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental. As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

14. O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“D............- DISTRIBUIÇÃO …....................., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.137 a 140 do processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação visando actos de liquidação de taxas de ocupação/utilização de solo e subsolo municipal, referentes ao ano de 2010, estruturados pela C. M. de Sintra e no valor total de € 6.036,78.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.191 a 223 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A 7 de Dezembro de 2010, a ora recorrente “D..........” foi notificada pela Câmara Municipal de Sintra dos actos de liquidação das taxas referente aos processos 122/2011, 124/2011 e 129/2011 referentes à prestação devida pela ocupação de subsolo, referente ao ano de 2010, nos seguintes locais: Rua ….............. -Albarraque, Rio de Mouro; Quinta …............ - Ouressa- Mem Martins e Urb. …............. - Mem Martins;
2-O montante total das mesmas perfaz € 6.036,78 ( seis mil e trinta e seis euros e setenta e oito cêntimos) reportando-se, em específico, segundo consta das notificações camarárias aos seguintes locais:
•Proc. nº............/2011 - Rua …............ - Albarraque, Rio de Mouro - valor: € 1.059,84;
•Proc. nº............/2011 - Quinta ….............. – Ouressa - Mem Martins - valor: € 2.757,9;
•Proc. nº............../2011 - Urb. …........ - Mem Martins - valor: € 2.219,04;
3-A 12 de Maio de 2011, a ora recorrente “D...............” procedeu, nos termos do artigo 16.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais à impugnação da obrigação de pagamento das referidas taxas municipais;
4-A ora recorrente “D..............” foi notificada da respectiva sentença em 19 de Abril de 2013, a qual julgou improcedente a impugnação apresentada;
5-São termos em que o presente recurso tem por base a sentença que julgou improcedente os vícios invocados pela ora recorrente “D..........” em sede de impugnação, considerando válida e constitucional a taxa cobrada pelo Município de Sintra;
6-Inexiste a obrigação de pagamento da aludida taxa, visto que a mesma configura um verdadeiro imposto, criado ilícita e inconstitucionalmente no foro municipal;
7-Não se verificam os elementos/requisitos que permitem qualificar um determinado tributo como taxa;
8-No que à toca à distinção da taxa da figura do imposto, é pacífica a existência de um critério básico de diferenciação que consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: enquanto o imposto tem estrutura unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático;
9-Resulta da própria Lei das Finanças Locais, que a estrutura das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública;
10-No presente caso não se vislumbra qualquer contraprestação por parte da Câmara Municipal de Sintra, quanto à ocupação/utilização do solo e subsolo com depósitos de gás, visto que esta não procedeu ao seu planeamento, nem à sua implantação, nem posteriormente à sua conservação e/ou tratamento, ou à reposição do espaço onde os mesmos foram implantados;
11-Tanto os custos das obras de manutenção como de reparação dos depósitos de gás para abastecimento domiciliário de GPL foram e são da inteira responsabilidade da ora recorrente D..........;
12-Nenhum custo decorreu nem decorrerá para o Município de Sintra da instalação e manutenção dos mesmos ou do espaço em que os mesmos estão implantados e que seja decorrente desta implantação;
13-Além do que, ao encargo criado pelo município, tem de haver um serviço prestado com alguma individualização aos cidadãos e não uma qualquer contraprestação meramente formal. Só no caso de se verificar uma vantagem suficientemente individualizada e caracterizada é que se pode tomar como contraprestação de uma taxa;
14-A utilização que é feita do domínio público deve satisfazer, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa e não toda e qualquer utilização de tais bens;
15-A ocupação do solo/subsolo com depósitos de gás destina-se à satisfação de necessidades gerais colectivas e não individuais. Não existe pois uma actividade do Município especialmente dirigida ao respectivo obrigado;
16-A taxa tem ainda de satisfazer o pressuposto da contraprestação ser proporcional ao benefício auferido e também, portanto, susceptível de avaliação pecuniária - princípio da proporcionalidade;
17-O que claramente não se verifica no caso em análise, porquanto não existe sequer contraprestação por parte do município;
18-Salvo o devido respeito, a ora recorrente “D........” não pode concordar com a apreciação feita pelo Tribunal “a quo”, relativamente à inconstitucionalidade das taxas exigidas pelo Município de Sintra por violação do princípio da igualdade, porquanto foi alegada matéria factual para corroborar a violação do princípio da igualdade, designadamente os factos descritos nos artigos 21 a 28 da impugnação;
19-Resulta claro que este Tribunal não se pronunciou, como devia, sobre o pedido formulado pela ora recorrente “D..............”, pelo que dever-se-á considerar que a sentença do Tribunal “a quo” padece de um vício de omissão de pronúncia, o que implica necessariamente a nulidade da mesma, nos termos do artº.668, nº.1, al.d), do C.P.C., aplicável por remissão da al.e), do artº.2, do Código de Procedimento e Processo Tributário;
