Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:44/20.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Sumário:
I. Verifica-se contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada conduza a uma decisão distinta da que foi proferida, não se confundindo a mesma com o erro de julgamento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

H….. (doravante Impugnante) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 20.03.2020, pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 561/2019-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nesse seguimento, o Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Constitui objeto da presente impugnação o segmento decisório contido na alínea b) da decisão arbitral proferida em 20 de março de 2020 pelo CAAD, na sequência de um pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do RJAT e que correu termos sob o n.º 561/2019-T.

B. A Impugnante não se pode conformar, nos termos legais, nem compreende, a parte do segmento decisório indicado, face à matéria de facto provada, previamente transcrita e identificada, por entender que o mesmo padece de vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, conforme alínea b) do número 1 do artigo 28.º do RJAT.

C. Com efeito, a decisão arbitral, ao julgar improcedente o pedido arbitral e, em consequência, manter a liquidação com o número ….., referente ao IRC do exercício de 2007, que incidiu sobre os ganhos decorrentes da alienação, pela F….., das ações da sociedade ….., evidencia clara oposição com os fundamentos de facto, atentos os factos dados como provados na mesma decisão arbitral.

D. Os factos dados como provados na decisão arbitral sob o Ponto R, conduzem necessariamente a uma decisão oposta à que foi tomada no processo arbitral e que pelo presente se impugna.

E. Os factos dados como provados impõem uma decisão arbitral que concluísse que as mais-valias decorrentes da alienação das participações sociais da sociedade …..pela sociedade F….. já tinham sido sujeitas a tributação em sede de RERT II, com a consequente declaração de ilegalidade da liquidação de IRC com o número ….., por vício de duplicação de coleta.

F. De acordo com a documentação junta ao pedido de pronúncia arbitral e ao facto dado como provado no ponto R, resulta claro que os elementos patrimoniais de que a sociedade F….. era titular a 31 de dezembro de 2009 já tinham sido declarados pelo Impugnante e pela Família, enquanto titulares indiretos dos mesmos e, nessa medida, sujeitos a tributação.

G. Note-se que, inclusive, resulta provado nos autos que o Impugnante, Mãe e Irmãos eram os beneficiários efetivos da F….. e que os elementos patrimoniais declarados em sede de RERT II correspondem integralmente aos elementos patrimoniais de que a mesma era titular.

H. Assim, a factualidade fixada no Ponto R dos factos dados como provados e os documentos que integram o pedido de pronúncia arbitral impõem uma decisão oposta à que foi proferida nos autos arbitrais, ou seja, de que os elementos patrimoniais declarados pelo Impugnante e pela Família correspondem a elementos patrimoniais detidos diretamente pelos próprios.

I. Ora, nenhum dos factos dados como provados permite concluir que – conforme refere a decisão arbitral “50. (…) a titularidade dos elementos patrimoniais repatriados no âmbito do RERT II, no caso concreto, não pertenciam à F….. (…)”, não sendo compreensível, aliás, esta conclusão no contexto global do processo ou mesmo da decisão!

J. Todavia, não obstante a fundamentação de facto dada como provada quanto à apreciação do vício de duplicação de coleta, o Tribunal Arbitral vem decidir, mais concretamente no segmente decisório vertido nos pontos 47 e 50 e que conduziu à decisão contida na alínea b) do segmento decisório, em sentido claramente diverso daquele para o qual tal fundamentação aponta.

K. Assim sendo, os documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e o facto fixado no Ponto R dos factos dados como provados não só contrariam os termos dos parágrafos 47 e 50 da decisão arbitral como levam inevitavelmente a uma conclusão oposta à extraída pela decisão arbitral de que não se verificam os requisitos de duplicação de coleta.

L. Nesta medida, a decisão arbitral que se submete ao mui douto Tribunal Central Administrativo Sul demonstra claramente a oposição entre os fundamentos e a decisão, tendo em conta os factos dado como provados nos autos, com base nos documentos que integram o pedido de pronúncia arbitral, pelo que incorre no vício previsto na alínea b) do número 1 do artigo 28.º do RJAT.

M. Face ao exposto, podemos concluir que a decisão arbitral impugnada padece de oposição com os fundamentos de facto constantes do Ponto R dos factos dados como provados, pois, num silogismo jurídico lógico-dedutivo, os fundamentos de facto apontados conduzem, inevitavelmente, a uma decisão oposta à proferida.

N. Com efeito, enquanto que a decisão arbitral entendeu que não se encontra verificado o vício de duplicação de coleta porque a F….. não era titular dos elementos patrimoniais declarados e sujeitos a tributação no âmbito do RERT II,

O. Os factos dados como provados no Ponto R da matéria de facto – referem expressamente que o Impugnante, Mãe e Irmãos “(…) declararam todos os ativos e património de que a sociedade F….. era titular (…)”!

P. Acresce que os documentos referidos no Ponto R (facto dado como provado) e juntos ao pedido de pronúncia arbitral, impõem necessariamente uma decisão consequente com o mesmo, ou seja, que os ganhos decorrentes da alienação das participações sociais da sociedade …..pela F….. já tinham sido sujeitos a tributação em sede de RERT II, decisão oposta à decisão arbitral impugnada.

Q. Termos em que a decisão arbitral padece de vício de oposição dos fundamentos com a decisão, pelo que deve a mesma ser anulada no segmento impugnado, com as demais consequências legais.

R. Finalmente, atendendo ao facto de o valor do recurso ser superior a € 275.000, vem o Impugnante requerer que seja emitida pronúncia e que seja deferida a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do número 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que estamos em sede de impugnação de decisão arbitral, que não há lugar à produção de prova testemunhal, nem de audiência, e que se pede ao Tribunal que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir especial complexidade, não se justificando, pois, que o Impugnante seja onerado com o pagamento de um remanescente tão elevado, conforme número 7 do artigo 6.º do RCP.
PEDIDO
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente se dignarão suprir, deve a presente impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser anulada a parte da decisão arbitral impugnada, constante na alínea b) do decisório, com as demais consequências legais, com o que se fará a costumada Justiça!
Mais se requer que, atendendo a que o valor da ação é superior a € 275.000, seja a Impugnante dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do número 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa”.

