Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:465/13.0BELRA-A
Secção:CA
Data do Acordão:02/04/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Sumário:i) Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade por falta de fundamentação é necessário que mesma a falta seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
ii) O vício de contração entre os fundamentos e a decisão ocorre quando existe uma contradição intrínseca entre os fundamentos invocados na sentença e a decisão nela tomada, quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão nela tomada segue um caminho completamente oposto.
iii) A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
iv) A prova produzida em Juízo e explicitada na fundamentação da matéria de facto, não sustenta minimamente a pretensão das Recorrentes de que o de cujus, recluso no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, tenha sido alvo de maus-tratos ou agressões físicas ou psicológicas por parte dos guardas prisionais ou sequer reclusos que no mesmo se encontravam.
v) Da factualidade provada, considerando o estado físico e psicológico do de cujus, nenhum elemento é evidenciado que pudesse justificar uma vigilância diferenciada do mesmo. Este não manifestava qualquer sinal de instabilidade física ou emocional que apontasse, minimamente, feito um juízo de prognose póstuma, no sentido de o mesmo se poder vir a suicidar.
vi) Sendo os requisitos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado cumulativos, na ausência de verificação de um fundamento (nexo de causalidade), não pode o pedido indemnizatório, a esse título formulado, proceder.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:




I. Relatório


P... intentou no TAF de Leiria, em nome próprio e enquanto representante legal de L..., respectivamente, viúva e filha de M..., a presente acção administrativa de responsabilidade civil contra o Estado Português, com fundamento na circunstância de o de cujus ter falecido na sua cela no estabelecimento prisional de Torres Novas enquanto se encontrava a cumprir a pena a que fora condenado, na qual peticionou a condenação do Réu a:

1) Pagar às Autoras, a quantia de € 356, 569,00, acrescida dos juros vencidos à taxa legal e dos que se vencerem desde a sua citação para esta ação, até efetivo e integral pagamento (…);

2) Pagar à Autora P... a quantia de 50.000,00 € acrescida dos juros vencidos à taxa legal, e dos que se vencerem desde a sua citação para esta ação até efetivo e integral pagamento (…);

3) Pagar à Autora L... a quantia de 25.000,00 €, acrescida dos juros vencidos à taxa legal, e dos que se vencerem desde a sua citação para esta ação, até efetivo e integra pagamento (…);

Por sentença de 31.08.2020, a acção foi julgada improcedente e o R. absolvido dos pedidos.

A A., por si e em representação de L..., não concordando com o assim decidido, recorre para este TCAS, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1) I – Do decurso factual e processual: Em 07.06.2007 o recluso falecido M... foi condenado no âmbito do Processo Abreviado n.º 819/07.1GAVNO que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, pela prática de um crime de desobediência simples (artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do CP), pela recusa de se submeter a prova prevista no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 do Código da Estrada (facto provado n.º 83

1), tendo sido condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão, a qual foi substituída por 36 (trinta e seis) períodos (fins-de-semana) de prisão por dias livres, cada um deles com a duração de 48 horas, cada um a 5 dias de prisão contínua (artigo 45.º, n.os 1 e 2 do CP) (facto provado n.º 1) e começado a cumprir a referida pena em 08.08.2008 no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, sendo que, desde o início do cumprimento da pena, o mesmo se queixava intensa e frequentemente à mulher Autora/Recorrente, ao advogado, ao pai, ao sogro e aos amigos de ter sido objeto de maus-tratos por parte de um guarda prisional, de nome J..., manifestando um grande medo, receio e nervosismo em relação ao mesmo (factos provados n.os 2, 3, 4, 5, 6, 16 e 17);

2) Na semana anterior à morte do recluso M... (na semana anterior a 26.09.2008), o seu advogado, o Dr. L..., contatou então o Estabelecimento Prisional de Torres Novas para dar conta dos maus tratos sofridos pelo seu cliente aquando do cumprimento da pena aos fins-de-semana (facto provado n.º 8);

3) No dia 26.09.2008 (sexta-feira), no 8.º fim-de-semana de cumprimento de pena, o recluso falecido M... estava muito receoso por ter de regressar ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas, não só pelos maus tratos sofridos até então, como também estava com medo de represálias pela queixa oficial apresentada pelo seu advogado. Nesse dia, o mesmo, por estar sem carta de condução, foi conduzido ao referido Estabelecimento Prisional pela Autora/Recorrente, tendo ambos parado num café para beber dois uísques, porque estava muito nervoso (factos provados n.os 10, 12 e 13);

4) Em virtude de um atraso de 20 minutos para o recluso falecido se apresentar no Estabelecimento Prisional, a Autora/Recorrente ligou para o mesmo a informar do atraso, aproveitando para questionar se o guarda prisional J... estava de serviço, tendo em conta o medo e nervosismo do seu marido (facto provado n.º 14) e no telefonema foi-lhe respondido que ele não se encontraria de serviço, contudo, quando a Autora/Recorrente e o recluso falecido chegam ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas viram um veículo automóvel, reconhecendo-o, sabendo que pertencia ao guarda prisional J..., concluindo, assim, que este estava ao serviço nesse dia, 26.09.2008, momento em que o recluso falecido muito hesita por estar muito nervoso e receoso (factos provados n.os 15, 16 e 17);

5) Só perante a tentativa de amenizar o recluso falecido por parte da Autora/Recorrente é que o mesmo se apresenta no referido Estabelecimento pelas 19h20, ou seja, vinte minutos atrasado (facto provado n.º 19);

6) Ao recluso falecido M... foi realizada a habitual revista à entrada do Estabelecimento, durante a qual o mesmo foi surpreendido, pois foi-lhe encontrada no bolso das calças uma bola do tamanho de um berlinde enrolado em papel celofane transparente que revelou ser canábis, sendo que o mesmo afirmava não ser dele (facto provado n.º 25), tanto mais que quanta falta de inteligência seria necessária para uma pessoa – que já se encontrava debaixo de uma forte pressão dos maus tratos na prisão - decidir levar droga no bolso das calças quando sabe, de certo, que é realizada uma revista aquando da apresentação no Estabelecimento Prisional, sendo certo que o bolso da calças constitui um local muito fácil de a mesma ser encontrada;

7) O recluso falecido M... foi colocado ilegalmente em regime de separação, numa cela isolado dos demais reclusos, não tendo o mesmo oferecido resistência, mas manifestando receio (factos provados n.os 33, 34, 35, 36 e 39).

8) Na manhã de 27.09.2008, depois das 06:00 horas, um recluso (não identificado no facto provado) foi ver o recluso M..., o qual aparentava estar morte (facto provado n.º 52), sendo que só às 07:00 horas – 07:30 horas é que um outro recluso (J...) terá alertado os guardas prisionais para tal facto (facto provado n.º 54);

9) Contudo, consta do registo que o recluso só foi encontra morto às 08:07 horas (facto provado n.º 116), sendo que a Polícia Judiciária só se deslocou ao Estabelecimento Prisional cerca das 08:40 horas (facto provado n.º 85), tendo o INEM chegado após a PJ (facto provado n.º 85), e sendo que a PSP só recebeu conhecimento do falecimento pelo INEM cerca das 11:30 horas (facto provado n.º 66);

10) O corpo do recluso falecido M..., quando foi encontrado pelas autoridades judiciais, estava suspenso na grade da janela, de costas para a mesma, ligeiramente curvado, com os pés a tocarem no chão, e o lençol da cama enrolado no pescoço (facto provado n.º 56);

11) Segundo o Relatório de Autópsia lavrado pelo Instituto de Medicina Legal (Gabinete Médico Legal de Tomar), a análise toxicológica efetuada ao sangue revelou a presença de álcool etílico na quantidade de 1,91 g/l (um grama e noventa e um centigramas por litro) (facto provado n.º 114);

12) Não obstante, segundo o a Informação de Serviço efetuada pelo Inspetor da Polícia Judiciária P..., o nó do lençol à volta do pescoço do recluso falecido caracterizava-se por ser um “nó típico, fixo e simétrico” (facto provado n.º 85);

13) A Autora/Recorrente, após o recebimento da trágica notícia da morte do seu marido, e totalmente inconformada com a mesma, dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional, pedindo para ver as câmaras de vigilância, mas tal foi-lhe negado, tendo sido informada que estavam avariadas e não havia registos de imagem (facto provado n.º 65);

14) O Relatório de Autópsia lavrado pelo Instituto de Medicina Legal (Gabinete Médico Legal de Tomar) foi inconclusivo, “não sendo possível, apenas pela autópsia, o diagnóstico diferencial entre este [o suicídio], homicídio ou acidente” (facto provado n.º 108 e 114);

15) O agregado familiar do recluso falecido era constituído pela Autora/Recorrente mãe e pela Autora/Recorrente filha menor, sendo que ele era o único que trabalhava (sócio de uma empresa e motorista por conta própria), por opção do agregado, davam-se todos muito bem, tinham uma relação próxima, eram muito apegados uns aos outros, alegres de convício social, com um projeto de construção de uma casa (factos provados n.os 122 a 130, 134 e 135);

16) A morte trágica e totalmente inesperada do recluso falecido M... provocou um enorme impacto na vida das Autoras/Recorrentes, impacto a todos os níveis, emocional (depressão), afetivo, psicológico (acompanhamento por profissional), psiquiátrico (acompanhamento por profissional), económico (o pai da Autora/Recorrente é que auxiliou financeiramente a sua filha e neta após a referida morte), social, nunca mais a Autora/Recorrente mãe tendo refeito a sua vida com mais ninguém, ainda hoje ambas as Recorrentes choram a morte do seu marido e pai, sentindo muito a sua falta factos provados n.os 131 a 149);

17) A Autora/Recorrente P... intentou em nome próprio e enquanto representante legal de L..., a presente ação administrativa contra o Estado Português, alegando o que acima se transcreveu;

18) Decorridas as duas audiências de julgamento, a Meritíssima Juiz do tribunal a quo entendeu, e bem, na sentença recorrida não estarem reunidas as condições nem subjetivas nem objetivas passíveis de justificar a aplicação da medida especial de segurança de colocação em “regime de separação” aplicada a M..., tanto mais que apenas se podiam manter enquanto durasse o perigo que determinou a sua aplicação e não podiam ser utilizadas a título de medida disciplinar, sendo que no caso concreto inexistia qualquer situação de perigo e não se justificava a aplicação da medida apenas para disciplinar o facto de a M... ter sido encontrado produto estupefaciente na revista efetuada à entrada do estabelecimento prisional, prefigurando-se existir ilegalidade do ato que determinou a colocação de M... em “regime de separação”, por falta de verificação dos requisitos materiais com base nos quais a mesma poderia ser determinada;

19) O tribunal a quo entendeu ainda que no que respeita à forma da prática do ato, resulta do ponto 33. do elenco dos factos provados que o mesmo foi praticado oralmente pelo Diretor do Estabelecimento Prisional, por telefone. (…), termos nos quais, se prefigura, também relativamente a aspeto enfermar o ato praticado de ilegalidade, tanto mais que não foi invocado nenhum motivo de urgência passível de determinar que tal forma pudesse deixar de ser observada. Motivo pelo qual, se verifica quanto a este aspeto este requisito da responsabilidade civil extracontratual do Réu;

20) Contudo, decidiu jugar a ação improcedente;

21) II – Das fontes das quais resulta o crédito indemnizatório das Autoras/Recorrentes: A) – Responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito - por comissão, por agentes de autoridade, de atos lesivos do direito à vida e à integridade física do recluso M..., no Estabelecimento Prisional de Torres Novas: ::::: DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO::::: DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE SE CONSIDERAM INCORRETAMENTE JULGADOS COMO PROVADOS ::::: Foram incorretamente julgados como provados os seguintes pontos de facto,

constantes na Sentença recorrida n.os 12, 21, 22, 23, 28, 29, 39, 43, 51, 103, 106, 109;

22) ::::: DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE SE CONSIDERAM INCORRETAMENTE JULGADOS COMO NÃO PROVADOS ::::: Foi incorretamente julgado como não provado o ponto de facto n.º 1, constante na Sentença recorrida;

23) ::::: DAS CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA ::::: Julgou a Meritíssima Juiz a quo, na Sentença recorrida, como provados os pontos de facto 12, 28, 39 e 43, e como não provado o ponto de facto 1, todos acima já transcritos, julgando que o receio do recluso falecido se fundamentava apenas na descoberta de uma bola de estupefaciente do tamanho de um berlinde encontrada nas suas calças e simultaneamente julgando que, no momento de tal descoberta (que a ele o também apanhou desprevenido) e em momento posterior, não manifestou qualquer indício de instabilidade emocional, tendo apenas o receio de passar a cumprir pena corrida ao invés de aos fins-de-semana.

24) Os factos julgados como provados na sentença recorrida demonstram claramente que o receio do recluso falecido se fundamentava em motivos muito mais graves e anteriores à descoberta da quantidade pequena do referido estupefaciente no bolso das suas calças:

- O recluso falecido M... começou a cumprir a referida pena em 08.08.2008 no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, sendo que, desde o início do cumprimento da pena, o mesmo se queixava intensa e frequentemente à mulher Autora/Recorrente, ao advogado, ao pai, ao sogro e aos amigos de ter sido objeto de maus-tratos por parte de um guarda prisional, de nome J..., manifestando um grande medo, receio e nervosismo em relação ao mesmo (factos provados n.os 2, 3, 4, 5, 6, 16 e 17);

- Na semana anterior à morte do recluso M... (na semana anterior a 26.09.2008), o seu advogado, o Dr. L..., contatou então o Estabelecimento Prisional de Torres Novas para dar conta dos maus tratos sofridos pelo seu cliente aquando do cumprimento da pena aos fins-de-semana (facto provado n.º 8);

- No dia 26.09.2008 (sexta-feira), no 8.º fim-de-semana de cumprimento de pena, o recluso falecido M... estava muito receoso por ter de regressar ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas, não só pelos maus tratos sofridos até então, como também estava com medo de represálias pela queixa oficial apresentada pelo seu advogado. Nesse dia, o mesmo, por estar sem carta de condução, foi conduzido ao referido Estabelecimento Prisional pela Autora/Recorrente, tendo ambos parado num café para beber dois uísques, porque estava muito nervoso (factos provados n.os 10, 12 e 13);

- Em virtude de um atraso de 20 minutos para o recluso falecido se apresentar no Estabelecimento Prisional, a Autora/Recorrente ligou para o mesmo a informar do atraso, aproveitando para questionar se o guarda prisional J... estava de serviço, tendo em conta o medo e nervosismo do seu marido (facto provado n.º 14);

- No telefonema foi-lhe respondido que ele não se encontraria de serviço, contudo, quando a Autora/Recorrente e o recluso falecido chegam ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas viram um veículo automóvel, reconhecendo-o, sabendo que pertencia ao guarda prisional J..., concluindo, assim, que este estava ao serviço nesse dia, 26.09.2008, momento em que o recluso falecido muito hesita por estar muito nervoso e receoso (factos provados n.os 15, 16 e 17);

25) É manifesta a contradição ao julgar como provados os pontos de facto n.os 12, 28, 39 e 43, e como não provado o ponto de facto 1, os quais justificam o receio do recluso falecido apenas na descoberta de uma pequena bola de estupefaciente no bolso do mesmo e, simultaneamente, julgar como provados os pontos de facto n.os 2, 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 13, 14, 15, 16 e 17, os quais demonstram claramente que o receio do recluso falecido se fundamentava em motivos bem diferentes e muito anteriores ao momento da referida descoberta, pois já era vítima de maus tratos e ameaças por parte, pelo menos, do guarda prisional J..., tantas foram as queixas e desabafos, e ainda a reclamação realizada pelo seu advogado no Estabelecimento Prisional;

26) Atente-se ao depoimento prestado pela Autora P..., mulher do recluso falecido, viúva, auxiliar de educação, mãe da Autora/Recorrente menor, supra transcrito, que prestou declarações na audiência final do dia 31.01.2019, o qual foi gravado no sistema informático da plataforma SITAF, cujo nome do ficheiro é “GravaçaoAudiencias 31-01-2019 10-49-01”, com início às 00:19:12 e término às 00:46:15);

27) Analisadas as declarações produzidas, a única preocupação que justificava o grande receio e temor por parte do recluso falecido não era a descoberta do estupefaciente, mas todo um tratamento indigno ocorrido nas instalações do Estabelecimento Prisional, mais especificamente por parte do guarda prisional J..., bem anterior a qualquer facto que tenha ocorrido naquela fatídica sexta-feira;

28) Não foram poucas as vezes que o recluso falecido lhe expressaram um profundo temor relativamente ao comportamento do referido guarda prisional, o qual se veio a manifestaram expressamente pelos constantes desabafos anteriores àquele fim-de-semana, à reclamação efetuada pelo seu advogado, aos dois uísques bebidos antes de entrar no Estabelecimento, ao pânico demonstrado ao verificar o carro do referido guarda estacionado no referido estabelecimento prisional, tendo o recluso falecido mesmo colocar em causa se se iria ou não apresentar, pois já sabia que lhe tinham sido prometidos maus tratos;

29) Atente-se ao depoimento supra transcrito de E..., comerciante, tio da Autora mãe e amigo do recluso falecido, que prestou depoimento na audiência final do dia 31.01.2019, o qual foi gravado no sistema informático da plataforma SITAF, cujo nome do ficheiro é “GravaçaoAudiencias 31-01-2019 10-49-01”, com início às 01:40:48 e término às 01:49:59);

30) A única preocupação que justificava o grande receio e temor por parte do recluso falecido não era a descoberta do estupefaciente, mas o facto de o guarda prisional J... já ter manifestado várias vezes ao recluso falecido querer “fazer a folha”, tanto mais que por várias vezes desabafou com a referida testemunha que era por causa do referido guarda prisional que ia sempre preocupado cumprir a pena aos fins-de-semana, justificando-se o pânico demonstrado pelo recluso falecido ao verificar o carro do referido guarda prisional estacionado no referido estabelecimento prisional, ainda antes de se apresentar para o cumprimento de pena;

31) Atente-se ao depoimento supra transcrito de H..., Motorista, amigo e colega de escola do recluso falecido, conhece as Autoras/Recorrentes, que prestou depoimento na audiência final do dia 31.01.2019, o qual foi gravado no sistema informático da plataforma SITAF, cujo nome do ficheiro é “GravaçaoAudiencias 31-01-2019 10-49-01”, com início às 02:01:10 e término às 02:11:20;

32) O grande temor que o recluso falecido não tanto se relacionava com a descoberta do estupefaciente, mas o facto de o guarda prisional J... já ter manifestado várias vezes ao recluso falecido querer “fazer-lhe mal”, tanto mais que a testemunha contatou com M... que cumpria pena nessa altura e nesse local que o informou que lá fizeram mal trataram o recluso falecido: “fizeram-lhe mal cá dentro, passa-se aqui muita coisa dentro que ninguém imagina”;

33) Tendo em causa a prova produzida e supra transcrita e analisada, deverá a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a alteração dos pontos de factos supra transcritos, devendo-se julgar como não provados os pontos de facto n.os 12, 28, 39 e 43, e como provado o ponto de facto 1, tanto mais que tal alteração trará coerência à sentença recorrida, porque agora não só se fundamenta na prova produzida, como também é coerente com os pontos de facto n.os 2, 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 corretamente julgados como provados, o que se requer;

34) Julgou a Meritíssima Juiz a quo como provados os pontos de facto 21, 22, 23, 51, 103, 106 e 109, e como não provado o ponto de facto 1, todos acima já transcritos, julgando incorretamente quais teriam sido os guardas prisionais de serviço escalados na fatídica noite, excluindo a presença do guarda prisional J..., tendo julgado ainda incorretamente que nenhum barulho se ouviu na ala RAVI, que as marcas no pescoço foram infligidas em vida, que as mesmas não eram compatíveis com estrangulamento e que é possível ocorrer enforcamento com os pés assentes no chão;

35) Atente-se aos pedidos n.os 4 e 5 das Autoras/Recorrentes na sua p.i., acima transcritos - o documento que foi junto para se afirmar que o guarda prisional J... não se encontrava de serviço naquela noite: uma mera Informação, sem data, assinado por um funcionário de nome “P...”, na qualidade de “Chefe”, sem indicar qual a categoria para averiguar da competência para emitir tal Informação – onde simplesmente se alega, em meras 3 linhas de palavras, que “Os guardas escalados em serviço na noite de 26 de Setembro de 2008 para 27 de Setembro de 2008 eram os seguintes – G..., J... e J...”, tendo tal documento sido junto ao presente processo e notificado às partes através de Notificação com a referência n.º 4607662, de 06.11.2015;

36) Não foi junta nenhuma lista nos termos requeridos pelas Autoras/Recorrentes, bem sabendo que o Estabelecimento Prisional, na mesma medida que tem um arquivo de registo para a lista dos reclusos a cumprir pena naquela altura, teria também a lista dos guardas prisionais ao serviço e ainda o comprovativo de que o guarda prisional J... se encontraria de folga;

37) Julgou-se provado que não ocorreram barulhos ou gritos na ala RAVI, pelo que questionamos como tal pode ser possível? Um homem, que já sofria maus tratos e ameaças no estabelecimento prisional em causa, apareceu morto numa cela e não se ouviu nada durante a noite? Como chegou o Tribunal a quo a tal conclusão? Não só não foi produzida prova nesse sentido (factos negativos –ausência de barulho) como o tribunal não fundamentou o que motivou ter chegado a tal conclusão;

38) As declarações supra transcritas de P..., na audiência final do dia 31.01.2019, demonstram o contrário, as quais foram gravadas no sistema informático da plataforma SITAF, cujo nome do ficheiro é “GravaçaoAudiencias 31-01-2019 10-49-01”, com início às 00:19:12 e término às 00:46:15;

39) Ao recluso falecido foram infligidos vários tipos de maus tratos e mesmo que o tribunal a quo julgasse como não provado os maus tratos físicos, sempre estariam manifestamente demonstrados os maus tratos psicológicos, os quais não deixam de ser tão relevantes como os físicos;

40) O Tribunal a quo entendeu que as marcas no pescoço foram infligidas em vida, que as mesmas não eram compatíveis com estrangulamento e que é possível ocorrer enforcamento com os pés assentes no chão. Pergunta-se: onde foi buscar tal conclusão? Não consta do Relatório Pericial, aliás, este é omisso quanto a essas questões, tendo sido até inconclusivo, conforme já se demonstrou, pelo que se pergunta: Como as marcas não eram compatíveis com o estrangulamento? É sabido que o sulco resultante de estrangulamento é idêntico ao do enforcamento (pode ser completo ou incompleto, pode ser ascendente ou descendente), ambos se caracterizando por uma constrição violenta no pescoço, por meio de laço, em ambos existe predominância do mecanismo asfíxico;

41) Ainda se pergunta: com que base foi o tribunal a quo concluir que o enforcamento é possível ocorrer com os pés assentes no chão? Que base científica apresentou? Sendo certo que o Relatório foi omisso também quanto a essa questão;

42) Atente-se nas declarações supra transcritas prestadas pelo perito-médico de medicina legal que realizou a autópsia e elabora o Relatório Pericial, L..., na audiência final do dia 31.01.2019, gravadas no sistema informático da plataforma SITAF, cujo nome do ficheiro é “GravaçaoAudiencias 31-01-2019 10-49-01”, com início às 00:51:00 e término às 01:18:59;

43) Não só as conclusões e esclarecimento do perito servem para fundamentar a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal a quo, em virtude de serem omissos quanto às questões em causa, como também demonstram que foram influenciados indevidamente pelas informações disponibilizadas pelo OPC, em vez de ter sido realizada uma análise rigorosa, imparcial e objetiva do corpo do recluso falecido, pois desde o início que se “promoveu”, de forma manipuladora, que o recluso falecido se teria suicidado, o que não corresponde à verdade;

44) O artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) relembra a existência de presunção de responsabilidade do Estado em caso de lesão física ou morte de pessoas sob a sua custódia e o ónus de prova qualificado que sobre ele recai para proceder à sua ilisão, a qual o Réu/Recorrido não procedeu e que o Tribunal a quo indevidamente não considerou;

45) Deverá a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a alteração dos pontos de factos supra transcritos, devendo-se julgar como não provados os pontos de facto n.os 21, 22, 23, 51, 103, 106 e 109, e como provado o ponto de facto 1, o que se requer;

46) Julgou a Meritíssima Juiz a quo, na Sentença recorrida, como provados o ponto de facto 29 acima já transcrito, julgando que o recluso falecido, após a sua apresentação no estabelecimento prisional e a descoberta do estupefaciente, teria sido encaminhado para a ala RAVI e não logo para a cela de 93 isolamento, o que, conforme resulta até do processo de investigação, não corresponde à verdade;

47) Resulta da “Informação de Serviço” relativa à Inspeção do Cadáver do recluso falecido efetuada pelo Inspetor da Polícia Judiciária P... que esteve no local que “O recluso terá entrado no dia de ontem (26SET08), pelas 19H20 tendo-lhe sido detectado à entrada um produto supostamente estupefaciente (haxixe), que tentava introduzir na cadeia (Cfr. cópias do expediente que se junta). Após isso foi conduzido à cela, onde permaneceu sozinho” (nosso negrito);

48) Não é verdade que o recluso falecido, depois da descoberta da pequenina bola de estupefaciente no bolso das suas calças, tenha sido encaminhado para a ala de RAVI, uma vez que foi logo mandado para a cela de isolamento, não só como medida disciplinar, como também o recluso falecido já antevia que iria sofrer retaliações pela reclamação apresentada pelo seu advogado e face às ameaças já dirigidas pelo guarda prisional J..., tendo a descoberta sido apenas um falso pretexto;

49) Deverá a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a alteração do ponto de facto supra transcrito, devendo-se julgar como não provado o ponto de facto n.s 29, devendo, antes, tal ponto ser alterado no seguinte sentido: “provado ficou que que M..., após a descoberta referida no ponto 25. foi imediatamente mandado para a cela individual de isolamento, como medida disciplinar”, o que se requer;

50) Deverá a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a alteração dos pontos de factos supra transcritos nos termos requeridos, pois a prova produzida nos autos não foi analisada na sua globalidade, nem de forma crítica, como o legislador prevê no artigo 607.º, n.º 4 do CPC;

51) O tribunal a quo não se pronunciou sobre todos os depoimentos supra transcritos, bem como a insuficiente documentação junta pelo Réu/Recorrente e inconclusiva prova pericial produzida, cometendo, consequentemente, uma omissão de pronúncia, vício patente no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC;

52) Há factos corretamente considerados como provados pelo tribunal a quo que não deixam margens para dúvidas de que a hipótese de suicídio não deveria ter sido considerada, antes afastada:

A) – A análise toxicológica: quantidade de 1,91 g/l de álcool etílico no sangue (na Autópsia), sendo que os estudos científicos realizados indicam que uma pessoa de sexo masculino, com aproximadamente 70kg (o recluso falecido tinha 60kg), a quantidade de 1,5g/l já estaria com perda de memória, e a um passo de entrar em coma alcoólico.