20-As taxas municipais que estão em discussão nos presentes autos são cobradas pela Câmara Municipal de Sintra e alegadamente são devidas pela ocupação/utilização do subsolo com depósitos de gás pela ora recorrente “D................”;
21-Em sede de impugnação judicial a ora recorrente “D............” invocou a inexistência da obrigação de pagamento das referidas taxas na medida em que estas configurariam verdadeiros impostos, criados ilícita e inconstitucionalmente pelo Município de Sintra;
22-Acontece que o Tribunal “a quo” considerou improcedente a invocada inconstitucionalidade das taxas em discussão nos presentes autos, decisão com a qual a ora recorrente “D.............” não pode concordar pelas razões que se passam a expor;
23-Não se verificam os elementos/requisitos que permitem qualificar estes valores cobrados pelo Município de Sintra como taxas, pelo que a sua cobrança terá de ser considerada inconstitucional, por violação inequívoca do princípio da legalidade tributária, consagrado no nº.2, do artº.103, da C.R.P.;
24-Ao nível doutrinal e jurisprudencial é pacífica a existência de um critério básico de diferenciação entre a figura do imposto e a da taxa que consiste na unilateralidade ou bilateralidade destes tributos;
25-À luz deste critério, o imposto tem uma estrutura unilateral enquanto a taxa se caracteriza pelo seu carácter bilateral e sinalagmático;
26-Esta diferença essencial entre as duas figuras tributárias - as taxas e os impostos -resulta aliás da própria Lei das Finanças Locais, que no nº.2, do seu artº.4, consagra de forma clara que a estrutura das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública;
27-Na situação em discussão nos presentes autos, não existiu qualquer contraprestação por parte da Câmara Municipal de Sintra quanto à ocupação/utilização do solo e subsolo com depósitos de gás pela ora recorrente “D............”, porquanto o Município não procedeu ao seu planeamento, nem à sua implantação, nem posteriormente à sua conservação e/ou tratamento ou à reposição do espaço onde as mesmas foram implantadas;
28-Tantos os custos de implantação como os de manutenção da rede de gás no Município de Sintra foram e são suportados pela ora recorrente “D...........”. Ou seja, nenhum custo decorreu ou decorrerá para o Município de Sintra da instalação e manutenção da rede de gás da “D.........”;
29-À taxa cobrada pelo município tem de corresponder um serviço prestado com alguma individualidade ao cidadão e não uma qualquer contraprestação meramente formal, porquanto só se existir uma vantagem suficientemente individualizada é que podemos falar em taxa;
30-Também esta exigência legal não se encontra observada nas taxas cobradas pela Câmara Municipal de Sintra, porquanto a rede de gás implantada pela ora recorrente “D..........” destina-se à satisfação de necessidades gerais colectivas e não individuais;
31-Não existe, pois, uma actividade do Município especialmente dirigida à ora recorrente “D...........”;
32-As taxas cobradas pelo Município de Sintra em discussão nos presentes autos também não satisfazem o requisito da proporcionalidade entre a contraprestação e o benefício auferido pelo particular, violando nessa medida o princípio constitucional e administrativo da proporcionalidade;
33-Uma vez que as taxas exigidas pela Câmara Municipal de Sintra não cumprem os requisitos que permitiriam a sua qualificação como "taxa", o Tribunal “a quo” deveria, salvo melhor opinião, ter julgado procedente a inconstitucionalidade invocada pela ora recorrente “D...........”;
34-O tributo em análise nos presentes autos não pode deixar de ser considerado como um imposto, ainda que camuflado, porquanto não só não se verifica uma contraprestação específica por parte do sujeito activo - a Câmara Municipal de Sintra - mas também atendendo ao carácter claramente desproporcional do montante a pagar em relação ao benefício supostamente recebido pela ora recorrente “D...........”;
35-À luz do nosso ordenamento jurídico, esta diferente qualificação do tributo em causa no presente processo, tem obrigatoriamente consequências ao nível da legitimidade do sujeito activo, ou seja, põe em causa a legitimidade da Câmara Municipal de Sintra para a criação e cobrança destes valores;
36-Decorre da alínea i), do nº.1, do artigo 165, da C.R.P., que a Assembleia da República tem competência exclusiva para a criação de impostos, sendo que a criação dos mesmos está vedada ao próprio Governo, que necessita de autorização para tal por parte da Assembleia da República;
37-Tendo com base este princípio da legalidade fiscal, é evidente que os Municípios se encontram proibidos constitucionalmente de criar impostos, apenas tendo habilitação legal para criar taxas, tarifas e preços, para o financiamento dos serviços prestados e para a gestão administrativa do património - vide nºs.1 e 3, do artigo 238, da C.R.P., e Lei das Finanças Locais;
38-Esta solução adoptada ao nível constitucional tem como base a ideia de que o imposto se insere numa lógica diferente da taxa;
39-Não podem restar dúvidas de que os actos de liquidação praticados pela Câmara Municipal de Sintra, bem como as disposições regulamentares em que estes se baseiam (artigo 28, nº.20, da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para 2008 com as alterações previstas para 2010), violam a reserva de lei formal consagrada no nº.2, do artigo 103, e na alínea i), do nº.1, do artigo 165, da C.R.P.;