Foi ordenada a notificação de Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada ou AT) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, nas quais foram formuladas as seguintes conclusões:

“A. O Impugnante deduziu a presente impugnação, ao abrigo do disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), com vista à anulação da decisão de mérito proferida no processo n.º 561/2019-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

B. O Tribunal Arbitral apreciou a legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º ….., e respetivos juros compensatórios, no montante total de € 1.576.226,48, referente ao exercício de 2007.

C. O Impugnante não logra demonstrar, nas alegações que para o efeito produziu, de que forma é que a douta decisão arbitral padece do vício de cariz processual que lhe é imputado, a saber, a oposição entre os fundamentos e a decisão.

D. Defende o Impugnante que o douto acórdão impugnado incorre em oposição entre os fundamentos e a decisão, pois «Os factos dados como provados na decisão arbitral sob o Ponto R (…) impõem uma decisão arbitral que concluísse que as mais-valias decorrentes da alienação das participações sociais da sociedade …..pela sociedade F….. já tinham sido sujeitas a tributação em sede de RERT II, com a consequente declaração de ilegalidade da liquidação de IRC com o número ….., por vício de duplicação de coleta.» (cfr. pontos D e E das conclusões).

E. O vício apontado de oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre, nas palavras utilizadas no douto Acórdão do TCAS, proferido no processo 05946/12, em 05-03-2015 «quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente».

F. Ora, a douta decisão impugnada começa por delimitar as questões decidendas, tendo em atenção vícios invocados pelo Requerente arbitral de «duplicação de coleta, por violação do disposto no artigo 205.º do CPPT e erro sobre os pressupostos de facto.».

G. Depois de fixada a matéria de facto, procede o Tribunal arbitral a uma breve exposição sobre o Regime Excecional de Regularização Tributária - RERT II, aprovado pelo artigo 131.º da Lei n-º 3- B/2010, de 28 de abril e à apreciação das questões de direito submetidas a julgamento, de acordo com os argumentos, de facto e de direito esgrimidos pelas partes, decidindo que «é manifesto que não se verificam os requisitos da duplicação de coleta, previstos no artigo 205.º do CPPT.»

H. Ora, a decisão de improcedência do pedido arbitral encontra-se fundamentada de forma clara, suficiente e congruente no douto acórdão recorrido, nele se referindo o seguinte:

«32. Na verdade, a liquidação em crise é referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), sendo o sujeito passivo da mesma a sociedade F….., em virtude da maisvalia obtida pela alienação da totalidade das ações que detinha da sociedade ….., S.A., residente em Portugal, possuidora de um imóvel classificado como Monumento Nacional - o Palácio A….., em Lisboa - à sociedade P….., S.A, pelo montante de€ 5.000.000,00 (cinco milhões de euros).

33. Com efeito, face a esta transação, não obstante, a sociedade F….., ser uma sociedade não residente, sem estabelecimento estável, deveria ter declarado a mais-valia acima descrita na declaração Mod. 22 de IRC, em Portugal, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC, porquanto,

34. ... nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos obtidos em território português,

35. ... sendo que a alínea b) do n.º 3 do referido artigo, clarifica que se consideram obtidos em território português os ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes sociais representativas do capital de entidades com sede ou direção efetiva em território português.

36. Dispõe o artigo 51.º do Código do IRC - na redação em vigor à data dos factos - nos casos em que uma sociedade alienante de ações é uma sociedade residente sem estabelecimento estável - como é o caso - que os ganhos obtidos são determinados de acordo com as regras previstas no Código do IRS relativamente a cada uma das categorias relevantes.

37. Assim, no caso de rendimentos decorrentes de alienação de partes de capital - como é o caso-, são os mesmos enquadrados como mais-valias - categoria G de IRS – nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS, devendo ser, contudo, tributados em sede de IRC.».

I. E em total consonância com a matéria de facto dada como provada, concluiu o acórdão arbitral:

«a sociedade F….., num primeiro momento, adquiriu ações - 100% do capital social - da sociedade ….., S.A., sociedade sediada em território português,

41. ... tendo, num segundo momento, alienado essas mesmas ações à sociedade P….., S.A., pelo montante de € 5.000.000,00,

42. ... obtendo, consequentemente, uma mais-valia com a alienação das ações da sociedade ….., S.A., sociedade sediada em território português.

43. Nesta sequência, atento a mais-valia obtida, proveniente da venda de ações de uma sociedade sediada em território português, deveria a sociedade F….. ter apresentado a declaração Mod. 22 de IRC (artigo 120.º do Código do IRC), e consequentemente, ser tributada em Portugal em conformidade. E não o foi.

44. De notar que não é aplicável, ao caso concreto, a isenção consagrada no artigo 26.º (atual 27.º) do EBF, tendo em consideração que o ativo era constituído em mais de 50% por imóveis.

45. A liquidação em crise cinge-se à tributação, a título de IRC, da sociedade F….. pela mais-valia obtida.

46. Ademais, e conforme resulta dos factos dados como provados, quem aderiu ao RERT II não foi a F….., a qual, não obstante ser uma pessoa coletiva, também o poderia fazer,

47. .. mas os respetivos acionistas, o que consubstancia que os elementos patrimoniais declarados pertenciam aos próprios - Requerente e respetiva Família - provenientes de distribuição de dividendos ou de quaisquer outros ganhos sujeitos a factos tributários distintos, tributáveis pela categoria E de rendimentos.

48. Face a esta declaração, os elementos patrimoniais declarados pelo Requerente e a sua Família foram tributados a uma taxa de 5%, tendo os acionistas procedido ao seu pagamento a título de imposto - IRS - , 49. ... a extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação aos elementos e rendimentos, conforme previsto no RERT II, e declarados pelos acionistas, estreita-se apenas à esfera pessoal do(s) declarante(s) e não a outros.

50. O que significa que a titularidade dos elementos patrimoniais repatriados no âmbito do RERT II, no caso em concreto, não pertencem à F….., o que acarreta como consequência, desde logo, a inexistência de duplicação de coleta. Deste modo, ou pertencem ao Requerente e família (titularidade direta), ou à S….., SA e detidos indiretamente pelos mesmos, que foi quem os participou através das declarações que apresentaram.»

