Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:650/02.0BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
ERRO NOS CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO
ÓNUS PROBATÓRIO
LIQUIDAÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados.
II – A fundamentação dos juros compensatórios não prescinde da indicação de qual o valor do imposto, qual período sobre que incidiram os juros e qual a taxa ou taxas aplicadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


C...--, inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) que julgou totalmente improcedente a impugnação por aquele deduzida contra a liquidação oficiosa de IRS n.º ..... e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 1998, no valor de € 46 273,72, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

« 1ª) Afigura-se e entende-se que o presente recurso deve ser processado e julgado como o de apelação (art. 281º do CPPT e art. 4º Nºs 1 e 2 do Dec. Lei como Nº 303/2007 do dia 24 de Agosto).

2ª) A sentença sob censura hierárquica é omissa na indicação de qualquer fundamentação de direito quanto à decisão de quantificar e aceitar o rácio de 28,5% como acertado para as despesas a contabilizar fiscalmente pelo Impugnante neste exercício, em cédula de I.R.S.

Daí ocorrendo a sua nulidade por violação do art. 125º do CPPT.

3ª) A fundamentação de facto utilizada na sentença para desconsiderar os depoimentos testemunhais (“...não foi atribuída grande relevância ao depoimento das testemunhas...”) está errado em face do fim em causa:

- Prova pelo Impugnante de que o rácio de 28,58% é inferior ao ocorrido “in casu”.

Pois utilizou critérios subjetivos e fundamentações distantes e estranhas ao “cerne” do thema.

4ª) Estão em discussão duas teses com valores muito significativamente diferentes:

4.a) A da AT que ao cifrar o rácio dos jornalistas e repórteres (CAE – IRS – 0308) em 28,58% das receitas, gera um rendimento coletável (ganho real) de + 71%.

Por esse efeito, a AT cifrou as despesas do Impugnante neste exercício em 8.794.259$ e o rendimento global em 21.976.416$.

Por seu turno e

4.b) Do outro lado, o Impugnante quantifica em 80% a percentagem das suas despesas aceitando uma tributação de 20% sobre o valor dos recebimentos.

Neste contexto, o Impugnante quantifica as despesas em cédula de IRS neste exercício em 24.616,540$ e o seu rendimento global sujeito a tributação em 6.154,135$.

5ª) Como se colhe do Doc. 5, junto com a p.i., bem como da al. “G” dos Factos Provados (4.1), redigidos na sentença sob o ponto V), a A.T. única e exclusivamente escreve para fundamentar o “seu” rácio de 28,58€, quanto aos encargos dedutíveis, o seguinte:

“… cujo print se junta como anexo IV.

Assim, utilizamos o Rácio 28,58€ (R = Encargos dedutíveis / Prestação de Serviços) correspondente À MEDIANA e relativo ao ano de 1998…”

6ª) Nunca a A.T. enviou para o Impugnante o ali aludido anexo IV.

7ª) Por seu turno o Impugnante conduziu e deixou no processo como elementos probatórios da sua tese sobre a consideração das despesas na percentagem de 80% sobre as receitas dois tipos de prova:

7.1) dos critérios comuns “bonus pater familiae” que por isso mesmo não necessitam suporte documental, em face da sua aceitação sem discussão, pois são reais:

- escritório (renda) ou custo da prestação do pagamento do preço;

- pagamentos de ordenado ao longo de 14 meses, recebendo 11 de trabalho, honorários, prémios e outros;

- segurança social na percentagem de 23,75%, novamente sobre os 14 meses;

- seguro de trabalho, empresa de higiene e segurança;

- seguros de recheio, de veículo automóvel, da atividade profissional e ainda de equipamentos;

- pagamento de água, eletricidade, telefones, fax, correio, deslocações;

- contratos de assistência técnica (central telefónica; equipamento multifunções);

- consumíveis (toner, papel, fotocópias, material de escritório)

- custos com veículo (combustível, revisões, pneus, etc.).

7.2) Prova testemunhal – na conclusão 9ª

8ª) Tal afigura-se suficiente para por si só provar que o rácio da A.T. (renova-se 28,58) está desconforme, distante e contra a verdade ocorrida em cada mês de quem tinha que prestar serviços na Cidade de Lisboa neste ano de 1998.

Voltando a outra prova do Impugnante (conclusão 7ª),

9ª) Quanto às testemunhas ouvidas em 20/09/2013 (decorridos que ficaram 5 anos, 9 meses e 20 dias, sobre a data da elaboração da sentença sob Recurso - lavrada em 15 de julho de 2019), sendo necessário tal reouvir hoje, ressalta com relevo para o “thema decidendum” o seguinte:

- poucas atividades tem esta margem de ganho (71%, em face do rácio dos 28,58);

- custos elevados desta atividade: Royalties 40% do valor; aluguer de satélite ao preço de 750.000$00, cada 10 minutos (tempo mínimo a pagar sempre), montagem, equipa de produção, especialistas convidados, viagens, logística comunicação, estúdio, edição, tradução.

- O lucro não ultrapassaria os 4% a 5%.

- Era impossível e absurdo o ganho fixado pela A.T., pois a estratégia em programa diário é ganhar pouquinho.

- Não existem rácios oficiais para esta atividade.

- Todas as testemunhas inquiridas estão ligadas a contabilidade, à R.T.P. e aos meios de comunicação em cargos de Direção.

10ª) A Sra. Juíza errando ao julgar e sentenciar (salvaguardado o devido respeito, mas com o que discorda frontalmente) deu privilégio àquelas únicas duas linhas da A.T. (sem fundamentação de factos e de direito) para justificar o rácio e ignorar tudo quanto o senso comum e as testemunhas deixaram com os seus depoimentos idóneos, objetivos, com razão de ciência elevada e conhecimento direto neste setor.

Ouvindo-se tais depoimentos melhor se apercebe do elevado erro sentenciado ao se ignorar “tout court” e quasi ridicularizar os 3 (três) testemunhos.

11ª) Quando a Sra. Juíza descredibiliza e diagnostica testemunhos tendenciosos, senão mesmo falsos porque são amigos do Impugnante, tal tem como efeito imediato destruir todo o trabalho dos funcionários e órgãos da A.T. que elaboraram o relatório e fixaram o rácio, porque estão a trabalhar para as Finanças (Ministério das Finanças – Direção Distrital de Lisboa) que é quem lhes paga as suas retribuições mensais:

- É o seu patrão.

Tal é gerador de erro de julgamento facilmente apreciável com a audição e porque contra a função jurisdicional,

12ª) Volta a errar o sentenciado, ao considerar que neste thema do rácio não pode testemunhar quem não teve intervenção nos contratos e até fez afirmações contra o conteúdo das cláusulas, mas em nenhum momento do redigido naquele texto se faz alusão a essa alegada contradição (página, título, parágrafo).

Falta-lhe as fundamentações de facto e de direito.

13ª) As testemunhas ajuramentadas, depuseram aos factos (descritos numericamente na Ata) que a parte que se apresentou indicou o que constitui uma regra processual (aqui aparentemente ignorada), pelo que e BEM, testemunharam sobre a RACIO, E COM TOTAL IDONEIDADE, COERÊNCIA e verdade nada disseram sobre o contrato que desconheciam e formas de pagamento, sob pena de se tal fizessem violavam o inicial juramento.

14ª) Sentenciar que as quatro, ou cinco palavras ínsitas no relatório para explicar e fundamentar a rácio da A.T. é um critério objetivo, é muito grave, ilegal e introdutor de regras já afastadas (E MUITO BEM) do “hodierno” direito fiscal e administrativo Português que tem na fundamentação a sua trave-mestra (com assento na Constituição e na panóplia de diplomas antes redigidos sob o art. 52º da p.i., para onde se remete).

O vício da sentença é o da NULIDADE (art. 125º do C.P.P.T.), por falta de fundamentação de facto e de Direito para aceitação do rácio da A.T..

15ª) Voltou a errar no julgamento a Sra. Juíza ao escrever que o Impugnante, pela via das suas testemunhas não provou o valor do custo da transmissão por satélite, nem o valor dos direitos de autor, porquanto como se alcança dos idóneos e acertados testemunhos ficou ali provado que:

- O custo de 10 minutos de transmissão por satélite era de 750.000$00

- O valor dos royalties a pagar variavam entre 40% a 50% da faturação

16ª) Nem o Doc. 1 da p.i. (nota de liquidação) nem o relatório da Inspeção da Inspeção contêm qualquer fundamentação (de facto e de direito) no que tange à exigência dos juros compensatórios, no valor dos 5.954,06€, pelo que a mera e conclusiva alusão escrita (como sentenciado) sem evidenciamento dos concretos momentos (páginas) em que tal consta, gera nulidade.

17ª) É igualmente nula a sentença ainda neste título, quando faz referência aos documentos de fls. 50 e 51, o que evidencia erro sentenciador, pois tais documentos referem-se ao IVA e foram juntos para mostrar a real diferença entre eles e o Doc. 1, quanto à fundamentação (ou melhor, não fundamentação).