40-Este vício da inconstitucionalidade implica, nos termos da alínea b), do nº.2, do artigo 133, do C.P.A.,, a nulidade do acto da Câmara Municipal de Sintra que criou um verdadeiro imposto, acto estranho por imposição constitucional às atribuições e competências dos municípios, porquanto se trata de matéria de competência da Assembleia da República (vide nº.2, do artigo 103, e na alínea i), do nº.1, do artigo 165, da C.R.P.);
41-São termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente, porquanto os actos de liquidação praticados pela Câmara Municipal de Sintra, bem como a disposição regulamentar em que estes se baseiam padecem claramente de um vício de inconstitucionalidade material, formal e orgânica;
42-Relativamente à inconstitucionalidade das taxas exigidas pelo Município de Sintra por violação do princípio da igualdade alegado pela ora recorrente “D...........”, existe uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, que terá necessariamente como consequência a nulidade da sentença, nos termos do artigo 668, nº.1, alínea d), do C.P.C., aplicável por remissão da alínea e), do artigo 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário;
43-A ora recorrente “D............” não pode concordar, pelos motivos que se passam a expor, com a decisão do Tribunal “a quo” no sentido da improcedência do vício da inconstitucionalidade das taxas em discussão por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no nº.2, do artº.266, da C.R.P.;
44-De acordo com a lei, o estabelecimento da medida de uma qualquer taxa deve estar sujeito ao princípio da proporcionalidade, ou seja, a quantia a pagar deve ser proporcional face ao valor do serviço prestado ao utente;
45-Verificando-se uma desproporção nessa relação, como acontece no presente caso, compromete-se a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática;
46-É certo que não é necessário uma exacta equivalência entre o valor do serviço prestado pelo município e o preço pago pelo utente desse serviço;
47-Todavia, sempre terá que haver uma qualquer contraprestação que possa ser objecto de uma avaliação monetária, como forma de legitimar a cobrança e que seja possível determinar-se um justo preço, embora aproximado, sob pena de se exercer um poder discricionário e de fazer incorrer aquela imposição fiscal na categoria de um imposto;
48-A lei, ao definir o regime da compensação pela ocupação do domínio público, enuncia um critério que se baseia nos prejuízos causados ao interesse público a que o bem dominial se encontrava afecto;
49-Não existindo no caso concreto limitações à utilização do bem em que se verifica o atravessamento do subsolo por parte dos canos da recorrente “D.........” e sendo os custos envolvidos para o município com a ocupação privativa de parte do subsolo de ruas e caminhos municipais com tubos e condutas são virtualmente inexistentes, o preço justo será meramente simbólico;
50-Apesar de a parcela do domínio público ocupado ser o subsolo, e apesar de ser manifesto que nenhum inconveniente ou prejuízo advém dessa ocupação para os fins de interesse público que justificam e fundamentam a criação de taxas municipais - a circulação rodoviária - a verdade é que as taxas fixadas assumem valores de modo nenhum simbólicos;
51-No caso vertente, além de ser praticamente impossível determinar pela parte do sujeito activo o valor de um justo preço - quer das vantagens (supostamente) auferidas pelo munícipe, quer do custo do serviço prestado - a quantia a pagar é manifestamente excessiva face ao serviço prestado pela Câmara Municipal de Sintra como correspondência específica e individualizada da quantia a pagar - que se reconduz, na prática, a uma mera autorização de ocupação do solo para armazenagem de GPL e passagem de condutas no subsolo;
52-São termos em que o presente recurso deve ser considerado procedente, porquanto os actos de liquidação praticados pela Câmara Municipal de Sintra violam de forma flagrante o princípio da proporcionalidade consagrado no nº.2, do artigo 266, da C.R.P.;
53-De referir que esta questão das taxas cobradas pelos municípios tem suscitado algumas reacções na opinião pública, pelo que consideramos importante citar aqui alguns artigos e reportagens realizadas a fiscalistas, onde esta questão foi tratada;
54-Nestes termos e nos demais de Direito, deve a sentença do Tribunal “a quo” ser considerada nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668, nº.1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e), do artigo 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, porquanto a mesma não se pronunciou sobre a matéria factual apresentada pela ora recorrente “D............” relativamente à violação do princípio da igualdade;
55-Caso assim não se entenda, contra o que se espera, dever-se-á considerar procedente o presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, devendo a impugnação judicial ser julgada procedente, por provada, com a consequente declaração da nulidade do despacho de indeferimento da reclamação e da inconstitucionalidade orgânica do Regulamento e Tabela da Taxas do Município de Sintra para o ano de 2010, porquanto o mesmo viola a reserva de lei formal consagrada no nº.2, do artigo 103, e na alínea i), do nº.1, do artigo 165, da C.R.P., o princípio da igualdade consagrado nos artigos 13, e nº.2, do 266, da C.R.P., e o princípio da proporcionalidade constante do nº.2, do 266, da C.R.P.