J. Assim, com o devido respeito, é errada a interpretação que a Impugnante faz da decisão arbitral, não incorrendo a mesma em nenhuma contradição.

K. Com efeito, o que o acórdão arbitral sustenta, de forma absolutamente congruente e fundamentada de facto e de direito, é a rejeição do entendimento da ora Impugnante no sentido de que adesão ao RERT II pelos elementos da família excluiria a sociedade F….. de qualquer tributação em Portugal;

L. Resultando plenamente provado, mormente pelos factos consignados nos pontos R. e S. do probatório, que a mais-valia obtida pela sociedade F….. não foi apurada, tributada e paga, porquanto nunca foi submetida a declaração Mod. 22 de IRC nem a declaração de regularização tributária foi apresentada em nome da sociedade.

M. Logo, a adesão ao RERT II, pelos elementos patrimoniais e rendimentos declarados pelos acionistas, produziu os seus efeitos na esfera pessoal dos declarantes e não da sociedade F…...

N. Os motivos da discordância que o Impugnante manifesta relativamente à decisão de improcedência do pedido arbitral prendem-se, no fundo, com a decisão de improcedência do vício de duplicação de coleta, mas tal questão é substancialmente diferente do alegado vício formal de oposição entre os fundamentos e a decisão.

O. Sendo notório que as asserções que fundamentam o vício imputado ao acórdão arbitral, designadamente os pontos D. a K. das conclusões das alegações, mais não são que argumentos que sustentam um alegado erro de julgamento.

49. ... a extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação aos elementos e rendimentos, conforme previsto no RERT II, e declarados pelos acionistas, estreita-se apenas à esfera pessoal do(s) declarante(s) e não a outros.

50. O que significa que a titularidade dos elementos patrimoniais repatriados no âmbito do RERT II, no caso em concreto, não pertencem à F….., o que acarreta como consequência, desde logo, a inexistência de duplicação de coleta. Deste modo, ou pertencem ao Requerente e família (titularidade direta), ou à S….., SA e detidos indiretamente pelos mesmos, que foi quem os participou através das declarações que apresentaram.»

J. Assim, com o devido respeito, é errada a interpretação que a Impugnante faz da decisão arbitral, não incorrendo a mesma em nenhuma contradição.

K. Com efeito, o que o acórdão arbitral sustenta, de forma absolutamente congruente e fundamentada de facto e de direito, é a rejeição do entendimento da ora Impugnante no sentido de que adesão ao RERT II pelos elementos da família excluiria a sociedade F….. de qualquer tributação em Portugal;

L. Resultando plenamente provado, mormente pelos factos consignados nos pontos R. e S. do probatório, que a mais-valia obtida pela sociedade F….. não foi apurada, tributada e paga, porquanto nunca foi submetida a declaração Mod. 22 de IRC nem a declaração de regularização tributária foi apresentada em nome da sociedade.

M. Logo, a adesão ao RERT II, pelos elementos patrimoniais e rendimentos declarados pelos acionistas, produziu os seus efeitos na esfera pessoal dos declarantes e não da sociedade F…...

N. Os motivos da discordância que o Impugnante manifesta relativamente à decisão de improcedência do pedido arbitral prendem-se, no fundo, com a decisão de improcedência do vício de duplicação de coleta, mas tal questão é substancialmente diferente do alegado vício formal de oposição entre os fundamentos e a decisão.

O. Sendo notório que as asserções que fundamentam o vício imputado ao acórdão arbitral, designadamente os pontos D. a K. das conclusões das alegações, mais não são que argumentos que sustentam um alegado erro de julgamento”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:
a) Há nulidade da decisão arbitral, por oposição dos fundamentos com a decisão?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação da presente Impugnação está provado o seguinte facto:

1. Foi proferida, a 20.03.2020, decisão arbitral, no âmbito do processo 561/2019-T, da qual consta designadamente o seguinte:

“… V. Matéria de Facto

(…) a. Factos dados como provados

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A. Em 2005, o Requerente, M….. (Mãe do Requerente), M….. (irmão do Requerente), F….. (irmão do Requerente) e T….. (irmã do Requerente) — adiante designados por "Família M….." -, J….. e P….. — adiante designados por "Família S….." — eram titulares de participações sociais correspondentes a 90,10% - no montante total de € 238.753,01 - do capital social da sociedade " A….., LDA", com sede em Portugal

B. Em 2005, a sociedade A….., LDA era proprietária de um imóvel (o Palácio ….., sito em Lisboa) - cfr. facto não impugnado-;

C. No dia 30 de março de 2005, a sociedade "A….., LDA" foi transformada em sociedade anónima, tendo sido determinado o reforço de capital realizado em dinheiro pelos sócios na proporção das suas quotas, com exceção das quotas próprias da sociedade, tendo o capital passado a estar dividido em 5.000.000 ações no valor de 0,01% cada, ao portador - cfr. facto não impugnado-;

D. Mais tarde, a sociedade "….., S.A." alterou a sua denominação social, passando a denominar-se "….., S.A.", mantendo os sócios, o capital passou de € 25.060,11 para € 50.000,00 e converteram-se as quotas dos sócios em n.º equivalente de ações, ou seja, em 5.000.000,00 (cinco milhões) de ações - cfr. facto não impugnado;

E. O capital social da sociedade "….., S.A" passou a estar dividido da seguinte forma:

F. No dia 25 de junho de 2005, realizou-se uma assembleia-geral convocada por publicação em jornal, na qual se deliberou o aumento do capital social da sociedade ….., S.A, em mais € 215.000,00, passando o capital social a ser de € 265.000,00€, tendo tal reforço sido concretizado por escritura pública datada de 06.09.2005, o que resultou na existência de 26.500.000 ações (265.000,00 x 0,01€) – cfr. facto não impugnado - ;

G. À escritura referida em F. supra, apenas compareceram H….., M….., FG….. e J….., sendo os únicos a obter um aumento da participação na ….., S.A., de 47,48% para 90,10% na proporção de 215.000,00€ sobre as ações que detinham. — cfr. facto não impugnado