Questiona-se: como teria o recluso falecido a capacidade para realizar o procedimento do alegado suicídio? Lembremos o tipo de nó realizado no lençol: “fixo e simétrico”, o qual o recluso não estaria em condições de efetuar;

B) Relatório da PJ refere que o cadáver estava “em suspensão parcial” quando constava também que estava “a planta dos pés assente no chão”. E fotos constantes no Processo de Inquérito n.º 552/08.7TATMR bem evidenciam que os pés do cadáver estavam no chão, o cadáver estava de pé, as suas pernas dobradas, e o corpo foi lá colocado já morto;

C) Como era o M... antes da sua morte: uma pessoa alegre (factos provados 127 e 129), a sua vida familiar: era muito boa a sua relação com a sua mulher e filha menor, as Autoras (factos provados 125 e 126), em termos de saúde física havia a ausência de comportamentos autolesivos (facto provado 128), no domínio laboral: era sócio da sociedade M..., Unipessoal, Lda, (facto provado 122), empresa que, passado um ano da sua morte, entrou em insolvência (Processo n.º 261/09.0TBVNO) (doc. 11 da Contestação). Motorista por conta própria (facto provado 120), na sua saúde emocional e psíquica: ausência de intencionalidade para o suicídio e de ideação suicida (prova testemunhal supra transcrita), no seu contributo para a economia familiar: era fundamental, sendo o único sustento (facto provado 123), apenas cumpria pena de um crime de desobediência simples, com pena substituída, cumprida aos fins-de-semana, iniciada no dia 8 de agosto de 2008 (facto provado 1), nada fazia prever a sua morte (facto provado 81) e tinha um projeto de vida (casamento estável e harmonioso, filha menor, motorista profissional logo emprego estável, não tinha problemas económicos, boa relação com as Autoras antes da morte – facto provado 70);

53) Da prova produzida nos autos, há uma clara ausência de ideação suicida por parte de M..., ausência também de quaisquer pensamentos e cognições sobre acabar com a própria vida, os quais eventualmente poderiam ser vistos como precursores de comportamentos autolesivos ou atos suicidas;

54) Ficou demonstrada a verificação dos pressupostos que tornam o Réu/Recorrente Estado Português responsável pelos atos lesivos do direito à vida, à dignidade e à integridade física do recluso falecido M..., no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, pois verificada está a existência de factos ilícitos, culposos, danosos, sendo notório o nexo causal entre os factos referidos com os danos que foram julgados como provados sofridos pelas Autoras/Recorrentes, pelo que se requer uma reapreciação de facto sobre aquela matéria, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 662.º do CPC;

55) Do exame da Sentença recorrida, deteta-se a existência erro no julgamento quanto à matéria de facto em causa, tendo ocorrido, salvo devido respeito, uma visível falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de incoerência e desrespeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida, pelo que deverá ser revogada, também nesta parte, a Sentença recorrida;

56) ::::: DA DECISÃO QUE DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS ::::: Dos pontos de facto n.os 12, 21, 22, 23, 28, 29, 39, 43, 51, 103, 106 e 109, que foram dados como provados na Sentença recorrida deverão ser considerados como NÃO PROVADOS e o ponto de facto n.º 1 dado como não provado na Sentença recorrida deverá ser dado como totalmente PROVADO, o que se requer;

57) ::::: DO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO ::::: Várias foram as normas jurídicas violadas pelo tribunal a quo com a prolação da sua decisão, acrescendo ainda o facto de que várias foram as normas que o tribunal a quo não teve em consideração no seu julgamento da matéria de direito e que deveriam ter sido aplicadas;

58) Aos cidA...s que se encontrem em cumprimento de pena num estabelecimento prisional em Portugal não são trinchados totalmente os seus direitos fundamentais dos reclusos, aliás, o artigo 30.º, n.º 5 da CRP prevê que qualquer pessoa condenada à privação de liberdade, conserva os seus direitos fundamentais dentro dos limites decorrentes da execução da pena, sendo que o artigo 4.º do DL n.º 265/79, de 01 de agosto (atual artigo 6.º da Lei n.º 115/2009, de 12 outubro) prevê isso mesmo: a existência de um estatuto jurídico do recluso;

59) Competindo ao Tribunal de Execução de Penas garantir os direitos dos reclusos, nos termos do artigo 91.º da Lei 39/99, de 13 de janeiro (LOFTJ) - (atual artigo 115.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), definindo o artigo 3.º, n.º 1 e 2 do DL 265/79 (atual artigo 3.º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 115/2009, de 12 outubro - Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade - CEPMPL) os princípios orientadores da execução da pena;

60) O Corpo da Guarda Prisional é a força de segurança que tem por missão garantir a segurança e tranquilidade da comunidade, protegendo a vida e a integridade física dos cidA...s em cumprimento de pena e medidas privativas da liberdade, assegurando o respeito pelo cumprimento da lei e das decisões judiciais, bem como pelos direitos e liberdades fundamentais, nos termos do artigo 16.º do DL 125/2007, de 27 abril (atual artigo 28.º, n.º 1 do DL n.º 215/2012, de 28 setembro).

61) A Parte I, n.º 2 das Regras Penitenciárias Europeias (adotadas pelo Comité de Ministros em 11.01.2006, na 952.ª reunião de delegados de ministros) prevê que as pessoas privadas da liberdade conservam todos os direitos que lhes não tenham sido retirados.

62) Ao recluso falecido no estabelecimento prisional de Torres Novas foi retirado o bem essencial VIDA, direito constitucionalmente protegido e com previsão legal no artigo 4.º, n.º 1, do DL 265/79 (atual artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 115/2009, de 12 outubro).

63) Ao recluso falecido foi violada a proteção à sua SAÚDE e INTEGRIDADE PESSOAL, pois foi submetido a maus tratos psicológicos e psicológicos degradantes, prevista na alínea a) do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 115/2009, de 12 outubro e na Parte II, n.º 39 das Regras Penitenciárias Europeias, pois as autoridades devem proteger a saúde dos reclusos que têm à sua responsabilidade.

64) Ao recluso falecido foi também violado o direito fundamental da DIGNIDADE HUMANA, em virtude das pressões psicológicas, maus tratos sofridos e face à medida disciplinar ilegal e inconstitucional a que foi sujeito, sendo que tal direito tem previsão expressa no artigo 3.º da CEDH, no artigo 13.º da CRP, sendo certo que:

- O artigo 2.º, n.º 1 do DL 125/2007 (atual artigo 2.º do DL n.º 215/2012, de 28 setembro), prevê que a DGRSP tem como missão assegurar condições compatíveis com a dignidade humana;

- O artigo 2.º, n.º 2, alínea f) do DL 125/2007 (atual artigo 3.º, alínea g) do DL n.º 215/2012, de 28 setembro) prevê que a DGRSP tem como atribuição promover a dignificação e humanização das condições de vida nos estabelecimentos prisionais;

- O artigo 31.º, n.º 1, alínea i) do DL n.º 174/93, de 12 de maio (Estatuto Profissional da Carreira do Corpo da Guarda Prisional) prescreve que são deveres do pessoal do CGP ser urbano nas suas relações com os reclusos;

- A Parte I, n.º 1 das Regras Penitenciárias Europeias prevê que as pessoas privadas da liberdade devem ser tratadas no respeito pelos direitos do homem;

- A Parte IV, n.º 72.1 das Regras Penitenciárias Europeias prevê que as prisões devem ser geridas num contexto ético que traduza o cumprimento do dever de tratar todos os reclusos com humanidade e de respeitar a dignidade inerente ao ser humano;

- A Regra 1 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) prevê que todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade do ser humano;

- O artigo 10.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, com início de vigência relativamente a Portugal em 15.09.1978, aprovado para ratificação pela Lei 29/78, de 12 junho, estabelece que todas as pessoas privadas de liberdade serão tratadas com humanidade e respeito para com a dignidade inerente à pessoa humana;

- O princípio 1 dos Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas presas, adotados e proclamados pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/111, de 14.12.1990, prescreve que todas as pessoas serão tratadas com o respeito devido à sua dignidade e a seu valor inerentes como seres humanos;

- O princípio 1 do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 43/173, de 09.12.1988: Todas as pessoas sob qualquer forma de detenção ou prisão serão tratadas de modo humano e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana.

65) Provadas ficaram as várias queixas apresentadas pelo recluso falecido, nomeadamente a mais formalizada pelo seu advogado na semana anterior à sua morte dentro da prisão, direito a apresentar reclamação exercido nos termos:

- Dos artigos 138.º e 139.º do DL 265/79;

- Princípio 33 do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão: (1) A pessoa detida ou presa, ou seu advogado, tem o direito de apresentar um pedido ou uma queixa relativa a seu tratamento, em particular no caso de tortura ou de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, perante as autoridades responsáveis pela administração do lugar de detenção e autoridades superiores e, se necessário, perante autoridades competentes com poderes para reconsiderar a matéria ou adotar um remédio judicial.

(2) No caso de a pessoa detida ou presa ou seu advogado não poder exercer os direitos previstos no parágrafo 1 do presente princípio, tais direitos poderão ser exercidos por um membro da família da pessoa detida ou presa, ou por qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do caso. O caráter confidencial do pedido ou da queixa será mantido se o requerente o solicitar. O pedido ou a queixa deve ser examinado prontamente e respondido sem demora injustificada. No caso de indeferimento do pedido ou da queixa, ou em caso de demora excessiva, o requerente tem o direito de apresentar o pedido ou a queixa perante uma autoridade judicial ou outra autoridade. A pessoa detida ou presa, ou o requerente nos termos do parágrafo 1, não deve sofrer prejuízos pelo fato de ter apresentado um pedido ou uma queixa.

- Regra 36 das Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas: (1) Toda pessoa presa terá, a cada dia de semana, a oportunidade de apresentar pedidos ou queixas ao diretor do estabelecimento ou ao funcionário autorizado a representá-lo. (2) Os pedidos ou queixas poderão ser apresentados ao inspetor penitenciário durante sua inspeção.

A pessoa presa poderá falar com o inspetor ou com qualquer outro funcionário encarregado da inspeção sem que o diretor ou qualquer outro servidor do estabelecimento se faça presente. (3) Toda pessoa presa deve ter permissão para encaminhar, pelas vias previstas, sem censura quanto às questões de mérito, mas na devida forma, um pedido ou uma queixa à administração penitenciária central, à autoridade judicial ou a qualquer outra autoridade competente. (4) A menos que seja evidentemente incoerente ou infundado, todo pedido ou queixa deverá ser prontamente examinado e respondido sem demora indevida;

- A Regra 56 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela):

i. - n.º 1: Todo o recluso deve ter a oportunidade de, em qualquer dia, formular pedidos ou reclamações ao diretor do estabelecimento prisional ou ao membro do pessoal prisional autorizado a representá-lo.

ii. - n.º 3: Todo o recluso deve ter o direito de fazer um pedido ou reclamação sobre seu tratamento, sem censura quanto ao conteúdo, à administração prisional central, à autoridade judicial ou a outras autoridades competentes, incluindo os que têm poderes de revisão e de reparação.

iii. - n.º 4: Os direitos previstos nos parágrafos 1 a 3 desta Regra serão estendidos ao seu advogado.

Não resultou provado que as Reclamações foram devidamente transmitidas, examinadas, apreciadas e decididas, antes pelo contrário, em violação das seguintes normas:

- Artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do DL n.º 174/93, de 12 de maio (Estatuto Profissional da Carreira do Corpo da Guarda Prisional) que prevê que compete ao CGP transmitir imediatamente ao superior hierárquico competente as reclamações dos reclusos;

- Regra 57 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) que estabelece que:

iv. - 1. Todo o pedido ou reclamação deve ser prontamente apreciado e respondido sem demora. Se o pedido ou a reclamação for rejeitado, ou no caso de atraso indevido, o reclamante deve ter o direito de apresentá-lo à autoridade judicial ou a outra autoridade;

v. - 3. Alegações de tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes devem ser imediatamente apreciadas e devem originar uma investigação rápida e imparcial, conduzida por uma autoridade nacional independente, de acordo com os parágrafos 1 e 2 da Regra 71.

66) As queixas resultaram numa forte retaliação que lhe ceifou a vida no interior do Estabelecimento Prisional, em violação clara da Regra 57 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela), n.º 2, que prevê que devem ser criados mecanismos de salvaguarda para assegurar que os reclusos possam formular pedidos e reclamações de forma segura e, se solicitado pelo reclamante, de forma confidencial, pois o recluso, ou qualquer outra pessoa mencionada no parágrafo 4 da Regra 56, não deve ser exposto a qualquer risco de retaliação, intimidação ou outras consequências negativas como resultado de um pedido ou reclamação – o que claramente não sucedeu no caso;

67) A Regra 8 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) prevê que os pedidos e reclamações, inclusive alegações de tortura, sanções ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, a menos que sejam de natureza confidencial devem ser adicionadas ao sistema de registo do recluso durante a sua detenção (d), previsão também ela violada pelo Estado Português, o que torna difícil e penoso o processo de apresentação de reclamação, sendo o risco de retaliação muito grande, como sucedeu no presente caso;

68) Nenhuma pessoa poderá ser submetida a TORTURA OU A PUNIÇÃO OU TRATAMENTO CRUEL DESUMANO OU DEGRADANTE, inclusivamente reclusos em custódia do Estado Português. Contudo, perante o que acima se demonstrou dúvidas não existem de que o recluso falecido foi desse modo tratado, em violação:

- Do artigo 5.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos;

- Da Regra 1 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela): Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância;

- Da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, nos seus artigos:

i. - Artigo 1.1 – sendo certo que o termo “tortura” significa qualquer ato pelo qual dor ou sofrimento grave, seja físico ou mental, é deliberadamente imposto a uma pessoa a fim de se obter dela ou de um terceiro informações ou uma confissão, puni-la por um ato que ela ou um terceiro cometeu ou é suspeito de haver cometido, ou intimidar ou coagir a pessoa ou um terceiro, ou ainda por qualquer razão com base em discriminação de qualquer natureza, quando dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público ou outra pessoa que esteja agindo numa qualidade oficial, quer por sua instigação, quer com seu consentimento ou sua anuência. O termo não inclui dor ou sofrimento oriundo, inerente ou incidental a sanções lícitas;

ii. - Artigo 2.º:

1. - n.º 1: cada Estado adotará medidas legislativas, administrativas, judiciais ou de outra natureza que sejam eficazes para prevenir atos de tortura em qualquer território sob a sua jurisdição;

2. - n.º 2: Nenhuma circunstância excecional poderá ser invocada como justificativa para a tortura

3. - n.º 3: uma ordem de um superior ou de uma autoridade pública não poderá ser invocada como justificativa para a tortura

- Do Artigo 10.º da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes: Cada Estado Parte assegurará que a educação e a informação referentes à proibição contra a tortura sejam plenamente incluídas na capacitação de funcionários de execução da lei, civis ou militares, pessoal médico, servidores públicos e outras pessoas que possam estar envolvidas na custódia, no interrogatório ou no tratamento de qualquer pessoa sujeita a qualquer forma de prisão, detenção ou encarceramento.

- E ainda o artigo 3.º do Código da Conduta para Funcionários de Execução da Lei: Os funcionários de execução da lei poderão usar a força somente quando estritamente necessário e na medida necessária ao desempenho da sua atribuição;

69) As normas supra referidas foram violadas pelo Estado Português, as quais não foram consideradas pelo tribunal a quo nem na sua apreciação dos factos, assim como também na correta interpretação dos mesmos e aplicação das corretas normas como seu fundamento jurídico, sendo certo que as normas supra referidas deveriam ter sido aplicadas, o que não sucedeu;

70) Verificaram-se todos os pressupostos inerentes à responsabilização do Estado Português, ou seja, factos (identificados) ilícitos (violadores das normas supra indicadas), culposos (nos termos supra demonstrados, sendo de referir que a presunção de responsabilidade recai sobre o Estado, o qual não procedeu à ilisão), danosos (factos provados supra identificados), dos quais resultou a trágica morte de M...;

71) Os maus tratos e ofensas à integridade física e moral pelo guarda prisional J... ao recluso M..., visível pelo clima de hostilidade vivido no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, foram, assim, eventos geradores do invocado direito à indemnização justamente peticionado pelas Autoras/Recorrentes, razão pela qual se impõe a revogação da Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

72) B – Responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito - violação dos deveres relativamente às pessoas que se encontram na guarda do Estado a cumprir pena (ilegalidade e inconstitucionalidade da ordem de colocação do recluso M... em regime de separação, no Estabelecimento Prisional de Torres Novas):::::: DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO::::: DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE SE CONSIDERAM INCORRETAMENTE JULGADOS COMO PROVADOS ::::: Foi incorretamente julgado como provado o ponto de facto n.º 29, constante na Sentença recorrida;

73) ::::: DAS CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA ::::: Neste ponto, remete-se para o que no ponto anterior se disse. De facto, resulta da “Informação de Serviço” relativa à Inspeção do Cadáver do recluso falecido efetuada pelo Inspetor da Polícia Judiciária P... que esteve no local que “O recluso terá entrado no dia de ontem (26SET08), pelas 19H20 tendo-lhe sido detectado à entrada um produto supostamente estupefaciente (haxixe), que tentava introduzir na cadeia (Cfr. cópias do expediente que se junta). Após isso foi conduzido à cela, onde permaneceu sozinho”;

74) Não é verdade que o recluso falecido, depois da descoberta da pequenina bola de estupefaciente no bolso das suas calças, tenha sido encaminhado para a ala de RAVI, uma vez que foi logo mandado para a cela de isolamento, não só como medida disciplinar, como também o recluso falecido já antevia que iria sofrer retaliações pela reclamação apresentada pelo seu advogado e face às ameaças já dirigidas pelo guarda prisional J..., tendo a descoberta sido apenas um falso pretexto;

75) Não obstante o tribunal a quo ter julgado corretamente que se verificaram factos ilícitos do Estado quanto ao dever de guarda (factos provados 33, 35, 37, 38, 43 e 46), a alteração do referido ponto de facto vem agravar ainda mais o nível de ilicitude que ocorreu, pois não só a ordem de colocação de M... foi ilegal e inconstitucional, como foi intempestivamente precedida por uma espécie de providência cautelar excessiva (para não dizer totalmente infundada, pois o mesmo nem sequer teve direito a defesa, nem a procedimento disciplinar escrito para devidamente se defender) por parte dos guardas prisionais que, desde logo, o colocaram em isolamento, sem nunca ter passado pela ala de RAVI;

76) ::::: DA DECISÃO QUE DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS ::::: Deverá a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a alteração do ponto de facto supra transcrito, devendo-se julgar como não provado o ponto de facto n.s 29, devendo, antes, tal ponto ser alterado no seguinte sentido: “provado ficou que que M..., após a descoberta referida no ponto 25. foi imediatamente mandado para a cela individual de isolamento, como medida disciplinar”, o que se requer;

77) ::::: DO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO ::::: A manutenção da ORDEM e SEGURANÇA deve realizar-se com a observação do princípio da proporcionalidade, nos termos do disposto do artigo 108.º, n.º 3 do DL 265/79, de 1 de agosto (atual artigo 86.º, n.º 4 da Lei 115/2009, de 12 outubro), tendo a DGRSP a atribuição assegurar a gestão e segurança dos estabelecimentos prisionais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do DL 125/2007, de 27 abril (atual artigo 3.º, alínea l) do DL n.º 215/2012, de 28 setembro);

78) Ao pessoal do Corpo da Guarda Prisional compete garantir a segurança nos estabelecimentos prisionais, velar pela observância da lei e regulamentos penitenciários, e exercer custódia sobre os detidos, nos termos do artigo 2.º do DL n.º 174/93, de 12 de maio (Estatuto Profissional da Carreira do Corpo da Guarda Prisional), sendo seus deveres desempenhar as suas funções com dedicação e competência, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, alínea a) do mesmo DL;

79) Estabelece a Regra 1 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) que a segurança dos reclusos, do pessoal do sistema prisional, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada;

80) A Parte II, n.º 18.10 das Regras Penitenciárias Europeias prevê também que as condições dos reclusos devem satisfazer medidas de segurança, o menos restritivas possível e que sejam suficientes para prevenir o risco de evasão e o risco de que os reclusos se firam ou firam outrem;

81) E a Parte IV, n.º 54 das Regras Penitenciárias Europeias impõem que devem ser adotados procedimentos para garantir a segurança dos reclusos, do pessoal penitenciário e dos visitantes, bem como reduzir ao mínimo os riscos de violências e de outros incidentes que possam ameaçar a segurança da reclusão;

82) Não foram realizadas medidas que garantissem a segurança de M..., antes pelo contrário, ceifaram-lhe o direito fundamental da sua vida, provocando simultaneamente profundos e dolorosos danos nas Autoras/Recorrentes;

83) A título de falsa medida de segurança, pelo Estabelecimento Prisional foi imposta uma medida disciplinar, injustificada, ilegal, inconstitucional, totalmente violadora das seguintes normas:

- A Regra 36 (2) das Regras Penitenciárias Europeias prescreve que os relatos de desvio de conduta deverão ser APRESENTADOS prontamente à autoridade competente, que os DECIDIRÁ sem demora indevida, apresentação da qual não há qualquer registo.

- A Parte IV, n.º 56.1 das Regras Penitenciárias Europeias prescreve que o procedimento disciplinar deve constituir o último recurso, o que não sucedeu, aliás, não ocorreu nenhuma infração disciplinar.

- A Regra 41 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) estabelece que: 1. Qualquer alegação de infração disciplinar praticada por um recluso deve ser prontamente TRANSMITIDA à autoridade competente, que deve investigá-la sem atrasos injustificados – não ocorreu qualquer investigação no caso; 2. O recluso deve ser informado, sem demora e numa língua que compreenda, da natureza das acusações apresentadas contra si, devendo-lhe ser garantido tempo e os meios adequados para preparar a sua DEFESA – não foram garantidos ao recluso os seus direitos de defesa, tendo sido de imediato mandado para a cela de separação como castigo; 3. O recluso deve ter direito a defender-se pessoalmente ou através de advogado, quando os interesses da justiça assim o requeiram, em particular nos casos que envolvam infrações disciplinares graves. Se o recluso não entender ou não falar a língua utilizada na audiência disciplinar, devem ser assistidos gratuitamente por um intérprete competente – tal direito foi claramente violado;

- O artigo 20.º, n.º 3 CRP prescreve ainda que deve ser cumprido o acesso ao advogado em procedimento disciplinar: o que não sucedeu;

84) É da COMPETÊNCIA do Diretor a determinação de uma medida disciplinar, ordem que se desconhece, pela ausência total de registo, em violação dos artigos 114.º, 131.º e 136.º do DL 265/79 (atual artigo 112.º da Lei n.º 115/2009, de 12 outubro);

85) A Regra 8 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) determina que as seguintes informações devem ser adicionadas ao sistema de REGISTO do recluso durante a sua detenção, quando aplicáveis: (e) Informação sobre a imposição de sanções disciplinares – claramente não ocorreu, em violação da norma referida;

86) A medida disciplinar não pode ofender a dignidade do recluso, nem comprometer a sua saúde ou integridade física, nos termos do artigo 130.º do DL 265/79 (atual artigo 98.º, n.º 3 da Lei n.º 115/2009, de 12 outubro), dignidade que, como se viu, foi profundamente atingida;

87) As punições devem ser JUSTAS E PROPORCIONAIS, face às normas violadas:

- A Regra 31 das Regras Mínimas Para o Tratamento das Pessoas Presas prevê que os castigos corporais, punição mediante colocação da pessoa presa em uma cela escura e todas as punições cruéis, desumanas ou degradantes deverão ser completamente proibidas como punições para violações disciplinares;

- A Regra 32 das Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas prevê que: (1) Punição mediante confinamento ou redução do regime alimentar nunca deverá ser imposta, a menos que o profissional médico tenha examinado a pessoa presa e certificado por escrito que ela está apta a suportar esse tipo de punição. (2) O mesmo se aplica a qualquer outra punição que possa ser prejudicial à saúde física ou mental de uma pessoa presa. Em nenhuma hipótese tal punição poderá contrariar ou divergir do princípio expresso na regra 31. (3) O profissional médico deverá visitar diariamente os presos que estão sujeitos a tais punições e deverá informar o diretor se ele considera necessária a descontinuação ou alteração da punição em razão da saúde física ou mental da pessoa presa;

- A Parte I, n.º 3 das Regras Penitenciárias Europeias que as restrições impostas às pessoas privadas de liberdade devem ser limitadas ao que for estritamente necessário e proporcionadas aos objetivos legítimos que as ditaram, sendo certo que castigo corporal, punição mediante a colocação da pessoa presa em uma cela escura, bem como todas as punições cruéis, desumanas ou degradantes, deverão ser completamente proibidas como punições para transgressões disciplinares, nos termos da Regra 37 das Regras Penitenciárias Europeias;

- A Parte IV, n.º 51 das Regras Penitenciárias Europeias prevê que as medidas de segurança aplicadas individualmente aos reclusos devem corresponder ao mínimo necessário para garantir a segurança, devendo a severidade da sanção deve ser proporcional à gravidade da infração, de acordo com a Parte IV, n.º 60.2 das Regras Penitenciárias Europeias;

- A Regra 3 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) que a detenção e quaisquer outras medidas que excluam uma pessoa do contacto com o mundo exterior são penosas pelo facto de, ao ser privada da sua liberdade, lhe ser retirado o direito à autodeterminação. Assim, o sistema prisional não deve agravar o sofrimento inerente a esta situação, exceto em casos pontuais em que a separação seja justificável ou nos casos em que seja necessário manter a disciplina – o presente caso não se trata de caso pontual;

- A Regra 39, n.º 2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) prevê que as administrações prisionais devem assegurar a proporcionalidade entre a sanção disciplinar aplicável e a infração cometida e devem manter registos apropriados de todas as sanções disciplinares aplicadas – o que claramente não ocorreu;

88) A Regra 43, n.º 1 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) determina que em nenhuma circunstância devem as restrições ou sanções disciplinares implicar tortura, punições ou outra forma de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. As seguintes práticas, em particular, devem ser proibidas: (a) Confinamento solitário indefinido; (b) Confinamento solitário prolongado; (c) Detenção em cela escura ou constantemente iluminada; (d) Castigos corporais ou redução da alimentação ou água potável do recluso;