X
Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.230 a 242 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas Conclusões:
1-O Município de Sintra pugna pela manutenção da douta sentença recorrida que julgou improcedentes os vícios invocados pela ora recorrente, em sede de impugnação, considerando válidas e constitucionais as taxas cobradas pelo Município de Sintra;
2-Com efeito, é nosso entendimento a conformidade constitucional do artigo 28, nº.20, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor para o ano de 2010, aprovada em sessão de Assembleia Municipal de Sintra, de 27.04.2010, que entrou em vigor em 8/06/2010, conforme Aviso nº.9719/2010, de 17 de Maio de 2010, publicado no DR nº.95, 2ª. Série, não incorrendo as liquidações colocadas em crise de violação do disposto nos artigos 13, 103 nº.2, 165, nº.1, al.i), e 266, nº.2, todas as disposições citadas da C.R.P.;
3-Deste modo, bem andou a douta sentença recorrida ao julgar improcedente os vícios invocados pela ora recorrente, considerando válidas e constitucionais as taxas cobradas pela ora recorrida;
4-Aliás, é esse o entendimento constante da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, o qual tem decidido que os tributos em causa revestem a natureza de taxas;
5-Quanto às inconstitucionalidades imputadas pela recorrente às normas constantes do Regulamento e Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2010 (artigo 28, n.º20), não colhe nenhum dos argumentos aduzidos pela recorrente;
6-Isto porque, o RTTORMS para o ano de 2010 foi aprovado ao abrigo da legislação vigente, tendo sido aprovado pela Assembleia Municipal em cumprimento do estatuído no nº.2, alínea e), do artº.53, da Lei 169/99, de 18 de Setembro, republicada pela Lei nº.5-A/2002, de 11 de Janeiro, não padecendo por isso de qualquer inconstitucionalidade formal, material ou orgânica;
7-A própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 238, determina que as autarquias locais têm património e finanças próprias, atribuindo a Lei das Finanças Locais aos municípios património próprio e finanças próprias cuja gestão compete aos respectivos órgãos;
8-Mais dispõe o artigo 254, nº.2, da C.R.P., que os municípios dispõem de receitas tributárias próprias nos termos da lei, reconhecendo a Lei das Finanças Locais poder tributário aos municípios, atribuindo-lhes parte da receita da cobrança de determinados impostos e, entre outros, o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços;
9-As taxas em causa têm previsão na Lei Geral Tributária (LGT), em concreto, no nº.2, do artigo 4, que dispõe que as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares;
10-No caso dos presentes autos, as taxas referem-se à utilização do domínio público, tendo fundamento legal especificamente na previsão dos artigos 15 e 16, da Lei nº. 2/2007, de 15 de janeiro, e no nº.1, al.c), do artigo 6, da Lei nº. 53-E/2006, de 29/12;
11-Pelo que não lhes pode ser imputada qualquer inconstitucionalidade material como pretende a recorrente e muito bem entendeu a douta sentença recorrida;
12-No que tange ao princípio da igualdade, este pressupõe o tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente;
13-Assim, não se entende como pode a recorrente considerar-se prejudicada na concorrência com entidades como a EDP, CP ou PT, que actuam em áreas completamente diferentes da sua área de atividade;
14-Acresce que o artigo 28, nº.20, da TTORMS, para 2010 tem carácter geral e abstracto, aplicando-se igualmente a qualquer sujeito que preencha a previsão, não estabelecendo qualquer diferenciação de regimes entre os seus possíveis destinatários, sendo que o ora recorrido procede à liquidação da taxa de ocupação do solo/subsolo a toda e qualquer empresa que preencha a previsão da norma em causa;
15-Pelo que, mais uma vez, muito bem andou a douta sentença recorrida ao considerar que a violação do princípio da igualdade pressupõe situações objectivamente idênticas e os factos alegados pela recorrente não são de molde a demonstrar que as empresas invocadas se encontram em circunstâncias idênticas à da recorrente;
16-Do mesmo modo, não se pode concordar com a recorrente quando vem invocar nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à alegada violação do princípio da igualdade;
17-Da sentença ora colocada em crise resulta claramente que o Tribunal “a quo” se pronunciou sobre o alegado vício de violação do princípio da igualdade, tendo considerado que ".../...não tendo sido igualmente alegados factos concretos que permitam ao julgador determinar se outras empresas se encontram em circunstâncias idênticas às da impugnante teriam beneficiado de outras condições quanto à concreta aplicação das taxas controvertidas já que, como refere o R. na sua contestação várias das empresas mencionadas não estão nas mesmas condições do impugnante (cfr.casos da CP, da EDP e da PT), enquanto as empresas que operam na mesma área de actividade se encontram submetidas ao mesmo regulamento (cfr. casos da Petrogal, Repsol e Lisboagás) e atento a que, a alegação, carecida de demonstração, da existência de desigualdade na aplicação da norma controvertida não é susceptível de constituir objecto de recurso de constitucionalidade por não afectar a validade da norma aplicada. - cfr. nesse sentido Ac. Ne 45/2010, de 03.02.10, do TC proferido no Processo n.s 889/09. Improcede assim e igualmente a alegada violação do princípio da igualdade";