H. A sociedade F….., com sede em ….., Gibralter, foi constituída em 31 de dezembro de 2000 - cfr. processo administrativo-;

I. A sociedade F….. tinha um capital social de GBP 1.000.000, dividido por 1.000.000 de ações de GBP 1 cada. – cfr. processo administrativo - ;

J. A sociedade F….., desde a sua constituição (2000), que era administrada pela sociedade A….., sendo detida pelas sociedades A….., LTD e pela A….. LTD, sociedades sediadas em Gibraltar, as quais detinham 10,10% (correspondente a 166.674 ações) e 89,90% (correspondente a 833.326 ações) respetivamente do capital social daquela - cfr. processo administrativo-;

K. As sociedades A….., LTD e a sociedade A….. LTD, sediadas em Gibraltar eram administradas por C….. — cfr. processo administrativo-;

L. O beneficiário das ações detidas pela sociedade A….., LTD, na sociedade F….., segundo declaração prestada no Supremo Tribunal de Gibraltar era H….. - cfr. processo administrativo-;

M. A sociedade A….. LTD declarou que os beneficiários das 833.326 ações que detinha na sociedade F….. eram os membros da Família M….. e da Família S….. identificados em A. supra - cfr. processo administrativo

N. No dia 10 de setembro de 2006, as Famílias M….. e S….., transferiram, por contrato de compra e venda de ações, a totalidade das ações por si detidas na sociedade ….., representativas de 90,10% do capital social, para a sociedade F….. — cfr. facto não impugnado-;

O. No dia 4 de outubro de 2006, a sociedade F…..adquiriu 249.399 ações própria da sociedade ….., representativas de 0,94% do capital social desta, pelo valor unitário de € 0,075472, no montante total de € 18.822,64 - cfr. processo administrativo-;

P. No dia 6 de novembro de 2006, as restantes ações da sociedade ….., SA, representativas de 8,96% (2.375.300 ações) do seu capital social, foram adquiridas, pela sociedade F….., no âmbito de um Processo judicial de Consignação em Depósito - Processo n.º 364/06.0TVLSA, que correu termos na 3.ª Secção da 14.ª Vara Cível de Lisboa, pelo montante de € 179.268,74 - cfr. processo administrativo

Q. No dia 14 de março de 2007, a sociedade F….. celebrou um contrato de compra e venda de ações e cessão de crédito nos termos do qual vendeu à sociedade "P….., S.A.", a totalidade das ações da sociedade ….., SA, pelo montante de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros); - cfr. documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral-;

R. No dia 6 de agosto de 2010, o Requerente, a sua mãe e os três irmãos referidos na alínea A) supra, apresentaram cada um deles uma declaração de regularização tributária, datada de 16.06.2010, ao abrigo do disposto no artigo 131.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Lei de Orçamento do Estado para 2010) que aprovou o Regime Excecional de Regularização Tributária de elementos patrimoniais colocados no exterior (RERT II), na qual declararam todos os ativos e património de que a sociedade F….. era titular, nas respetivas participações detidas, por cada elemento da família, no montante total de € 2.904.189,00, do seguinte modo:

S.A sociedade F….. não apresentou declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) -Modelo 22, a que estava obrigada, com referência ao exercício de 2007. - cfr. facto admitido por acordo-;

T. A sociedade F….. foi sujeita a uma ação de inspeção interna de âmbito parcial, em sede de IRC, incidente sobre o exercício de 2007, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º …..- cfr. processo administrativo-;

U. O procedimento inspetivo foi realizado na sequência da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Instrução Criminal de Lisboa — Juiz 4, no âmbito do processo de inquérito com o n.º 6579/10.1TDLSB - cfr. processo administrativo-;

V. A sociedade F….., bem como os seus representantes foram notificados do Relatório de Inspeção Tributária decorrente do procedimento de inspeção acima identificado, do qual resulta o seguinte:

«II.3.1 — Caracterização do sujeito passivo

Dos elementos remetidos pela Divisão de Processos Criminais Fiscais desta Direção de Finanças, extraídos do processo de inquérito, foi possível identificar que a sociedade F….. tem sede em ….. Gibraltar (Anexo I).

II.3.1. 1 — Data de constituição, capital e administração

Do Certificado emitido pela Company House Gibraltar; consta que a F….. foi constituída em 31 de dezembro de 2000 e é uma empresa privada limitada por ações (Anexo 1).

A F….. tinha um capital social nominal emitido de GBP 1.000.000, dividido por 1.000.000 de ações de GBP 1 cada. Os acionistas são: a sociedade A….. (Gibraltar), Limited, detentora de 166.674 ações e a sociedade A….. (Gibraltar) Limited, detentora de 833.326 ações, (ambas com a mesma sede do sujeito passivo), cujo administrador era C….. (Anexo I).

Da declaração prestada no Supremo Tribunal de Gibraltar, a sociedade A….. (Gibraltar), Limited informou que o beneficiário das ações por si detidas na F….. é (Anexo II):

Ø H….., com o NIF: …..com domicílio na Rua ….., em Lisboa.

A sociedade A….. (Gibraltar) Limited informou que os beneficiários das 833.326 ações por si detidas na F….. são os seguintes (Anexo 11):

Ø M….., NIF: ….., com domicílio na ....., em, Lisboa;

Ø F….. NIF: ….., com domicílio na Rua …..em Lisboa. Atualmente com domicílio na mesma rua, mas no n.º ….., em Lisboa;

Ø T….., NIF: …..com domicílio na Avenida ….., em Lisboa. Atualmente com domicílio na ….., em Lisboa;

Ø M….., NIF: ….. com domicílio na ….., Lisboa. Atualmente o domicílio é na ….., Lisboa;

Ø J….., NIF: …..com domicílio na Quinta ….., Brejos de Azeitão, Atualmente com domicílio na Rua ….., Estoril;

Ø P….., NIF: ….., com domicílio na Av. ….., no Monte do Estoril.