18ª) A nota de liquidação (Doc. 1), quanto à sua coluna 27, tem que ser anulada, por violação do dever de fundamentar, porquanto está em violação dos dispositivos aludidos no n.º 52 da p.i. e o senso decisório do Acórdão do S.T.A. proferido no processo n.º 01002/08, do dia 11/02/2009 reproduzido na alínea p) das Alegações (art. 120º do C.P.P.T.) do Impugnante, com data de 23/10/2013.

V. Do Pedido:

Termos em que a final se requer e espera que seja lavrado Acórdão que dando provimento a este Recurso anule a sentença lavrada no Tribunal “a quo” e por esse efeito:

- Seja considerado como não aplicável o rácio 28.58%, quanto às despesas a considerar em cédula de IRS;

- Seja fixado como rácio de despesas um na ordem dos 80%;

- Sejam anulados os juros compensatórios liquidados e exigidos de 5.954,06€;

Sempre com a

Anulação na nota de liquidação que constitui o Doc. 1 junto com a petição inicial.»


*


A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

*




Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

*


II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se:

i) a sentença recorrida incorreu em nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito quanto à desconsideração da prova testemunhal;

ii) a sentença recorrida padece de erro de julgamento na valoração da prova por considerar que os custos não foram comprovados através da prova testemunhal;