89) O que aconteceu no caso foi a colocação do recluso em confinamento, em cela de separação, não obstante os instrumentos internacionais deixarem claro que o confinamento não é uma punição cabível, a não ser nas circunstâncias mais excecionais, pois, sempre que possível, seu uso deve ser evitado e devem ser tomadas medidas destinadas a abolir essa prática, pois reconhecem o facto de que períodos de confinamento são potencialmente prejudiciais para a saúde mental da pessoa presa;

90) O Princípio 7 dos Princípios Básicos para o Tratamento de Pessoas Presas estabelece que pelo Estado Português devem ser envidados e estimulados os esforços destinados à abolição ou à restrição do uso do confinamento como forma de punição, princípio violado no presente caso e a Regra 38 (1) das Regras Penitenciárias Europeias determina que a punição mediante confinamento disciplinar somente será imposta se o profissional médico, após exame, certificar por escrito que o preso está apto a suportá-la, assim como o artigo 137.º do DL 265/79 – ora, não houve qualquer análise clínica prévia nesse sentido, no presente caso;

91) A Regra 38(3) das Regras Penitenciárias Europeias prevê que o profissional médico visitará diariamente as pessoas presas que estiverem sujeitas a tais punições e informará o diretor se a descontinuação ou alteração da punição é considerada necessária em razão de saúde física ou mental;

92) Pois para os reclusos que estejam, ou estiveram separados, a administração prisional deve tomar as medidas necessárias para aliviar os efeitos prejudiciais do confinamento neles provocados, bem como na comunidade que os recebe quando são libertados, o que não ocorreu, em violação da Regra 38, n.º 2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela);

93) Tratou-se de um PROCEDIMENTO DISCIPLINAR sem qualquer registo escrito, em violação das normas do CPA como constante na sentença recorrida, como também em violação do artigo 128.º, n.º 3 do DL 265/79, tanto mais que o recluso deve ser informado da infração de que é acusado (artigo 131.º, n.º 1 do DL 265/79), sendo que o Diretor do EP deve ouvir o recluso por escrito (artigo 131.º, n.º 2 do DL 265/79), podendo aquele apresentar defesa, tendo o direito a advogado, sendo certo que o recluso deveria ter sido presumido inocente enquanto a sua culpabilidade não tivesse sido legitimamente e legalmente comprovada, nos termos do artigo 6.º da CEDH e artigo 32.º, nos 2 e 10 da CRP e sendo certo que deveria ter sido emitida uma decisão final fundamentada e notificada ao recluso e seu defensor, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do DL 265/79;

94) Violou-se ainda o princípio do processo equitativo estabelecido no artigo 6.º da CEDH;

95) O Princípio 30 do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão prevê no seu (2) que uma pessoa detida ou presa terá o direito de ser ouvida antes de se adotar uma medida disciplinar e que a pessoa terá o direito de levar tal medida a autoridades de instância superior para reconsideração, enquanto a Regra 30 (2) das Regras Mínimas Para o Tratamento de Pessoas Presas determina também que nenhuma pessoa presa será punida sem que tenha sido informada da transgressão contra ela alegada e tenha tido a oportunidade adequada de apresentar a sua defesa. A autoridade competente realizará um exame completo do caso – o que visivelmente não ocorreu no caso;

96) A colocação em CELA DE SEPARAÇÃO da restante população prisional, nos termos do artigo 111.º, n.º 2, alínea f), n.º 3 e 4 e artigo 113.º do DL 265/79, deve apenas ocorrer quando haja perigo sério de evasão ou tirada ou quando, em virtude de violência contra si próprio ou contra bens jurídicos pessoais ou patrimoniais e mediante uma decisão fundamentada pelo Diretor competente, nos termos do artigo 114.º, n.º 1 do DL 265/79, não podendo tal medida ser usada como medida disciplinar, de acordo com o artigo 111.º, n.º 5 do DL 265/79;

97) Dos factos em apreciação nos autos e das normas violadas (inclusive as não consideradas pelo Tribunal a quo), dúvidas não existem de que pelo Estado Português, ao contrário de cumprir a sua função e deveres de guarda, constituiu antes um carrasco que determinou a morte de M...;

98) Verificaram-se todos os pressupostos inerentes à responsabilização do Estado Português, ou seja, factos (identificados) ilícitos (violadores das normas supra indicadas), culposos (nos termos supra demonstrados, sendo de referir que a presunção de responsabilidade recai sobre o Estado, o qual não procedeu à ilisão), danosos (factos provados supra identificados), dos quais resultou a trágica morte de M... e os danos das Autoras/Recorrentes;

99) A ausência de medidas de segurança perante a frágil situação do recluso M..., visível pelo clima de hostilidade vivido no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, e a aplicação de uma medida disciplinar ilegal e profundamente inconstitucional, foi, assim, um evento gerador do invocado direito à indemnização justamente peticionado pelas Autoras/Recorrentes, razão pela qual se impõe a revogação da Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

100) C – Responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito – por omissão do dever de vigilância, não tendo assegurado o direito à vida e à integridade física e moral do recluso M..., no Estabelecimento Prisional de Torres Novas: ::::: DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO::::: DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE SE CONSIDERAM INCORRETAMENTE JULGADOS COMO PROVADOS ::::: Foram incorretamente julgados como provados os pontos de facto n.os 35, 47, 48, 50 e como não provado o n.º 1;

101) ::::: DAS CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA ::::: Resulta do ponto de facto provado n.º 65 que que a Autora pediu para ver o registo das câmaras de vigilância, o que lhe foi negado por estarem avariadas, tendo falhado o Estado Português ao não garantir que todos os mecanismos de vigilância estivessem operacionais, não obstante a existência da presunção de responsabilidade do Estado Português em caso de lesão física ou morte de pessoas sob a sua custódia de acordo com o artigo 3.º da CEDH, presumindo-se a culpa no artigo 10.º, n.º 2 da Lei 67/2007, de 31 dezembro;

102) O Estado Português nunca chegou a comprovar a avaria das referidas máquinas, a qual, diga-se de passagem, foi bastante conveniente, embora muito prejudicial para as Autoras/Recorrentes, sendo certo que a vigilância do M... se justificava por diferenciada, tendo em conta as suas queixas e reclamação efetuada pelo advogado, pois estava submetido a um ambiente de hostilidade por parte do guarda prisional referido, sendo que a previsão de tal medida de vigilância (câmaras de vigilância) encontra-se prevista no artigo 88.º, n.º 2 do CEP (Código de Execução das Penas) e seu artigo 90.º;

103) Entendeu o Tribunal a quo, na sentença recorrida, que relativamente à cela de separação as rondas não eram obrigatórias, fazendo-o, contudo, sem antes averiguar quais as normas do Regulamento Interno vigentes à data no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, antes assumindo como verdade, e de forma cega, a declaração dos guardas prisionais questionados;

104) A Provedoria de Justiça, na sua Recomendação no Relatório sobre o Sistema Prisional (http://www.provedorjus.pt/archive/doc/RelPrisoes1996.pdf) referiu que no Estabelecimento Prisional de Torres Novas desconhece-se a existência de um Regulamento Interno. Não dispõe de Regulamento Interno, aplicando-se subsidiariamente as regras vigentes no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria, Regulamento que não foi tido em conta pelo tribunal a quo;

105) À data da morte de M... eram obrigatórias as rondas a efetuar pelos guardas prisionais, tanto mais que tinha sido aplicada uma medida de segurança especial de colocação de recluso em cela de separação, que impõe a observação durante o período noturno, nos termos do disposto no artigo 111.º, n.º 2, alínea b) do DL 265/79, também se tendo aplicado a alínea c) e f), o qua também passou despercebido ao tribunal a quo e mesmo que não tivesse ocorrido uma medida especial de segurança, mas apenas uma medida comum, também é um meio comum de segurança a observação dos reclusos, nos termos do artigo 147.º, n.º 2 do DL n.º 51/2011, de 11 de abril e artigo 148.º, n.º 1 do DL n.º 51/2011, de 11 de abril, o qual tem por objetivo o conhecimento dos seus movimentos, atividades, sendo que factos ou circunstâncias relevantes para a segurança devem ser imediatamente comunicados e objeto de informação escrita, nos termos do artigo 148.º, n.º 3 do DL n.º 51/2011, de 11 de abril;

106) Sendo certo que também neste caso de observação noturna por rondas obrigatórias, tal como no caso da existência de câmaras de vigilância, deparamo-nos com a existência da presunção de responsabilidade do Estado Português em caso de lesão física ou morte de pessoas sob a sua custódia de acordo com o artigo 3.º da CEDH, presumindo-se ainda a culpa no artigo 10.º, n.º 2 da Lei 67/2007, de 31 dezembro;

107) O mesmo sucedendo com a campainha de urgência da cela onde M... esteve, não resultando de documento ou depoimento algum nos autos de que de facto tal campainha funcionava no Estabelecimento Prisional em causa, não obstante a obrigação imposta pelo DL 265/79, de 1 de agosto ao determinar, no seu artigo 194.º, n.º 3, a obrigação de cada estabelecimento prisional dispor de todo o material técnico, administrativo e auxiliar na vigilância dos reclusos;

108) A Sentença recorrida não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo a Sentença recorrida de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nulidade que aqui se invoca, com todos os efeitos legais, tendo ocorrido, salvo devido respeito, uma visível falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de incoerência e desrespeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida, pelo que deverá ser revogada, também nesta parte, a Sentença recorrida, o que, desde já, e aqui se requer, com todas as consequências legais;

109) ::::: DA DECISÃO QUE DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS ::::: Deverá a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a alteração dos pontos de factos supra transcritos, devendo-se julgar como não provados os pontos de facto n.os 35, 47, 48 e 50 e julgar como provado o ponto de facto n.º 1, o que se requer;

110) ::::: DO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO ::::: Pelo Estado Português não cumpriu com o seu dever de vigilância, não tendo assegurado a M...o seu direito à vida, integridade física e moral no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, tendo violado várias normas:

- A Regra 12, n.º 2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) prescreve que durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo de estabelecimento prisional em causa, devendo-se considerar, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 174/93, de 12 de maio (Estatuto Profissional da Carreira do Corpo da Guarda Prisional) que o serviço do pessoal do CGP é de caráter permanente e obrigatório;

- O artigo 7.º, n.º 1 do DL n.º 174/93, de 12 de maio (Estatuto Profissional da Carreira do Corpo da Guarda Prisional) determina que compete ao Corpo de Guarda Prisional: a) Exercer vigilância sobre toda a área das instalações afetas aos serviços durante o serviço diurno ou noturno que lhe competir por escala; b) Observar os reclusos nas zonas habitacionais, a fim de detetar situações contra a integridade física e moral de todos os que se encontrem no estabelecimento;

- Compete ao Tribunal de Execução das Penas o acompanhamento e a fiscalização da execução das penas, nos termos do artigo 91.º, n.º 1 da LOFTJ;

111) Relativamente à obrigação de existir um Regulamento Interno, a mesma não se verificava no estabelecimento prisional em causa, em violação da Regra 35, das Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas que determina que (1) Todas as pessoas presas, aquando da sua admissão, deverão receber informações por escrito sobre os regulamentos que regem o tratamento de pessoas presas de sua categoria, os requisitos disciplinares da instituição, os métodos autorizados para obtenção de informação e apresentação de queixas, bem como todas as demais questões necessárias para permitir-lhe compreender tanto os seus direitos quanto as suas obrigações e, assim, adaptar-se à vida da instituição;

112) A necessidade de existência de Regulamento Interno encontra-se prevista já em vários artigos do DL 265/79, de 1 de agosto, nomeadamente no artigo 6.º, n.º 2, artigo 138.º, n.º 2 e artigo 185.º;

113) Verificaram-se todos os pressupostos inerentes à responsabilização do Estado Português, ou seja, factos (identificados) ilícitos (violadores das normas supra indicadas), culposos (nos termos supra demonstrados, sendo de referir que a presunção de responsabilidade recai sobre o Estado, o qual não procedeu à ilisão), danosos (factos provados supra identificados), dos quais resultou a trágica morte de M... e os danos das Autoras/Recorrentes;

114) A ausência de medidas de vigilância (como avaria das câmaras de vigilância, incumprimento da eficaz observação noturna na cela especial de separação e ainda a inexistência de Regulamento Interno), ainda para mais perante a frágil situação do recluso M..., visível pelo clima de hostilidade vivido no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, foi, assim, um evento gerador do invocado direito à indemnização justamente peticionado pelas Autoras/Recorrentes, razão pela qual se impõe a revogação da Sentença recorrida, o que se requer;

115) D – Responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito – por deficiente investigação da morte do recluso M..., ocorrida no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, no âmbito do Processo de Inquérito n.º 552/08.7TATMR: ::::: DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE SE CONSIDERAM INCORRETAMENTE JULGADOS COMO PROVADOS ::::: Foram incorretamente julgados como provados os pontos de facto n.os 21, 22, 23, 28, 29, 35, 103, 106 e 109;

116) ::::: DAS CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA ::::: O Tribunal a quo considerou que não se poderiam ter realizado mais diligências probatórias no Processo de Inquérito n.º 552/08.7TATMR para ficar indubitável a causa que provocou a morte de M..., não obstante a presumida responsabilidade do Estado Português em caso de morte de pessoa sob sua custódia, nos termos do artigo 3.º da CEDH, em sede de investigação não foram requeridas nem juntas ao processo as listas oficiais e comprovativos de quem eram efetivamente os guardas prisionais que prestavam serviço no Estabelecimento Prisional de Torres Novas na noite de 26.09.2008 para 27.09.2008;

117) Não foi junto também um efetivo comprovativo de que o guarda prisional J... se encontrava de folga nessa noite, sendo certo que se deu como provado que o seu carro se encontrava estacionado no estabelecimento quando o M... se apresentou no mesmo;

118) Ao contrário da lista que foi junta respeitante a todos os reclusos que se encontravam a cumprir pena naquela fatídica noite, relativamente aos guardas prisionais foi emitida por uma pessoa chamada “P...”, que assinou na qualidade de “Chefe”, uma mera Informação sem data, e de três linhas já supra referida, na qual se fez vagamente constar o nome de três pessoas que estariam a prestar serviço, onde não se fez constar o nome do referido guarda prisional;

119) Tal Informação não ilidiu a presunção de que o Estado Português está onerado, conforme supra já se disse, ficando clara a negligência de o investigador se basear em documentos de registo oficial, da entrada e saída do trabalho pelos guardas prisionais, sendo certo que existiram folhas de horário laboral e comprovativos oficiais onde se registou a entrada e saída dos guardas prisionais – documentos esses que não foram nem sequer requeridos pelo investigador, não obstante a força probatória que teriam;

120) Ocorreu um lapso crasso ao, na investigação da morte do recluso e depois na presente ação administrativa, se ter considerado que o recluso, após a descoberta do ponto provado n.º 25 teria sido encaminhado para a ala do RAVI, o que claramente não sucedeu, face ao Relatório emitido pelo Inspetor da PK P..., onde de forma translúcida resulta que M...foi de imediato mandado para a cela de separação, conforme aliás se disse de forma desenvolvida;

121) O tribunal a quo entendeu ainda que na sala de separação onde apareceu morto M..., existia uma cadeira, na qual se terá suicidado o mesmo, o que não se compreende tendo em conta a prova testemunhal produzida – atente-se ao depoimento da testemunha supra transcrito F..., que conheceu M...pois também cumpriu pena no mesmo Estabelecimento Prisional, bem conhecendo aquele local, depoimento que foi prestado na audiência final do dia 22.02.2019, o qual foi gravado no sistema informático da plataforma SITAF, cujo nome do ficheiro é “GravaçaoAudiencias 22-02-2019 10-22-50”, com início às 00:44:04 e término às 01:06:36);

122) Na cela em causa não se encontrava nenhuma cadeira, sendo de questionar a razão pela qual a mesma terá sido colocada na referida cela, após a morte doe M..., contudo, o tribunal a quo entendeu, sem apresentar qualquer fundamentação, que a marca do lençol encontrada no pescoço do recluso falecido teria sido infligida em vida e ainda que o enforcamento pode ocorrer com os pés assentes no chão;

123) O Relatório Pericial foi omisso quanto a essas questões (não referiu que a marca teria sido realizada em vida – tanto mais que nem sequer afirma qual terá sido a hora da morte como habitualmente sucede em relatórios como este!), tendo antes emitido uma apreciação inconclusiva, referindo que não se poderia afirmar se se tratava de um homicídio, suicídio ou acidente, pelo que se questiona: se tal Relatório Pericial tinha sido tão omisso quanto a questões tão fundamentais, nos termos que habitualmente se espera de Relatórios de autópsia, porque não terá sido solicitada, na altura, uma segunda perícia?;

124) Pelo recluso foram apresentadas várias queixas, inclusivamente uma reclamação apresentada pelo seu advogado na semana anterior à morte de M...– de facto o referido advogado foi inquirido, mas naturalmente relembrou que estava sob sigilo profissional, pelo que pelo investigador deveria ter sido solicitada à Ordem dos Advogados autorização para que o mesmo pudesse depor. Questiona-se: tendo em conta a informação essencial de que dispunha o referido advogado, porque não foi solicitada a competente autorização, conforme sucede habitualmente, e conforme seria de esperar de um órgão que investiga a verdade material dos factos? Falhou também aqui o investigador;

125) Questiona-se: onde está a Reclamação apresentada pelo advogado do recluso falecido? Nunca foi junta aos autos, sendo certo que nela constariam factos essenciais à descoberta da verdade material no presente caso, constituindo prova documental, relembrando-se que muitos dos reclusos que se encontram na ala do RAVI não foram ouvidos, resumindo-se o interrogatório a um, que teve várias inconsistências já apontadas em sede própria;

126) Todos estes são factos ilícitos culposos e danosos que geraram a responsabilidade do Estado Português, face à deficiente investigação no Processo de Inquérito n.º 552/08.7TATMR, sendo sabido que sempre que alguém morre sob custódia das forças e serviços de segurança, compete ao Estado garantir que todas as circunstâncias que rodearam a morte sejam criteriosamente esclarecidas, que a causa e a etiologia médico-legal da morte sejam estabelecidas. Neste caso, trata-se de uma morte ocorrida durante o cumprimento de medida de privação de liberdade;

127) Importa investigar essas mortes, para que se chegue a um esclarecimento completo da causa da morte e da sua etiologia médico-legal (suicídio, homicídio, acidente ou morte de causa natural). A dimensão, a complexidade deste fenómeno e a necessidade do completo esclarecimento da causa e circunstâncias de morte deve implicar a afetação dos melhores recursos humanos e técnicos e o estabelecimento de um procedimento standard da realização da autópsia médico-legal, a qual também falhou no caso;

128) Na Sentença recorrida não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo a Sentença recorrida de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nulidade que aqui se invoca, com todos os efeitos legais;

129) Ocorreu uma visível falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de incoerência e desrespeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida, pelo que deverá ser revogada, também nesta parte, a Sentença recorrida, o que se requer;

130) ::::: DA DECISÃO QUE DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS ::::: Deverá a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine a alteração dos pontos de factos supra transcritos, devendo-se julgar como não provados os pontos de facto n.os 21, 22, 23, 28, 29, 35, 103, 106 e 109 supra transcritos;

131) ::::: DO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO ::::: Pelo Estado Português não cumpriu com o seu dever de investigar diligentemente, não tendo assegurado um processo equitativo na procura da verdade material dos factos que demonstrassem a verdadeira causa de M...no Estabelecimento Prisional de Torres Novas;

132) Foram violadas várias normas:

- O Princípio 34 do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão que sempre que a morte ou o desaparecimento de uma pessoa detida ou presa ocorrer durante o cumprimento de sua pena ou durante o seu período na prisão, será realizada uma investigação da causa da morte ou do desaparecimento por uma autoridade judicial ou outra autoridade, quer seja por sua própria iniciativa, quer seja por solicitação de um familiar ou de qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do caso;

- A Regra 71 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (Regras de Nelson Mandela) que: 1. Não obstante uma investigação interna, o diretor do estabelecimento prisional deve comunicar, imediatamente, a morte, o desaparecimento ou o ferimento grave à autoridade judicial ou a outra autoridade competente independente da administração prisional e deve determinar uma investigação imediata, imparcial e efetiva às circunstâncias e às causas destes casos. A administração prisional deve cooperar integralmente com a referida autoridade e assegurar que todas as provas são preservadas; 2. A obrigação referida no parágrafo 1 desta Regra deve ser igualmente aplicada quando houver indícios razoáveis para se supor que um ato de tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes tenham sido praticados no estabelecimento prisional, mesmo que não tenha sido recebida uma reclamação formal; 3. Quando houver indícios razoáveis para se supor que os atos referidos no parágrafo 2 desta Regra tenham sido praticados, devem ser tomadas medidas imediatas para garantir que todas as pessoas potencialmente implicadas não tenham qualquer envolvimento na investigação ou contato com as testemunhas, vítimas e seus familiares;

133) Verificaram-se todos os pressupostos inerentes à responsabilização do Estado Português, ou seja, factos (identificados) ilícitos (violadores das normas supra indicadas), culposos (nos termos supra demonstrados, sendo de referir que a presunção de responsabilidade recai sobre o Estado, o qual não procedeu à ilisão), danosos (factos provados supra identificados), dos quais resultou a trágica morte de M... e os consequentes danos das Autoras/Recorrentes;

134) A ausência de uma diligente investigação nos termos referidos, foi, assim, um evento gerador do invocado direito à indemnização justamente peticionado pelas Autoras/Recorrentes, razão pela qual se impõe a revogação da Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

135) E – Conclusão quanto às fontes das quais resulta o crédito indemnizatório: Face a todos os factos invocados geradores da responsabilidade civil extracontratual o Estado Português deve ser condenado pelos factos ilícitos denunciados, não só quanto à impugnação da matéria de facto realizada como também quanto à matéria de direito explicitada, dúvidas não existem de que deveria o Réu/Recorrido ter sido condenado no sentido peticionado pelas Autoras/Recorrentes, nunca restituindo a vida de M...– pois tal é impossível – mas indemnizando as Autoras/Recorrentes no crédito indemnizatória pelas mesmas peticionado, como é de JUSTIÇA e em cumprimento do artigo 5.º da CEDH;

136) III – Da repercussão da morte do recluso M... na vida das Autoras/Recorrentes: O tribunal a quo entendeu bem ao julgar como provados os seguintes factos, respeitantes às repercussões da morte de M...: - Repercussão na vida familiar: pontos de facto provados n.os 126, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 141, 144, 142; - Repercussão na economia familiar pontos de facto provados n.os 123, 131, 132; - Repercussão na saúde física, emocional e psíquica: pontos de facto provados n.os 126, 134, 135, 136, 137, 139, 141, 142, 144, 143, 145, 146, 148; - Repercussão na sua autoestima e vida social: pontos de facto provados n.os 136, 137, 146, 142, 147 e 148; e repercussão na dor pela morte: pontos de facto provados n.os 126, 134, 136, 137, 138, 141, 142, 144 e149;

137) As Autoras/Recorrentes sofreram todas as repercussões supra identificadas e de uma forma violenta e inesperada, as quais sofrerão para o resto da vida, razão pela qual, também nesta parte, deverá o Estado Português ser responsabilizado nos termos peticionados pelas mesmas, cumprindo o direito de indemnização das Autoras/Recorrentes, devendo para isso ser revogada a sentença recorrida, o que se requer;

138) IV – De outras nulidades da Sentença recorrida: Na decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela factos concretos suscetíveis de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão das Recorrentes, não tendo a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fundamentado de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento;

139) A Meritíssima Juiz “a quo” na decisão sob recurso violou o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula, tanto mais, que o direito das Recorrentes é um direito legal e constitucional;

140) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205.º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”, sendo certo que a decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;

141) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 204º da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;

142) A decisão recorrida viola os artigos 13.º e 20.º, pois a Recorrente não foi tratada de forma justa e igualitária perante a lei nos termos supra expostos, violando ainda o artigo 202.º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidA...s... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, sendo que neste caso essa circunstância não se verifica, pois o Tribunal a quo, com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos das Recorrentes, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

143) A Meritíssima Juiz a quo limitou-se a emitir uma Sentença, na qual apenas de uma forma simplificada e omissiva foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: a) Toda a prova testemunhal produzida em Julgamento; b) toda a prova documental requerida pelas Recorrentes e junta aos autos; c) Todos os elementos constantes no processo, deixando a Meritíssima Juiz a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;

144) A Sentença recorrida não está fundamentada, tanto de facto como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154.º do C.P.C.: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e nos termos do n.º 2 da mesma norma legal/processual: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”, sendo por isso nula, impondo-se a sua Revogação;

145) Por todos os fundamentos expostos e tendo em conta todas as normas violadas identificadas, impõe-se a revogação da Sentença recorrida.

O Recorrido, Estado, apresentou contra-alegações, com requerimento de ampliação do recurso. Concluiu como segue:

1ª – Após, nas conclusões 1ª a 20ª das suas alegações, descrever à sua maneira a matéria dada como provada e emitir alguns palpites sobre a mesma, pugna, a recorrente, que foi, incorretamente, dada como provada a matéria de facto constante dos factos provados 12, 21, 22, 23, 28, 29, 39, 43, 51, 103, 106 e 109, quando devia ter sido dada como não provada. (Conclusões 21ª, 55ª, 56ª e 115 a 135)

Como, foi incorretamente dada como não provada a matéria de facto aludida no facto não provado 1, quando devia ter sido dada como provada. (Conclusão 22ª)

2ª - Ao contrário do que é invocado pela recorrente, não há qualquer contradição entre os factos provados 12, 28, 39 e 43 e a restante matéria dada como provada, uma vez que a circunstância de o M... ter (antes) manifestado algum receio sobre as consequências resultantes de ter sido apanhado com droga ao entrar para a prisão não pode, de forma alguma, deduzir-se, daí, que esse receio se tenha concretizado e que o mesmo tenha (depois), sido alvo de maus-tratos ou de agressões físicas ou psicológicas por parte dos guardas prisionais ou reclusos que se encontravam no Estabelecimento Prisional de Torres Novas. (Conclusão 23ª)

3ª - Como não há qualquer contradição entre os motivos do referido receio (consequências de ter sido apanhado com droga) e os indicados nos factos provados 2 a 6, 8, 10, 12, 13, 14 e 15 a 17, referentes ao receio de poder vir a ser maltratado pelo J..., já que a coexistência, em simultâneo, de ambos os receios é logicamente possível, como sucedeu no caso vertente, pelo que também este segundo alegado receio em nada contende com o teor do facto não provado. (Conclusões 24ª a 25ª).