Da conjugação dos diversos elementos disponíveis, que se descrevem no ponto seguinte, constatou-se que, não obstante, nos documentos da constituição da sociedade não indicar quem são os responsáveis pela gestão/administração, facto que pode ser justificável por se tratar de uma sociedade constituída sobre as leis de Gibraltar, os factos/atos que conduziram ao presente procedimento tiveram origem nos beneficiários da mesma.

11.3.1.2— Da origem da f….. à alienação das ações

Analisados os documentos disponíveis nos processos referidos no ponto anterior constata-se que a …..foi utilizada pelos acionistas da sociedade ” ….., SA”, para concretizar o seu objetivo — a alienação do palácio …..- único bem da sociedade. (...)

11.3.1.3 — Enquadramento jurídico e fiscal

f….., MPC …..é uma entidade que não tem sede nem direção efetiva em território português, e como tal é sujeito passivo de IRC nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, incidindo o imposto sobre os rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 3º do Código do IRC, os quais são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS, nos termos do artigo 56º (artigo 51º à data dos factos) do Código do IRC.

Da consulta ao sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira verificou-se que a F….. não se encontrava registada, pelo que foi solicitado à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes a inscrição oficiosa, tendo-lhe sido atribuído o NIF: …...

II.3.2 — Obrigações declarativas

O sujeito passivo não entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 de 2007, referida na alínea b) do artigo 117° (artigo 109º à data dos factos) do Código do IRC nos prazos mencionados na alínea a) do n.º 5 do artigo 120° do mesmo diploma.

Não procedeu também à entrega da Declaração Anual' de Informação Contabilística e Fiscal de 2007, conforme estipula a alínea c) do n.º 1 do artigo 117.º (artigo 109° à data dos factos) do Código do IRC.

III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇOES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. Descrição dos factos e fundamentos

1 — Dos elementos constantes do processo de inquérito com o n.º 6579/10.1TDLSB é possível verificar que, em 14 de março de 2007, a sociedade F….. na qualidade de vendedora, celebrou um Contrato de Compra e Venda de Ações e Cessão de Créditos com a sociedade "P….., SA (atualmente designada por V….., SA), com o NIF: ….., na qualidade de compradora, do qual passamos a transcrever alguns pontos (Anexo IV):

Ø "... A vendedora é titular das ações representativas de 100% do capital social da sociedade ….., SA, anteriormente designada A….. Lda., pessoa coletiva n.º ….., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com sede na Rua ….. Lisboa, com o capital social de € 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros)....";

Ø "... pelo presente contrato, a vendedora vende à compradora, que compra, as 26.500.000 (vinte e seis milhões e quinhentas mil) ações, ao portador, com o valor nominal de € 0,01 (um cêntimo) cada, representativas da totalidade do capital social da sociedade ….., SA ...",

Ø “…. as ações são transmitidas livres de quaisquer ónus ou encargos, de qualquer natureza e com todos os direitos e obrigações inerentes---“;

Ø “ ... como contrapartida e preço pela venda das ações, a compradora paga à vendedora um montante global de € 5.000.000,00 (cinco milhões de ouros)..." nos termos seguintes:

a) A compradora pagará na data de produção de efeitos do presente Contrato à Vendedora o montante de €2.000.000,00 (dois milhões de euros);

b) O valor remanescente de € 3.000000,00 (três milhões de euros) será pago na data do segundo aniversário deste contrato..."

(…)

3 - As ações transacionadas pertencem à sociedade …..: SA, uma sociedade anónima, cujas ações não são cotadas na bolsa de valores. Trata-se de uma sociedade residente em território português, cujo ativo é composto por um único imóvel situado em território nacional.

III.2. - Correções meramente aritméticas

Conforme mencionado no capitulo anterior, o sujeito passivo procedeu à alienação das ações representativas de 100% do capital social da sociedade ….., SA, pessoa coletiva n.º ….., pelo montante de € 5.000.000,00.

Não obstante tratar-se de rendimentos sujeitos a tributação nos termos do Código do IRC o sujeito passivo não procedeu à apresentação da declaração modelo 22 de IRC com o correspondente apuramento da mais-valia obtida.

III.2.1 — Enquadramento fiscal

1 - A venda descrita anteriormente encontra-se sujeito em IRC nos termos do n.º 2 e da alínea b) do n.º 3, ambos do artigo 4.º do Código do IRC, conforme se transcreve:

(…)

2 - Sendo o sujeito passivo uma sociedade não residente, sem estabelecimento estável, os rendimentos obtidos são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS, conforme determina o artigo 56.º (artigo 51.º à data dos factos) do Código do IRC.

3 - Não obstante tratar-se duma entidade não residente sem estabelecimento estável, não pode a mesma aproveitar a isenção de tributação das mais-valias, constante do artigo 27.º (artigo 26.º à data dos factos) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelas seguintes razões:

Ø tratar-se de ações não negociadas em mercados regulamentados de bolsa;

Ø tratar-se de uma entidade não residente e sem estabelecimento estável em território português, com domicílio em país, território ou região, sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças;

Ø tratar-se de mais-valias realizadas por entidade não residente com a transmissão onerosa de partes sociais em sociedades residentes em território português cujo ativo é constituído, em mais de 50%, por bens imobiliários aí situados.

4 - Assim, tratando-se de alienação de partes de capital, são os ganhos obtidos considerados mais-valias, logo, enquadráveis na categoria G do Código do IRS, conforme determina o seu artigo 10.º.

De acordo com a alínea b) do 1 do art.º 10.º do Código do IRS, “.... Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b) Alienação onerosa de partes sociais…”

Para determinação do valor das mais-valias vejamos o n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS:

“… 4 - O ganho sujeito a IRS é constituído por:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, ilíquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 ..." sendo que:

> O valor de aquisição para determinação do valor de aquisição vejamos o que esta definido no Código do IRS

Artigo 48* 0 - Valor de aquisição a título oneroso de partes sociais e de outros valores mobiliários — No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º o valor de aquisição, quando esta haja sido efetuada a título oneroso, é o seguinte:

a) Tratando-se de valores mobiliários cotados em bolsa de valores, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado;

b) Tratando-se de quotas ou de outros valores mobiliários não cotados em bolsa de valores o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal...”.