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

« A) Na sequência da ordem de serviço n.° ....., de 27/06/2000, os serviços da Administração Fiscal procederam a uma Acção Inspectiva ao ora Impugnante, que incidiu sobre os seguintes Impostos: IVA e IRS e teve como âmbito temporal o ano de 1998 - Relatório de Inspecção, junto a fls. 192 e seg. do PAT, apenso as autos cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) A ordem de serviço foi entregue pessoalmente ao Impugnante em 06 de Março de 2001 - citado RIT, donde consta a referida informação, a fls. 195 do PAT.
C) Por ofício, expedido em 22/05/2001, foi o Impugnante regularmente notificado para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de conclusões do Relatório de Inspecção - Ofício n.º ....., de 22/05/2001, junto a fls. 28 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.
D) Em 04/06/2001, o Impugnante exerceu este direito, por escrito tendo, além do mais requerido que fossem ouvidos em declarações os representantes da RTP, relativamente ao contrato de prestação de serviços subjacente à liquidação - articulado junto a fls. 153 do PAT, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Através do ofício nº ....., expedido a 25/07/2001, o ora Impugnante foi, de novo, notificado para exercer o direito de audição, enviando-se novo Projecto de Relatório de Inspecção, que substituía o anterior, sendo que, com interesse para os autos a fixação da Matéria Tributável em sede de IRS, com recurso a métodos indirectos foi alterada do montante anterior de Esc. 30.770.675$00 para o novo montante de Esc. 21.796.416$00 –notificação junta a fls. 31 e Projecto de Relatório junto a fls. 32 e seguintes dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Em 3/08/2001, o Impugnante exerceu aquele direito, por escrito – articulado junto a fls. 154 do PAT, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) Findo o procedimento de Inspecção, foi elaborado pelos serviços de Inspecção, Relatório de Inspecção, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde consta, com interesse para os autos, o seguinte:
“II – Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção Inspectiva
1- Motivo da fiscalização
De acordo com a ordem de serviço nº ....., de 27/06/2000, COD PAFT ....., critério de selecção D21 e para cumprimento do despacho de 05/07/2000, contactamos o Sujeito Passivo: C....., NIF: ....., com domicílio fiscal sito, .....,..... SERVIÇO DE FINANÇAS do concelho de LISBOA, para fiscalização, em sede de IVA e em sede de IRS, relativamente ao ANO de 1998.
A presente fiscalização resulta do pedido de fiscalização pela Divisão de Crimes Fiscais, por em diligências efectuadas no âmbito da investigação se apurar que o S. Passivo em epígrafe, presta serviços à RTP desde 1992, prestação que é titulada por contratos de prestação de serviços, celebrados por forma escrita, sucessivamente renovados e que se desloca diariamente às instalações da RTP.
Em 04/07/2000,foi remetida para a sede fiscal do S. Passivo, á data constante do Cadastro da DGCI, a Carta aviso nos termos da alínea l), do nº 3 do artº 59 da LGT e do artº 49° do RCPIT e esta foi devolvida.
Efectuadas diligências junto da RTP, foi o Sujeito Passivo ora fiscalizado contactado a quem entregamos em 06/03/200, cópia da referida ordem de serviços.
2 - CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO
2.1 Características Gerais
2.1.1.- Actividade exercida
Trata-se de um Sujeito Passivo, que (conforme consta do CADASTRO da DGCI/SIVA) exerce a actividade de jornalista (CIRS 0308), como trabalhador independente, anteriormente, com domicílio fiscal sito, ..... - LISBOA e atualmente, sito, na ..... SERVIÇO DE FINANÇAS do concelho de LISBOA.
Conforme o cadastro da DGCJJSIVA., iniciou a sua actividade em 0l/11/1986 e Cessou em 31/12/1988, ao abrigo da alínea b), do artº 33° do CIVA.
Segundo nos Informou o Sr.: C....., a partir de Ot/0912.000 passou a integrar os quadros da RTP, na qualidade de trabalhador conta de outrem.
2.1.1.1.·Atendendo a que o S. Passivo a partir de 01 de Abril/96 (ver Contrato em ANEXO I) iniciou, contratualmente uma prestação de serviços á RTP e a exercer uma actívidade de JORNALISTA (CAE/ClRS: 0308), como trabalhador independente, procedemos ao seu enquadramento Fiscal elaborando-se o respectivo BAO (Boletim de Alteração Oficiosa):
-Em sede de IVA:
- Enquadrado no Regime normal Trimestral (NT) a partir de 01/04/1996.
- Em sede de IRS:
-Pela actividade de JORNALISTA, (CAE/CIRS), como Trabalhador Independente e pelos rendimentos, obtidos da categoria B do IRS enquadrado no nº 2, do art.º 3 do CIRS.
B,. do IRS, enquadrado
Independente e pelos rendimentos, obtidos da categoria B, do IRS, enquadrado
No nº 2, do art.º3 do CIRS.
2.1.2.- Diligências efetuadas relativas á actividade de prestador serviços à RTP
Através do Despacho nº 4021 de 23/11/2001, deslocamo-nos à Empresa: Rádio Televisão Portuguesa. SA, nipc; 500.225.680, com sede social. Sita, na Av. De 5 de Outubro, 197 – Lisboa e averiguamos, relativamente, ao sujeito Passivo, ora fiscalizado Sr: C....., o seguinte:
2.1.2.1. O Sujeito Passivo, ora fiscalizado, Sr.: C....., empresário em nome individual com o nipc: ..... e nif: ....., portador do BI ..... e com a indicação de residente na ...... em LISBOA ESTABELECEU com a Rádio TELEVISÃO O PORTUGUESA, nipc: 500.125.680 um CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, com data De 05/09/1996 (junto ao relatório em ANEXO I, a fls. 10 a fls. 19) e em que destacamos, em síntese, o seguinte:
2.1.2.1.1 – Dos considerandos do referido contrato de prestação de serviços conclui- se que:
a) O sujeito Passivo C..... é titular para os territórios de Portugal continental, Açores e Madeira dos direitos para a televisão do material informativo fornecido pelo F....., LTD;
b) Sr. C...... fornecerá à RTP serviços der informação jornalística de índole económica baseados em informações prestadas por F....., LTD;
c) Com base nos serviços jornalísticos prestados pelo Sr: C....., a RTP produzirá e realizará urna serie de programas para televisão, com a duração unitária de um mínimo de e um máximo de 8 minutos.
O Sr: C..... terá a seu cargo a concepção, coordenação e apresentação do referido programa.
2.1.2.1.2. De acordo com uma a clausula primeira do contrato de prestação de serviços, o Sr: C....., “se obriga a prestar á RTP um serviço diário de informação jornalística de índole predominantemente económica com vista á produção e realização de uma série de programas para televisão intitulada genericamente ''de RTP/ECONOMIA''.
Os programas são emitidos diariamente de segunda a sexta-feira no território nacional e a partir das instalações da RTP, em LISBOA.
2.1.2.1.3.· De acordo com a cláusula terceira do contrato de prestação de serviços o Sr: C..... obriga-se a prestar á RTP serviços de natureza jornalística de índole predominantemente económica e que em síntese, são os seguintes:
• Coordenar a produção e a realização da serie de programas de informação Económica.
• Elaborar os textos de
natureza jornalística necessários á produção do programa;
- Apresentar em estúdio com vista á sua difusão os programas produzidos;
- Respeitar as orientações, quanto ao conteúdo da programação e informação da RTP. que lhe forem dadas pelos Directores ou Chefes da área de informação;
- Não prestar serviços idênticos aos prestados á RTP e previstos no referido contrato de prestação de serviços a qualquer outro operador de televisão, nacional ou estrangeiro;
2.1.2.1.4. De acordo com a quarta cláusula do contrato de prestação de serviços e como contrapartida dos serviços prestados, a RTP obriga-se a pagar ao sr: C..... ou à F....., LTD, mensalmente a quantia de 1.150.000$00.
2.1.2.1.5.- De acordo com a cláusula quinta do contrato de prestação de serviços os serviços prestados pelo Sr.: C....., deverão ser prestados nas instalações da sua Direcção Coordenadora de Programação e Informação, na Av.ª 5 de Outubro.
nº 197 em Lisboa (…), devendo a RTP proporcionar os “meios que se mostrarem necessários
para a execução”, dos referidos programas.
2.1.2.1.6.- De acordo com a cláusula sexta do contrato de prestação de serviços o contrato vigorará
Pelo prazo de 2 anos, produzindo efeitos a partir de 15 de ABRIL de 1996 e termina em 14 de Abril de 1998, renovado automaticamente, por períodos de um ano.
Os programas diários e consequentemente a prestação de serviços, ultrapassam o período de 181 anuais,
Pelo que o prestador de serviços deverá ser considerado residente em território nacional e, neste caso sujeito às obrigações previstas nos diplomas do CIVA e CIRS.
2.1.2.1.7. - De acordo com a cláusula nona do contrato de prestação de serviços alterado em 20/11/1996, a RTP pagará ao Sr. C..... ou á F....., LTD, o montante de £300.00 (libras inglesas), por cada programa produzido.
2.1.3.- Prestação de serviços efectuadas no território nacional
Da análise ao contrato de prestação de serviços elaborado entre o S. Passivo, ora fiscalizado sr, C..... e a RTP, resulta claramente que:
2.1.3.1.- A prestação de serviços contratual consiste no fornecimento pelo Sujeito Passivo ora fiscalizado, Sr. C....., à RTP, de programas de informação económica e em que a elaboração, concepção e apresentação dos programas de informação de índole, predominantemente económica é prestada nas Instalações da RTP (Av. 5 de Outubro nº 197, em Lisboa), conforme referimos no ponto 2.1.2.1.5, anterior, logo, efectuadas no território nacional e, consequentemente, sujeitas e tributáveis em IV A por força da alínea a), do n.º 1 do artº 1 e artº. 6°, ambos do CIVA.
2.1.3.2.- O Sujeito Passivo, Sr. C....., indica e considera-se, no contrato de prestação de serviços, estabelecido com a RTP:
- Como Empresário em nome individual, com o NIPC: .....;
- Como residente no território nacional, sito, na .....em LISBOA.
Assim. como prestador de serviços à RTP, a titulo oneroso é considerado Sujeito Passivo do IVA, em conformidade com a alínea a), do nº 1, do artº 2° do CIVA. Igualmente e, em sede de IRS, nos termos do nº 1, do artº 14° do CIRS, pelos rendimentos auferidos, relativamente, á prestação de serviços faturados á RTP e, integrados na categoria B, do CIRS, em resultado de uma actividade desenvolvida, por conta própria, enquadrada no nº 2 do artº 3° do CIRS. ·
2.1.3.3.- Atendendo ao contrato de prestação de serviços em referência. O Sr. C....., assina o referido contrato indicando uma empresa denominada de: F....., LTD e, não consta do contrato que representa a referida entidade e/ou a existência de procuração bastante com poderes contratantes, o que nos leva a concluir que o Sujeito Passivo C..... é efectivamente, o responsável pela Prestação de serviços acordada com a RTP.
Ora, conforme referimos no 2.1.3.1., anterior e, uma vez de que se trata de uma operação tributável em IVA e se considerarmos que a firma F......, LTD, é considerada uma entidade não residente, sem estabelecimento estável em território nacional, mas que afectou prestação de serviços à RTP, em LISBOA, então, por força do disposto do nº 1, do art.º 29º do CIVA, deve cumprir todas as obrigações decorrentes da aplicação do CIVA, incluindo a de registo através de um representante residente em território nacional.
De acordo com o n.º 2, do art.º. 29º do CIVA, a nomeação do representante deve ser comunicada á entidade contratante (RTP), o que não foi efetuado o que nos leva a concluir que o prestador de serviços é o sr. C..... e, consequentemente, é obrigado a liquidar IVA sobre a prestação de serviços efectuada á RTP.
Na falta de nomeação de representante nomeado nos termos do nº 1 do art.º 29.º do CIVA, as obrigações previstas relativas á prestação de serviços efectuados no território nacional (se atendermos que foram pela entidade estrangeira: F....., LTD) nomeadamente, a liquidação e entrega do IVA, devem ser cumpridas pela entidade contratante (adquirente da prestação de serviços) RTP, conforme o nº 3 do art.º 29º do CIVA, o que foi efectuado pela RTP, conforme demonstramos no ponto 4.1. e 4.2., seguintes, através da análise dos pagamentos efectuados pela RTP ao Sr. C..... e respeitante à prestação de serviços acordada pelas partes.
Também em sede de IRS a RTP estava obrigada à retenção sobre o rendimento da categoria B, à taxa de 20% por força do disposto do nº 1, do art.º 94 do CIRS, o que não foi efectuado.
3.- ENQUADRAMENTO FISCAL DA ACTIVIDADE
3. - Imposto sobre o Rendimento
3.1.1.- Em sede de IRS o Sujeito Passivo exerceu uma actividade geradora de rendimentos da categoria B - Art.º 3º do CIRS -, sem contabilidade regularmente organizada e obrigado a dispor e a registo nos documentos de escrita previstos no art.º 65°, do CIVA, em conformidade com o disposto na alínea a), do n.º 1, do art.º 111°, do CIRS.
3.1.2. – Atendendo a que o S. Passivo a partir de 01 ABRIL/96 (ver contrato em ANEXO 1) iniciou, contratualmente, uma prestação de serviços á RTP e a exercer uma actividade de JORNALISTA (CAE/CIRS: 0308), como trabalhador independente, procedemos ao seu enquadramento Fiscal, conforme referimos no ponto 2.1.1., anterior.
Em sede de IRS, enquadrado no nº 2 do art.º 3 do CIRS, pelos rendimentos da categoria B, do IRS, como trabalhador independente.
Em sede de IRS, o sujeito passivo não entregou qualquer declaração de rendimentos relativas aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999.
3.1.3. – O S. Passivo foi fiscalizado, no âmbito da sua actividade de jornalista e o/u prestador de serviços á RTP, relativamente, ao ano 1996, através da Ordem de Serviço nº .....de 20/11/98, conforme relatório de 07/07/1999 e não foram efectuadas e/ou propostas de correções em sede de IRS.
3.2 – IVA
Em sede IVA o Sujeito Passivo no período 01/11/1986 a 31/12/1988 (data em que cessou), encontrava-se enquadrado no Regime Especial de Isenção - art. 53º do CIVA, sem contabilidade regularmente organizada e obrigado a dispor dos LIVROS de registo mencionados no art.º. 65º do CIVA..
Cessou em 31/12/1988). ao abrigo da alínea b) do art.º. 33 do CIVA.
3.2.2.- conforme referimos no ponto 2.1.1., anterior e atendendo a que o S. Passivo a partir de 01/ABRIL/96 (ver Contrato em ANEXO I) iniciou, contratualmente, uma prestação de serviços á RTP, no âmbito de uma atividade de JORNALISTA (CAE/CIRS: 0308), como trabalhador independente, procedemos ao seu enquadramento em IVA, a partir de 01/04/ 1996, no Regime Normal Trimestral (NT), elaborando-se o respectivo BAO.
4. ANALISE DOCUMENTAL
Junto da RTP e. relativamente ao contrato de prestação de serviços. anteriormente referido e tendo em atenção aos valores processados e pagos ao sr: C....., referidos nos pontos 2.1.2.1.4. e 2.1.2.1.7., anteriores e que foram respetivamente, os seguintes:
4.1. - Conforme o contrato a RTP obriga-se a pagar ao sr: C..... ou à F....., LTD, mensalmente a quantia de 1.150.000$00, respeitante á prestação de serviços pelo fornecimento de serviços de concepção e apresentação dos programas contratados e cujos valores foram os seguintes:
4.1.1. Na contabilidade da RTP e relativamente ao ano de 1998, retiramos os seguintes valores relativos á prestação de serviços contratual e movimentados a debito, pelo valor de 11.500.000$00 na conta 62103 – subcontratos e pelo valor de esc: 1.955.000$00 na conta 2430207 - IVA liquidado op. Gerais, conforme quadro:

4.2. Conforme o contrato a RTP obriga-se a pagar ao sr: C..... ou á F....., LTD mensalmente, o montante de £300.00 (libras inglesas), por cada programa contratado e produzido e cujos valores foram os seguintes:
4.2.1.- Na contabilidade da RTP e relativamente ao ano de 1998, retiramos os seguintes valores relativos á prestação de serviços contratual e movimentados a debito. pelo valor de 19.270.675$00 na Conta 62103 - Subcontratos e pelo valor de esc:
3.276.015$00 na conta 2430207- Iva dedutível. por crédito, respetivamente, pelo valor de esc: 19.270.675$00 na conta 2210201- Fornecedores de bens e serviços e pelo valor de esc: 3.276.015$00 na conta 243.031208 - IVA liquidado op. Gerais, conforme quadro:


III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
1.- Em Sede de IVA
Atendendo aos factos referidos no capitulo II, do presente relatório, consideramos o S. Passivo, ora fiscalizado, responsável pela liquidação e entrega do IVA, relativamente aos montantes recebidos, contratualmente, da RTP no valor total de esc: 30.770.675$00 pela prestação de serviços da actividade de jornalista e transcritos nos quadros dos pontos 4.1.1. e 4.2.1., do capitulo II, do relatório, procedemos ao apuramento e liquidação do IVA em falta de esc.: 5.231.014$00, a saber:


Atendendo a que o S. Passivo não entregou declarações periódicas do IVA a partir data de Inscrição oficiosa (01/04/1996), constante da BAO elaboramos modelos 383 com os montantes apurados e transcritos no quadro.
Constituem estas faltas infracções ao disposto nos art.º 26.º, 28.º e 40.º, todos do CIVA, sendo puníveis nos Termos do art.º 29º do RJIFNA.
IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.
1.- Atendendo ao exposto no ponto 4.2., do cap. II, do relatório e apesar de o s. C..... declarar não possuir quaisquer elementos de escrita a sua falta impõe que a determinação do rendimento da categoria B, do IRS" no caso presente, seja efectuado por aplicação de métodos indirectos nos termos do art.º 28.º e 38.º do CIRS e de acordo com o art.º 52.º do CIRC e em conformidade com a alínea b), do art.º 87º e alínea b) do art.88.º e alínea d). do art.º 90°, todos da LGT.
Com efeito, verificam-se os pressupostos que justificam plenamente, o recurso á aplicação de métodos indirectos, para determinação e quantificação do rendimento tributável, a saber;
1.1 - Não foram declarados rendimentos da categoria B, do IRS, nos anos de 1998 apesar de exercer uma actividade de jornalista (CIRS 0308), como trabalhador independente, geradora de rendimentos da categoria, do CIRS, conforme se comprova pelos valores recebidos e pagos pela RTP e transcritos no ponto 4.1. e 4.2. e que totalizam o montante de esc: 30.770.675$00.
1.2. - Notificado em 12/0312001, por carta registada com aviso de receção e junta ao processo, para apresentar a respectiva declaração de rendimentos, modelo 3, do lRS, relativa ao ano de 1998, não a apresentou.
A carta não foi levantada e esta foi devolvida pelos CTT.
V – Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
1.- EM SEDE DE IRS
1.1.- Face ás conclusões do ponto 1., do capitulo anterior, procedemos á aplicação de métodos indirectos para determinação do volume de prestação de serviços efectuadas e consequentemente do rendimento tributável da categoria B.do IRS, tomando por base, os valores apurados e transcritos no ponto 4.1. e 4.2., do capitulo II, do relatório e calcular (por métodos indirectos) os Encargos dedutíveis utilizando para o efeito os RÁCIOS de IRS, para o CAE/CIRS (0308-Jornatistas e repórteres) da unidade orgânica (e respeitantes á categoria B, sem contabilidade organizada) e cujo PRINT se junta em ANEXO IV.
Assim utilizamos o RÁCIO 28,58 (R= Encargos dedutíveis/Prestação serviços), correspondente À MEDIANA e relativo ao ano 1998, para determinação do Total de Encargos dedutíveis:
- 28,58 Prestação serviços/100=Total Encargos dedutíveis.
1.1.1. - Cálculos para determinação dos valores por aplicação de métodos indirectos:

1.2 - Tendo em atenção o ponto 1, apuramos um montante de correções como rendimento da categoria B, do IRS, por tributar no valor global de esc: 21.976.416$00.
Constitui esta falta, infração ao art º 38º e 57.ºdo CIRS, punível nos termos do art.º 34.º do RJIFNA.
VI – Regularizações efectuadas pelo S.P. no decurso de acção inspectiva.
Não aplicável no caso em apreço.
VII – Infracções verificadas.
1. - Em sede de IVA.
Tendo em atenção o ponto 1 do capitulo III, do relatório, foram cometidas faltas que constituem infracção aos art.º 26°, 28° e 40°, todos do CIVA, sendo puníveis nos termos do art.º 29.º do RJIFNA.
2 - Em sede de IRS
Tendo em atenção o ponto 3., do capitulo IV, do relatório, cometidas foram faltas que constituem infração ao á alínea b). do art..º 57º do CIRS, sendo puníveis nos termos do art.º 34 do RJIFNA.
VIII – Direito de audição – fundamentação
SimNão
X
O S. Passivo exerceu o direito de Audição, escrita.

O S. Passivo exerceu o direito de audição por escrito e, nesta, não se acrescentam novos dados, pelo que a Fiscalização propõe que se mantenham os valores das correcções propostas no projecto de conclusões do relatório enviado Contribuinte.
H) Em 05/09/1996, o ora Impugnante e a RTP celebraram um contrato, que denominaram de prestação de serviços - junto a fls. 259 e segs. do PAT, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos
I) Com interesse para os autos constam do referido contrato, as seguintes cláusulas:
"CONTRATO DE PRESTACÃO DE SERVIÇOS RADIOTELEVISÃO PORTUGUESA, LDA., com sede social na Avenida 5 de Outubro, 197, 1050 Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n°. 03767, com o capital social de Esc: 12.708.161.000$00 e titular do Cartão de Pessoa Colectiva n° 500225680, adiante designada por RTP e aqui representada pelos membros do seu Conselho de Administração signatários:
E:
C......, empresário em nome individual com o número de Contribuinte Fiscal ......, titular do Bilhete de Identidade n°. ......, residente na ......, Lisboa, adiante designado por SEGUNDO OUTORGANTE, CONSIDERANDO:
Que o SEGUNDO OUTORGANTE é titular para os territórios de Portugal Continental, Açores e Madeira dos direitos para televisão do material informativo fornecido pelo F......, LTD.;
Que a RTP e o SEGUNDO OUTORGANTE, acordaram em que este forneça à RTP serviços de informação jornalística de índole económica baseados em informações prestadas por F......, LTD.;
Que, com base nestes serviços jornalísticos, pretende a RTP produzir e realizar uma série de programas para televisão com a duração unitária de 5 (cinco minutos) e emissão de Segunda a Sexta-feira;
Que o SEGUNDO OUTORGANTE terá a seu cargo a concepção, coordenação e apresentação do referido programa;
Assim foi acordado e pelo presente vai ser reduzido a escrito o contrato de prestação de serviços constante das cláusulas seguintes:

CLÁUSULA PRIMEIRA
O presente contrato tem por objecto a fixação das condições em que o SEGUNDO OUTORGANTE se obriga a prestar à RTP um serviço diário de informação Jornalística de índole predominantemente económica com vista à produção e realização de uma série de programas para televisão intitulada genericamente "RTP/F......"
CLÁUSULA SEGUNDA
I. Com base nos serviços referidos na cláusula anterior a RTP produzirá uma série de programas para televisão, a ser emitida por qualquer dos canais da TV da RTP, ou por ambos, cabendo a decisão da sua escolha à RTP, e com a duração unitária de 5 (cinco minutos).
2. Os programas de televisão referidos serão emitidos de Segunda a Sexta-feira.
3. A RTP poderá proceder à retransmissão dos programas identificados na cláusula anterior, em qualquer dos seus canais, designadamente a RTP Internacional, sem que isso implique qualquer pagamento adicional.
CLÁUSULA TERCEIRA
I. O SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se perante a RTP a prestar-lhe serviços de natureza jornalística, de índole predominantemente económica, nos termos a seguir indicados:
a) A Coordenar a produção e realização da série de programas de informação económica, intitulada genericamente "RTP/F......";
b) Elaborar os textos de natureza jornalística relativos àquele programa com base nas informações e notícias fornecidas pelo F......;
c) Apresentar em estúdio com vista à sua difusão pública por qualquer dos canais de televisão da RTP, ou por ambos, os referidos programas;
d) Abster-se de introduzir nos programas, referências a pessoas, marcas, produtos, estabelecimentos, que possam ser consideradas como publicidade comercial;
e) Abster-se de todo o elemento que contrarie gravemente os valores fundamentais ético-jurídicos em que assenta o Estado Democrático ou que possa implicar responsabilidade civil ou criminal, nomeadamente por violação do disposto na Lei n°. 58/90, de 7 de setembro (Lei do Regime da Actividade de Televisão);
j) Autorizar, desde já, a RTP a deduzir na retribuição ajustada qualquer indemnização legitimamente exigida por terceiros que decorra da falta de cumprimento de alguma das suas obrigações consignadas no presente contrato, ou a completar o seu pagamento se a retribuição ajustada for insuficiente;
g) Respeitar as orientações, quanto ao conteúdo da programação e informação da RTP, que lhe forem dadas pelos Directores ou Chefes da referida área, tal como resulta do disposto no nº2 do art º 4°. dos Estatutos da RTP, aprovados pela Lei Nº 21192, de 14 de Agosto;
h) Prestar os seus serviços segundo os mais sãos princípios jornalísticos de objectividade e independência;
i) Não prestar serviços idênticos aos prestados à RTP e previstos no presente contrato a qualquer outro operador de televisão, nacional ou estrangeiro.
j) Garantir que os direitos de autor relativos aos artigos jornalísticos e informações por si fornecidos tenham sido devidamente acautelados para os fins constantes do presente contrato.
2. É da exclusiva responsabilidade do SEGUNDO OUTORGANTE a contratação e coordenação da equipa de Jornalistas necessários à produção dos programas identificados na Cláusula Segunda.
CLÁUSULA QUARTA
1. Como contrapartida dos serviços, objecto do presente contrato, a RTP obriga-se a pagar ao SEGUNDO OUTORGANTE ou à F......, LTD mensalmente a quantia ilíquida de ESC.: 1.150.000$00 (um milhão, cento e cinquenta mil escudos).
2. Os pagamentos referidos no número anterior serão efectuados até 45 (quarenta e cinco) dias após a entrega de cada factura pelo SEGUNDO OUTORGANTE ou pela F......, LTD. à RTP.
CLÁUSULA QUINTA
Dada a especificidade da actividade da RTP os serviços objecto do presente contrato deverão ser prestados nas instalações da sua Direcção Coordenadora de Programação e Informação, na Avenida 5 de Outubro, na. 197, em Lisboa, sem prejuízo daqueles que pela sua natureza ocorram no exterior, devendo a RTP proporcionar ao SEGUNDO OUTORGANTE os meios que se mostrarem necessários para a execução das suas obrigações.
CLÁUSULA SEXTA
1. O presente contrato vigorara pelo prazo de 2 (dois) anos, produzindo efeitos a partir de 15 de Abril de 1996 e termina em 14 de Abril de 1998, sendo automaticamente renovado, por períodos de um ano.
2. Contudo, qualquer das partes poderá opor-se à renovação automática do contrato para o termo do seu prazo, ou da sua renovação, desde que comunique a sua intenção, por escrito à outra parte com pelo menos 90 (noventa) dias de antecedência relativamente ao terno do prazo.
CLÁUSULA SÉTIMA
Fica convencionado que os direitos de autor dos textos elaborados pelo SEGUNDO OUTORGANTE ficam a pertencer à RTP nos termos do disposto no n°. 1 do art.º 14°. do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
CLAUSULA OITAVA
1. Os programas, incluindo todos os suportes audiovisuais utilizados ficarão propriedade exclusiva da RTP e nela depositados.
2. A RTP poderá assim, livremente:
a) Utilizar os programas por qualquer meio técnico, nomeadamente, a transmissão por cabo, em circuito fichado ou a radiodifusão através de satélite artificial, desde que a transmissão deste último meio não seja incompatível com direitos de exclusividade atribuídos pelo F......, LTD. a terceiros;
b) Reproduzir, total ou parcialmente, quaisquer suportes audiovisuais dos programas, incluindo as partes não inicialmente exibidas, na medida necessária às utilizações que lhe são facultadas.
CLAUSULA NONA
1. Ambas as partes poderão angariar patrocinadores para o programa, bem como anúncios comerciais directamente a ele afectos, devendo a conclusão dos contratos daí decorrentes ser efetuada pela RTP/RTC.
2. Na falta de patrocinadores ou de publicidade afetos directamente ao programa, a RTP pagará ao SEGUNDO OUTORGENTE ou à F......, LTD., o montante de i 300,00 (trezentas libras inglesas), por cada programa produzido.
3. Os pagamentos referidos no número anterior serão efectuados até 45 (quarenta e cinco) dias após a entrega e aceitação das respectivas facturas.
CLÁUSULA DÉCIMA
I. A RTP poderá suspender a emissão dos programas identificados na Cláusula Segunda, no caso de proceder a alteração da sua programação, designadamente pela emissão de Jogos Olímpicos e Campeonato do Mundo ou da Europa de Futebol.
2. As suspensões referidas no número anterior terão duração não inferior a urna semana e serão comunicadas ao SEGUNDO OUTORGANTE com antecedência mínima de I5 (quinze) dias.
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
Pelo presente contrato não se estabelece qualquer vínculo laboral entre a RTP e o SEGUNDO OUTORGANTE nem tal é pretendido pelas partes.
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
Para a resolução de todos os litígios emergentes do presente contrato é escolhido o foro da Comarca de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro.
Lisboa, 5 SET. 1996" – citado contrato.