18-O Tribunal “a quo” considerou também que os tributos colocados em crise se afiguram proporcionais e adequados aos fins;
19-A ora recorrente não demonstrou quais os benefícios por si auferidos do desenvolvimento da sua atividade, sendo certo que a jurisprudência é unânime que, ao prestar o serviço público de distribuição de gás, esta satisfaz a sua necessidade individual de obter lucro ao mesmo tempo que satisfaz um interesse coletivo (neste sentido, vd. Acórdão STA de 27.04.2005, Processo n.º 1338/04);
20-E só alcança este objetivo individualista de obter o lucro fazendo utilização de bens do município, designadamente o solo e subsolo municipais, limitando assim a utilização desse espaço por outras entidades;
21-O facto é que a ocupação do solo e subsolo com depósitos de gás prejudica a sua utilização para os outros fins e implica para o Município a necessidade de fazer o planeamento e gestão dos cruzamentos das várias ocupações solicitadas;
22-Termos em que, muito bem andou a douta sentença ao concluir que as taxas cumprem os desideratos para a sua caracterização como taxa, entre os quais o princípio da proporcionalidade;
23-Perante a não violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade fica também sem sustentabilidade todo o raciocínio que imputa inconstitucionalidade às taxas controvertidas;
24-Em conclusão, os tributos em discussão revestem a natureza de taxas e não de impostos, não padecendo os actos de liquidação dos vícios que a recorrente lhes vem imputando;
25-Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Senhores Desembargadores melhor suprirão, deve ser mantida na integra a douta decisão recorrida, assim se alcançando a elementar JUSTIÇA!
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao recurso e se manter a sentença recorrida (cfr.fls.253 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza das questões a dirimir (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil), vem o processo à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.138 e 139 dos autos):
1-Em 6/12/2010, foram elaborados ofícios de notificação dos actos de liquidação da taxa devida pela ocupação do subsolo municipal, para o ano de 2010, referente a vários depósitos devidamente identificados, nos termos do disposto no nº.20, do artº.28, da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra, devidamente comunicadas ao interessado (cfr.documentos juntos a fls.22 a 30 dos presentes autos);
2-Das liquidações mencionadas no nº.1, veio a impugnante deduzir reclamação graciosa, a qual mereceu decisão por parte da entidade administrativa competente de indeferimento (cfr.documentos juntos a fls.32 a 42 dos presentes autos);
3-Dá-se aqui por reproduzido o aviso nº.9719/2010, de 17/05/2010, relativo à deliberação da Assembleia Municipal de Sintra de 27/04/2010, que aprovou a Tabela de Taxas do ano de 2010, assim como o artº.28, da mesma Tabela, tudo publicado no D.R. nº.95, II Série.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, mais julgando válida e legal a liquidação dos tributos notificados à impugnante pela Câmara Municipal de Sintra relativos à ocupação do espaço público com instalações de gás, referentes ao ano de 2010, no valor total de € 6.036,78 e objecto destes autos.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado, alegando em primeiro lugar e como supra se alude, que não pode concordar com a apreciação feita pelo Tribunal “a quo”, relativamente à inconstitucionalidade das taxas exigidas pelo Município de Sintra por violação do princípio da igualdade, porquanto foi alegada matéria factual para corroborar a violação do princípio da igualdade, designadamente os factos descritos nos artigos 21 a 28 da impugnação. Que o Tribunal “a quo” não se pronunciou, como devia, sobre o pedido formulado pela ora recorrente “D........”, pelo que se deverá considerar que a sentença do Tribunal “a quo” padece de um vício de omissão de pronúncia, o que implica necessariamente a nulidade da mesma, nos termos do artº.668, nº.1, al.d), do C.P.C., aplicável por remissão da al.e), do artº.2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (cfr.conclusões 18, 19, 42 e 54 do recurso).
Deslindemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, o que o recorrente pretende é que o Tribunal “a quo” não levou em consideração diligências probatórias pedidas pelo apelante e que visavam corroborar a violação do princípio da igualdade, assim sendo relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir no processo. Ora, tal matéria não se coloca no âmbito da validade formal da sentença. Ou seja, a falta de realização de diligências probatórias poderá constituir uma nulidade processual relativa ou secundária (cfr.artº.98, do C.P.P.Tributário) e não uma nulidade de sentença, conforme mencionado supra.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia sobre qualquer questão suscitada, não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade e, nestes termos, devendo improceder este fundamento do recurso.
Passando às nulidades processuais, dir-se-á que os desvios do formalismo processual previsto na lei constituirão nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil. Neste caso, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc. 5533/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/5/2013, proc.6018/12).