Ø O valor de realização, de acordo com a alínea f) do n.º 1 do art.º 44.º do mesmo Código, “…Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação..."

III.2.2 — Determinação da Mais-valia Fiscal

Para o cálculo da mais-valia obtida com a alienação das ações mencionadas anteriormente e de acordo com a legislação referida no ponto anterior, passamos a determinar:

2.1 – Valor de alienação

O valor de alienação corresponde ao valor da contraprestação, ou seja, o valor pelo qual as ações foram alienadas, que de acordo com o Contrato de Compra e Vendas das Ações celebrado em 14 de março de 2007, foi de € 5.000.000,00

2.2.2 — Valor de aquisição

Conforme referido anteriormente o sujeito passivo procedeu à aquisição das ações em momentos diferentes, ou seja:

Ø 10-09-2006 — Aquisição de 23.875.301 ações correspondendo estas a 90,10% do capital da sociedade ….., SA (Anexo VI).

No decurso do processo de investigação, não foi obtido o valor real da aquisição das referidas ações, vamos considerar, como valor de aquisição, o valor nominal, de acordo com o estipulado na alínea b) do artigo 48.º do CIRS ou seja, € 0,01.

Ø 04-10-2006 - Aquisição de 249.399 ações, correspondendo a 0,94% do capital, detidas pela própria sociedade ….., SA pelo valor unitário de € 0,075472, na sequência da oferta de aquisição de ações publicada no Correio da Manhã Diário, conforme Termo de Compra e Venda, (Anexo VI);

Ø  06-11-2006 — Aquisição das restantes ações (2.375.300), correspondendo a 8,96% do capital, pelo valor unitário de € 0,075472, adquiridas com base no processo n° 5364/06.0TVLSB, da 14.ª Vara Cível de Lisboa - Processo de consignação em deposito, (Anexo VI).

Assim o valor de aquisição total ascende a € 436.844,29 [(23.875.301x 0,01) + (249.99 x 0,075472 + (2.375,300x0,075472)].

2.2.3 Apuramento da mais-valia fiscal

MVF = (VR-VA)

MVF (€5.000.000,00 - € 436.844,29)

MVF = €4.563.155,71

III.3 — Apuramento do Rendimento Coletável

Face ao exposto anteriormente, e atendendo aos elementos de que dispomos e referidos nos pontos E112.2.1 e III 2.2.2, propomos o apuramento do rendimento coletável no montante de € 4.563.155,71, para o exercício de 2007. – cfr. processo administrativo - ;

W. Na sequência das conclusões alcançadas no procedimento inspetivo, foi emitido o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios com o n.º ….., de 2018-01-03, respeitante ao exercício de 2007, no valor de € 1.576.226,48. - cfr. documento n.° 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral-;

X. Em virtude da falta de pagamento do imposto até ao termo do prazo para o efeito, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa - 3, o processo de execução fiscal n.º ….., no âmbito do qual se constatou a inexistência de bens da devedora F….. para pagamento da dívida exequenda. - facto não impugnado-;

Y. O Requerente no dia 11 de dezembro de 2018 foi notificado, na qualidade de responsável subsidiário, do projeto de reversão das dívidas da sociedade F….., referentes a dívida de IRC do exercício de 2007, incluindo juros compensatórios, no montante total de € 1.576.226,48 (um milhão, quinhentos e setenta e seis mil, duzentos e vinte e seis euros e quarenta e oito cêntimos), no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea x) supra n.º ….., e para, querendo, exercer o direito de audição prévia que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT - cfr. acordo das partes-;

Z. Em data não precisa, o Requerente exerceu o direito de audição que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT no tocante ao projeto de reversão; - cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral-;

AA. No dia 28 de maio de 2019, o Requerente foi citado do despacho de reversão e para proceder ao pagamento da dívida de IRC supramencionada em A. — cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral

BB. No dia 27 de junho de 2019, o Requerente procedeu ao pagamento da dívida da sociedade F….., referente a IRC, pelo montante de € 1.576.226,48 (um milhão, quinhentos e setenta mil, duzentos e vinte e seis euros e quarenta e oito cêntimos) revertida contra si, - cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral-;

CC. No dia 23 de agosto de 2019 o Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

b. Factos dados como não provados

1. Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.°s 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, tendo apenas sido invocado um facto que o presente Tribunal Arbitral não pôde dar como provado, face à falta de prova relativamente ao mesmo e que se reporta ao valor de aquisição das ações da sociedade ….., S.A.

3. Assim, não foi dado como provado que a aquisição de 23.875.301 ações da sociedade ….., S.A. tenha sido efetuada pelo montante de € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros) como alega o Requerente.

4. Com efeito, não comprovou e demonstrou o Requerente que a aquisição tenha sido efetuada pelo valor que indica, não obstante ter junto aos autos, o documento n.º 8, denominado “Share Purchase and Sale Agreement", datado de 10 de setembro de 2006, que lhe faz referência.

5. Contudo, trata-se de um documento que só se encontra assinado pelo Requerente e a sua Família na qualidade de vendedores, não constando do mesmo a assinatura da compradora, a sociedade F…..,

6. ... sem embargo de poder ter havido intenção em o aceitar, como parece.

7. Neste caso o contrato ter-se-ia concluído sem declaração de aceitação, como refere o artigo 234.º do Código Civil (Dispensa da declaração de aceitação).

8. Esclarece ANTUNES VARELA (…) que, nesta situação «[t]rata-se, por conseguinte, de casos em que, merce de circunstâncias especiais (tiradas da proposta contratual, da sua natureza, das circunstâncias concomitantes do negócio ou dos próprios usos), a lei tem o contrato por concluído sem declaração de aceitação, embora se não prescinda da vontade de aceitação (da intenção de aceitar).»

9. Também para PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (…) «[a] dispensa da aceitação só é admitida quando esteja em harmonia com a proposta, com a natureza ou circunstâncias do negócio ou com os usos, pois que, em princípio, a aceitação, como declaração negociai, necessita de ser expedida pelo destinatário da proposta e de ser recebida peio proponente ou conhecida dele, para que se produza os seus efeitos nos termos do artigo 234.»