4ª - Os depoimentos da autora P... e das testemunhas E... e H..., perante a restante a prova testemunhal e documental produzida em sede de audiência e julgamento, máxime, a relativa ao Inquérito 552/08.7TATMR e ao relatório pericial de exumação são manifestamente insuficientes para se poder inferir uma intervenção de terceiros na morte de M.... (conclusões 26ª a 33ª, 52ª a 54ª, 62ª e 82ª)

5ª- No que tange ao alegado erro na apreciação da prova firmada nos factos provados 21, 22, 23, 51, 103, 106 e 109, começando pelo aspeto de a identificação dos guardas prisionais escalados e em serviço na noite de 26 para 27 de Setembro de 2009 ter sido prestada por informação e pelo funcionário “P...”, ao invés do que sucedeu com a identificação de reclusos, que foi efetuada mediante a descrição numa lista, a explicação é simples e mais do que lógica.

Enquanto os guardas em serviço eram apenas três, (G..., J... e J...), facilmente indicáveis na informação, o mesmo não sucede com os cerca de 40 reclusos.

Sendo que a identificação em análise teve, também por base o depoimento de 3 guardas prisionais. (pag. 88 da sentença)

6ª- Sobre a autoria da resposta ao pedido de informação, por este TAF, foi prestada de modo competente e adequadamente pelo SubDiretor Geral, da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com base em informações do Diretor Geral dos Serviços Prisionais e da Diretora do Estabelecimento Prisional Regional de Torres Novas e pelo Chefe de Guardas deste Estabelecimento P.... (facto provado 22);

Nada de anormal, que pudesse levar o Tribunal a duvidar dessa informação. (Conclusões 34ª a 36ª)

7ª - Relativamente ao aspeto de não terem sido dados como provados barulhos ou gritos na ala RAVI, também não se vislumbra onde poderá estar o espanto.

Essa conclusão constante no facto provado 51, foi sustentada com base nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J... e J... (pag. 89 da sentença) sem que haja qualquer prova presencial ou outra que o infirme, mormente a indicada pela recorrente. (Conclusão 37º)

8ª- Quanto ao imputado erro de julgamento sobre os factos provados 35, 47, 48 e 50, estriba-se, a recorrente, nas circunstâncias de o Estado não ter providenciado para manter em boa funcionalidade o sistema de vigilância, por não se efetuarem rondas na zona da cela onde faleceu M... e por inexistir prova de que a acampainha existente naquela cela funcionasse. (Conclusões 100ª a 114ª)

9ª- Todavia, além de uma avaria representar um ato comum, inesperado e imprevisível, sempre, a recorrente deveria de ter feito prova que essa falha foi determinante para o apuramento de outra e diferente factualidade da sentenciada, ou seja, que se não fosse avaria, chegar-se-ia à conclusão de um não suicídio, o que, de todo, fica por demostrar.

10ª- Já no que se refere à não realização das rondas, a explicação mostra-se dada nos factos provados 41, 47 e 48, ou seja, pela circunstância das celas se mostrarem localizadas junto à portaria, zona dos guardas, de onde eram diretamente visualizadas.

11ª- Enquanto a funcionalidade da campainha foi corroborada pelo depoimento do guarda prisional J..., (pag. 89 da sentença) sendo que, também aqui, a recorrente não indicou prova alguma de modo a infirmar essa verdade.

12ª- Sobre a admissibilidade das marcas do pescoço poderem ser infligidas em vida, e compatíveis com estrangulamento, e da possibilidade de o enforcamento poder ocorrer com os pés assentes no chão, a sentença recorrida ancorou-se no depoimento da testemunha do perito médico legal L.... (pag. 90 da sentença).

13ª- A este respeito, ao invés do que é evocado pela recorrente, essas afirmações extraem-se dos relatórios periciais, mencionados nos factos provados 114 e 121, de onde resulta:

-do 1º, “ A morte de M... “ foi devida a asfixia mecânica por enforcamento”;

-do 2º “… na eventualidade de intervenção de terceiros, haveria lesões de defesa, as quais não foram visualizadas na 1ª autópsia”. (Conclusões 38ª a 45ª)

14º- Como ressaltam do teor do despacho de arquivamento do Inquérito 552/08.7TATMR, aludido no facto provado 116, cujo teor se deixa aqui por reproduzido.

15ª – Com referência ao facto provado 29, também não existe contradição ou ambiguidade alguma, mas apenas uma compreensível falta de rigor e precisão nas palavras, já que quando se diz que “após isso foi conduzido à cela…”, não quer dizer que tivesse sido de imediato dirigido para a cela, já que teve que aguardar na ala RAVI, pela decisão do diretor, sobre o seu destino prisional, conforme foi referido pela testemunha J..., no seu depoimento transcrito no facto provado 97.

Trata-se de um preciosismo literal irrelevante para poder produzir os efeitos pretendidos pela recorrente. (Conclusões 46ª a 50ª, 72ª, a 76ª)

16ª- No que diz respeito à alegada omissão de pronúncia, a recorrente limita-se a atribuir genericamente a omissão do Tribunal na análise sobre todos os depoimentos, e na insuficiência e inconclusiva prova documental apresentada pelo Réu, o que tem a ver com a análise da prova e respetiva fundamentação, não cabendo na previsão do evocado art. 615º-1/d) do CPC. (Conclusão 51)

17ª- Volta, de novo, a recorrente, a insistir na ideia de que a causa de morte de M... não se tratou de um suicídio, o que implicaria este Tribunal a funcionar como tribunal de recurso e a sindicar o despacho de arquivamento exarado no Inquérito 522/08.7TATMR, cuja proibição já foi decidida por Acórdão do TCAS- cfr. pag.s 20 e 91 da sentença. (Conclusões 52 a 54, 62 e 82)

18º- De outra forma, a implicação criminosa de terceiros nessa morte excluiria a responsabilidade do Estado, dado que exigem os artºs 2º/1 e 8º/2 da Lei 67/07, de 31712 que o comportamento lesivo do órgão ou agente administrativo seja “no exercício das suas funções e por causa desse exercício”, não abrangendo os atos não funcionais, pessoais, alheios ao exercício das funções.

19ª- Após isso, espraia-se, a recorrente, a enunciar normativos e regras legais e regulamentares da mais variada ordem, inerentes ao regime penitenciário, como da Reforma do Sistema Prisional, do Código de Execução de Penas, Constituição da República Portuguesa. Código Europeu dos Direitos do Homem, EPCCGP, Regras Penitenciárias Europeias, etc., sem o mínimo nexo com a situação dos autos.

20ª- Com efeito, se a ausência de maus tratos e ofensas corporais físicas (Conclusões 63ª e 71ª) foi cabalmente atestada pela sentença recorrida, a atribuição da morte a terceiros, a sujeição a medida disciplinar ilegal e inconstitucional, a violação da dignificação e humanização das condições de vida, violação do direito à reclamação, a tortura ou punição ou tratamento cruel desumano ou degradante, violação das regras relativas da Ordem e Segurança, bem como da aplicação de punições Justas e Proporcionais e do processo equitativo, etc … (Conclusões 62ª, 64ª a 70ª e 77ª a 99ª ) são aspetos que terão a ver com um filme qualquer, que nada têm a ver com a realidade em análise na presente ação (Conclusões 57ª e ss.),

21ª – Registe-se, aqui, que sobre a imputada omissão do dever de vigilância, embora a mesma integre o conceito de ilicitude definido no art. 9º da Lei nº 67/2007, de 31/12 (RRCEE), o certo é “que cabe ao autor lesado, o ónus de alegação e da prova da ocorrência desse facto ilícito, causador dos danos, a qual se constitui elemento desencadeador daquela presunção de culpa“, e, como foi decidido, “… não resulta da factualidade dada como provada nenhum elemento com base no qual se possa considerar que existia alguma razão passível de poder justificar uma vigilância diferenciada do mesmo … não manifestando qualquer sinal de instabilidade física ou emocional que apontasse no sentido de o mesmo se poder vir a suicidar …”. (pag. 107)

22ª - No que diz respeito à evocada omissão de pronúncia, a recorrente limita-se a atribuir, genérica e conclusivamente, a omissão do Tribunal na análise sobre todos os depoimentos, e na insuficiência e inconclusiva prova documental apresentada pelo Réu, o que tem a ver com a análise da prova e respetiva fundamentação, não cabendo na previsão do evocado art. 615º-1/d) do CPC.

23ª- E, sobre os alegados vícios apontados nas Conclusões 138ª e ss. trata-se de uma mera afirmação do nomen juris, sem o mínimo suporte quer em termos factuais quer de direito.

- Requerimento nos termos do art. 636º do CPC

24ª- Mas, para o caso de não ser acolhida a matéria de facto e/ou de direito que fundamentou a sentença, deverá, mesmo assim, manter-se a sentença, nos termos do art. 636º do CPC, com base na fundamentação que se segue:

25ª- Efetivamente, a Mmª Juiz recorrida, mesmo assim, não procedeu a cabal adequada valoração, apreciação e apreensão dos meios de prova, nem fez uma total e correta aplicação do direito, máxime, ao considerar ilícita e culposa a conduta do Sr. Diretor do Estabelecimento Prisional de Torres Novas ao mandar colocar M... na cela onde veio a falecer. 26ª - A sentença recorrida decidiu que M... foi colocado numa cela em “regime de separação”, isolado dos demais reclusos, assente nos factos provados 33 a 35, 38 e 39, tendo sido enquadrada, essa situação, no disposto na alínea c) do nº 2 do art. 111º do DL nº 265/79, de 1/8, relativo “às medidas especiais de segurança”. 27ª- Entendeu, pois, a Mmª Juiz que a colocação naquela cela se tratou de aplicação de uma medida especial de segurança, na vertente de “separação da restante população prisional”, aplicada verbalmente pelo diretor da prisão 28ª- E, julgou essa conduta ilícita por duas ordens de razões: a primeira pelo facto dessa medida não ter enquadramento legal naquele dispositivo legal; a segunda, por não ter sido invocado nenhum motivo de urgência que permitisse justificar a inobservância da forma legal escrita, que se impunha na determinação da aplicação dessa mesma medida. 29ª- Começando por este último aspeto impõe-se recordar que o M... deu entrada na prisão, pelas 19,20 horas, do dia 26/9/2008, para cumprir uma pena de prisão por dias livres, em fins de semana, em cinco (5) dias de prisão contínua [factos provados 1-b) e 19] e que o teste rápido à droga, que lhe então foi apreendida, foi realizado pelas 22,00 horas [facto provado 36]. 30ª- Não nos parece exigível que o diretor da prisão ou um seu substituto tivesse que estar presente no seu local de trabalho num sábado, durante a noite, para poder dar forma escrita à dita ordem dada telefonicamente, pelo que, sempre, seria de considerar esse ato verbal como urgente, justificado na naquela circunstância, para efeitos da ressalva do art. 122º/1 do CPA, então em vigor. 31ª- Depois, durando o tempo de cumprimento da pena de prisão um dia, desde as 19 horas do sábado até às 19 horas do domingo, temos que a eventual separação de um recluso perante a restante população prisional, por esse período de tempo, não cabe dentro da previsão do art. 111º-2/c) do DL 265/79, de 1/8, nem é, como é óbvio, compatível com a existência de um processo disciplinar. 32ª- De qualquer modo, o M... não estava separado da restante população prisional, desde logo, pela inexistência de uma zona, nem de uma cela que possibilitassem tal separação, conforme foi esclarecido pelas testemunhas J..., J..., J..., conforme passagens atrás descritas, da gravação.

33ª- Depois a cela de habitação, como foi designada na sentença, com o mobiliário e condições sanitárias indispensáveis mostrava-se inserida “na zona RAVI [ponto 35. do elenco dos factos provados]”; “podendo falar com os demais reclusos através da portinhola existente na porta da cela [cf. Pontos 42. e 43. do elenco dos factos provados”. (pag. 99), com as demais caraterísticas mencionadas nos factos provados 38, 41, 48 e 42, permite concluir por uma aproximação física do M... com os restantes reclusos da Ala em que se encontrava, com a possibilidade destes poderem livremente verem e conversarem com o mesmo, falhando, daí, o pressuposto – “separado da restante população prisional”,- em que se ancorou a decidida ilicitude.

34ª- De resto, o invés é que poderia provocar a anormalidade ao juntar-se tal tipo de reclusos “de fins de semana” com reclusos residentes, sendo certo que a independência e autonomia da cela em relação aos espaços dos restantes reclusos, não poderá de ter uma componente positiva para quem procure mais e melhor privacidade e tranquilidade. 35ª-Quanto ao requisito do nº 1 do art. 111º do DL nº 265/79, de 1/8, referente “ao perigo da prática de atos de violência contra si próprio ou contra pessoas ou coisas”, recorde-se que M... encontrava-se muito nervoso tanto ao chegar à prisão, como depois de ser revistado (factos provados 12 e 27), e mesmo “bastante enfurecido” e “transtornado” como referiram, respetivamente, as testemunhas J... e F..., nas passagens transcritas pela Mmª Juiz nos factos provados 95 e 98, também respetivamente.

36ª- Como não será despiciendo realçar que realizadas, na autópsia, análises toxicológicas efetuadas ao sangue para pesquisas de drogas e ao álcool, além de terem apresentado uma quantidade de canabinóides de 34 ng/l, revelaram a presença de álcool etílico na quantidade de 1,911 g/l. (cf. Conclusões 4ª e 5ª do relatório de autópsia constante do facto provado114).

37ª- Chamando-se aqui a atenção para a passagem do depoimento de F..., transcrita pela Mmª Juiz no facto provado 98, que viu o M... a chegar “aparentemente mesmo alcoolizado” e para o facto de ser a própria recorrente a reconhecer as perversas consequências derivadas dessa taxa alcoólica, na conclusão 122-B).

38ª- Nessa medida, existiam sinais que justificavam o isolamento preventivo nos termos do referido dispositivo legal.

39ª – Mas, sobretudo, mostra-se sobejamente fundamentado, adequado e proporcional aquele isolamento como castigo, como foi denominado, caraterizado e aplicado por quem tinha competência para tanto, dentro dos limites legais dos seus poderes discricionários de direção, gestão e punitivos e a quem não lhe foi conferido o direito à defesa e ao contraditório.

40ª- Ato administrativo, esse, já tornado inimpugnável (cfr art 38º n.º 2 da C.P.TA), já que, pese embora o nº 1 do art. 38º do CPTA, admita o conhecimento (não decisão jurisdicional) da ilegalidade de atos administrativos, é sabido que a presente ação administrativa não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação desses mesmos atos através da(s) competente(s) e adequada(s) ações. “É esta a regra lógica e racional prevista no art. 38º nº 2 do CPTA”. 41ª-De qualquer maneira, mesmo a admitir-se que estamos perante a aplicação de uma medida de segurança, jamais poderá ser qualificada como “especial”, mas, quanto muito, como uma normal mera medida regulamentar interna, de cariz preventivo e de manutenção da ordem, segurança e da tranquilidade do estabelecimento prisional, ou, de mero e breve castigo, como foi designada pelo guardas prisionais.

42ª-Donde, deverá a sentença sem mantida com base na fundamentação de facto e de direito em que se estribou. Ou, de outra forma, assim não se entendendo, mesmo assim, deverá manter-se, com base na fundamentação antes descrita nas conclusões 24ª e ss..

P..., em nome próprio e enquanto representante legal de L..., contra-alegou no recurso ampliado, pugnando pela sua improcedência.



Após vistos do actual colectivo, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

I.1.1. Do recurso principal

As questões suscitadas pelas Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida é nula, nos termos apontados nas conclusões 51.ª, 108.ª, 128.ª, 138.ª.IV), 139.º e 144.º (omissão de pronúncia, contradição entre os fundamentos e a decisão e falta de fundamentação).

- Se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, impondo os elementos de prova produzidos nos autos uma decisão diversa daquela que foi efectuada (impugnação da matéria de facto); e

- Se o tribunal a quo errou no julgamento de direito ao ter concluído pela não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado.

I.1.2. Do recurso ampliado

Na ampliação do recurso o Estado, as questões suscitadas, traduzem-se em apreciar:

- Se o tribunal a quo errou ao considerar ilegal a conduta do Director do Estabelecimento Prisional de Torres Novas ao mandar colocar M... na cela onde veio a falecer.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, a qual se reproduz ipsis verbis:

1. Em 17/06/2007 foi proferida sentença no âmbito do processo abreviado n.º 819/07.1GAVNO, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, através da qual M... foi condenado nos seguintes termos:


«Imagem no original»

(…)” [cf. acordo, Doc. n.º 1 junto com a contestação, e fls. 33 a 34 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

2. M... começou a cumprir a pena referida no ponto anterior em 08/08/2008, nos termos aí determinados no Estabelecimento Prisional de Torres Novas. [cf. acordo e fls. 30, 32 e 35 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

3. M... queixou-se à Autora P... de, durante o cumprimento da pena, ter sido objeto de maus-tratos por parte de um Guarda, de nome J..., consubstanciados no facto de este guarda não o deixar estar no recreio e o pôr numa cela sozinho quando estava ao serviço.

4. M..., referiu à Autora P... ter medo que o mesmo: “lhe fizesse mal”.

5. M... efetuou as queixas referidas no ponto 3. também ao seu advogado o Dr. L... e a E... tio da sua mulher sem referir a este último o nome do Guarda Prisional.

6. M... queixou-se ao seu sogro, A..., de dois guardas prisionais cujo nome não disse, referindo que um era muito mau e o outro nem tanto.

7. M... não se queixou nem manifestou receio do demais pessoal que prestava serviço no Estabelecimento Prisional de Torres Novas.

8. O Dr. L..., na qualidade de advogado de M... contactou o Estabelecimento Prisional de Torres Novas para dar conta da situação referida no ponto 3., na semana anterior a 26/09/2008.

9. M... estava sem carta de condução sendo a Autora P... quem normalmente o conduzia ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas para este cumprir a pena referida no ponto 1.

10. Em 26/09/2008 a Autora P... conduziu M... ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas para este cumprir pena.

11. Nesse dia, 26/09/2008, a Autora P... e M... atrasaram-se para a entrada deste para cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Torres Novas.

12. M... estava muito nervoso com o atraso com receio de ter de cumprir os seis meses de pena ao invés de cumprir a pena ao fim de semana.

13. A caminho do Estabelecimento Prisional de Torres Novas a Autora P... e M... pararam num café para a primeira ir à casa de banho e o segundo bebeu dois Uísques, porque estava nervoso.

14. A Autora P... ligou para o Estabelecimento Prisional de Torres Novas a informar do atraso e a perguntar quais as suas consequências e se o Guarda J... estava ao serviço.

15. Em resposta às questões colocadas nos termos do ponto anterior a Autora obteve informação de que tal atraso não traria problemas a M... e que o Guarda J... não se encontrava ao serviço.

16. Quando M... e a Autora P... chegaram ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas em 26/09/2008 viram um veículo automóvel que consideraram ser do Guarda J... lá estacionado.

17. Em face do facto referido no ponto anterior M... concluiu que o Guarda J... estaria ao serviço em 26/09/2008 e hesitou em entrar no Estabelecimento Prisional ficando muito nervoso e receoso.

18. A Autora P... disse a M... para entrar e ter calma, atenta a informação que recebera do Estabelecimento Prisional referida no ponto 14..

19. Em 26/09/2008 M... apresentou-se para cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Torres Novas pelas 19h20. [cf. acordo e fls. 36 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

20. Os guardas escalados em serviço na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 no Estabelecimento Prisional de Torres Novas eram: G..., J... e J.... [cf. informação junta aos autos através de ofício datado de 03/11/2011 da Direção Geral dos Serviços Prisionais a fls. 476 a 520 dos autos (paginação eletrónica), cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

21. Foram os Guardas prisionais escalados nos termos referidos no ponto anterior que estiveram de serviço no Estabelecimento Prisional de Torres Novas na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008, e bem ainda o guarda J....

22. O guarda J... não esteve de serviço na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 no Estabelecimento Prisional de Torres Novas. [cf. informação junta aos autos através de ofício datado de 03/11/2011 da Direção Geral dos Serviços Prisionais a fls. 476 a 520 dos autos (paginação eletrónica), cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

23. Na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 o guarda J... estava de folga e não esteve no Estabelecimento Prisional de Torres Novas.

24. Na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 encontravam-se internados no Estabelecimento Prisional de Torres Novas os seguintes reclusos:

[…]

[cf. informação junta aos autos através de ofício datado de 03/11/2011 da Direção Geral dos Serviços Prisionais a fls. 476 a 520 dos autos (paginação eletrónica), cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

25. À entrada no estabelecimento Prisional de Torres Novas no dia e hora referidos no ponto anterior M... foi revistado pelo Guarda J... que encontrou no bolso pequeno lateral das calças do primeiro uma bola do tamanho de um berlinde enrolado em papel celofane transparente que presumiu ser haxixe. [cf. doc. n.º 8 junto com a Contestação e fls. 36 e 37 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

26. Em 26/09/2008 foram lavradas pelos Guardas Prisionais J... J... informações dirigidas ao Diretor do Estabelecimento Prisional de Torres Novas relativas aos factos referidos nos pontos 19. e 25.. [cf. fls. 36 e 37 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

27. M... ficou nervoso com a descoberta referida no ponto 25..

28. M... não manifestou nem naquele momento, nem em momento anterior, qualquer indício de instabilidade física, emocional ou psíquica.

29. Após a revista e a descoberta referida no ponto 25. M... foi encaminhado para a ala do RAVI, local onde costumava pernoitar e passar o fim-de-semana, tendo, numa primeira fase ficado junto dos outros reclusos ali presentes.

30. Em 26/09/2008 foi realizado pelas 22h00, pelo Agente Principal n.º 1… G... da Esquadra Desconcentrada de Investigação Criminal de Torres Novas do Comando da PSP de Santarém, teste rápido de análise à substância, com o peso de 1,224 gramas encontrada, de acordo com a informação dos Guardas Prisionais do Estabelecimento Prisional de Torres Novas, na revista efetuada a M..., utilizando como reagente Duquenois –E, para verificar se a mesma se tratava de haxixe tendo o resultado sido positivo. [cf. Doc. n.º 8 junto com a Contestação e fls. 38 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

31. Em 26/09/2008 foi lavrado “Auto de Notícia” com o seguinte teor:

[transcrição do documento]

32. Em 10/10/2008 o Laboratório da Polícia científica da Polícia Judiciária efetuou teste à substância apreendida nos termos do “Auto de notícia” referido no ponto anterior cujo resultado foi o seguinte:

[transcrição do documento]

[cf. Doc. n.º 8 junto com a contestação, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

33. Na sequência da descoberta na revista do produto encontrado no bolso de M..., referida no ponto 25., o Guarda J..., que era o guarda chefe naquela data, contactou o Diretor do Estabelecimento Prisional de Torres Novas por telefone, porque era fim de semana, e este determinou a colocação de M... em “regime de separação”, numa cela isolado dos demais reclusos, pelo facto de ter tentado introduzir produto estupefaciente no estabelecimento prisional.

34. Em 2008 era procedimento normal no estabelecimento Prisional de Torres Novas em caso de descoberta de tentativa de introdução de estupefacientes no Estabelecimento Prisional o Guarda que efetuasse a descoberta contactar o Chefe dos Guardas e este contactar o Diretor do Estabelecimento.

35. M... foi colocado em “regime de separação” numa cela de habitação estava inserida na zona RAVI, com cama, mesa, cadeira, sanita e uma campainha de emergência, perto do interruptor da luz, que quando acionada acendia uma luz vermelha onde estavam os guardas prisionais.

36. Em 2008 era procedimento normal no estabelecimento Prisional de Torres Novas colocar qualquer recluso que fosse apanhado na revista efetuada à entrada do estabelecimento a tentar introduzir estupefacientes no Estabelecimento Prisional em “regime de separação” na cela em que M... foi colocado.

37. M... foi conduzido à cela referida no ponto 35. pelo guarda J....

38. M... foi fechado na cela referida no ponto 35. isolado dos demais reclusos, embora com contacto verbal e visual através de uma pequena portinhola existente na porta, através da qual podia comunicar com os outros reclusos que passassem pelo corredor e abrissem essa portinhola.

39. M... não ofereceu resistência ao ser colocado na cela em “regime de separação”, mas manifestou receio de que o facto de ter sido descoberto na posse de produto estupefaciente na revista pudesse ter implicações no seu cumprimento de pena, designadamente ter de passar a cumprir a pena de forma corrida ao invés de em dias livres.

40. Os pertences de M... foram transferidos com ele para a cela referida no ponto 35.

41. A porta da cela onde M... foi colocado fica junto do “grA...” que separa a ala RAVI da portaria e zona onde estão os guardas, e é contígua às celas da ala RAVI do Estabelecimento Prisional de Torres Novas.

42. O corredor que passa em frente à cela onde M... foi colocado estava sempre livre para os reclusos ali passarem, o que acontecia a todo o momento, para deslocações à casa de banho.

43. Depois do jantar M... estava na cela de isolamento e falou com F... aquém disse que estava naquela cela porque ao entrar no estabelecimento prisional tinham encontrado no seu bolso haxixe, acusando a madrasta de lhe ter colocado esse produto no bolso.

44. A hora de desligar as luzes no Estabelecimento Prisional de Torres Novas era às 22h00.

45. Na noite de 26/09/2008 as luzes foram desligadas pelas 22H00.

46. Quando as luzes foram desligadas nos termos referidos no ponto anterior, M... ficou só dentro da cela em “regime de separação”.

47. A zona RAVI não era objeto de rondas obrigatórias dos guardas prisionais, porque as celas estarem abertas e apenas separadas da zona onde estão os guardas por um “grA...”.

48. A cela em que M... se encontrava a cumprir pena em “regime de separação” fechado ficava ao lado da zona RAVI a cerca de 4 metros “grA...” e não era objeto de rondas obrigatórias.

49. O recluso F... viu M... cerca da 04H00 de dia 27/09/2008, quando se deslocou à casa de banho e fez conversa com ele, através da portinhola da porta da cela, mas ele não lhe respondeu, e Francisco olhou para dentro da cela de M..., mas apenas conseguiu ver no escuro o vulto dele em frente à janela.

50. Na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 a campainha de urgência da cela em que M... se encontrava a cumprir pena não tocou na portaria.

51. Durante a noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 não se ouviram na ala do RAVI do Estabelecimento Prisional de Torres Novas barulhos de gritos, discussão ou luta.

52. Depois das 06h00 da manhã de dia 27/09/2008 outro recluso foi ver M... e disse a F... que o mesmo estava aparentemente morto.