“In casu”, o impugnante/recorrente não suscitou no processo, na altura e pelo modo devidos, a eventual nulidade processual que consistiria na não efectivação de diligências probatórias requeridas na p.i. (não estando em causa, neste momento, o mérito de tais diligências). Concluindo, a eventual existência de uma nulidade secundária derivada da não realização das diligências probatórias requeridas pelo impugnante/recorrente deve considerar-se sanada nos termos mencionados supra.
E recorde-se que nos termos do artº.113, do C.P.P.T., se no âmbito do processo de impugnação a questão a apreciar for apenas de direito ou, sendo também de facto, se o processo fornecer todos os elementos necessários para a decisão, será ordenada vista ao Ministério Público, para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas nos autos ou para promover outras no âmbito das suas competências legais, após o que deverá o Tribunal conhecer logo do pedido (cfr.artºs.113, nº.1, e 121, do C.P.P.T.). O conhecimento imediato previsto neste artigo é obrigatório, tanto no caso de estar em causa apenas resolução de questões de direito, como no caso de estar em causa também, ou exclusivamente, questões de facto, como se infere da redacção imperativa adoptada no nº.1, deste artº.113 (“...conhecerá...”). No caso de estar em causa a resolução de questões de facto, o conhecimento imediato não deixa de ser obrigatório, mas a questão de saber se o processo fornece os elementos necessários envolve alguma subjectividade, a mesma que está ínsita na possibilidade de o juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade, conforme estatui o artº.13, nº.1, do C.P.P.T. De qualquer modo, só no caso de o juiz entender ser de realizar ou ordenar diligências de prova poderá deixar de conhecer imediatamente do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 14/5/2013, proc.6018/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.249 e seg.).
Concluindo, não se verifica qualquer nulidade processual secundária no âmbito do presente processo.
Como fundamento do presente salvatério alega, por último e em síntese, o apelante que, ao contrário daquilo que sustenta o Tribunal “a quo”, nem sequer estamos perante uma verdadeira taxa, uma vez que lhe falta o indispensável nexo sinalagmático ou bilateralidade, antes estando perante um imposto. Que não existe qualquer benefício ou vantagem patrimonial para o recorrente, em consequência da utilização do domínio público, antes existindo para o munícipe. E que a virtualidade de afirmar a existência da bilateralidade do tributo em causa só seria possível se a esse benefício correspondesse alguma actividade ou custo para a autarquia, o que não se verifica. Que a criação e cobrança de tais tributos terá de ser considerada inconstitucional, por violação inequívoca do princípio da legalidade tributária, consagrado no nº.2, do artº.103, da C.R.P. Igualmente por violação do princípio da igualdade previsto nos artºs.13, e nº.2, do 266, da C.R.P. Ainda por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no nº.2, do artº.266, da C.R.P. (cfr.conclusões 6 a 17, 20 a 41 e 43 a 53 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O fornecimento de gás é considerado um serviço público essencial, o qual se encontra sujeito a especiais regras de protecção dos utentes do mesmo serviço (cfr.artº.1, nº.2, al.c), da Lei 23/96, de 26/7, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2008, de 26/2).
A definição dos bens do domínio público e o seu regime inserem-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e já se inseriam nessa reserva à face da redacção da Constituição saída da revisão constitucional de 1989 (cfr.artº.168, nº.1, al.z), da C.R.Portuguesa). Actualmente tal regime de reserva relativa encontra-se consagrado no artº.165, nº.1, al.v), da C. R. Portuguesa. Este regime de reserva da A. R. abrange a definição, não apenas do domínio público do Estado, mas também do de outras entidades públicas susceptíveis de serem titulares dele, como sejam as regiões autónomas ou as autarquias (cfr.artº.84, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.334; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 16/1/2008, rec.603/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.5533/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/5/2013, proc.6018/12).
Por força do princípio da generalidade e universalidade dos tributos, onde se incluem as taxas (artº.5, nº.2, da L.G.Tributária), estes a todos são aplicáveis, incluindo o ora recorrente. Sendo que, no caso concreto, a legitimidade da C.M.Sintra para liquidar as taxas objecto do presente processo se baseia nos artºs.238, nº.4, e 241, da C.R. Portuguesa, no artº.8, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29/12, e no artº.15, da L.F.L. aprovada pela Lei 2/2007, de 15/1.