10. No caso concreto, admite o presente Tribunal Arbitral que a proposta foi aceite pela sociedade "F….., LIMITED", pelo que, quanto a este aspeto, poder-se-ia concluir pela perfeição do negócio.

11. No entanto, considerando que se trata de um documento particular, incumbirá à parte que apresentou o documento, ou seja, ao Requerente, a prova da sua veracidade, de acordo com o disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 374.°do Código Civil, uma vez que a falta de assinatura por parte da compradora "F….." foi impugnada pela Requerida, conforme artigo 104.°da Resposta.

12. Prova que o Requerente não logrou fazer, com as declarações de parte de H….., ou das testemunhas inquiridas quanto a esta matéria, uma vez que não foram as mesmas totalmente assertivas e convincentes. Senão vejamos,

13. Segundo as declarações de parte do Requerente H….. o pagamento teria sido feito por acerto de contas na venda do negócio, quando no documento n.º 8, de 10 de setembro de 2006, se refere expressamente que o pagamento ocorreria até ao dia 30 de setembro de 2008.

14. Por sua vez, segundo o depoimento da testemunha J….., o contrato foi junto à ação judicial para aquisição compulsiva de 2 375 300 ações, representativas de 8,96% do capital social. Porém, no artigo 7.º da p.i. da referida ação judicial apresentada em 13 de outubro de 2006 nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, do PA, cfr. pp. 149/153 do PA-2, é referido que, em 13 de setembro de 2006, a autora (F…..) comunicou à Ré (….., SA"), que, em 10 de setembro de 2006, havia adquirido as referidas ações, representativas de cerca de 90,10 % do capital social e direitos de voto desta.

15. Assim sendo, este documento que não consta do PA, parece tratar-se da comunicação da F….. à …..SA relativa à aquisição das referidas ações e não o contrato a que respeita o documento n.º 8 junto com o ppa.

16. Quanto ao preço, refere esta testemunha não saber como o pagamento foi realizado.

17. Assim, tratando-se de um facto controvertido, sem que o Requerente tenha logrado comprová-lo, entende o presente Tribunal dar como não provado que a aquisição de 23.875.301 ações da sociedade ….., S.A. tenha sido efetuada pelo montante de € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros).

18. Não existem outros factos dados como não provados, contudo, entende o presente Tribunal Arbitral que todos os demais factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

VI- Do Direito

(…) 2. ... cingir-se-á, o presente Tribunal apenas à apreciação questão a decidir no âmbito do presente processo arbitral que se prende unicamente com a apreciação da legalidade da liquidação de IRC n.º ….., referente ao exercício de 2007, no montante de € 1.576.226.48 (um milhão, quinhentos e setenta e seis mil duzentos e vinte e seis euros e quarenta e oito cêntimos), em atenção aos seguintes vícios invocados pelo Requerente:

a) duplicação de coleta, por violação do disposto no artigo 205.º do CPPT e

b) erro sobre os pressupostos de facto.

3. Para além da apreciação da legalidade dos atos tributários impugnados nos termos acima indicados, cabe ainda, dado o correspondente pedido formulado pela Requerente, decidir sobre a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de indemnização, nos termos do artigo 43.°, n.º 1. da LGT. Vejamos,

DO REGIME EXCECIONAL DE REGULARIZAÇÃO TRIBUTÁRIA – RERT II

4. Antes de seguirmos para as posições defendidas pelas partes quanto a cada um dos vícios invocados especificamente, entende o presente Tribunal necessário fazer uma breve exposição sobre o REGIME EXCECIONAL DE REGULARIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - RERT II, aprovado pelo artigo 131.º da Lei n.º 3- B/200, de 28 de abril (Lei do Orçamento de Estado para 2010).

5. Ora, este regime apresenta como objeto - artigo 1.º - «elementos patrimoniais que não se encontrem em território português, em 31 de Dezembro de 2009, que consistam em depósitos, certificado de depósito, valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, incluindo apólices de seguro do ramo "Vida" ligados a fundos de investimento e operações de capitalização do ramo "Vida". São excluídos da aplicação do regime excecional (...) os elementos patrimoniais situados em países ou território considerados não cooperantes pelo Grupo de Ação Financeira (GAFI).»

6. No âmbito subjetivo, prevê que dele possam beneficiar os sujeitos passivos que possuam, direta ou indiretamente, os elementos patrimoniais definidos supra, devendo para o efeito, cumprir as formalidades previstas no n.º 2 do artigo 2.º, nomeadamente:

a) apresentarem a declaração de regularização tributária prevista no artigo 5.º; - cujo modelo foi aprovado pelo n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 260/2010, de 10 de maio, que regulamentou este regime-;

b) proceder ao pagamento da importância correspondente à aplicação de uma taxa de 5% sobre o valor dos elementos patrimoniais constantes da declaração referida na alínea anterior - um incentivo à adesão do RERT II, tendo em vista a extinção das obrigações tributária associadas aos elementos colocados no exterior.

c) Repatriar os elementos patrimoniais em apreço, transferindo-os para conta aberta em seu nome junto de uma instituição de crédito domiciliada em território português ou para sucursal instalada neste território por uma instituição de crédito não residente, quando se trate de elementos patrimoniais que se encontrassem em Estados fora da União Europeia ou fora do espaço económico europeu.

7. O RERT previa a produção, quanto aos elementos patrimoniais declarados, dos seguintes efeitos:

a) Extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação àqueles elementos e rendimentos, respeitantes aos períodos de tributação que tenham terminado até 31 de dezembro de 2009;

b) Exclusão da responsabilidade por infrações tributárias que resultem de condutas ilícitas que tenham lugar por ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou escrituração, de declarações apresentadas ou prestadas à administração fiscal ou que a esta devam ser revelados, desde que conexionadas com aqueles elementos ou rendimentos;

c) Constituição de prova bastante para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.

8. Na verdade, o RERT II estabelecia um regime excecional de regularização tributária de elementos patrimoniais que se encontrassem fora do território nacional até 31.12.2009, cujos rendimentos associados não tivessem sido declarados à Autoridade Tributária e Aduaneira.