53. F... e o outro recluso foram espreitar para a cela de M... e viram que este estava em frente à janela numa posição em que não poderia estar vivo.

54. Cerca das 07H00 - 7H30 da manhã de 27/09/2008, o recluso J..., alertou os Guardas prisionais para o facto de M... estar aparentemente “enforcado” na sua cela.

55. Após o alerta referido no ponto anterior os Guardas prisionais que se encontravam de serviço acorreram à cela em que M... se encontrava a cumprir pena.

56. Os Guardas Prisionais foram lá e verificaram que M... estava suspenso na grade da janela de costas para a mesma ligeiramente curvado e com os pés a tocarem no chão e o lençol da cama enrolado no pescoço.

57. Ninguém além dos guardas prisionais entrou na cela, tendo o Guarda J... verificado os sinais vitais de M..., designadamente a sua pulsação.

58. Os Guardas prisionais de serviço chamaram o INEM, a Polícia de Segurança Pública e a Polícia Judiciária.

59. A porta da cela de M... foi fechada e o local mantido intocado até à chegada da Polícia Judiciária.

60. Por volta das 10h00 da manhã de dia 27/09/2008 um guarda da PSP de Ourém tocou à porta de casa da Autora P... a entregar-lhe um número de telefone do Estabelecimento Prisional de Torres Novas, tendo-lhe dado a indicação para a mesma ligar para o referido Estabelecimento sem avançar de que assunto se trataria.

61. A Autora P... ligou para o Estabelecimento Prisional de Torres Novas pediu para falar com o Diretor do Estabelecimento Prisional e recebeu a notícia da morte do marido, tendo-lhe sido comunicado que o mesmo se enforcara na cela.

62. A Autora P... ligou para o seu pai e para o seu sogro a dar a notícia.

63. A Autora P... ficou inconformada com a situação atentos os receios que M... lhe manifestara e os antecedentes referidos nos pontos 3. a 18..

64. A Autora P... dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas pois queria ver M... e ver como ele estava, mas tal foi-lhe negado e disseram-lhe que ele tinha sido levado para a PSP.

65. A Autora P... pediu para ver as câmaras de vigilância mas tal foi-lhe negado tendo sido informada que estavam avariadas e não havia registos de imagem.

66. A PSP lavrou auto respeitante ao falecimento de M... do qual consta ter essa autoridade tomado conhecimento do mesmo pelo 112 através de comunicação do INEM, pelas 11h30m do dia 27/09/2008, tendo contactado:

- o Piquete da Polícia Judiciária de Leiria, a fim de relatar o acontecimento, tendo comparecido no estabelecimento Prisional de Torres Novas os inspetores P... e J... que efetuaram a inspeção;

- a Delegada de Saúde Dr.ª M... que se deslocou ao local, tendo confirmado óbito e lavrado o respetivo certificado de óbito;

- a Procuradora de Turno de Tomar Dr.ª C... a qual ordenou a remoção do cadáver ao Instituto de Medicina Legal a fim de se proceder à autópsia. [cf. fls. 16 e 16 verso do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

67. A Autora P... deslocou-se à PSP para ver o corpo de M... mas tal foi-lhe recusado, tendo a mesma sido informada de que o corpo iria para o Instituto de Medicina Legal de Tomar.

68. A Autora P... deslocou-se ao Instituto de Medicina Legal de Tomar para ver o corpo de M... mas tal foi-lhe recusado.

69. Do certificado de óbito de M... resulta que a causa direta da sua morte foi “ENFORCAMENTO”, sendo “DECONHECIDA” a causa do mesmo, e “IGNORADA” a hora do óbito estando em branco o espaço respeitante ao dia em que o falecimento ocorreu. [cf. Doc. n.º 3 junto com a contestação e fls. 4 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

70. M... tinha 36 anos quando faleceu [cf. Doc. n.º 6 junto com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

71. Quando faleceu M... era casado com a Autora P.... [cf. Docs. n.ºs 6 e 7 juntos com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

72. M... era pai da Autora L.... [cf. Doc. n.º 8 junto com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

73. O pai de M... contratou a “Funerária A...” para tratar do Funeral do segundo, tendo sido essa sociedade que foi levantar o corpo de M... ao IML de Tomar.

74. Foi C... quem ajudou a arranjar e vestir o corpo de M... no IML de Tomar juntamente com um funcionário do IML de seu nome R….

75. O corpo de M... foi vestido com roupa que a família entregara a C... para o vestir, não lhe tendo o IML entregue a roupa que o primeiro vestia quando deu entrada no Estabelecimento Prisional de Torres Novas.

76. Ao vestir o corpo de M..., C... reparou que este tinha marcas pequenas no pescoço e nódoas negras especialmente nas pernas.

77. C... arranjou o corpo de M... como normalmente faz na preparação dos corpos para funerais, o que envolve uma ligeira maquilhagem da cara para possibilitar que as pessoas levem uma melhor recordação dos seus entes queridos.

78. A Autora P..., a demais família e amigos de M... só viram o corpo deste depois autopsiado e de arranjado pela “Funerária A...”, quando o mesmo chegou à Casa Mortuária de Ourém para o velório.

79. Quando a Autora P... viu o corpo de M... no velório procedeu à sua análise.

80. O corpo de M... apresentava as seguintes características no velório: a cara estava pálida serena, as mãos estavam negras dos punhos para baixo e o mesmo estava negro na zona das virilhas e tinha nódoas negras nas pernas, no peito apenas tinha as cicatrizes da autópsia não mostrando o pescoço nódoas negras.

81. A Autora P... e os amigos ficaram inconformados com a morte de M..., porque nada lhes fazia antever que o mesmo se pudesse matar, considerando dever ter havido intervenção de terceiros na sua morte.

82. Na sequência da morte de M... foram abertos os seguintes processos de inquérito:

- o processo n.º 552/08.7TATMR, autuado em 27/09/2008, tendo como Autor o Ministério Público e como Participante a P.S.P. de Torres Novas;

- o processo n.º 211/08.0JALRA, autuado em 06/10/2008, tendo como Autor o Ministério Público e Participantes o E.P.R de Torres Novas e a PJ de Leiria;

- o processo n.º 647/08.7TATNV, autuado em 24/11/2008, tendo como Autor o Ministério Público e Denunciante M.... [cf. fls. 1, 58 e 85 e ss. do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

83. Os processos referidos no ponto anterior foram todos apensos no processo n.º 552/08.7TATMR, que congregou todos os processos e diligências efetuados para investigação da morte de M.... [cf. processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

84. Do processo de Inquérito referido no ponto anterior constam as “Declarações” de M..., pai de M..., datadas de 27/09/2008, que inquirido sobre o falecimento/suicídio do filho referiu:“(…) Que apesar de estar a cumprir uma pena de prisão por dias livre, recolhia ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas aos fins-de-semana, não reparou em quaisquer indícios de se mostrar perturbado ao ponto de fazer o que fez.

Que há cerca de dois meses e meio a esta parte, trabalhava por conta de seu pai, que lhe arranjou emprego como camionista.

Que se sentiu um bocado em baixo quando teve que entregar a sua carta de condução.

Que tinha ouvido um desabafo do seu filho, dizendo que havia um Guarda Prisional, que o humilhava e fechava-o na cela durante todo o tempo que lá estivesse, enquanto esse guarda estivesse de serviço, não tendo mais queixas a apresentar de ninguém daquele Estabelecimento Prisional.

Que não sofria de doença crónica. (…)” [cf. fls. 18 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

85. Do Processo de Investigação consta a “Informação de Serviço” relativa à Inspeção do Cadáver de M... efetuada pelo Inspetor da Polícia Judiciária P... que esteve no local, o qual tem o seguinte teor:

[transcrição do documento]

86. Do processo de investigação constam fotografias da cela em que M... cumpria pena e do cadáver do mesmo, tal como se encontrava no local. [cf. fls. 40 a 47 e 62 a 72 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

87. Do Processo de Investigação consta a “INFORMAÇÃO” relativa à morte de M... efetuada pelo Inspetor da Polícia Judiciária N..., datada de 07/10/2008, com seguinte teor: “(…) Atento o expediente elaborado por esta PJ (fls. 2 a 4), e não existindo indícios de crime, foi contactado o GML de TOMAR com vista a serem recolhidas informações sobre a autópsia médico legal ao cadáver de M....

Foi contactado o Dr. F... (Director daquele Gabinete) que referiu informalmente que na autópsia realizada não foram recolhidos quaisquer indícios da intervenção de terceiros na morte deste indivíduo.

Adiantou que a morte deste indivíduo foi devido a asfixia por enforcamento, situação compatível com acto de SUICÍDIO. (…)” [cf. Doc. n.º 5 junto com a petição inicial e fls. 81 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

88. Em 18/11/2008, M... apresentou uma denúncia contra incertos relativa à morte de M... referindo em suma que:

- Quando em 26/09/2008 M... viu um veículo estacionado no local manifestou à Autora mulher que já iria ter problemas por se encontrar ao serviço o Guarda Prisional J... de quem já se queixara ter sido alvo de ameaças e agressões a familiares e amigos, designadamente a J... e M..., e bem ainda ao advogado Dr. L..., que tentara contactar o Diretor do Estabelecimento Prisional de Torres Novas, nos dias 18/19 de setembro, que se encontrava de férias na altura.

- Que “J...” recluso que cumpria pena no estabelecimento prisional em 26/09/2008 estranhara o nervosismo e estado alterado de M... ao chegar ao Estabelecimento Prisional, sendo que este último lhe teria dito que lhe haviam colocado uma “bolota” no bolso das calças à entrada do estabelecimento prisional, para o acusar de a querer introduzir no estabelecimento prisional.

- M... foi colocado numa cela de isolamento tendo recusado o oferecimento de café ou qualquer outra bebida pelos seus camaradas.

- Que perto das 4h00 da manhã de dia 27/09/2008 M... estava de pé junto da guarita que havia na cela de costas para o interior da mesma não respondendo aos seus companheiros, pelo que o mesmo considera que o falecimento já teria ocorrido nessa altura.

- Pelas 7h00 da manhã de dia 27/09/2008 M... se encontrava suspenso por um lençol à estrutura da guarita com o lençol em volta do pescoço virado de frente para a porta da cela com as costas arqueadas, sendo que pela posição do corpo de M..., e do estado do mesmo, nomeadamente dos hematomas nas suas pernas e mãos, tudo levava o denunciante a considerar que a morte teria ocorrido noutro local que não na cela, podendo até ter ocorrido no dia anterior, tendo sido provocada por terceiros.

- O denunciante referiu que também concorria no sentido da morte ter ocorrido nos termos referidos no parágrafo anterior o facto de M... ser um fumador inveterado e não ter fumado o tabaco que levara para o estabelecimento prisional. [cf. Doc. n.º 6 junto com a contestação e fls. 85 a 90 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

89. M... pediu na denúncia referida no ponto anterior que fossem inquiridas as seguintes testemunhas com vista à descoberta da verdade material:

“(…) Dr. L... (…)

J... (…)

M... (…)

M... (…)

P... (…)

J... (…)” [cf. Doc. n.º 6 junto com a contestação e fls. 85 a 90 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

90. M... juntou à Denúncia referida no ponto 88. fotografias do cadáver. [cf. fls. 91 a 97 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

91. A denúncia referida no ponto 88. deu origem ao processo de inquérito n.º 647/08.7TATNV, apenso ao processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR. [cf. fls. 100 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

92. Em 07/01/2009 M... foi inquirido no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, tendo referido sobre a morte de M..., seu filho, o seguinte:“(…) que após ter tido conhecimento da situação desde logo ficou com algumas desconfianças sobre o verdadeiro motivo da mesma, não aceitando que a morte tenha sido causada pelo seu filho, isto é, não aceitou que o seu filho se tenha suicidado como chegou ao seu conhecimento.

----Apoia estas suas desconfianças no facto de ter detectado “nódoas negras”, quer nas pernas do seu filho, que nas mãos. Mais acrescenta também que o seu filho se tinha queixado de ser maltratado por um Guarda Prisional de seu nome J..., o qual tinha para com ele actos menos correctos, isto é, ele dizia que ele o maltratava psicologicamente, implicando com ele por diversas razões privava-o de ir ao recreio por razões que não existiam, ao contrário do que fazia aos outros reclusos. A existirem motivos para o seu filho se suicidar, à parte o facto de ter ficado sem carta e de ter sido condenado a cumprir pena de cadeia, a sua vida estava estabilizada e não tinha problemas de outra índole.

----Após o funeral procuraram recolher o máximo de informações possíveis sobre os motivos da morte do seu filho, tendo vindo a confirmar que ele já se havia queixado de maus tratos a mais do que uma pessoa, inclusivamente, já tinha procurado um Advogado para que o mesmo ajudasse a resolver a situação, isto é, para que ele junto do Director da cadeia viesse esclarecer o porquê de ser tratado de modo diferente dos outros reclusos por parte do Guarda J....

----Mais afirma que vieram ainda a falar com um outro então recluso da cadeia, de nome J..., o qual veio a dizer ao depoente e seu advogado que, que em sua opinião, o M... cerca das 04h00 da manhã já estaria sem vida, pois teriam ali passado reclusos que falaram com o M... mas ele já não respondeu. Afirma ainda que este indivíduo disse que ele nessa altura estava virado para a parede, isto é, de costas para a porta. Acha, pois, estranho que ele se tenha virado já estando morto.

----Depois de recolher todas esta informações, contratou um advogado que elaborou uma exposição, a qual consta dos autos a fls. 85 a 90 e juntou ainda fotografias das ditas nódoas negras, constantes dos Autos de fls. 91 a 97. Nesta participação, são expostas todas as informações que recolheram e todas as incongruências que detetaram na morte do seu filho.

----Questionado afirma não poder imputar a morte do seu filho a ninguém directamente, mas atendendo às circunstâncias que a rodeou e ainda às informações que apurou, principalmente as queixas por ele apresentadas, afirma que gostaria de ver cabalmente esclarecidos todos os contornos que estão ligados à morte do seu filho. (…)” [cf. fls. 123 a 125 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

93. Em 07/01/2009, M..., que se encontrava a viver junto com M..., foi inquirida no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, tendo referido sobre a morte de M..., o seguinte: “(…) que pouco pode adiantar, pois tudo o que sabe teve conhecimento através do seu marido e pai do M..., uma vez que é ele, juntamente com um Advogado que deu todas as voltas e procurou recolher o máximo de informação possível. (…)

----Sobre os factos em investigação apenas pode dizer, e porque o M... se lhe queixou directamente que ele era maltratado por um Guarda daquele Estabelecimento Prisional, de nome J..., pois que ele se queixava de este guarda ter um comportamento diferente para consigo em comparação com os outros reclusos. Ele queixava-se de este Guarda o impedir de ir ao recreio, mantendo-o isolado dentro da cela. Afirmava que ele tinha uma grande implicância consigo, pois afirmava que ao contrário dos outros reclusos, ele era muito mais controlado e vigiado.

----Quer afirmar que o M... mostrava mesmo medo e receio de ir passar estes tais dias à cadeia sempre que o tal Guarda J... estava de serviço. Afirma que fora isto, segundo se recorda, ele nunca se queixou de outras situações, entenda-se agressões ou injúrias. Mais afirma que nunca fez qualquer referência a outros guardas.

----Sempre o aconselhou a levar esta situação com calma, que era por pouco tempo, e que dentro da cadeia devia tentar passar o mais despercebido possível sem arranjar problemas com quem quer que fosse.

----Fora isto, não tem conhecimento de outras situações, à excepção do que lhe é relatado pelo seu marido.

----Mais questionada, afirma que em sua opinião, não existiam motivos para o M... se ter suicidado, pis, à parte o facto de ter ficado sem carta e de ter sido condenado a cumprir cadeia, a sua vida estava estabilizada, não tinha dívidas ou problemas de outra índole. Não lhe conhecia hábitos de consumo de droga ou medicamentos, bebendo álcool de quando em vez, embora por vezes em grande quantidade. (…)” [cf. fls. 126 a 128 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

94. Em 08/01/2009, L..., que foi advogado/mandatário de M..., foi inquirido como testemunha no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, tendo referido que: “(…) desempenhou as suas funções de advogado/mandatário do falecido, cujo óbito ocorreu precisamente quando cumpria a pena aplicada no processo em que tal mandato foi exercido e bem assim o conhecimento de factos que eventualmente pudessem ter haver com os presentes Autos advieram-lhe do exercício dessas mesmas funções. Pelo que, salvo melhor e douto entendimento, julga estar abrangido pela obrigação de guardar segredo profissional – conforme expõe o art. 8.º do n.º 15/2005 de 26 de Janeiro, sem menosprezo de, conforme dispõe o n.º 4 da disposição legal supra referida, se a prestação de depoimento do ora declarante se venha a mostrar absolutamente necessária nada impedirá que, a seu tempo, e oportunamente seja solicitada prévia autorização do Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados. Sendo assim e por ora, não irá prestar declarações. (…)” [cf. fls. 129 e 130 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

95. Em 08/01/2009 J..., que era recluso no estabelecimento prisional de Torres Novas na data em que M... aí faleceu, foi inquirido como testemunha no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, tendo referido o seguinte: “(…)----Que até ao passado dia 13OUT2008 esteve detido no Estabelecimento Prisional Regional de Torres Novas (…).

----Refere que, durante o tempo que ali esteve, durante os fins-de-semana encontrava também a cumprir pena um recluso que conheceu como M..., o qual foi encontrado já morto no dia 27SET2008, dentro de uma cela no EP de Torres Novas.

----Sobre a morte deste afirma que nada sabe de estranho, uma vez que a sua intervenção nos factos se resume ao facto de ter sido quem o detectou já sem vida dentro da cela, e tanto quanto se apercebeu por se encontrar enforcado.

----Afirma que na noite anterior à morte do M..., viu chegar o mesmo cerca das 19h30 à ala do RAVI, local onde o ora depoente estava recluso e onde o mesmo também se encontrava a cumprir a sua pena.

----Ele vinha bastante nervoso e alterado, tendo o ora inquirido ficado a saber que o motivo de tal, tinha a ver com o facto de lhe ter sido detectado uma “bolota”, de haxixe na sua posse aquando da entrada no Estabelecimento.

----Dizia aquele bastante enfurecido, que tinha sido a madrasta dele que a tinha colocado dentro das suas calças sem ele dar por isso.

----Afirma que o tentou acalmar, fazendo-o ver que ele apenas tinha de cumprir alguns dias e que esses dias passariam rápido pelo que ele devia levar a situação com calma.

----Mais afirma que, passado cerca de 1h30, o Chefe F... veio à ala dizer que por ordens superiores o M... teria de passar para uma cela contígua à onde todos se encontravam, indo passar a noite ali, neste caso sozinho, não podendo sair da mesma.

----Pelo que percebeu seria uma punição por ter-lhe sido encontrada a tal “bolota” de droga.

----Após isso, veio cerca das 23H00, e após terem feito café, a oferecer o dito café ao M..., tendo para tal se dirigido à cela, e através de uma pequena portinhola na porta da cela falado com ele. Recorda que ele respondeu não querer café e pediu ainda para não ser incomodado nem chateado isto é, para o deixarem sozinho.

----O ora depoente voltou para a sua cela, sendo que só o voltou a ver pelas 7H30/7h35, quando o veio a descobrir, supõe que já sem vida, apresentando-se o mesmo aparentemente enforcado com um lençol, na posição em que depois foi encontrado por esta PJ.

----Afirma que durante a noite nada de estranho ouviu vindo da cela do M..., entenda-se barulhos de discussão, luta ou de outro género.

----Questionado afirma que não sabe a que horas o M... faleceu, pois não assistiu à sua morte, nem igualmente pode balizar essa hora, pois a última vez que o viu foi cerca das 23H00, desconhecendo se ele estaria com vida pela hora em que foi feita conversa com ele por parte do recluso F... e um outro de nome “T...”, onde o mesmo não terá respondido.

----Apesar disso nada pode adiantar sobre a morte do M..., sendo certo que nada de estranho viu ou ouviu durante o tempo em que ele esteve dentro da cela.

----Afirma que depois de constatar que o M... estaria morto, foi alertar os guardas prisionais que vieram logo ver o que se passava. Esclarece que não entrou dentro da cela, desconhecendo os motivos que estão na origem da sua morte . Nunca em caso algum pode dizer que ele faleceu por asfixia.

----Sobre o Guarda J..., e sobre o alegado comportamento menos correcto que ele teria para com o M..., afirma que nunca em circunstância alguma assistiu a qualquer situação menos legal por parte do mesmo para com o M.... Este Guarda sempre foi correcto para consigo, ou para com o M..., pelo menos à sua frente. Recorda de um episódio em que o M... queria passar para um recreio que não pertencia à ala do RAVI, tendo-lhe aquele dito que apenas lhe permitia, e como estava estipulado pelas regras do EP, frequentar o recreio do RAVI. Fora isso nada mais viu ou ouviu.

----Questionado, afirma que segundo se recorda esse Guarda J... no dia dos factos não estava presente, quer aquando da entrada do M..., quer aquando da descoberta do seu corpo por parte do depoente.

----Por perguntado afirma que na sua mera opinião, a morte do M..., e neste caso o eventual SUICIDIO, se terá ficado a dever ao facto de ele não ter aguentado a pressão de estar isolado e ainda o facto de ter ficado com receio de ver acrescida a sua pena e de eventualmente ficar detido mais dias, nomeadamente naquele fim-de-semana.

----Sobre os factos nada mais sabe, encontrando-se ao dispor para eventuais novos esclarecimentos . (…)” [cf. fls. 131 a 133 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

96. Em 09/01/2009, J..., Guarda Prisional no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, foi inquirido como testemunha no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR tendo referido sobre a morte de M... o seguinte: “(…) No dia dos factos, isto é na noite de 26 para 27 de Setembro de 2008, encontrava-se ao serviço no EPR.

----Recorda que pelas 19H20 (…) o recluso M..., compareceu na cadeia para cumprir mais um fim-de-semana por dias livre (…).

----Após a sua chegada, o ora depoente e na revista obrigatória que lhe efectuou, veio a detectar uma pequena “bolota” que logo suspeitou tratar-se de estupefaciente.

Recorda que junto de si estavam outros seus colegas, Guarda F... e D... que presenciaram a situação. Contactaram de imediato a PSP de Torres Novas que após terem comparecido e a realizado as competentes despistagens afirmaram que o produto era positivo para haxixe.

----Questionado, afirma que o M... ficou logo muito nervoso e alterado, acusando a madrasta de ser a culpada daquela situação, isto é, de ter sido ela que havia colocado a droga dentro das suas calças.

----Após isso foi encaminhado para a ala do RAVI, local onde costumava pernoitar e passar o fim-de-semana, tendo, numa primeira fase ficado junto dos outros reclusos ali presentes.

----Só mais tarde, e por ordem superior é que foi transferido para uma cela contígua à mesma camarata onde até ali estava tendo sido fechado/isolado, embora com contacto verbal e visual através de pequena portinhola, com os outros reclusos que passassem pelo corredor, corredor este que está sempre livre para eles ali passarem, o que acontece a todo o momento.

----Por perguntado, afirma que esta cela, trata-se do local em que são colocados os reclusos que necessitam de estar isolados, sendo que a mesma para além da portinhola acima referida, dispõe ainda de uma campainha de urgência que toca directamente na portaria, sendo tal pedido logo respondido por quem está de serviço.

----Questionado tem a dizer que também todos os pertences do M... foram transferidos com ele para a dita cela, nomeadamente as suas roupas, alimentos e tabaco, tabaco este de enrolar.

----Mais afirma, após essa situação, que pelas 22H00 foram desligadas as luzes, tendo o M... ficado dentro da cela. Afirma ainda que pela 3H00, efectuou uma ronda pela ala do RAVI, tendo encontrado tudo calmo e sereno e o M... deitado na cama, aparentemente vestido, e virado para a parede.

----Nada mais viu ou ouviu, nomeadamente barulhos estranhos, exceptuando como é evidente os barulhos provocados pela utilização da casa de banho e provocados por mexerem em armários ao virem comer. Fora isso, nada ouviu, entenda-se barulhos de discussão, luta entre outros.

----Mais tarde, seriam cerca de 7H40, é que foram alertados pelo recluso J..., para o facto de o M... estar aparentemente enforcado na sua cela, tendo para tal utilizado um lençol. De imediato foram verificar a situação, tendo após isso diligenciado pelas várias autoridades de modo a ser tratada aquela ocorrência.

----Afirma que o M..., e no que à sua pessoa diz respeito, nada tem a apontar, isto é, ele nunca lhe faltou ao respeito, nunca tentou ir além do que ditavam as regras internas da cadeia. Afirma que pouco contacto teve com o M... nos fins de semana que ele aqui passou.

----Sobre o seu colega J..., também guarda prisional, afirma que nunca o ouviu queixar-se de qualquer atitude menos correcta do M..., achando que seria impossível que ele tivesse qualquer tipo de atitude menos correcta para com o M... ou outro recluso qualquer. (…)” [cf. fls. 134 a 136 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

97. Em 09/01/2009, J..., Guarda Prisional no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, foi inquirido como testemunha no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR tendo referido o seguinte:“(…) No dia dos factos, isto é na noite de 26 para 27 de Setembro de 2008, encontrava-se ao serviço no EPR, na qualidade de graduado de serviço.

----Recorda que pelas 19H20 (…) o recluso M..., compareceu na cadeia para cumprir mais um fim-de-semana por dias livre (…).

----Após a sua chegada, ele foi objeto de uma revista que é obrigatória por parte do Guarda J..., e presenciada pelo ora depoente e pelo Guarda D.... Durante esta revista veio a ser detectada uma pequena “bolota” que logo suspeitaram tratar-se de produto estupefaciente, pois era acastanhada.

----Contactaram de imediato a PSP de Torres Novas que após terem comparecido e a realizado as competentes despistagens afirmaram que o produto que lhes estava a ser apresentado e tinha sido apreendido tinha dado positivo para o tipo de droga haxixe.

----Questionado, afirma que o M... ficou logo muito nervoso e alterado, acusando a madrasta de ser a culpada daquela situação, isto é, de ter sido ela que havia colocado a droga dentro das suas calças.

----Lembra ainda que o M... vinha ligeiramente atrasado, conforme deu conta no expediente que elaborou e consta dos autos.

----Só mais tarde, e por ordem superior é que foi transferido para uma cela contígua à mesma camarata onde até ali estava tendo sido fechado/isolado, embora com contacto verbal e visual através de pequena portinhola, com os outros reclusos que passassem pelo corredor.

---Este corredor está sempre livre para eles ali passarem, o que acontece a todo o momento.