I ) O contrato, identificado na alínea antecedente foi alterado em 20/11/1996, nos termos seguintes:
"ALTERAÇÃO A CONTRATO ENTRE:
RADIOTELEVISÃO PORTUGUESA, S.A., com sede social na Avenida 5 de Outubro, n I97, I050 Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n 03767, com o capital social de Esc: I2.708.I6I.000$00 e titular do Cartão de Pessoa Colectiva n 500225680, adiante designada por RTP e aqui representada pelos membros do seu Conselho de Administração signatários: E:
C......, empresário em nome individual com o número de contribuinte fiscal ......, portador do Bilhete de Identidade com o n.º ......, residente na ......, em Lisboa, e adiante designado por SEGUNDO OUTORGANTE;
E CONSIDERANDO que o contrato de prestação de serviços entre ambas as partes celebrado em 5 de Setembro de 1996 contém uma incorreção, não retratando, assim, aquele documento a vontade das partes contratantes, foi acordado proceder à sua alteração, o que é feito nos termos seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
A Cláusula Nona do Contrato de Prestação de Serviços entre as partes celebrado em 5 de Setembro de 1996 passa a ter a seguinte redacção:
"CLÁUSULA NONA
1. A RTP pagará ao SEGUNDO OUTORGANTE ou à F......, LTD. o montante de 300,00 (trezentas libras inglesas) por cada programa produzido.
2. Os pagamentos referidos no número anterior serão efectuados até 45 (quarenta e cinco) dias após a entrega e aceitação das respectivas facturas. "
CLÁUSULA SEGUNDA
Mantêm-se inalteradas as demais cláusulas do Contrato referido na Cláusula anterior. Lisboa, 20 NOV 1996"
– documento junto de fls. 266 a 268 do PAT e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
J) As facturas emitidas, na sequência da assinatura do contrato, referido nas alíneas antecedentes, foram emitidas pela F......, Ltd., e pela F......, Ltd. - fotocópias das facturas juntas ao PAT, apenso aos autos e documento emitido pela Radiotelevisão Portuguesa, junto a fls. 43 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
K) A RTP pagou todas as importâncias relativas ao cumprimento do referido contrato através de cheques emitidos a favor do F......, Ltd., cheques estes que foram posteriormente endossados pelo impugnante e depositados em diversas contas de bancos nacionais tituladas pelo Impugnante e nomeadamente nas seguinte contas:
- n.º ......do Banco Totta & Açores, domiciliada em Telheiras;
- n.º ...... da Nova Rede Banco Comercial Português Sucursal 654 – oficio subscrito pela Direcçao de Finanças da RTP e listagem de cheques pagos, juntos a fls. 348 e fls. 349 dos autos, fotocópias de cheques juntos de fls. 350 a fls. 369 dos autos e extractos de contas e demais informação bancária junta de fls. 371 a fls 541 verso dos autos e remetida aos autos pelo 2.º Juizo Criminal de Lisboa, cujos conteúdos aqui se dão por integralmente reproduzidos.
L) Na sequência da Acção de Inspecção efectuada ao Impugnante, foi emitida a liquidação oficiosa de IRS e respectivos juros compensatórios, n.º ......, referente ao ano de 1998 - liquidação junta a fls.27 dos autos e a fls. 57 do PAT a estes apenso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
M) Das notificações, expedidas ao Impugnante e por este recepcionadas e juntas aos autos, relativas às liquidações de juros compensatórios consta o montante do Imposto em falta sobre o qual incidem juros, o período a que se aplica a taxa de juros, a taxa de juro aplicável ao período e as disposições legais ao abrigo das quais foram cobrados os juros compensatórios (artigos 89.º do CIVA e 35.º da LGT) - Notificações e Documentos de cobrança, juntos a fls. 50 e 51 dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
MAIS SE PROVOU QUE:
N) O Cônsul Geral Adjunto do Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro certificou, em 7 de Junho de 2005 que segundo as averiguações a que procedeu , o cidadão português C......, viveu no Rio de Janeiro, na sua residência, sita na ......, desde 15 de Fevereiro de 1976 a 1 de Setembro de 2000 – Certificado de Residência e Declaração emitidas pelo Consulado de Portugal, no Rio de Janeiro juntos a fls. 102 e 104 dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido
*
A decisão recorrida deu por não provados os factos seguintes:
« 1 - Não se provaram os demais factos invocados pelo Impugnante, que se encontram contradição com os factos dados como provados e, designadamente, que no ano de 1998 o Impugnante não tenha auferido rendimentos em Portugal, que no ano de 1998 a sua residência fosse no Brasil e que o Impugnante fosse procurador ou representante da sociedade F.......
2 – Não se provou que os encargos do Impugnante fossem superiores aos encargos contabilizados pela AT, no ano de 1998
Em matéria de motivação, consta da decisão recorrida que:
« A convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados, encontra-se sedimentada na apreciação conjugada da prova documental junta aos autos e ao PAT, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes, à luz das regras da experiência comum.
Assim e nomeadamente, foi relevante para a convicção do Tribunal, o facto do ora Impugnante se ter obrigado, junto da RTP, a prestar e a coordenar serviços, de âmbito diário, o facto da elaboração, concepção e apresentação do programa ser prestada nas instalações da RTP, o facto de ser o titular dos direito para a televisão do material informativo fornecido pela F...... Ld.ª, o facto do contrato de prestação de serviços ter sido celebrado pelo Impugnante em nome próprio e não na qualidade de procurador ou representante legal da F...... e o facto dos serviços prestados poderem ser pagos indistintamente ao próprio Impugnante ou à F...... Ltd.
Foi muito relevante para o Tribunal, o facto dos cheques emitidos pela RTP estarem emitidos em nome da sociedade F...... Ltd mas os cheques estarem endossados, mediante assinatura do próprio Impugnante, a ele próprio e terem sido depositados em contas bancárias tituladas pelo próprio Impugnante.
Acresce que se não apurou quem eram os sócios da referida F...... Ltd., mas do verso dos cheques consta o endosso dos cheques, efectuado com a assinatura do Impugnante
Já quanto aos factos não provados baseou-se a convicção do Tribunal nos seguintes factores:
Conforme foi sublinhado no Parecer do Ministério Publico, junto do TCA Sul, relativamente ao certificado de residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal, atestando que o Impugnante residiu naquela cidade, desde 15 de Fevereiro de 1976 a 1 de Setembro de 2000, o que o Consul de Portugal atesta é que, na sequência de averiguações que efectuou, chegou a essa conclusão, sem que tenha percepcionado directamente, o facto.
Ora, resulta cristalino que o Cônsul de Portugal no Rio de Janeiro não pode não pode ter percepcionado directamente se o Impugnante residiu ou não no Rio naquele lapso de tempo.
E, nos termos do disposto no artigo 371.º do Código Civil, os documentos autênticos só fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade respetiva, assim como dos factos que nele são atestados, com base nas percepções da entidade documentadora.
Aliás, nos autos existem vários elementos que levam a concluir que a realidade não era essa.
Desde logo, a morada que o próprio Impugnante fez constar do contrato de prestação de serviços, depois o facto do Impugnante nunca ter comunicado à AT a pretensa alteração do seu domicílio fiscal e por último, o depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, que afiançaram que o Impugnante não se encontrava sempre em Portugal, pois que se deslocava frequentemente a Londres, ao Brasil e a Maputo, o que permite apenas concluir que, no exercício das suas funções de jornalista, o Impugnante viajava muito.
Por outro lado, não relevou o Tribunal a Declaração, inicialmente, junta autos pelo Impugnante e subscrita pela RTP, no sentido de não terem sido efectuados pagamentos directamento ao Impugnante, pois que, de acordo com o contrato de prestação de serviços, o pagamento poderia ser efectuado ao Impugnante ou à sociedade F......,
Pois que, posteriormente (alínea k) do probatório), foi junta aos autos outra Declaração, subscrita pela RTP, donde consta a listagem dos cheques pagos, o que permitiu chegar aos endossos e ao depósito dos cheques nas contas particulares do Impugnante.
Cabe ainda sublinhar que não foi atribuída grande relevância ao depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência contraditória, pois que, além de serem amigas pessoais do Impugnante, nenhuma delas, foi, afinal interveniente no contrato de prestação de serviços, como representante legal da RTP e nenhuma delas possuía conhecimento directo da forma como se processavam os pagamentos em sede do referido contrato e quem era o destinatário final dos proventos.
Além de que, os seus depoimentos diferem e contrastam com o exarado, por escrito, nas cláusulas contratuais do contrato em apreço, subscrito pelas partes.
Por último, o Impugnante apesar de questionar o rácio de 28,58 para determinação do total dos encargos dedutíveis nada concretizou no sentido do rácio utilizado pela AT não ser adequado à actividade em causa, limitando-se as suas testemunhas a afirmar que “Há poucas actividades que consigam ter essa margem de ganho antes do imposto.”
Isto é, invocando o Impugnante que os custos da actividade a que se dedicava tinha custos muito elevados, nada fez para concretizar esses custos, nomeadamente quantificando as royalties que pagava, ou o custo do aluguer dos satélites ou ainda os custos da equipa do programa, bastando juntar aos autos a prova documental dos referidos custos, nomeadamente do pagamento de royalties, do pagamento dos direitos de propriedade sobre o programa, do pagamento aos operadores de câmara e aos outros profissionais.
Contudo, nada disso foi concretizado, limitando-se as testemunhas a apontar custos elevados, sem apontar um único critério objectivo, como fez a AT, cujo critério, não obstante poder ser objecto de críticas é um critério objectivo.».
*

Alteração oficiosa da decisão sobre a matéria de facto

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, acorda-se em alterar o ponto L) da matéria de facto, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT:

L) Na sequência da Acção de Inspecção foi remetido ao impugnante, mediante registo, a nota de demonstração da liquidação n.º ......, respeitante aos rendimentos de IRS de 1998, datada de 25 de Abril de 2002, comunicando-lhe o montante de imposto a pagar no valor € 40 319,66, acrescido de juros compensatórios a favor do Estado no valor de € 5 954,06 - cfr. doc. 1 junto com a p.i. a fls. 27 dos autos.

III – 2. Apreciação do recurso

Na sequência de uma acção de inspecção levada a efeito à contabilidade da RTP, foi detectada a existência de prestações de serviços pelo recorrente, sem que o mesmo tivesse declarado os rendimentos auferidos. Deu-se então início a acção causa nestes autos que deu origem a liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios referente a 1998.

O recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito quanto à desconsideração da prova testemunhal que ofereceu, invocando que o Tribunal a quo usou de critérios subjectivos para afastar os depoimentos, que considera terem sido prestados com idoneidade e coerência. Alega ainda que a sentença é nula por falta de fundamentação quanto à aceitação do rácio aplicado pela AT na quantificação da matéria colectável.

O dever de fundamentação das decisões judiciais visa explicitar os motivos que determinaram o sentido da decisão, por forma a permitir às partes aceitar a decisão ou escrutinar o juízo formulado, caso em que a fundamentação assume um importante papel na apreciação da correcção do juízo formulado e da motivação subjacente à decisão.

Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139) «[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base

Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, é nula a sentença, quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão

No processo tributário estatui o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de «nulidades da sentença» que: «1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer

Tem sido entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência e da doutrina que esta nulidade apenas ocorre com a absoluta falta de indicação dos fundamentos de facto, ou da indicação dos fundamentos de direito da decisão e não quando a fundamentação seja insuficiente, deficiente ou errada (cf. Ac. do STA de 06/05/2015, proc. nº 01340/14 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Volume 2.º, p. 736, 4ª edição, Almedina).

No caso dos autos, foi feita a apreciação das razões pelas quais o Tribunal formou a sua convicção sobre a prova testemunhal, como resulta dos últimos três parágrafos da motivação da decisão e facto. A valoração da prova pode estar errada, contudo não é omissa, pelo que, não ocorre a invocada nulidade.

Também não assiste razão ao recorrente, no que se refere à nulidade por falta de fundamentação de direito quanto à aceitação do rácio aplicado pela AT na determinação da matéria tributável. Compulsada a sentença recorrida verificamos que o Tribunal levou a efeito o seguinte percurso na fundamentação da decisão: após a exteriorização da motivação da decisão da matéria de facto com a indicação dos circunstancialismos que o determinaram a não atribuir relevância aos depoimentos das testemunhas, o Tribunal sustentou a decisão, fazendo apelo à repartição do ónus da prova. Fê-lo com a indicação das normas em que se fundamenta e apreciou a questão do rácio na perspectiva do excesso da quantificação, declarando que cabia ao então impugnante o ónus da prova da sua não adequação à quantificação dos custos, concluindo que, do probatório não resulta efectuada essa prova.

Do que se deixou dito resulta a conclusão de que não ocorrem as apontadas nulidades, configurada a nulidade como absoluta falta de fundamentação.

A sentença pode ter julgado mal, caso em que estaremos no âmbito de eventuais erros de julgamento e não no âmbito da nulidade da decisão, pois, reitera-se, o Tribunal a quo indicou os fundamentos de facto e de direito em que sustentou o seu julgamento.

Em face do exposto, improcede a questão da nulidade da sentença que nos vinha colocada.


*

O recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto e na valoração da prova quando se julgou que os custos não foram comprovados através da prova testemunhal.