A taxa deve visualizar-se como uma receita pública estabelecida por lei, quer como retribuição de serviços prestados individualmente aos particulares no exercício de uma actividade pública, quer como contrapartida da utilização de bens do domínio público, quer, ainda, como contrapartida da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares. A taxa situa-se apenas no domínio dos serviços públicos divisíveis. Na verdade, existem actividades públicas ditas indivisíveis, dado que o benefício para os particulares das mesmas resultante tem carácter genérico (v.g.defesa nacional; actividade legislativa; actividade diplomática). Porém, existem muitas outras actividades e serviços públicos de que os particulares podem extrair vantagens individualmente consideradas, pelo que, nesses casos, há a possibilidade de realizar a respectiva cobertura financeira, total ou parcialmente, mediante a criação de taxas (v.g.propinas da instrução pública; custas da justiça; portagens pagas nas vias de comunicação). Atento o referido, o que caracteriza definitivamente a taxa em face do imposto, consiste no carácter sinalagmático ou bilateral daquela e unilateral ou não sinalagmático deste. A taxa não se basta com a existência de uma contrapartida jurídica de carácter genérico, sendo necessário que seja satisfeita uma contraprestação individual pelo devedor para que exista (cfr.artº.4, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/1/94, Acórdãos Doutrinais, nº.396, pág.1412 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/5/96, Acórdãos Doutrinais, nº.420, pág.1420 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Editora Rei dos Livros, 1996, I, pág.74 a 77; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª. edição, Livraria Almedina, 1996, pág.35 a 37; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.30 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.85).
Actualmente, a taxa pode definir-se como uma prestação coactiva, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos. Em contraste com o imposto de características unilaterais, a taxa caracteriza-se pela sua natureza cumutativa ou bilateral, devendo o seu valor concreto ser fixado de acordo com o princípio da equivalência jurídica. A natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma actividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr.artº.4, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária; artºs.3 e 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29/12; artº.15, nº.2, da L.F.L. aprovada pela Lei 2/2007, de 15/1; Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais, Introdução e Comentário, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.8, 2009, pág.83 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, ob.cit., pág.30 e 31).
Recorde-se, também, que a distinção entre imposto e taxa assume especial relevo perante os princípios gerais de direito tributário material, designadamente face ao princípio da legalidade, concebido como reserva absoluta de lei formal, isto é, lei da Assembleia da República (cfr.artº.103, nº.2, da Constituição da República, na redacção introduzida pela Lei Constitucional 1/97, de 20/9), princípio este que, segundo a doutrina, abrange somente o imposto mas não já as taxas que podem ser criadas por decreto-lei do Governo, sem prévia autorização legislativa (cfr.Nuno Sá Gomes, ob.cit., pág.76; Soares Martínez, ob.cit., pág.37; J. L. Saldanha Sanches, ob.cit., pág.31).
No caso “sub judice”, será que nos encontramos perante uma verdadeira taxa ou antes perante um imposto?
A nomenclatura empregue pelo legislador nem sempre corresponde à realidade sobre que versa, pelo que só através da análise dos elementos de um determinado tributo se deve proceder à sua qualificação como taxa ou imposto.
O desenvolvimento tecnológico nas mais diversas áreas - mas principalmente nos sectores da energia e das telecomunicações - tornou o solo e subsolo das vias públicas num espaço privilegiado de realização de finalidades administrativas. Este segmento do domínio público tem hoje um “valor económico próprio”, propiciador da realização das mais diferentes utilidades. Trata-se de um espaço cuja principal função - que naturalmente pauta e baliza a sua valia económica - não é já a de garantir o regular funcionamento da circulação viária sobrejacente.
A relação sinalagmática, típica das taxas, entre o benefício recebido e a quantia paga não implica uma equivalência económica rigorosa entre ambos, mas não pode ocorrer uma desproporção que, pela sua dimensão, demonstre com clareza que não existe entre aquele benefício e a quantia paga a correspectividade ínsita numa relação sinalagmática.
Nomeadamente, o que está em causa, em primeiro lugar, para determinar se o tributo tem natureza de taxa, é, no caso concreto, se a ocupação do solo/subsolo consubstancia uma utilização individualizada desse bem, no interesse próprio do recorrente, seja ou não exclusivo.

A utilização do solo com depósitos de gás por parte do recorrente consubstancia uma utilização individualizada deste, uma vez que, mantendo o impugnante essa utilização, não será possível utilizar o mesmo espaço para outras finalidades, ficando, assim, limitadas as possibilidades de utilização desse solo/subsolo para outras actividades de interesse público e para outras concessões do seu uso pela autarquia, com cobrança das respectivas taxas.
Como se refere no artº.4, nº.2, da L. G. Tributária, e já anteriormente se entendia, as taxas podem ter por fundamento, além do mais, a utilização de um bem do domínio público, conforme se alude supra.
Relativamente aos bens classificados pela Constituição como integrando o domínio público, as autorizações de uso privativo do domínio público através de licenças ou concessões, não podem, sem violar a mesma Constituição, deixar de ser efectuadas em situações em que, concomitantemente com o interesse do particular, há também um interesse público, mesmo que não seja o prevalente. Por isso, a satisfação de um interesse público pela actividade de uma empresa privada, não é obstáculo à aplicação da taxação prevista para autorizações de uso privativo de bens do domínio público, sendo mesmo esse tipo de situações, no qual existe, cumulativamente, interesse público e privado, o campo de aplicação natural das taxas pela utilização de bens do domínio público. É este o caso dos autos, não visualizando o Tribunal “ad quem” que o tributo objecto dos presentes autos viole o princípio da equivalência jurídica.