----Por perguntado, afirma que esta cela, trata-se do local em que são colocados os reclusos que necessitam de estar isolados, sendo que a mesma para além da portinhola acima referida, dispõe também de uma campainha de urgência que toca directamente na portaria, sendo tal pedido logo respondido por quem está de serviço.

----Questionado tem a dizer que na mesma altura em que o M... foi revistado à entrada que também os seus pertences o foram. Nessa altura nada foi encontrado de interesse.

---- Afirma ainda que depois da revista, que esses mesmos pertences foram colocados junto do M... no interior da camarata também utilizada pelos outros reclusos que com ele iam passar a noite.

----Após a transferência do M... para a dita cela, esses mesmos pertences foram transferidos com ele, nomeadamente, as suas roupas, alimentos e tabaco de enrolar.

----Depois de colocado dentro da cela, pelas 22H00 desligaram as luzes.

----A partir daí começaram a realizar rondas à vez, tendo a última ocorrido pelas 03H00, neste caso pelo P…, tendo, segundo ele lhe disse encontrado tudo calmo e sereno, e o M... deitado na cama.

---- Nada mais viu ou ouviu, nomeadamente barulhos estranhos, exceptuando como é evidente os barulhos provocados pela utilização da casa de banho e provocados por mexerem em armários ao virem comer. Fora isso, nada ouviu, entenda-se barulhos de discussão, luta entre outros.

----Mais tarde, seriam já cerca de 7H40, é que foram alertados pelo recluso J..., para o facto de o M... estar aparentemente enforcado na sua cela, tendo para tal utilizado um lençol. De imediato foram verificar a situação, tendo após isso diligenciado pelas várias autoridades de modo a ser tratada aquela ocorrência.

----Afirma que ao M..., e no que à sua pessoa diz respeito, nada tem a apontar, isto é, ele nunca lhe faltou ao respeito, nunca tentou ir além do que ditavam as regras internas da cadeia, à excepção de uma vez em que ele solicitava passar para o recreio dos reclusos em cumprimento de pena efectiva. Como tal não é permitido pelas regras em vigor, tal possibilidade foi-lhe negada, até porque ele tinha acesso ao recreio que lhe estava destinado. Afirma que ele aceitou bem essa situação, não tendo contestado tal facto.

---- Sobre o seu colega J..., também guarda prisional, afirma que nunca o ouviu queixar-se de qualquer atitude menos correcta por parte do M..., achando que seria mesmo impossível que ele tivesse qualquer tipo de atitude menos correcta para com o M... ou outro recluso qualquer. (…)” [cf. fls. 137 a 138-A do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

98. Em 09/01/2009, F..., foi inquirido como testemunha no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR tendo referido o seguinte:“(…)----Que se encontra no EPR de Torres Novas a cumprir uma pena de cadeia, há cerca de 3 anos e meio. Actualmente encontra-se na ala RAVI, ala esta que se situa em espaço diferente dos reclusos que se encontram a cumprir pena efectiva sem estar em RAVI.

Esclarece que durante este período de tempo, e já a partir de meio do ano de 2008 começou a frequentar o EP de Torres Novas um indivíduo de nome M... de alcunha “Francês”, o qual apenas aqui se apresentava aos fins de semana, visto entra à sexta-feira e ir embora ao fim da tarde de Domingo.

----Sobre os factos, recorda que eles tiveram lugar no final de Setembro de 2008.

----Lembra-se que nessa sexta-feira, após ele chegar, o que aconteceu pelas 19H00 a 19H30, viu o M... chegar ao RAVI bastante chateado, transtornado e aparentemente mesmo alcoolizado, dizendo que ao entrar e na revista que lhe tinham efectuado tinha-lhe sido encontrada uma pequena “bolota” de haxixe. Este queixava-se de nada ter a haver com aquilo, acusando a madrasta de lhe ter colocado tal produto dentro do bolso das calças. Mostrava-se ainda o M... bastante receoso de esta situação lhe vir a causar problemas, principalmente ser impedido de sair no Domingo para voltar a casa ficando pois no EP durante a semana.

----Ele encontrava-se chateado sendo que numa primeira fase foi colocado junto de todos os reclusos do RAVI, mas mais tarde foi transferido para uma cela, contígua à camarata do RAVI, onde ficou isolado e fechado. Ele não tinha acesso ao exterior da cela mas contactava com todos os reclusos através de uma pequena portinhola na porte. Todos os pertences dele foram também para ali passados. Recorda que ele tinha um maço de tabaco com ele, para além de tabaco de enrolar e filtros, sendo que nessa altura também uma máquina lhe foi entregue para fazer cigarros.

----Por questionado, afirma que o viu ao longo da noite, sendo que a última vez que isso aconteceu foi cerca da 04H00, quando o ora depoente se deslocou à casa de banho e fez conversa com ele. Ele encontrava-se em pé junto da janela, devidamente vestido, a fumar e apesar de nada ter dito ao ora inquirido levantou-lhe o braço após este falar com ele.

----Não o viu mais, apenas já da parte da manhã é que depois de ter novamente passado junto da cela é que veio a ver o M... novamente junto da janela, sendo que nessa altura e após falar com ele, ele não respondeu novamente.

----Desta vez não fez qualquer gesto. Alertou então o também recluso J... para o facto, tendo ele ido ver o que se passava, dizendo então que o M... estava aparentemente morto por enforcamento com um lençol.

----Perguntado, afirma que durante a noite não ouviu qualquer barulho anormal, entenda-se luta, discussão ou de outro género. Mais acrescenta que se alguma coisa dessas se passasse, logo davam por isso, pois as portas das duas celas são juntas uma da outra. De igual modo, se a porta da cela dele, durante a noite fosse mexida ou aberta, era notada pelos reclusos, o que na realidade não aconteceu após ele ter sido isolado.

----Sobre o guarda J... e do comportamento dele para com o M..., afirma que nunca o viu com atitudes ou comportamentos menos correctos. Recorda apenas uma pequena situação entre os dois, quando uma vez o M... queria passar para o recreio da zona prisional, não afecta ao RAVI, e o guarda J... não lhe permitiu, pois não estava contemplado nas regras, isto é, dizia o Guarda que sendo ele um recluso em cumprimento de pena por dias livres, não podia contactar com os reclusos de prisão efectiva e presentes na zona prisional. Ele tinha acesso a um recreio e devia ser a esse que ele tinha de ir. Fora isso nunca assistiu ou ouviu qualquer situação anormal. (…)” [cf. fls. 139 a 141 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

99. Em 29/01/2009 foi inquirida no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, P..., viúva de M..., que referiu o seguinte:“(…) Que esteve casada com o M..., do qual tem uma filha com 4 anos de idade. (…)

---Questionada afirma não acreditar que a sua morte foi devido a asfixia por enforcamento, e ao que tudo indicia um ato de Suicídio.

----Assenta a sua convicção, no facto de ter vivido alguns anos com o M... e ter noção de que ele não teria tomado esta atitude. Não acredita que ele fosse capaz de tomar esta atitude, até pelas conversas que ia mantendo com ele e com os projectos que os dois andavam a fazer.

----Mais quer dizer que aquando do funeral viu nódoas negras nas pernas do seu marido e ainda as mãos e os pés também negros. Acha estranha a forma como as mesmas apareceram, uma vez que ele não as tinha quando na sexta-feira o foi levar à cadeia.

----Fora isto ouviu o M... dizer que existia um guarda na cadeia, de nome J..., que sempre que estava ao serviço implicava com ele. Dizia que este guarda, em seu entender era muito minucioso na revista que lhe fazia quando ele entrava à sexta-feira. Mais quer dizer que o M... se queixou de este guarda, em outras ocasiões o ter agredido com “caneladas”.

----Questionada afirma que na data em que foi levar o M..., recorda de ele dizer que se calhar ia ter problemas, pois este tal guarda estava a trabalhar naquele dia. O M... mostrou receio de passar então o fim-de-semana.

----Quer ver a morte do seu marido esclarecida, pois não acredita que o mesmo tenha cometido este acto.(…)” [cf. fls. 142 a 143 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

100. Em 19/02/2009, foi inquirido como testemunha, no processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, o Guarda Prisional J... que exercia funções no Estabelecimento Prisional de Torres Novas tendo referido o seguinte:“(…) Ser guarda Prisional no E.P.R de Torres Novas, local onde exerce a sua profissão encontrando-se na portaria ou então nas várias alas da cadeia, entre elas no RAVI.

----Sobre os factos afirma que no dia m que os mesmos ocorreram não se encontrava a trabalhar, tendo apenas tido conhecimento dois dias depois, data em que entrou ao serviço.

----Desconhece então o que se passou, tendo apenas ouvido dizer da boca dos seus colegas na altura em serviço que o recluso M... Lopes se havia enforcado no interior da chamada cela de habitação.

----Esclarece que conhecia este recluso apenas derivado à sua profissão e devido ao mesmo ter sido condenado a cumprir dias de cadeia aos fns-de-semana, isto é, tinha sido condenado a cumprir prisão por das livre.

----Mais afirma que em alguns dos fins-de-semana em que aquele se apresentou que estava ao serviço tendo sido um dos guardas que o recebia quando ele se apresentava à sexta-feira.

----Nunca teve qualquer problema com ele, não recorda de alguma vez ter participado dele. Apenas recorda que fazendo cumprir as regras da cadeia não deixava o M... ir para o recreio comum aos reclusos condenados como ele sempre queria, situação que ele aceitava sem problemas. Fora esta situação nunca existiu qualquer outra.

----Sobre as suspeitas que foram levantadas sobre si, afirma que não têm qualquer fundamento, até porque na data em causa não se encontrava ao serviço.

----Nada mais sabe ou tem a dizer sobre os factos.(…)” [cf. fls. 144 e 145 do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

101. O corpo de M... chegou às mãos do perito médico legal com um lençol enrolado ao pescoço com uma laçada e no estado descrito no relatório de autópsia.

102. Não existia no peito de M... nenhum sinal de lesão traumática de reanimação.

103. Depois de retirado o lençol no pescoço de M... foi visível um sulco largo correspondente à largura do próprio lençol sendo uma marca infligida em vida.

104. No pescoço de M... não havia lesões de desligamento do pescoço do corpo.

105. Pode ocorrer enforcamento sem desligamento do pescoço do corpo se a altura e violência da queda na origem do enforcamento não forem muito grandes.

106. As marcas existentes no pescoço de M... não eram compatíveis com uma situação de estrangulamento pois nesse caso o sulco existente no pescoço teria de envolver grande parte da área circundante do pescoço o que não se verificava no caso de M....

107. As marcas existentes no pescoço de M... eram compatíveis com uma situação de enforcamento por se traduzirem num sulco anterior e abrangente das paredes laterias do pescoço.

108. Não é possível determinar qual a causa do enforcamento de M... se suicídio ou homicídio.

109. É possível ocorrer enforcamento com os pés assentes no chão por manutenção na mesma posição desde que o enforcado esteja em posição que implique compressão das vias respiratórias impedindo que o oxigénio chegue ao cérebro, podendo o enforcamento durar vários minutos consoante os casos.

110. Não é possível determinar se, com o lençol enrolado como M... foi encontrado, lhe seria possível gritar ou emitir qualquer som.

111. Na autópsia foram detetadas equimoses no membro inferior esquerdo abaixo do joelho, essas lesões eram anteriores à morte.

112. Num intervalo de 4 dias após a morte não poderão aparecer equimoses mas poderão aparecer livores, que são alterações provocadas por gravidade por deposição do sangue nas partes do corpo que se encontrem mais baixas, dependendo da posição do corpo.

113. As mãos do cadáver podem ficar negras devido a livores posturais, podendo essa situação não ser referida no relatório da autópsia ainda que seja visível caso sejam algo de normal atenta a postura em que foi encontrado o cadáver e a sua menção seja irrelevante em termos de determinação da causa da morte.

114. Em 25/05/2009 foi lavrado pelo Instituto de Medicina Legal (Gabinete Médico Legal de Tomar) “RELATÓRIO DE AUTÓPSIA” com o seguinte teor:

“(…)

[transcrição do documento]

115. Em 24/11/2009 o Inspetor da Polícia Judiciária N... lavou Relatório com o seguinte teor:

[transcrição do documento]

(…)” [cf. fls. 81 do processo n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

116. Em 29/01/2010, foi proferido pela Procuradora Adjunta dos Serviços do Ministério Público de Torres Novas Despacho” no processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR com o seguinte teor:

[transcrição do documento]

117. M... deixou como herdeiras as Autoras P... e L... [cf. Doc.s n.º 7 e n.º 8 juntos com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

118. M..., pai de M..., requereu intervenção enquanto credor nos autos de inventário abertos por morte deste. [cf. Doc. n.º 9 junto com a contestação cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

119. M..., pai de M..., intentou ação de impugnação da paternidade deste relativamente à Autora L.... [cf. Doc. n.º 10 junto com a contestação cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

120. A sociedade de M... designada “M... Unipessoal, Lda.” foi objeto do processo de insolvência n.º 261/09.0TBVNO, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, o qual foi encerrado em 28/09/2011 [cf. Doc. n.º 11 junto com a contestação e informação disponível em https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/ConsultasCire.aspx]

121. Em 23/11/2017 foi realizada Exumação do Cadáver de M... seguida da realização de nova autópsia tendo sido lavrado “Relatório Pericial” em 17/05/2018 com o seguinte teor:

[transcrição do documento]

122. M... trabalhava por conta própria como camionista, tendo uma sociedade Unipessoal.

123. M... era o único que trabalhava no agregado familiar sendo o único sustento do mesmo.

124. A Autora P... não trabalhava, estava em casa a cuidar da filha a Autora L....

125. M... dava-se muito bem com a mulher a filha.

126. M... gostava muito da filha e era muito apegado à mesma.

127. M... era uma pessoa alegre e de convívio sendo muito dado.

128. M... não tinha problemas de saúde conhecidos.

129. M... e a Autora P... eram pessoas socialmente ativas que saiam muito.

130. M... e a Autora P... tinham um projeto para construir uma casa.

131. Depois da morte de M... a Autora P... teve de ir trabalhar.

132. Foi A... que auxiliou financeiramente as Autoras após a morte de M....

133. Quando M... ia cumprir pena ele e a Autora P... diziam à Autora L... que ele ia trabalhar.

134. L... era muito apegada ao pai.

135. Antes da morte do pai L... era uma criança feliz.

136. Para L... a morte do pai teve um grande impacto emocional, ela chorava muito e perguntava muito pelo pai.

137. Depois da morte da M... L... teve de ir para o jardim de infância e passava os dias à espera da mãe com medo que ela não voltasse, pois como ela fora trabalhar poderia não voltar como sucedera com o pai.

138. Logo após a morte de M... a Autora L... estava sempre a falar no pai punha a mesa para ele e dizia que não queria comer se o mesmo não comesse.

139. A Autora L..., apesar de há data do falecimento de M... ter apenas três anos, ainda hoje se recorda das circunstâncias relativas ao falecimento do mesmo.

140. As Autoras falam em M... quase todos os dias.

141. A Autora L... sente muito a falta do pai e ainda hoje chora a morte de M....

142. A Autora L... é uma criança fechada e calada.

143. A Autora L... foi seguida por psicólogo.

144. A Autora P... sente que perdeu a sua família que agora só tem a filha.

145. A Autora P... frequentou psicólogos e psiquiatras e fez medicação anti depressiva e nunca mais foi a mesma.

146. A Autora P... hoje tem pouca autoestima enquanto antes da morte de M... ela tinha muito mais.

147. A Autora P... deixou de ter vida social ativa depois da morte de M..., por norma vai do trabalho para casa.

148. A Autora P... nunca refez a sua vida com mais ninguém.

149. A Autora P... ainda hoje chora a morte de M....

O tribunal a quo julgou não provada a seguinte factualidade:

1. Que nos dias 26/09/2008 e 27/09/2008 M... tivesse sido alvo de maus-tratos ou agressões físicas ou psicológicas por parte dos guardas prisionais ou reclusos que se encontravam no Estabelecimento Prisional de Torres Novas.

A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto foi consignada como segue:

Em face do disposto nos artigos 396.º do Código Civil (CC) e 607.º, n.º 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 1.º, do CPTA, a formação da convicção do Tribunal acerca de cada facto baseou-se essencialmente numa apreciação livre da prova testemunhal produzida em sede de audiência final, em conjugação com a prova documental e elementos dos presentes autos e do processo de inquérito n.º 552/08.7TATMR, apenso aos presentes autos, e os factos públicos e notórios constantes do site oficial de publicitação de insolvências. Teve-se igualmente em atenção o acordo obtido pelas partes, tudo atento o onus probandi que impendia sobre as partes.

A valoração dos documentos, dos elementos juntos autos, acordo, e factos públicos e notórios foi feita atendendo ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, conforme indicado acima em relação a cada um dos factos assim dados como provados.

Quanto à valoração das declarações de parte da Autora P... cumpre começar por referir que as declarações de parte de P... foram credíveis e prestadas com razão de ciência quanto aos factos que precederam a entrada de M... no Estabelecimento Prisional de Torres Novas para cumprir pena no dia 26/09/2008, visto que a mesma era sua mulher tendo sido quem o conduziu ao Estabelecimento Prisional para cumprir pena.

Foi, pois, com base nas suas declarações de parte que se como provados os factos constantes dos pontos 3. a 5. e 7. a 18. do elenco dos factos provados.

Foi igualmente com base nas declarações de parte da Autora P... que se deram como provados os factos relativos à forma como lhe foi efetuada a comunicação do óbito de M..., e às suas diligências para ver o corpo deste, tendo, pois, sido com base nessas declarações que se deram como provados os factos contantes dos pontos 60. a 65., 67. e 68. do elenco dos factos provados.

As declarações de parte da Autora P... também foram relevantes para se darem como provados os factos relativos ao estado do corpo de M... no momento da realização das exéquias fúnebres do mesmo.

Foi com base nas declarações desta que se deram como provados os factos constantes dos pontos 78. a 81. Do elenco dos factos provados, sendo que no mesmo sentido concorreram os depoimentos de outras testemunhas presentes no velório.

As declarações de parte da Autora P... foram igualmente relevantes para prova das condições de vida familiar das Autoras e de M... antes do seu falecimento e do impacto da morte deste na vida das Autoras, designadamente os danos por elas sofridos com o mesmo.

Foi, assim, com base nessas declarações de parte desta Autora, conjugadas com os depoimentos das testemunhas que abaixo indicaremos, que se deram como provados os factos constantes dos pontos 122. a 125., 127., 129. a 131., 133., 137. a 140., e 144. do elenco dos factos provados.

A testemunha M..., foi a florista que fez os arranjos para o velório de M..., por isso prestou depoimento credível e com razão de ciência relativamente aos factos ocorridos durante o velório do mesmo, tendo o seu depoimento concorrido para se darem como provados os factos constantes dos pontos 79. a 81..

Acresce que, como a mesma conhecia a Autora P... também pôde atestar que esta e M... tinham o projeto de construir uma casa, concorrendo para se dar como provado o facto constante do ponto 130. do elenco dos factos provados.

A testemunha H... prestou depoimento credível e com razão de ciência quanto ao que se passou nas exéquias fúnebres de M... já que é amiga da Autora P.... O seu testemunho, concorreu, assim, para se darem como provados os factos constantes dos pontos 79. a 81. do respetivo elenco.

Como era amiga da Autora P... o depoimento desta testemunha foi também relevante para se darem como provados factos relativos à vida familiar das Autoras e M..., ao impacto da morte deste na vida das Autoras e aos danos por estas sofridos com a morte do mesmo, tendo concorrido para se darem como provados os factos constantes dos pontos 123. a 125., 130., 136., e 144. a 149. do elenco dos factos provados.

A testemunha S... também prestou depoimento credível e com razão de ciência quanto aos factos relativos à vida familiar das Autoras e M..., ao impacto da morte deste na vida das Autoras, e aos danos sofridos pelas Autoras com a mesma, visto que era amiga de M... e de P.... O seu depoimento, concorreu, para se darem como provados os factos constantes dos pontos 123. a 125., 127. a 130., 136., 141. a 145., e 147. a 148..

O depoimento de H... foi credível e prestado com razão de ciência, tendo relevado para se darem como provados os factos respeitantes ao modo de vida, hábitos e projetos de M... e das Autoras, constantes dos pontos 122., 126. e 127., e 129. e 130. do elenco dos factos provados, pois era amigo de M....

C..., prestou testemunho credível e com razão de ciência, por, enquanto empresário responsável pela agência funerária que realizou o funeral de M..., ter sido quem arranjou o corpo de M... para o velório e o levantou do IML de Tomar. Foi, pois, com base no seu depoimento que se deram como provados os factos constantes dos pontos 73. a 77. do elenco dos factos provados.

O depoimento da testemunha E... foi credível e prestado com razão de ciência por se tratar do tio da Autora tendo conhecido de perto M... e a vida familiar deste e das Autoras. Esse depoimento concorreu para se dar como provado o ponto 5. do elenco dos factos provados visto que o mesmo relatou as queixas que M... lhe havia feito em desabafo quanto ao Estabelecimento Prisional onde cumpria pena.

O depoimento desta testemunha foi ainda relevante para se darem como provados factos relativos à vida familiar das Autoras e M..., o impacto da morte deste na vida das Autoras e os danos por elas sofridos com a morte do mesmo, tendo, assim, concorrido para se darem como provados os factos constantes dos pontos 122. a 132., 141., 142., e 147. do respetivo elenco.

O depoimento da testemunha A... foi credível e prestado com razão de ciência por se tratar do pai da Autora tendo conhecido de perto M... e a vida familiar deste e das Autoras. Esse depoimento concorreu para se dar como provado o ponto 6. do elenco dos factos provados, visto que o mesmo relatou as queixas que M... lhe havia feito em desabafo quanto aos guardas do Estabelecimento Prisional onde cumpria pena.

O seu depoimento também concorreu para se darem como provados os factos constantes dos pontos 79. a 81. do elenco dos factos provados já que também esteve presente no velório e funeral tendo presenciado o que aí se passou, corroborando as declarações de parte da Autora.

O depoimento desta testemunha foi ainda relevante para se darem como provados factos relativos à vida familiar das Autoras e M..., ao impacto da morte deste na vida das Autoras e aos danos sofridos por elas sofridos com a morte do mesmo, tendo concorrido para se darem como provados os factos constantes dos pontos 125., 127., 129. a 137., 139., 141. a 143., e 145. a 149. do respetivo elenco.

Os Guardas Prisionais J... e J..., como eram os Guardas Prisionais que estavam de serviço no fim de semana de 26/09/2008 para 27/09/2008 prestaram depoimento credível e com razão de ciência sobre os factos ocorridos depois da entrada de M... no estabelecimento Prisional de Torres Novas para cumprir pena nesse fim de semana.

E, bem ainda, quanto às regras e procedimentos que se aplicavam nesse Estabelecimento Prisional à data da ocorrência dos factos.

Foi com base nos seus depoimentos conjugados que se deram como provados os factos constantes dos pontos 21. e 23. do elenco dos factos provados quanto aos guardas prisionais que estiveram no Estabelecimento Prisional na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008, tendo para a fixação deste último facto sido igualmente considerado o depoimento de J..., também ele Guarda Prisional no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, que referiu não ter estado no Estabelecimento Prisional nesse dia não tendo, por esse motivo, nenhum conhecimento direto relativamente aos factos respeitantes ao falecimento de M....

No entanto o depoimento desta testemunha contribuiu para se dar como provado o facto constante do ponto 28. do elenco dos factos provados, visto que, apesar de desconhecer o que se passou na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008, referiu que M... não manifestou em momento anterior, qualquer indício de instabilidade física, emocional ou psíquica que levasse a indiciar que se pudesse suicidar.

Foi também com base no depoimento de J... e J... que se deram como provados os factos constantes dos pontos 25., 27., 28., 47., 48., 49., e 54. a 59. do respetivo elenco.

Igualmente relevante para se darem como provados os factos ocorridos com M... dentro do Estabelecimento Prisional de Torres Novas na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 e os procedimentos e regras que se aplicavam no estabelecimento à data foram os depoimentos desses dois guardas prisionais conjugados com o depoimento da testemunha F..., que prestou testemunho credível e com razão de ciência por na altura da ocorrência dos factos se encontrar a cumprir pena no referido estabelecimento prisional na mesma ala que M... (ala RAVI) tendo falado com o mesmo na noite de 26/09/2008 e visto o corpo deste sem vida na manha de 27/09/2008.

Foi com base no depoimento conjugado destas três testemunhas que se deram como provados os factos constantes dos pontos 35., 38., 41., 42., 44., 45., 46., e 51 do respetivo elenco. Tendo sido concretamente com base no depoimento de J... que se deram como provados os factos constantes do ponto 36. e 50. do respetivo elenco. E, concretamente com base no depoimento de J... que se deram como provados os factos constantes dos pontos 29., 33., 34., 37., 39., e 40. do respetivo elenco.

Por outro lado, foi concretamente com base no depoimento de F... que se deram como provados os factos constantes dos pontos 43., 49., 52., e 53 do respetivo elenco.

Relativamente ao estado do corpo de M... à chegada ao IML e aos aspetos atinentes à autópsia ao mesmo realizada foi relevante o depoimento de L... perito médico legal que a realizou, tendo sido com base no seu depoimento credível e prestado com razão de ciência que se deram como provados os factos constantes dos pontos 101. a 113. do respetivo elenco, tendo o mesmo sido esclarecedor quanto aos aspetos mencionados no relatório de autópsia.

O facto dado como não provado considerou-se como tal por não ser comprovado nem encontrar sustentação nos elementos probatórios produzidos nos autos.



II.2. De direito

Discordam as Recorrentes da sentença do TAF de Leiria que julgou improcedente a acção de responsabilidade civil extracontratual proposta contra o Estado e absolveu o R. dos pedidos de indemnização formulados.

As razões dessa discordância, e que constituem o objecto do recurso de acordo com as extensas conclusões que compõem o requerimento de recurso, vão desde o apontar de várias nulidades à sentença, passando pela impugnação da matéria de facto que vem fixada, terminando com a imputação de vários erros de julgamento.

Importa, a título preliminar, relembrar que neste processo foi já proferido acórdão por este TCAS em 30.04.2015, no qual se deixou estabelecido o seguinte:

“(…) o apuramento das ditas responsabilidades civis, mais não é do que o apuramento de responsabilidade civil pela prática de actos no âmbito do referido processo de inquérito n.º 552/08.7 TATMR. Donde, repousar a causa de pedir neste capítulo apenas e tão-somente na alegada deficiente investigação da morte do recluso M... no âmbito do processo de inquérito n.º 552/08.7 TATMR.