Insurge-se o recorrente contra a fundamentação de facto utilizada na sentença para desconsiderar os depoimentos das testemunhas, alegando que, ao não ser atribuída relevância ao depoimento das testemunhas a sentença errou «em face do fim em causa». Pretende o recorrente sublinhar que a prova testemunhal indicada era destinada à prova de que o rácio utilizado pela AT era desadequado e errado, estando a motivação indicada pelo Tribunal a quo para não atribuir relevância aos depoimentos prestados em contraste com tal fim.

Ora, além da relação de amizade com o recorrente, refere-se na motivação indicada na sentença, a falta de conexão directa com: o contexto em que foi celebrado o contrato em causa (nenhuma das testemunhas interveio na celebração do contrato de prestação e serviços como representante legal da RTP); com a forma como se processavam os pagamentos e sobre quem era o destinatário real e efectiva dos pagamentos; nenhuma testemunha possuía conhecimento directo sobre a forma como se processavam os pagamentos; e sobre quem era o destinatário final dos proventos. Obviamente que a apontada motivação se refere a outras questões que haviam sido suscitadas no processo e não à questão da valia do rácio na determinação dos custos. Recorde-se que a sentença foi proferida na sequência de Acórdão proferido por este Tribunal no qual foi determinada a produção da prova testemunhal indicada pelo Impugnante na petição inicial e a prolação de nova decisão.

Ora, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas que no processo tributário português vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização fixando a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada relativamente a cada facto controvertido (cfr. artigo 607.º n.º 5 do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT).

Neste sentido tem decidido a jurisprudência citando-se o Acórdão deste Tribunal proferido no processo n.º 08099/14 datado de 26/10/2017 ponderando que, quando a matéria de facto «assentou na livre convicção do julgador objectivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que naqueles termos foi decidido, antes sendo essencial que se alegue e demonstre através da concreta prova produzida que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório, porque «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si». (Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13-11-2001, disponível na Colectânea de Jurisprudência de 2001, tomo V, pá... 85.).

Os depoimentos testemunhais, que a recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil). E, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.

Como realçou este Tribunal Central Administrativo, em acórdão de 20.10.205, processo n.º 8238/14, (que subscrevemos como 2ª adjunta) «Se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente do ora Recorrente tais depoimentos, não pode este Tribunal Central de ânimo leve pôr em causa a convicção que aquele livremente formou, considerando, para além do mais, que dispôs de outros elementos ou mecanismos de ponderação da prova global que este Tribunal de recurso não detém

O nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nos termos do qual os depoimentos testemunhais constituem elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil).

Ora, lida a motivação da decisão sobre a prova, percebe-se que a decisão recorrida exteriorizou os motivos que determinaram a convicção do julgador relativamente à prova testemunhal, para as questões indicadas. Tal motivação, na medida em que define e clarifica para que efeitos foi desconsiderada, permite às partes determinar os factores que foram levados em conta na livre convicção do decisor.

No que respeita à questão do critério aplicado pela AT na determinação dos custos, a motivação da decisão da matéria de facto apontada na sentença recorrida é a seguinte: «o Impugnante apesar de questionar o rácio de 28,58 para determinação do total dos encargos dedutíveis nada concretizou no sentido do rácio utilizado pela AT não ser adequado à actividade em causa, limitando-se as suas testemunhas a afirmar que “Há poucas actividades que consigam ter essa margem de ganho antes do imposto”.»
Efectivamente, da audição do depoimento prestado pela primeira testemunha resulta um depoimento vago e sem conhecimento concreto e directo da questão. Além da citada expressão, a testemunha refere-se à margem de lucro em geral na actividade de jornalismo, afirmando, relativamente aos custos, que supõe «que sejam elevados», destacando que têm muito peso os royalties e o aluguer de satélites. Reitera que «suponho que sejam custos muito elevados», «lucro entre 3% e 4%», «não domino muito bem», «custos bastante elevados», «tenho dificuldade em dar algum valor», «não consigo dar o rácio certo»… Não obstante ter declarado exercer funções de técnica oficial de contas, declarou que não elaborou a contabilidade do recorrente e que «não tem ninguém deste ramo» (como cliente, entenda-se). O que sabe, relativamente ao rácio em causa, resulta de conversas com outros técnicos, não necessita para a sua actividade deste conhecimento, «não conheço ninguém no ramo»… mas sabe que os custos de satélite são bastante elevados. Mais declarou que «era uma actividade que não devia existir muito em Portugal», referindo-se ao desconhecimento dos rácios para o sector. Ora, do referido depoimento nada se retira de concreto que permita comprovar que o rácio aplicado está errado, e que o mais adequado à realidade é o apontado pelo recorrente. Ou que o apontado pela AT, é, em concreto desconforme com a realidade e/ou que concorre para o excesso da quantificação da situação em concreto.
As restantes testemunhas aludiram aos custos do satélite no montante de 750.000$00 por cada 10 minutos, sem que se perceba qual a frequência da sua utilização na produção do programa, impedindo a determinação do peso relativo deste custo. Mais aludiram a um lucro de 3, 4 porcento, no máximo 5%, porque «a estratégia nos programas diários era ganhar pouco» sem quantificar os custos.
Foi precisamente essa valoração da prova que se fez constar na motivação da prova. Depois de aludir à falta de alegação e concretização dos custos na petição inicial, fez-se constar a seguinte fundamentação: «Isto é, invocando o Impugnante que os custos da actividade a que se dedicava tinha custos muito elevados, nada fez para concretizar esses custos, nomeadamente quantificando as royalties que pagava, ou o custo do aluguer dos satélites ou ainda os custos da equipa do programa, bastando juntar aos autos a prova documental dos referidos custos, nomeadamente do pagamento de royalties, do pagamento dos direitos de propriedade sobre o programa, do pagamento aos operadores de câmara e aos outros profissionais.
Contudo, nada disso foi concretizado, limitando-se as testemunhas a apontar custos elevados, sem apontar um único critério objectivo, como fez a AT, cujo critério, não obstante poder ser objecto de críticas é um critério objectivo.».
Atendendo ao teor dos factos alegados na petição inicial e ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas, concluímos pela improcedência das conclusões analisadas.


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Aqui chegados importa apreciar a questão do erro de julgamento de facto e de direito imputado pelo recorrente à sentença, no que se refere à aceitação do rácio aplicado pela AT, em detrimento do rácio proposto por si.

Alega o recorrente que deixou nos autos elementos probatórios da sua tese sobre a consideração das despesas na percentagem de 80% relativamente às receitas, aludindo à prova dos critérios comuns ”bonus pater familiae”, que na sua óptica, não necessitam de prova, bem como à prova testemunhal, por contraposição ao critério aplicado pela AT que considera não fundamentado (cf. conclusões 7ª à 10ª).

A sentença fez apelo à repartição do ónus da prova, considerando que era ao recorrente que cabia a prova de que era outra a matéria colectável sobre que devia incidir a tributação. Mais decidiu que não bastava ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, pois cabia-lhe demonstrar a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados.

No fundo o recorrente assenta a imputação do erro de julgamento na desconsideração da prova por si oferecida em detrimento do critério aplicado pela AT.

Antes de mais, importa ter presente que no âmbito tributário, imperam os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, por força dos quais a descoberta da verdade material torna despicienda uma particular incumbência na produção de prova, vigorando antes o princípio da aquisição processual. Não obstante, quando nos deparamos com uma situação de non liquet, vigora o princípio geral de direito probatório relativo à repartição do ónus a prova, porquanto as questões controvertidas não podem deixar de ser objecto de definição. Assim, perante a formulação de uma pretensão, se não se provam os factos relevantes, a questão não pode deixar de ser decidida em sentido desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório. É este o sentido uniforme e reiterado da jurisprudência, podendo consultar-se por todos os Acórdãos proferidos pelo TCAN em 02/06/18 e 23/05/2019, respectivamente nos Rec. Nº. 6.388/02 e n.º 00063/06.5BEMDL.

No que se refere à quantificação da matéria colectável, «em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente à maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional (…)é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação.

Para tanto, a AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.

A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, de modo a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão. (…) Só então passará a caber, ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.» cf Acórdão proferido pelo TCAN no processo n.º 00342/09.0BEAVR de 12/04/2018.

No caso dos autos, como se retira da alínea G) da matéria de facto, mais precisamente do ponto V do relatório de inspecção, que tem por título «critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos» explicita-se que, «para determinação do volume de prestação de serviços efectuadas e consequentemente do rendimento tributável da categoria B. do IRS, tomando por base, os valores apurados e transcritos no ponto 4.1. e 4.2., do capitulo II, do relatório e calcular (por métodos indirectos) os Encargos dedutíveis utilizando para o efeito os RÁCIOS de IRS, para o CAE/CIRS (0308-Jornatistas e repórteres) da unidade orgânica (e respeitantes á categoria B, sem contabilidade organizada) e cujo PRINT se junta em ANEXO IV.

Assim utilizamos o RÁCIO 28,58 (R= Encargos dedutíveis/Prestação serviços), correspondente À MEDIANA e relativo ao ano 1998, para determinação do Total de Encargos dedutíveis:

- 28,58 Prestação serviços/100=Total Encargos dedutíveis.»