Mais se dirá que a jurisprudência actual do Tribunal Constitucional e do S.T.A.-2ª.Secção, é uniforme no sentido de concluir que os tributos liquidados visando a ocupação de via pública revestem a natureza de taxas (cfr.ac.Tribunal Constitucional 365/2003, de 14/7/2003; ac.Tribunal Constitucional 366/2003, de 14/7/2003; ac.Tribunal Constitucional 396/2006, de 28/6/2006; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 17/12/2008, rec.267/08; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 20/1/2010, rec.731/09; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 17/11/2010, rec.174/10).
Em conclusão e atento o referido, deve considerar-se que o tributo objecto dos presentes autos é uma taxa (e não um imposto) e que a sua criação e cobrança não ofende o princípio da legalidade tributária consagrado no nº.2, do artº.103, da C.R. Portuguesa.
Passemos, agora, ao exame da alegada violação do princípio da igualdade previsto nos artºs.13, e nº.2, do 266, da C.R.Portuguesa.
O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental.
As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; ac.Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).
Pretende o recorrente que várias empresas concessionárias de serviço público, nomeadamente a “CP”, “Portugal Telecom” e “EDP”, utilizam bens dominiais para implantação de infra-estruturas, sem pagarem por isso qualquer taxa, o que, segundo afirma, pode consubstanciar uma situação de vantagem concorrencial, implicando uma violação do princípio da igualdade. No entanto, como logo se entrevê, uma tal arguição teria que ser imputada a uma norma específica, o que, no caso concreto, não acontece. Por outro lado, a norma em que se fundamenta a liquidação das taxas objecto dos presentes autos, o artº.28, nº.20, da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra (cfr.nº.3 do probatório), tal como se encontra formulada, na parte que aqui nos interessa, refere-se à ocupação do espaço público com instalações de depósitos de gás, consagrando o pagamento de um montante específico por cada metro quadrado/fracção de ocupação e por ano. Tal norma não estabelece qualquer diferenciação de regime entre os seus possíveis destinatários, pelo que não é possível concluir pela existência de um tratamento diverso para situações que sejam iguais. O que, quando muito, poderá resultar da alegação do recorrente - que, em qualquer caso, carece de demonstração - é que exista uma situação de desigualdade na aplicação da lei por parte da Administração, ou a aplicação de outras normas que prevejam isenções subjectivas, o que, em qualquer caso, não afecta a validade da própria norma aplicada, e muito menos leva à sua inconstitucionalidade, devido a violação do examinado princípio da igualdade (cfr. ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.5533/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/5/2013, proc.6018/12).
Por último, estudemos a alegada violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no nº.2, do artº.266, da C.R.Portuguesa, como princípio orientador do agir da Administração.
O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.801 e seg.).
De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr.José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67, em anotação ao artº.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações procedimentais que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.448 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.449 e seg.).
No caso “sub judice”, pretende o recorrente que os custos para o município resultantes da ocupação do solo/subsolo das ruas e caminhos municipais com depósitos, tubos e condutas de distribuição de gás são virtualmente inexistentes, e que, devendo haver uma qualquer contraprestação susceptível de avaliação monetária como forma de legitimar a cobrança de uma taxa, no caso, o preço a estabelecer deveria ser meramente simbólico.
Já vimos, no entanto, que a contrapartida a que corresponde a exigência da taxa, no caso concreto, não decorre da prestação concreta de um serviço público, mas da utilização de um bem de domínio público (cfr.artº.4, nº.2, da L.G.Tributária). E neste ponto, nada permite concluir que a taxa a cobrar deva corresponder ao prejuízo que a existência dos depósitos/condutas possa implicar para a circulação viária (ou seja, para o fim a que se destina a constituição do domínio público viário), o que levaria, na prática, à tendencial gratuitidade da utilização do solo/subsolo quando esse prejuízo fosse nulo ou irrelevante.
Pelo contrário, justifica-se que se atribua ao solo/subsolo um valor económico autónomo, numa perspectiva de boa gestão do interesse público, que torne possível comparar os custos do uso privativo de um bem de domínio público com os encargos decorrentes de formas alternativas de obtenção da mesma utilidade económica, designadamente quando se opte pela constituição de servidões sobre prédios privados ou a implementação de meios de transporte e distribuição que não impliquem a ocupação do solo/subsolo. Ora, não há, neste contexto, qualquer indício, resultante da prova efectuada nos autos, de que o valor efectivamente cobrado, com base nos critérios definidos no artº.28, nº.20, da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra, seja excessivo ou desproporcionado de forma a pôr em causa, de modo evidente, a ideia de correspectividade que deverá estar presente na determinação da taxa em causa (cfr.ac. Tribunal Constitucional 365/2003, de 14/7/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.5533/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/5/2013, proc.6018/12).
Concluindo, também não visualiza o Tribunal que o montante de taxa efectivamente cobrado pelo Município de Sintra, tendo por objecto a ocupação do espaço público com instalações de gás, seja violador do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado.
Arrematando, julga-se improcedente este último fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a presente fundamentação.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Novembro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)