Ora, no que diz respeito ao pedido de indemnização fundado na deficiente investigação efectuada pelo Ministério Público, certo é que o Tribunal de Conflitos teve já oportunidade de decidir no acórdão de 10.03.2011, proc. n.º 13/10, que diz respeito à organização judiciária administrativa e não à especifica função de julgar a falta de realização de diligências de investigação sobre uma queixa crime que está na base de pedido de indemnização. Tal acção é, pois, da competência dos tribunais administrativos.

Escreveu-se no citado acórdão, a cuja fundamentação se adere:

«É que, tal como sucede no presente caso, não está em causa qualquer «erro judiciário», ou seja, não se pretende sindicar nenhuma errada decisão de algum magistrado, mas sim, e efectivamente, o próprio funcionamento do sistema de justiça, enquanto lhe é imputada responsabilidade pela não actuação da acção penal, nos termos em que o autor o invocou, arquivando previamente a ter investigado, desobrigando-se de cumprir uma determinação anterior do próprio Ministério Público que determinava diligências de inquérito, pugnando por uma indemnização dos danos invocados, apenas e por causa de «omissão na investigação».

(…)

Na verdade, como escrevemos no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 29- 11-2006, “hoje, é pacífico o entendimento jurisprudencial, na linha deste último aresto, de que estando em causa a responsabilidade emergente da função de julgar, a competência cabe aos tribunais judiciais, pois os actos e actividades próprias dos juízes na sua função de julgar são praticados no exercício específico da função jurisdicional e não da função administrativa; todos os outros actos e omissões de juízes, bem como toda a actividade e actuação dos restantes magistrados, órgãos e agentes estaduais que intervenham na administração da justiça, em termos de relação com os particulares ou outros órgãos e agentes do Estado, e, portanto, sejam estranhos à especifica função de julgar, inscrevem-se nos conceitos de actos e actividades administrativas ou de “gestão pública administrativa”, da competência da jurisdição administrativa - (cfr. entre outros, além do supra transcrito aresto de 12-05-1994, os acórdãos deste Tribunal de Conflitos de 23-01-2001, Conflito n.° 294, e de 21-02-06, Conflito n° 340, e, ainda, entre outros, os Acórdãos do STA de 13.02.1996, Proc. n°38.474, in AP DR de 31-8-98, 1095; de 15.10.98, Proc. n° 36.811; de 12.10.2000, Proc. n.° 45.862, in AP DR de 12-2-2003, 7360; de 12.10.2000, Proc. n.° 46.313, in AP DR de 12-2-2003, 7378; e de 22-05-2003, Proc. n.° 532/03).

De referir ainda que, “o novo ETAF (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro) unificou a jurisdição no tocante à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, desinteressando-se da questão de saber se o direito de indemnização provém de acto de gestão pública ou de gestão privada, e, do mesmo modo, integrou no âmbito da jurisdição administrativa a responsabilidade por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, bem como a resultante do deficiente funcionamento da administração da justiça, dissipando todas as dúvidas que pudessem colocar-se, no futuro, quanto à fronteira entre a jurisdição dos tribunais administrativos e dos tribunais comuns (cfr. artigo 4°, n.° 1, alínea g)” - acórdão do Tribunal de Conflitos de 18-12-2003, Proc.° n.° 15/03.

Ora no caso em apreço, corno refere a decisão da 2ª Vara Cível, não está em causa a responsabilidade derivada da função de julgar, que o A. nem refere na petição inicial, mas tão só a ineficiência da actuação dos órgãos do Estado encarregados da investigação criminal que, na óptica do A., não procederam às diligências de investigação da queixa crime apresentada contra os denunciados.

Assim sendo, está-se no âmbito das relações jurídicas administrativas que se podem estabelecer entre a administração judiciária e os particulares na administração da justiça e não no âmbito da específica função de julgar, designadamente de qualquer erro judiciário, pelo que de acordo com a jurisprudência acima citada, e nos termos dos artigos 1°, n.° 1, e 4º, n.° 1, al. g) do ETAF, e 212, n.º 3, da CRP, há que concluir que incumbe aos tribunais administrativos o julgamento da acção de responsabilidade civil extracontratual intentada contra o Estado».

E assim sendo, é o TAF de Leiria competente para conhecer deste pedido. Ou seja, caber-lhe-á, face ao alegado e após instrução da causa, deferindo as diligências de prova legalmente permitidas e indeferindo aquelas proibidas, aferir do mérito do alegado.

Por outro lado, quanto ao apuramento de responsabilidades criminais, bem como quanto à reacção de não aceitação do despacho de arquivamento proferido no Inquérito penal em questão, apresenta-se como manifesto estar essa competência subtraída à jurisdição administrativa. Não se percebe, aliás, a insistência das Recorrentes neste ponto.

O art. 4.º, n.º 2, al. c) do ETAF exclui da jurisdição administrativa as acções que tenham por objecto os actos relativos ao inquérito e instrução criminais, bem como o exercício da acção penal (mas não, como se disse anteriormente, as acções de responsabilidade extracontratual que tenham por fundamento actos ou omissões das autoridades e agentes de investigação que, embora com eles conexionados, estão fora da sua actuação judiciária qua tale, nessa medida afastados da previsão normativa do citado preceito). Pelo que, para apurar a responsabilidade criminal e para conhecer da impugnação do despacho de arquivamento no processo de Inquérito, não são os tribunais administrativos competentes, mas sim a jurisdição comum.

Em conclusão quanto a este fundamento do recurso, não podem as Recorrentes pretender discutir nestes autos a decisão de arquivamento determinada pelo Ministério Público titular do inquérito (nos termos do art. 278.º do Código de Processo Penal o assistente pode provocar a intervenção hierárquica ou, nos termos do art. 287.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, pode requerer a abertura da instrução). [sublinhados nossos]

Razões pelas quais, procedendo parcialmente o recurso, tem o saneador recorrido, na parte recorrida, que ser revogado, reconhecendo-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer dos pedidos formulados, tal como explicitado supra.

No referido acórdão, nessa sequência, foi concedido parcial provimento ao recurso que havia sido interposto pelas também aqui Recorrentes, “julgando o TAF de Leiria materialmente competente para conhecer do pedido de responsabilidade civil formulado com fundamento na falta de realização de diligências de investigação no âmbito do Inquérito n.º 552/08.7TATMR”. Isto sem deixar de se reiterar que era, como o é, da competência material dos tribunais administrativos a acção de responsabilidade civil extracontratual em que os familiares de um recluso, preso num Estabelecimento Prisional, reclamam uma indemnização do Estado, em virtude do mesmo aparecer morto na cela, por alegada agressão dos guardas prisionais e por falta de vigilância.

Importa, desde já, deixar devidamente estabelecido que o assim decidido constitui caso julgado não só formal como material, tendo ficado definido o âmbito de conhecimento do tribunal a quo e, bem assim, os termos da causa e do pedido susceptíveis de por este ser apreciados e decididos.

Feita esta delimitação preliminar, comecemos pela apreciação das nulidades suscitadas.


II.2.1. Das nulidades suscitadas

Ao longo do recurso interposto e das respectivas conclusões, as Recorrentes suscitam avulsamente a nulidade por omissão de pronúncia (cfr. conclusões 51.ª, 108.º, 128.º, 138.ª e 139.ª), por contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. conclusões 108.ª, 128.ª, 138.ª e 139.ª) e por falta de fundamentação (conclusões 138.ª, 139.ª e 144.ª).

Começam por alegar que “o tribunal a quo não se pronunciou sobre todos os depoimentos supra transcritos, bem como a insuficiente documentação junta pelo Réu/Recorrente e inconclusiva prova pericial produzida, cometendo, consequentemente, uma omissão de pronúncia, vício patente no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Mas não é verdade que assim seja.

Com efeito, basta ler a fundamentação da matéria de facto, para se alcançar o juízo crítico tirado sobre a valoração da prova produzida e, por outro, no que é o essencial, o tribunal a quo apreciou a questão colocada, nos termos que o haviam sido definidos superiormente.

Veja-se que o tribunal a quo expressamente consignou que não existiram “quaisquer outras diligências que devessem ou pudessem ter sido realizadas na investigação efetuada no âmbito do processo de inquérito levado a cabo na sequência da morte de M..., que pudessem ter resultado no apuramento da ação de terceiros na morte de M..., ou em sentido diverso daquele em que se concluiu. Isto para concluir, nessa sequência, que “não se prefigura ter ocorrido qualquer facto ilícito por omissão de diligências de investigação pela morte de M....

Como se observa, imediatamente se conclui que o tribunal a quo não omitiu o conhecimento da questão com que foi confrontado em face do que se lhe impunha conhecer, resolvendo a mesma questão.

Continuando, afirmam as Recorrentes que há contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo, nas suas palavras, “o texto da decisão em crise revelador de incoerência e desrespeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida”.

Porém, esse fundamento não constitui contradição entre os fundamentos e a decisão para efeitos do disposto no art. 615.º, nº 1, al. c), do CPC. Este vício ocorre quando existe uma contradição intrínseca entre os fundamentos invocados na sentença e a decisão nela tomada, quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão nela tomada segue um caminho completamente oposto; o que manifestamente não é o caso. Aliás, são as próprias Recorrentes a afirmar a propósito desta putativa nulidade que “não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto.”

Em bom rigor, como se confirma do acabado de transcrever, a discordância prende-se com a valoração da prova produzida e a posterior subsunção normativa. Mas isso escapa aos vícios da sentença, inscrevendo-se sim no erro de julgamento.

Ainda em sede da arguição de nulidades da sentença, vêm as Recorrentes suscitar a falta de fundamentação da sentença.

Igualmente aqui improcede totalmente semelhante conclusão.

O artigo 615.º n.º 1, al. b), do CPC comina a nulidade da sentença quando a esta falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão. Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão, por forma a persuadir os destinatários e a comunidade jurídica em geral; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada.

Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal do acórdão, sujeitando-o ao risco de ser revogado, havendo recurso, mas não produz nulidade.

Ora, basta ler na sua integralidade a sentença recorrida para verificar que esta se apresenta devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, assentando a sua motivação e dispositivo na factualidade que deu como provada e de acordo com a aplicação do regime jurídico que elegeu para resolver as questões colocadas – foi feita a identificação do quadro normativo relevante e aplicável.

Da sentença extrai-se, portanto, os fundamentos de facto e as razões de direito que permitiram fixar o dispositivo da decisão recorrida

Tudo visto, as Recorrentes poderão discordar da fundamentação avançada na sentença recorrida, mas não se poderá concluir pela sua inexistência.

Improcede, deste modo, a arguição das nulidades suscitadas, que não se verificam.

II.2.2. Da impugnação da matéria de facto

Dispõe o art. 640.º do CPC, correspondente ao art. 685.º-B do CPC/1961, que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.

Como se vê, a al. b) do n.º 1 do artigo acabado de transcrever determina que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar-se obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

O que aqui se pretende é que a parte recorrente que impugna a matéria de facto apresente um discurso argumentativo onde alinhe e identifique as provas, ou seja, que assinale onde se encontram as provas no processo e, tratando-se de depoimentos, que identifique a passagem ou passagens relevantes, para depois produzir uma argumentação que se oponha àquela que foi produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal ad quem perante uma questão a resolver.

Não basta, pois, identificar meios de prova, a parte terá de expor uma análise crítica da prova formalmente análoga à realizada pelo juiz e concluir no sentido que pretende.

Quer isto dizer que recai sobre a parte recorrente um triplo ónus: primeiro, circunscrever ou âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; segundo, fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; e terceiro, enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

Ónus que encontra a sua ratio nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais e visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (cfr., nesta matéria, Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, p. 465 e que, nesta parte, se mantém actual).

Como se afirmou no acórdão do STJ de 28.04.2016, proc. nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1:

“(…) ao apelante que impugna a decisão da matéria de facto cumpre identificar os concretos pontos de facto que, no seu entender, foram incorrectamente apreciados, especificar os concretos meios probatórios que imponham resposta diversa e indicar a resposta alternativa que deve ser dada a tais pontos de facto (art. 640º do CPC).

Trata-se de um ónus multifacetado cujo cumprimento não se torna fácil, mas que encontra diversas justificações, entre as quais as seguintes:

- A Relação é um Tribunal de 2ª instância, a quem incumbe a reapreciação da decisão da matéria de facto proferida pela instância hierarquicamente inferior;

- A Relação não procede a um segundo julgamento da matéria de facto, reapreciando apenas os pontos de facto enunciados pelos interessados;

- O sistema não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam um resultado diverso;

(…).”

Cumpre ainda relembrar que o controlo de facto, em sede recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode arrasar a livre apreciação da prova do julgador, construída na base da imediação e da oralidade.

Efectivamente “a gravação da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo assim evidenciar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do principio da imediação, não tornando assim acessível ao tribunal superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto”, (cfr. Ac. do STA de 18.01.2005, proferido no proc. nº 1703/02).

É que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. O que está deferido ao tribunal da 1ª instância. Certo é que na reapreciação da matéria de facto apenas cabe ao tribunal de recurso um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (v., sobre esta questão, o ac. deste TCAS de 11.06.2015, proc. n.º 11211/14, por nós relatado).

Feitas estas considerações iniciais, temos que a ora Recorrente satisfez o identificado ónus processual que sobre si impendia, de modo suficiente. Essa impugnação é a decorrente das conclusões 33.ª, 45.ª, 49.ª, 52.ª, 56.ª, 71.ª, 72.ª, 76.ª, 100.ª, 101.ª, 109.ª, 115.ª e 130.ª.

Sucede que a alteração da factualidade dada como provada não deve ser aceite.

Estão em causa os factos descritos em 2 a 6, 8, 10, 12, 13, 14, 15 a 17, 21, 22, 23, 28, 39, 43,.51, 103, 106 e 109. Requerem que sejam julgados como não provados os factos dados como provados em 12, 21, 22, 23, 28, 29, 35, 39, 43, 47, 48, 50, 51, 103, 106 e 109 e como provada a matéria dada como não provada.

Em primeiro lugar, a reincidente discussão acerca de matéria factual de relevo jurídico-penal não é aqui elegível. Neste particular, está a arguição de que a admissibilidade das marcas do pescoço do de cujus pudessem ter sido ser infligidas em vida e compatíveis com estrangulamento, bem como a aventada impossibilidade de o enforcamento poder ocorrer com os pés assentes no chão (factos 103, 106 e 109).

Em segundo lugar, a sentença recorrida assentou a matéria dada como provada, nos pontos impugnados, valorando a prova produzida, como dela consta:

12- No depoimento de parte da aurora P...;

21- Nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J...;

22- Na informação junta aos autos através de ofício datado de 3.11.2011 da Direção Geral dos Serviços Prisionais;

23- Nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J... e J...;

28- Nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J... e J..., conjugados com o depoimento da testemunha F...;

29- No depoimento do Guarda Prisional J...;

35- Nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J... e J...;

39- Nos depoimentos dos Guardas Prisionais J...;

43- No depoimento da testemunha F...;

47 e 48- Nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J... e J..., conjugados com o depoimento da testemunha F...;

50- No depoimento do Guarda Prisional J...;

51- Nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J... e J...;

103, 106 e 109 - No depoimento da testemunha do perito médico legal L...;

O avançado pelas Recorrentes não é hábil a alterar o juízo valorativo efectuado pelo tribunal a quo acerca da verificação da factualidade alegada e a provar.

Com efeito, quanto à questão da identificação dos guardas prisionais escalados e em serviço na noite de 26 para 27 de Setembro de 2009, a resposta ao pedido de informação foi prestada pelo Subdiretor-geral, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com base em informações do Director-Geral dos Serviços Prisionais e da Diretora do Estabelecimento Prisional Regional de Torres Novas e pelo Chefe de Guardas deste Estabelecimento P....

Relativamente à inexistência de barulhos ou gritos na ala RAVI, naquela data, também essa conclusão constante do facto provado 51, foi devidamente sustentada com base nos depoimentos dos Guardas Prisionais J..., J... e J..., sem que haja qualquer prova presencial ou outra que o infirme.

Quanto ao provado em 29, certo é que se retira do próprio texto da sentença que o de cujus não foi de imediato enviado para a cela “separada”, já que, como explicitado, teve que aguardar na ala RAVI, pela decisão do Director sobre o seu destino prisional, conforme foi referido pela testemunha J..., no seu depoimento transcrito no facto provado 97.

Em relação aos factos provados 35, 47, 48 e 50, em que está em causa a funcionalidade do sistema de vigilância, concretamente por não se efectuarem rondas na zona da cela onde faleceu M... e inexistir prova de que a acampainha existente naquela cela funcionasse, temos que no que se refere à não realização das rondas, a explicação retira-se da resposta dada nos factos provados 41, 47 e 48, ou seja, pela circunstância das celas se mostrarem localizadas junto à portaria, zona dos guardas, de onde eram visualizadas. E em relação à funcionalidade da campainha, esta foi corroborada pelo depoimento do guarda prisional J..., sendo que não foram indicadas provas susceptíveis de infirmar o dado por provado.

E quanto à pretensão de que nos dias 26.09.2008 e 27.09.2008 M... tivesse sido alvo de maus-tratos ou agressões físicas ou psicológicas por parte dos guardas prisionais ou reclusos que se encontravam no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, facto não provado e que deveria considerar-se provado, nada permite sustentar conclusão diversa da tirada pelo tribunal a quo.

Da circunstância de aquele manifestar algum receio sobre as consequências resultantes de ter sido apanhado a entrar com droga para o Estabelecimento Prisional não se pode, de forma alguma, deduzir que tenha, efectivamente, sido alvo de maus-tratos ou agressões físicas ou psicológicas por parte dos guardas prisionais ou sequer reclusos que se encontravam no Estabelecimento Prisional de Torres Novas. A prova produzida em Juízo e explicitada na fundamentação da matéria de facto, não sustenta minimamente a pretensão das Recorrentes; antes pelo contrário. Sobre esse facto não provado é manifesto que os depoimentos da A. e das testemunhas E... e H... são insuficientes para infirmar tudo o demais que foi dado como amplamente provado em sede de audiência e julgamento.

Assim, e mostrando-se também prevalente o princípio da imediação da prova, nada há a alterar à decisão sobre a matéria de facto dada pelo tribunal a quo.

Improcede, portanto, a impugnação da matéria de facto.

II.2.3. Dos erros de julgamento

Estabilizada a matéria de facto, vejamos então se o tribunal a quo errou ao concluir que: i) não se prefigurava ter ocorrido qualquer facto ilícito por omissão de diligências de investigação pela morte de M...; e ii) que não existiu nexo de causalidade entre a colocação de M... em “regime de separação” e a ocorrência da sua morte, sendo que não havia sido por aquele manifestado quaisquer sinais de instabilidade psíquica ou emocional, pelo que não se poderia sequer considerar previsível que a mesma morte pudesse vir a ocorrer como sucedeu.

Como fundamento da sua pretensão as Autoras e ora Recorrentes alegam, em suma, a existência de responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente, por um lado, da falta de investigação apropriada relativamente à morte de M.... E, por outro lado, que a sua morte ocorreu por violação dos deveres do Estado Português relativamente às pessoas que se encontram à sua guarda a cumprir pena, designadamente por força da ilegalidade do acto que determinou a colocação de M... numa cela de isolamento e por falta de vigilância durante a noite de 26.09.2008 para 27.09.2008.

Neste capítulo importa relembrar, uma vez mais, que não cumpre conhecer do mérito do despacho de arquivamento exarado no processo de inquérito 522/08.7TATMR, nem sobre a aventada intervenção de terceiros, enquanto matéria susceptível de preencher qualquer ilícito criminalmente relevante. Pelo que tudo o alegado a esse propósito, no sentido de discutir o apuramento de uma suposta responsabilidade penal de terceiros e de reagir contra o constante do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no referido Inquérito 522/08.7TATMR, apresenta-se aqui como irrelevante (i.a as conclusões 52 e 71 do recurso). Trata-se de matéria que não se insere no âmbito do que cumpria e cumpre conhecer, na sequência do trânsito em julgado do acórdão deste TCAS de 30.04.2017 (e em que se julgou ser o TAF materialmente incompetente para o “apuramento de responsabilidades criminais, bem como quanto à reacção de não aceitação do despacho de arquivamento proferido no Inquérito penal em questão”).

Como referido pelo Recorrido, as Recorrentes voltam a “insistir na ideia de que a causa de morte de M... não se tratou de um suicídio, mas cuja sindicância implica que este TAF funcione como tribunal de recurso, tendente a analisar e decidir sobre o despacho de arquivamento exarado no Inquérito 522/08.7TATMR, cuja proibição já foi decidida por Acórdão do TCAS. (cfr. pag.s 20 e 91 da sentença.). Trata-se, porém, de matéria que não é susceptível de ser conhecida nesta sede.

Vejamos então, recentrando o objecto válido do recurso, se a decisão recorrida é acertada.

Na sentença recorrida escreveu-se, ao que aqui releva, o seguinte:

Da falta de investigação apropriada relativamente à morte de M...

As Autoras sustentam ter ocorrido atuação ilícita do Réu fundada no facto de este não ter efetuado todas as diligências administrativas devidas para investigar de forma cabal a morte de M..., ignorando as denúncias e indícios existentes. As mesmas referem concretamente que não teriam sido efetuadas as seguintes diligências que se impunha terem sido realizadas:

i) a inquirição de todas as testemunhas relevantes, cujo testemunho poderia comprovar que M... foi agredido antes da sua morte tendo gritado muito durante a noite, tendo a morte ocorrido por intervenção de terceiros, eventualmente noutro local que não a cela de isolamento;

ii) não terem sido tidos em consideração todos os indícios visíveis no cadáver, designadamente equimoses e nódoas negras e a ligeireza das marcas existentes em volta do pescoço que, segundo as Autoras seriam indícios da existência de agressões e da intervenção de terceiros na morte de M....

Nesse sentido referem também que a exumação do cadáver possibilitaria confirmar tais indícios não considerados no relatório da autópsia.

O Réu, por seu turno, sustenta ter a investigação realizada sido efetuada de forma cabal não existindo mais nenhuma diligência que devesse ter sido realizada nem indicando as Autoras nenhuma diligência que devesse ter sido efetuada e não tenha sido, conforme melhor expendido supra.

Apreciando cumpre referir que resulta da factualidade dada como provada no ponto 82. do elenco dos factos provados que na sequência da morte de M... foram abertos os seguintes processos de inquérito:

- processo n.º 552/08.7TATMR, autuado em 27/09/2008, tendo como Autor o Ministério Público e como Participante a P.S.P. de Torres Novas;

- processo n.º 211/08.0JALRA, autuado em 06/10/2008, tendo como Autor o Ministério Público e Participantes o E.P.R de Torres Novas e a PJ de Leiria;

- processo n.º 647/08.7TATNV, autuado em 24/11/2008, tendo como Autor o Ministério Público e Denunciante M....

Sendo certo, que conforme resulta do ponto 83. do elenco dos factos provados que os referidos processos foram todos apensos no processo n.º 552/08.7TATMR, que congregou todos os processos e diligências efetuados para investigação da morte de M....

Acresce que, da factualidade dada com provada nos pontos 88. e 89. do elenco dos factos provados resulta que a Denúncia efetuada por M..., pai de M..., foi tida em consideração, tendo-lhe sido dado seguimento, prosseguindo-se com a investigação tendo sido inquiridas no processo de inquérito praticamente todas as testemunhas indicadas por M..., além do próprio.

Isto porque, M... indicou como testemunhas a inquirir: “(…) Dr. L... (…) J... (…) M... (…) M... (…) P... (…) J... (…)”. E foram inquiridas no âmbito do processo de inquérito: M...; M...; L...; J...; J...; J... F...; P...; J..., sendo que do depoimento dos mesmos nada se retira que indicie ter havido ação de terceiros na morte de M... [cf. pontos 92. a 100. do elenco dos factos provados].

Sendo que do depoimento das testemunhas inquiridas no processo de inquérito nada resultou de onde se pudesse concluir ter havido intervenção de terceiros na morte de M... ou que este tenha gritado na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 [cf. pontos 92. a 100. do elenco dos factos provados].

Nem tal resultou da prova testemunhal produzida nos presentes autos [cf. pontos 25., 27. a 29., 35., 37., 38. a 43., 45. a 54. do elenco dos factos provados].

Acresce que do Relatório da Autópsia também não resultou qualquer indício que permita concluir pela ocorrência de ação de terceiros na morte de M.... [cf. ponto 114. do elenco dos factos provados] tendo o teor do mesmo sido comprovado pelo perito médico-legal que o realizou, que, com o seu depoimento, deixou clara a congruência do mesmo com as marcas existentes no cadáver, e a inexistência de possibilidade de conclusão pela verificação de intervenção de terceiros na morte de M... [cf. pontos 101. a 113. do elenco dos factos provados]. [sublinhado nosso]

E, no mesmo sentido concorreu o relatório médico-legal realizado após a exumação do cadáver de M... [cf. ponto 121. do elenco dos factos provados].

Termos dos quais, da factualidade dada como provada e não provada resulta a ausência de qualquer indício e muito menos de qualquer prova da existência de ação de terceiros na morte de M....

Em face do exposto não se vislumbra existirem quaisquer outras diligências que devessem ou pudessem ter sido realizadas na investigação efetuada no âmbito do processo de inquérito levado a cabo na sequência da morte de M..., que pudessem ter resultado no apuramento da ação de terceiros na morte de M..., ou em sentido diverso daquele em que se concluiu. [sublinhado nosso]

Termos nos quais não se prefigura ter ocorrido qualquer facto ilícito por omissão de diligências de investigação pela morte de M...”.

O decidido é de manter e o trecho acabado de transcrever atesta o infundado da crítica que vem dirigida à sentença recorrida.

Veja-se que na sequência da morte de M... foram abertos os seguintes processos de inquérito (cfr. 82. Dos factos provados):

- processo n.º 552/08.7TATMR, autuado em 27.09.2008, tendo como autor o Ministério Público e como participante a P.S.P. de Torres Novas;

- processo n.º 211/08.0JALRA, autuado em 6.10.2008, tendo como autor o Ministério Público e participantes o E.P.R de Torres Novas e a PJ de Leiria;

- processo n.º 647/08.7TATNV, autuado em 24.11.2008, tendo como autor o Ministério Público e denunciante M....

Como resulta de ponto 83. dos factos provados, os referidos processos foram todos apensos no processo n.º 552/08.7TATMR, que congregou todos os processos e diligências efectuados para investigação da morte de M....