Do que se deixou transcrito, para determinar os encargos dedutíveis a AT utilizou «os RÁCIOS de IRS, para o CAE/CIRS (0308-Jornatistas e repórteres)» disponíveis no sistema informático da unidade orgânica, respeitantes à categoria B, sem contabilidade organizada. Ora os rácios traduzem, por definição, uma relação, geralmente expressa em percentagem, entre duas grandezas. Neste particular, entre o rendimento e os custos necessários para alcançar tal rendimento, ou seja, os encargos dedutíveis. No caso concreto a AT utilizou a informação disponível no seu sistema informático relativa à actividade de jornalistas e repórteres, actividade exercida pelo recorrente e reportada ao ano de 1998, que é precisamente o ano aqui em causa. Tal critério não se pode ter por inadequado na medida em que representa um esforço de aproximação à realidade, tendo em conta os dados recolhidos no sector, não se podendo perder de vista que a tributação real apenas se pode apreender com base nos dados da contabilidade, que no caso não foi fornecido pelo próprio.

Aqui chegados, perante o apuramento dos proveitos, impunha-se aplicar um critério que traduzisse o mais aproximado possível a quantificação dos custos incorridos. No caso, o critério utilizado pela AT não se mostra desadequado à realidade.

Como observa Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 6 ao artigo 100.º, pág. 137, aplicável ao caso uma vez que o artigo 121.º do CPT tem idêntico regime), «nestas situações em que é impossível determinar directamente a matéria tributável, há sempre dúvidas sobre a sua quantificação real, pois os métodos indirectos tomam em consideração indicadores que apenas podem fornecer uma indicação aproximada do valor que a matéria tributável provavelmente teria», não obstante também visarem a quantificação real, o mais aproximado possível.

O recorrente insurge-se também contra a sentença quando considera que o critério utilizado pela AT é mais objectivo. Tal ponderação decorreu do facto do rácio constituir um critério de apuramento dos encargos que teve em conta o código de actividade económica do recorrente: CAE/CIRS 0308-Jornatistas e repórteres respeitante à categoria B, sem contabilidade organizada. Na verdade, o critério aplicado, que assim considerou todas as características que se verificavam na situação do recorrente apresenta-se como tal objectivo, na medida em que reflecte a situação verificada quanto aos profissionais na mesma actividade. Assim se conclui que o aludido critério constituiu, no caso concreto, uma forma válida de aproximação à realidade que se visa determinar.

Por forma a demonstrar que o critério que propõe é o mais adequado à particularidade do seu caso, o recorrente indica «os critérios comuns “bónus pater familiae”» alegando que, por isso mesmo, não necessitam de suporte documental indicando ainda a prova testemunhal.

Para prova do erro na quantificação da matéria colectável, através da impugnação do rácio de nada serve a invocação do recurso ao critério do bónus pater familiae, que aqui não tem aplicação já que, nada mais resultando provado quanto aos encargos, incumbe ao recorrente a prova de que o critério utilizado não tem em conta a realidade concreta em que decorreu a sua actividade e que é outro o adequado, sob pena de contra ele ser resolvida a questão.

Quanto à prova testemunhal, já vimos que não foi concretizadora dos factos necessários à prova do erro na quantificação, circunstância que decorria, também, da falta de alegação na petição inicial. Na sentença sob recurso, ponderou-se que não bastava ao recorrente suscitar a dúvida, impunha-se-lhe a prova de que o rácio não era adequado e que conduzia a erro na quantificação da matéria tributável, o que não logrou conseguir.

Com efeito, como se referiu supra, em matéria de repartição do ónus da prova, nos termos do artigo 342.º do CCivil, cabe à AT comprovar a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação presuntiva e fundamentar o critério utilizado na quantificação, cabendo ao contribuinte o ónus da prova do excesso dessa quantificação. Assim sendo, não basta ao recorrente alegar que as despesas na sua concreta situação no ano de 1998 foram elevadas e que ascenderam a 80% do rendimento, limitando-se a descrever o tipo de despesas. Impunha-se que o recorrente não só alegasse, concretizando que despesas teve, como também que efectuasse a prova da sua realização e quantificação, como se refere na sentença. Prova essa que não foi feita. Como se deixou dito. O que se retira da prova testemunhal são referências a custos em geral, sem os quantificar, referindo que deviam ser custos bastante elevados, sendo insuficiente para o fim em vista.
Porque a sentença recorrida considerou que essa demonstração não foi feita, decidiu de acordo com a jurisprudência, motivo por que não merece censura.

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Alega o recorrente que a AT nunca lhe enviou o aludido anexo IV, contendo o rácio de 28,58 % (cf. conclusão 6ª). No relatório de inspecção, identifica-se o rácio utilizado, como correspondendo à mediana relativa ao ano de 1998, mencionando-se que o print se encontra junto como anexo IV.
Ora o recorrente foi notificado do relatório no qual se fazia menção à existência do referido anexo, não existindo notícia nos autos de que tenha diligenciado no sentido de alertar os serviços da AT de que o relatório não teria sido acompanhado de tal documento. No âmbito dos presentes autos, o impugnante, ora recorrente, aquando da notificação da contestação foi notificado da junção do processo administrativo que lhe permitia a consulta e acesso a tal print.
A fundamentação da quantificação da matéria tributável, no que se refere aos custos, decorre da explicitação de que, no seu cálculo foi usada a mediana relativa ao ano de 1998, permitindo ao recorrente saber a origem do rácio utilizado, informação que consta do relatório.

Assim sendo, também quanto a esta questão improcede o recurso.


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Por fim, importa apreciar se a liquidação de juros compensatórios está fundamentada.

A fundamentação dos juros compensatórios, decorre em parte nos próprios fundamentos da liquidação do imposto donde deriva, e em fundamentos próprios havendo um mínimo de fundamentação que é exigível, tendo em vista permitir ao contribuinte apreciar a respectiva legalidade permitindo-lhe escolher entre conformar-se com ela ou impugná-la. Nesse núcleo essencial de fundamentação, tendo em conta os requisitos previstos no artigo 83.º do CIRS, na redacção vigente à data dos factos, inclui-se o período sobre que os mesmos incidiram, sobre que montante e qual a respectiva taxa aplicada, devendo ser contemporânea da liquidação de imposto, na qual se inclui.

No caso dos autos, o documento de notificação da liquidação de IRS (cf. ponto L) do probatório cuja redacção foi alterada por este Tribunal), consta o montante de imposto liquidado e o valor dos correspondentes juros compensatórios, sem que tenha sido indicada qualquer fundamentação. Dito de outro modo, nela não se indica qual a taxa aplicada, nem o período de tempo a que se aplica. Desta forma, não se deu a conhecer ao contribuinte qual o período sobre que incidiram os juros e qual a taxa ou taxas aplicadas, não lhe permitindo conhecer as razões dessa liquidação de molde a com ela conformar-se ou a impugná-la. Embora os requisitos da liquidação de juros compensatórios sejam vinculados, impunha-se que os mesmos fossem externados e comunicados ao contribuinte, pelo que se conclui que a mesma padece de tal falta de fundamentação.

Mostra-se assim procedente a conclusão 16ª do recurso.


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Quanto à responsabilidade por custas, em face do decaimento parcial, a mesma cabe às partes na proporção do decaimento que se fixa em 80% para o Recorrente (cf. artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT).
Importa, no entanto, ter presente que a impugnação judicial aqui em causa foi interposta em 04/09/2002, data em que vigorava o Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, e entrado em vigor no dia 12/02/1998 (cf. art. 10.º do DL 29/98), em cuja alínea a) do n.º 1 do art. 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do «Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados».

Esta isenção deixou de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro no artigo 2.º do Código das Custas Judiciais.

Não obstante, aquele DL 324/2003 continha uma disposição transitória no seu artigo 14.º, n.º 1, por força do qual as alterações ao Código das Custas Judiciais que introduziu apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 01/01/2004, nos termos do disposto no artigo 16.º n.º 1.

Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP), quanto à respectiva aplicação no tempo, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção, o mesmo se verificando actualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro, a qual, no n.º 4 do respectivo artigo 8.º, prevê que: «Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.»

Assim sendo, embora parcialmente responsável pelas custas, em face do seu decaimento parcial, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respectivo pagamento, na 1.ª instância, e no presente recurso.


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IV – CONCLUSÕES

I - De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados.

II – A fundamentação dos juros compensatórios não prescinde da indicação de qual o valor do imposto, qual período sobre que incidiram os juros e qual a taxa ou taxas aplicadas.

V - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da primeira Sub-secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional revogar a sentença na parte relativa aos juros compensatórios, negando-se provimento quanto ao mais.


Custas pelas partes na proporção de 80% para o recorrente e 20% para a Fazenda Pública sem prejuízo da isenção subjectiva de que esta beneficia.

Após trânsito, remeta cópia certificada do presente acórdão ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal de Lisboa - Juízo 11 (Processo n.º 473/97.7TAOER).


Lisboa, 8 de Julho de 2021.


A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão.



Ana Cristina Carvalho