Acresce que, da factualidade dada com provada nos pontos 88. e 89., resulta que a denúncia efectuada por M..., pai de M..., foi tida em consideração, tendo-lhe sido dado seguimento, prosseguindo-se com a investigação e tendo sido inquiridas no processo de inquérito praticamente todas as testemunhas por aquele indicadas, além do próprio.

Para além de ter sido efectuada perícia médico-legal, também como provado em 114. (posteriormente com exumação do cadáver – 121. do probatório).

Donde, salvo o devido respeito, não se compreende a afirmação de o óbito não ter sido devidamente investigado. As diligências administrativas foram efectuadas, foram exaustivas, bem como houve intervenção atempada das autoridades judiciárias.

Improcede, assim, o recurso nesta parte.

Vejamos agora a questão atinente à questão da culpa in vigilando.

Neste capítulo a sentença recorrida assentou no seguinte discurso fundamentador:

b) Da violação dos deveres do Estado Português relativamente às pessoas que se encontram à sua guarda a cumprir pena

As Autoras alegam que o Estado Português violou os seus deveres relativamente a M..., por um lado, porque praticou um ato ilegal ao colocá-lo na cela em que o mesmo veio a falecer, em situação de isolamento, conforme retro expendido.

Nesse sentido sustenta que o ato que determinou a sua colocação nessa cela se tratou de um ato ilegal, porque: não verificados os requisitos para a aplicação da medida a M...; porque a aplicação da mesma não foi precedida do procedimento devido; e porque se tratou de um praticado oralmente (através de uma determinação do Diretor do Estabelecimento Prisional dada por telefone).

O Réu sustenta que não se verificou qualquer ilicitude na atuação na prática de tal ato.

Apreciando cumpre referir que da factualidade dada como provada resulta que M... no dia 26/09/2008 foi colocado numa cela em “regime de separação”, isolado dos demais reclusos [cf. pontos 33. a 35., 38., 43. do elenco dos factos provados], mas com acesso aos seus bens pessoais [cf. ponto 40. do elenco dos factos provados] e podendo falar com os demais reclusos através da portinhola existente na porta da cela [cf. pontos 42. e 43. do elenco dos factos provados], após ter sido apanhado na revista realizada à entrada no estabelecimento prisional na posse de produto estupefaciente [cf. pontos 25., 30., e 32. e 33. do elenco dos factos provados].

Acresce que, resultou provado que a cela na qual M... foi colocado a cumprir pena no dia tratava-se de uma cela de habitação sita na zona RAVI sem televisão [cf. ponto 35. do elenco dos factos provados].

E, bem ainda, que a colocação de M... nessa cela ocorreu após determinação verbal do Diretor do Estabelecimento Prisional de Torres Novas no sentido de que M... fosse colocado em “regime de separação” numa cela isolado dos demais reclusos por ter tentado introduzir no estabelecimento prisional [cf. ponto 33. do elenco dos factos provados].

Do exposto resulta, pois, que M... foi colocado em “regime de separação” por ter tentado introduzir no estabelecimento prisional um produto estupefaciente, cuja posse o mesmo imputou à sua madrasta, referindo ter sido ela quem lho colocou no bolso [cf. ponto 43. do elenco dos factos provados].

Ora, à data da ocorrência do falecimento de M..., de 26/09/2008 para 27/09/2008, a execução de penas e outras medidas privativas da liberdade nos estabelecimentos prisionais era regulada pelo Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, prevendo o artigo 111.º e seguintes desse diploma legal as medidas de segurança que podiam ser aplicadas aos reclusos.

Sendo que, na redação aplicável à data o artigo 111.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, dispunha o seguinte:“(…) 1 - Podem ser aplicadas ao recluso medidas especiais de segurança quando, devido ao seu comportamento ou ao seu estado psíquico, exista perigo sério de evasão ou da prática de actos de violência contra si próprio ou contra pessoas ou coisas.

2 - São autorizadas as seguintes medidas especiais de segurança:

a) Proibição do uso de determinados objectos ou a sua apreensão;

b) Observação do recluso durante o período nocturno;

c) Separação do recluso da restante população prisional;

d) Privação ou restrições à permanência a céu aberto;

e) Utilização de algemas;

f) Internamento do recluso numa cela especial de segurança.

3 - A aplicação das medidas previstas no número anterior é autorizada quando de outro modo não seja possível evitar ou afastar o perigo da tirada ou de fuga de reclusos ou quando exista perturbação considerável da ordem e da segurança do estabelecimento.

4 - As medidas especiais de segurança mantêm-se apenas enquanto durar o perigo que determinou a sua aplicação.

5 - As medidas referidas no n.º 2 não podem ser utilizadas a título de medida disciplinar. (…)” [negritos e sublinhados sempre nossos]

Deste normativo resultava, pois, que as medidas especiais de segurança previstas no seu n.º 2, entre as quais a colocação de reclusos em “regime de separação” [cf. alínea c)], podiam ser determinadas: i) por motivos subjetivos relativos ao recluso, respeitantes ao seu comportamento ou estado psíquico quando existisse perigo sério de evasão ou da prática de atos de violência contra si próprio ou contra pessoas ou coisas [cf. n.º 1 do artigo 111.º]; ii) ou ser autorizadas por motivos objetivos quando, de outro modo não fosse possível evitar ou afastar o perigo da tirada ou de fuga de reclusos, ou quando existisse perturbação considerável da ordem e da segurança do estabelecimento.

A questão que se coloca é pois, a de saber, se in casu, tais requisitos objetivos ou subjetivos se encontravam verificados.

Ora, resulta da factualidade dada como provada, máxime dos pontos 27. a 29., 37., 39., 43. e 46. do elenco dos factos provados que após a descoberta do produto estupefaciente que foi encontrado na sua posse à entrada no estabelecimento prisional M... não causou nenhuma altercação no estabelecimento prisional tendo permanecido sereno ainda que nervoso e preocupado com as implicações que tal descoberta poderia ter na execução da sua pena.

Acresce que, antes de ser colocado em “regime de separação” esteve em contacto com os demais reclusos a cumprir pena na zona RAVI não tendo ocorrido nenhuma situação de perturbação da ordem ou segurança no estabelecimento prisional.

Assim sendo, prefigura-se ser de concluir, que no caso em apreço não estariam reunidas as condições nem subjetivas nem objetivas passíveis de justificar a aplicação da medida especial de segurança de colocação em “regime de separação” aplicada a M....

Tanto mais que, conforme se referia nos n.ºs 4 e 5 d artigo 111.º as medidas especiais de segurança apenas se podiam manter enquanto durasse o perigo que determinou a sua aplicação e não podiam ser utilizadas a título de medida disciplinar.

Sendo que no caso concreto inexistia, conforme retro expendido, qualquer situação de perigo e não se justificava a aplicação da medida apenas para disciplinar o facto de a M... ter sido encontrado produto estupefaciente na revista efetuada à entrada do estabelecimento prisional.

Assim sendo, prefigura-se nesse aspeto existir ilegalidade do ato que determinou a colocação de M... em “regime de separação”, por falta de verificação dos requisitos materiais com base nos quais a mesma poderia ser determinada.

Já no que respeita à questão da existência de ilegalidade fundada na forma do ato que determinou a colocação de M... em “regime de separação”, isto é com base no facto de ter sido praticado oralmente (através de uma determinação do Diretor do Estabelecimento Prisional dada por telefone), não tendo sido precedido do procedimento devido, cumpre referir que o artigo 114.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, estabelecia quanto à determinação das medidas especiais de segurança que: “(…)1 -

Compete ao director do estabelecimento ordenar a aplicação das medidas especiais de segurança referidas no artigo 111.º

2 - Em caso de perigo iminente, podem as medidas referidas ser ordenadas, provisoriamente, por quem substitua legalmente o director, devendo ser requerida, sem demora, a sua confirmação relativamente à aplicação de tais medidas.

3 - A aplicação das medidas previstas nas alíneas d), e) e f) do artigo 111.º a reclusos que se encontrem sob observação ou tratamento médicos ou cujo estado psíquico constitua o fundamento da aplicação da medida, bem como a mulheres reclusas durante a gravidez, puerpério, ou após interrupção da gravidez, deve ser sempre precedida do parecer do médico do estabelecimento, salvo se se tratar de uma situação de perigo iminente, requerendo-se, nesse caso, imediatamente após a aplicação da medida, o parecer referido.

4 - Deve ouvir-se, com regularidade, o médico, enquanto o recluso estiver privado da permanência a céu aberto. (…)”

Assim sendo, tal normativo não previa qualquer procedimento específico, além da emissão de parecer médico, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 desse artigo 114.º, que devesse ser observado previamente à determinação das medidas de segurança, termos nos quais não se prefigura nesse aspeto particular qualquer vício do ato que determinou a aplicação da medida de segurança de colocação em “regime de separação” a M....

No que concerne à competência para a prática do ato, resulta do ponto 33. do elenco dos factos provados que a colocação de M... em “regime de separação” foi determinada pelo Diretor do Estabelecimento Prisional, logo, por quem tinha competência para o efeito, nos termos do n.º 1, do artigo 114.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, na redação aplicável.

Mas no que respeita à forma da prática do ato, resulta do ponto 33. do elenco dos factos provados que o mesmo foi praticado oralmente pelo Diretor do Estabelecimento Prisional, por telefone.

Ora, não prevendo o Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, nenhuma forma específica para a prática do ato em causa aplicam-se as normas gerais do Código do Procedimento Administrativo que, na redação vigente à data dos factos, era a do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11, que determinava no n.º 1 do seu artigo 122.º que: “(…) 1 - Os actos administrativos devem ser praticados por escrito, desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do acto. (…)”

Termos nos quais, se prefigura, também relativamente a aspeto enfermar o ato praticado de ilegalidade, tanto mais que não foi invocado nenhum motivo de urgência passível de determinar que tal forma pudesse deixar de ser observada.

Motivo pelo qual, se verifica quanto a este aspeto este requisito da responsabilidade civil extracontratual do Réu.

c) Da falta de cumprimento do dever de vigilância

No que respeita ao dever de vigilância cumpre referir que o dever de vigilância no âmbito dos estabelecimentos prisionais visa assegurar a ordem disciplina e segurança no estabelecimento prisional e, consequentemente dos reclusos que nele cumprem pena.

Sendo que o âmbito e abrangência do dever de vigilância depende dos estabelecimentos prisionais e dos regimes de execução de penas aplicáveis nos mesmos.

Nesse sentido o Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, estabelecia, na sua redação vigente no seu artigo 14.º o seguinte:

“(…) Artigo 14.º

Estabelecimentos abertos e fechados

1 - O recluso que não reúna as condições referidas no n.º 2 é internado em estabelecimento fechado.

2 - O recluso pode ser internado, com o seu consentimento, num estabelecimento ou secção de regime aberto, quando estejam preenchidos os pressupostos deste, isto é, quando não seja de recear que ele se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir.

3 - O recluso pode também ser internado num estabelecimento de regime fechado, ou regressar a este, quando isso se revelar necessário ao seu tratamento ou sempre que pelo seu comportamento se mostrar que não satisfaz as exigências do regime aberto.

4 - O internamento em regime fechado é executado em condições de segurança capazes de prevenir o perigo de evasão dos reclusos.

5 - O internamento em regime aberto é executado prescindindo-se, total ou parcialmente, de medidas contra o perigo de evasão dos reclusos. (…)”

Prevendo o artigo 194.º do mesmo diploma legal que:“(…) 1 - O pessoal dos estabelecimentos é garante do cumprimento dos fins a que os mesmos se destinem.

2 - O pessoal dos estabelecimentos deve orientar-se pelo princípio de que a reinserção social dos reclusos constitui a sua principal tarefa e que esta é da maior importância social.

3 - Cada estabelecimento deve dispor, de acordo com os fins a que se destina, do pessoal técnico, administrativo e auxiliar necessário ao funcionamento dos diversos serviços, nomeadamente no que se refere ao ensino, formação e aperfeiçoamento profissionais, saúde e vigilância dos reclusos.

4 - A assistência social ou orientação social em matéria de assuntos criminais será regulada em diploma autónomo.

5 - Os quadros, condições de nomeação e atribuições do pessoal dos estabelecimentos são os constantes deste diploma, da Lei Orgânica do Ministério da Justiça e dos respectivos regulamentos. (…)”

Do exposto, decorre, pois, que o dever de vigilância nos estabelecimentos prisionais variava, à data da ocorrência do falecimento de M..., consoante o regime de execução da pena fosse aberto ou fechado, podendo, nos estabelecimentos ou secções de regime de prestação de penas em regime aberto prescindir-se totalmente das medidas de vigilância contra a evasão dos reclusos.

Isto, sem prejuízo de a vigilância poder variar também consoante as condições subjetivas atinentes aos reclusos, podendo ser diferenciada no caso de algum recluso em relação ao qual se prefigurasse haver algum motivo relativo ao seu comportamento ou estado psíquico passível de determinar uma vigilância mais apertada.

Ora, no caso em apreço nos presentes autos resulta da factualidade dada como provada nos pontos 1. e 2. do respetivo elenco que M... estava a cumprir pena por dias livres ao fim de semana.

Mais resulta do ponto 29. do elenco dos factos provados que o mesmo cumpria pena na secção do Estabelecimento Prisional afeta ao regime aberto (RAVI), sendo também nessa secção que se situava a cela na qual M... foi colocado em “regime de separação” na noite de 26/09/2008 [cf. ponto 35. do elenco dos factos provados].

Ora, da factualidade dada como provada resulta que, na secção afeta ao regime aberto em que situava a cela em que M... cumpriu pena na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008, não se realizavam rondas noturnas obrigatórias [cf. pontos 47. e 48. do elenco dos factos provados].

Ora, atento o disposto nos artigos 14.º, n.º 2 e n.º 5 e 194.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, não se prefigura que a não realização de rondas obrigatórias na ala afeta ao regime aberto em que M... cumpria pena fosse violadora do dever de vigilância que impendia “in casu” sobre o pessoal do estabelecimento prisional, visto que se tratava de uma secção de regime aberto na qual se podia prescindir totalmente das medidas de vigilância contra a evasão dos reclusos, mesmo no caso de haver reclusos colocados nessa ala em “regime de separação”, salvo se pelas condições subjetivas do recluso em particular se justificasse a adoção de uma vigilância mais apertada.

Ora, atento o retro expendido, a propósito do estado físico e psicológico de M..., não resulta da factualidade dada como provada nenhum elemento com base no qual se possa considerar que existia alguma razão passível de poder justificar uma vigilância diferenciada do mesmo. De facto, da factualidade dada como provada, máxime dos pontos 27. a 29., 37., 39., 43. e 46. do respetivo elenco resulta que após a descoberta do produto estupefaciente que foi descoberto na sua posse à entrada no estabelecimento prisional M... não causou nenhuma altercação no estabelecimento prisional tendo permanecido sereno ainda que nervoso e preocupado com as implicações que tal descoberta poderia ter na execução da sua pena, não manifestando qualquer sinal de instabilidade física ou emocional que apontasse no sentido de o mesmo se poder vir a suicidar caso permanecesse sozinho numa cela em “regime de separação”, não tendo em momento anterior manifestado também qualquer indício dessa instabilidade [cf. ponto 28. do elenco dos factos provados].

Acresce que, conforme resulta dos pontos 50. e 51. do elenco dos factos provados na noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 a campainha de urgência da cela em que M... se encontrava a cumprir pena não tocou na portaria. E durante a noite de 26/09/2008 para 27/09/2008 não se ouviram na ala do RAVI do Estabelecimento Prisional de Torres Novas barulhos de gritos, discussão ou luta. Termos nos quais não se verificou qualquer motivo para que a vigilância levada a cabo pelos guardas prisionais devesse ser diferente naquela noite na ala afeta ao regime aberto do que normalmente era.

Termos nos quais se prefigura ser de concluir não ter sido in casu violado o dever de vigilância que impendia sobre os serviços do Estabelecimento Prisional de Torres Novas.

Motivo pelo qual, não se verifica ilicitude da atuação do Réu com este fundamento, e, inexistindo facto ilícito, inexiste responsabilidade civil extracontratual do Réu com este fundamento dado que os seus requisitos são cumulativos, inexistindo, pois, qualquer direito indemnizatório das Autoras com este fundamento.

De todo o exposto, resulta, pois, que apenas se prefigura existir ilicitude da conduta do Estado Português na aplicação a M... da medida especial de segurança de colocação do mesmo em “regime de separação”, atenta a ilicitude relativa à falta de requisitos e de forma do ato que determinou a aplicação dessa medida, pelo que, será de julgar preenchido este pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado apenas com esse fundamento. [sublinhado nosso]

ii) Da culpa

Quanto à culpa dispõe o artigo 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, que:

“(…) 1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.

3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.

4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil. (…)”

Ora, do referido decorre que a ilicitude da conduta do Réu, nos termos supra referidos determina, por si só, a existência de uma presunção de culpa leve do mesmo, por força do disposto nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 10.º da Lei n.º 67/2007 de 31/12.

Do exposto resulta também que o pressuposto da culpa, enquanto nexo de imputação do facto ao agente, não é forçoso que se traduza numa culpa a título pessoal, que no apuramento deste tipo de responsabilidade pode até nem existir, bastando que exista a culpa do serviço globalmente considerado.

Sendo que o artigo 10.º, n.º 2 do RRCEEEP, consagra a presunção de culpa leve dos titulares de órgãos, funcionários e agentes na prática de atos jurídicos ilícitos, que impende sobe a Entidade Demandada, o Estado Português, cabendo a este ilidir tal presunção, o que o mesmo não logrou fazer.

Isto porque, da factualidade dada como provada não se extrai a existência de qualquer causa justificativa ou de exclusão da culpa, relativa à ilicitude verificada na prática do ato que determinou a colocação de M... em “regime de separação”.

Para afastar essa presunção de culpa incumbia ao Réu comprovar a sua ausência de culpa, não obstante a verificação da ilicitude, o que o mesmo não logrou alegar de forma cabal e muito menos provar.

Por todo o exposto considera-se também verificar-se este pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

iii) Do nexo de causalidade entre o facto ilícito culposo e os danos

Para que se gere a obrigação de indemnizar é ainda “conditio sine qua non” que exista um dano que tenha emergido na esfera jurídica do lesado.

Nesse âmbito, dano é a lesão ou o prejuízo que os lesados (aqui as Autoras) sofreram em virtude de um certo facto, a morte de M..., que as mesmas imputam à conduta ilícita e culposa do Réu.

Sendo que as mesmas peticionam a indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais que alegam ter sofrido, nos termos retro expendidos.

Ora, atento o disposto o artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 67/2007, de 31/12 estabelece que “(…) A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.(…)”

Termos nos quais se prefigura existir a possibilidade de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelas Autoras, desde que os mesmos tenham sido causados pela conduta ilícita e culposa do Réu.

Isto porque, os danos sofridos pelas Autoras apenas são passíveis de originar os direitos indemnizatórios a que as mesmas se arrogam se forem imputáveis, em termos de causalidade adequada, à conduta correspondente ao facto ilícito.

Nesse sentido atente-se no artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 que refere que “(…) 1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.

2 - É concedida indemnização às pessoas lesadas por violação de norma ocorrida no âmbito de procedimento de formação dos contratos referidos no artigo 100.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de acordo com os requisitos da responsabilidade civil extracontratual definidos pelo direito comunitário.

3 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.

4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos. (…)”

Do exposto resulta que apenas serão ressarcíveis em sede de responsabilidade civil extracontratual os danos que tenham resultado de ação ou omissão ilícita e culposa do Réu. [sublinhado nosso]

Ora, no caso em apreço, atento o retro expendido quanto à ilicitude e culpa verifica-se que o ato ilícito e culposo que se julgou ter ocorrido foi apenas a prática do ato que determinou a colocação de M... em “regime de separação”.

Sendo que os danos cujo ressarcimento as Autoras peticionam são emergentes da morte de M....

Termos nos quais importa aquilatar da existência de nexo de causalidade entre a determinação da colocação de M... em “regime de separação” e a ocorrência da morte deste.

Quanto ao nexo de causalidade entre os factos e danos, cumpre referir que o mesmo se encontra expresso no artigo 563.º do Código Civil, nos termos do qual se estabelece que: “(…) A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. (…)”

Este preceito deve, segundo a doutrina, interpretar-se no sentido de que “(…) não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito (…)” [cf. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, VoI. IV, 4.ª Ed., p. 579].

O nexo de causalidade afere-se em função da idoneidade abstrata da conduta ilícita e culposa imputável ao Réu – a aplicação da medida especial de segurança de colocação de M... em “regime de separação” - para a produção da morte de M..., sendo que existe tal idoneidade sempre que o resultado seja previsível e de verificação normal.

Nesse sentido, cumpre referir que a finalidade do legislador ao estabelecer os requisitos para a fixação de medidas de segurança era a de evitar desmandos e abusos na aplicação de tais medidas salvaguardando os reclusos e os seus direitos.

Está, assim no âmbito de proteção da norma violada a proteção dos direitos de M....

No entanto, há que analisar, se a prática do ato de colocação de M... em “regime de separação” se prefigura como causa apropriada, isto é adequada/idónea para produzir a morte de M.... [sublinhado nosso]

A esse propósito cumpre referir que, resulta da factualidade dada como provada, máxime dos pontos 27. a 29., 37., 39., 43. e 46. do respetivo elenco que, após a descoberta do produto estupefaciente encontrado na sua posse na revista efetuada à entrada no estabelecimento prisional, M..., apesar de nervoso e preocupado com as implicações que tal descoberta poderia ter na execução da sua pena, manteve-se calmo não tendo manifestado qualquer sinal de instabilidade emocional ou psíquica que indiciasse a possibilidade de suicídio caso ficasse isolado.

Ao que acresce o facto de se tratar de um recluso condenado numa pena de prisão curta e que se encontrava a cumprir pena aos fins de semana, ainda se desconhecendo se a descoberta do produto estupefaciente iria ter qualquer impacto na execução da sua pena ou qual o impacto que a mesma iria ter.

Sendo que a sua morte ocorreu quando o mesmo se encontrava em “regime de separação” apenas há algumas horas.

Ora, não se prefigura que a colocação em “regime de separação” de um recluso nas condições de M..., que se encontra a cumprir uma pena pequena, aos fins de semana, ainda sem lhe ter sido determinado nenhum agravamento desse regime, não tendo manifestado sinais de instabilidade psíquica ou emocional, se possa considerar como adequada ou idónea a produzir a sua morte, tanto mais que não se prefigurava sequer previsível que a mesma pudesse ter tal desfecho. [sublinhado nosso]

Assim sendo a conduta lícita e culposa do Ré não pode, neste caso, ser considerada, segundo as regras da experiência e normalidade, como apropriada ou adequada para produzir a morte de M....

Desta feita, será de julgar não existir nexo de causalidade entre a colocação de M... em “regime de separação” e a ocorrência da sua morte.

O assim decidido é, também aqui, de manter.

O tribunal a quo, como por nós destacado supra, integra a imputada omissão do dever de vigilância no conceito de ilicitude definido no art. 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, sendo que não basta que se reconheça a existência de um dever de vigilância, sendo necessário, para além disso, que ocorra a violação deste dever. Na sentença recorrida considerou-se que “atento o disposto nos artigos 14.º, n.º 2 e n.º 5 e 194.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 265/79, de 01/08, não se prefigura que a não realização de rondas obrigatórias na ala afeta ao regime aberto em que M... cumpria pena fosse violadora do dever de vigilância que impendia “in casu” sobre o pessoal do estabelecimento prisional, visto que se tratava de uma secção de regime aberto na qual se podia prescindir totalmente das medidas de vigilância contra a evasão dos reclusos, mesmo no caso de haver reclusos colocados nessa ala em “regime de separação”, salvo se pelas condições subjetivas do recluso em particular se justificasse a adoção de uma vigilância mais apertada”.

Donde, como vem decidido e considerando a matéria de facto provada, a omissão em análise não foi violada: “(…) não resulta da factualidade dada como provada nenhum elemento com base no qual se possa considerar que existia alguma razão passível de poder justificar uma vigilância diferenciada do mesmo (…) não manifestando qualquer sinal de instabilidade física ou emocional que apontasse no sentido de o mesmo se poder vir a suicidar (…)”.

Diferentemente seria se viesse provado que o de cujus se mostrasse na data do evento significativamente alterado, assumindo um comportamento suicida, designadamente afirmando que se iria matar ou se estivesse provado que este era uma pessoa deprimida, com risco elevado de suicídio. O que não ocorre (nem foi sequer alegado).

Ou seja, por reporte ao estado físico e psicológico de M..., não resulta da factualidade dada como provada nenhum elemento com base no qual se possa considerar que existia alguma razão passível de poder justificar uma vigilância diferenciada do mesmo.

E, por si só, a apontada ilegalidade do acto que determinou a colocação de M... numa cela de isolamento, não constitui o Estado no dever de indemnizar.

Pelo que, sendo os requisitos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado cumulativos, na ausência de verificação de um fundamento, não podia – e não pode - o pedido indemnizatório proceder.

Impõe-se referir que se compreende, a vários títulos, a motivação subjacente à reacção judicial pelas ora Recorrentes ao falecimento de M..., mas o ponto está, contrariamente ao alegado, na circunstância de não se poder concluir que “[ao] recluso falecido no estabelecimento prisional de Torres Novas foi retirado o bem essencial VIDA, direito constitucionalmente protegido [sublinhado nosso]”; não foi “retirado”. O que os autos demonstram foi sim que o de cujus, por motivos que não vêm demonstrados – e que não importa aqui apurar – decidiu terminar a sua própria vida. E tal acto ocorre em condições que não se apresentaram aos agentes dos Serviços Prisionais como minimamente previsíveis, de acordo com um juízo de prognose póstuma, como decorre do que ficou provado.

Em síntese, terá o recurso que ser julgado integralmente improcedente, com a confirmação da sentença recorrida.

II. 3. Do recurso ampliado

A ampliação do âmbito do recurso é uma faculdade conferida pela lei processual à parte vencedora que, perante o recurso da contraparte, pode requerer ao tribunal ad quem a manutenção da decisão recorrida, mesmo que com base em fundamentos recusados pelo tribunal a quo (bem como, ainda que a titulo subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão relativa à matéria de facto). Esta ampliação do recurso, prevista no artigo 636.º do CPC, destina-se, pois, a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento em que houve decaimento, apesar da improcedência da acção, prevenindo, em sede de recurso, a necessidade da sua apreciação. Ou seja, visa permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados fundamentos que foram por si invocados na contestação e julgados improcedentes.

Ora, improcedendo o recurso principal, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recurso.





III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida; e, consequentemente,

- Não conhecer da ampliação do objecto do recurso.

Custas pelas Recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021



Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa


O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 1.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento. Pedro Marchão Marques