9. Conforme refere e bem o Requerente, nos termos do RERT II, a titularidade dos elementos patrimoniais a declarar poderia ser direta ou indireta - conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da referida Portaria.

10. Nesta sequência, e no caso em apreço, o Requerente e a sua Família aderiram ao RERT II, declarando todos os elementos patrimoniais que detinham no estrangeiro e que repatriaram para o território nacional, tendo procedido ao pagamento do imposto correspondente, apurado em conformidade com o referido regime.

11. Segundo refere «no âmbito deste regime excecional de regularização tributária, o Requerente e a sua Mãe, M….., e seus irmãos M….., T….., F….. - sócios/beneficiários efetivos da F….. - declararam todos os ativos e património de que esta entidade era titular, nas respetivas participações detidas, no montante de € 2.904.189,00 conforme declarações que se juntam como Doc. n.º 12 a Doc. 17 e se discrimina infra:

12. Entendendo, consequentemente, que esta adesão ao RERT II excluiria a sociedade F….. de qualquer tributação em Portugal, porquanto: «[o]s rendimentos detidos pela F….. correspondia integralmente aos ganhos decorrentes da operação de venda das ações da sociedade …..e que os mesmo foram aplicados pelo Requerente e pelos restantes sócios/beneficiários efetivos da F….. inteiramente nas obrigações, fundos e depósitos que vieram a ser declarados no RERT II por cada um dos beneficiários efetivos da F….. e sujeito a tributação nos termos do referido regime.»

DO VÍCIO DE DUPLICAÇÃO DE COLETA

13. Imputa, o Requerente, assim, à liquidação em apreço, um vício DE DUPLICAÇÃO DE COLETA, sustentando que «(...) a duplicação de coleta, além, de constituir um fundamento de oposição à execução fiscal e de inexigibilidade da dívida constitui ainda uma ilegalidade que poderá afetar um ato de liquidação de imposto, sendo, por este motivo, suscetível de constituir um fundamento de impugnação.»

14. Especificamente, aduz o Requerente que «no dia 6 de agosto de 2010, o Requerente, a sua Mãe, M….. e os seus irmãos M….., T….. e F….. apresentaram uma Declaração de Regularização Tributária, datada de 16 de junho de 2010, o que fizeram nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 131.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o RERT II.»

15. Continuando, no sentido de que «[d]ecorre, assim, expressamente, da alínea a) do artigo previamente citado [artigo 4.º, n.º 1 do RERTII], que a declaração do RERTII e pagamento do respetivo imposto extingue as obrigações tributárias relativas ao rendimento declarado, relativamente a períodos anteriores a 31 de dezembro de 2009. Sublinhamos, ainda, que para efeitos de aplicação deste regime, a detenção dos elementos patrimoniais poderia ser direta ou indireta - alínea a) do número 1 da Portaria n.º 260/2010, de 10 de maio.»

16. Menciona, ainda, o Requerente que (...) o ganho decorrente da operação de venda das ações da sociedade ….., e que estão na origem da emissão da liquidação de IRC com o n.º ….., emitida à F….., foi aplicado pelo Requerente e pelos restantes sócios/beneficiários efetivos da F….. inteiramente nas obrigações, fundos e depósitos que vieram a ser declarados no RERT II. Os mesmos entregaram ao Estado um imposto referente a estes rendimentos num montante superior a € 145.000,00 conforme referido no artigo 37.º supra (...)

17. Manifesta, ainda, o entendimento, que «tendo o Requerente demonstrado que os elementos patrimoniais objeto da declaração de regularização tributária apresentada pela Família M….. no âmbito do RERTII tiveram origem nos pagamento recebidos pela F….., os mesmos beneficiam da extinção de toda e qualquer obrigação tributária relacionada com os mesmos rendimentos já sujeitos a tributação em sede de RERT II, pelo que não pode a Autoridade Tributária vir posteriormente emitir uma nova liquidação por referência aos mesmos rendimentos, como fez!»

18. Concluindo no sentido de que «(...) a mais-valia decorrente da operação de venda das participações sociais que a F….. era titular no capital social da sociedade …..foi inteiramente sujeita a tributação e o respetivo imposto legalmente devido foi atempadamente pago, nos termos e para os efeitos do RERT II de onde resulta manifesta a ilegalidade da liquidação de IRC efetuada em 2018, com referência ao exercício de 2007, por duplicação de coleta.»

19. Por seu turno, retorque a Requerida os argumentos aduzidos pelo Requerente, mencionando desde logo que «não se mostram verificados os pressupostos da duplicação de coleta previstos no artigo 205.º do CPPT.»

20. Esclarecendo que «[o] que ocorreu foi que a AT tributou dois factos tributários distintos, o que não só não é ilegal como é desejável pelo legislador». Na verdade, segundo a Requerida «[p]ara que ocorra duplicação de coleta torna-se necessária que a realidade fáctica (o facto tributário) que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma e que o sujeito passivo seja também o mesmo, bem como seja o mesmo o horizonte temporal do tributo - como esclarece e bem o requerente nos artigo 72º a 81.º do PPA, requisitos estes cumulativos.»

21. Com efeito, no caso concreto, «(...) não retira o Requerente as consequências das suas próprias afirmações, confundindo duplicação de coleta com dupla tributação, enviesando normas de incidência real e ignorando os princípios enformadores das normas fiscais. Transpondo este conceito de duplicação de coleta para o caso dos autos, temos o seguinte quadro lógico:

-Dois factos tributários distintos: um decorrente do apuramento da mais-valia percebida pela FE na sequência da alienação por 5 milhões de euros de partes de capital, e um apurado na esfera dos beneficiários da sociedade;

- Dois impostos distintos: um tributado no quadro do IRC de acordo com o elemento de conexão real acolhido no art. 4.º do IRC, outro no quadro do IRS, como rendimento (in casu nos termos do diploma que aprovou o RERTII);

- Um período temporal coincidente nos dois factos tributários.

Ora, afigura-se que os requisitos do art.º 205.º do CPPT não se encontram preenchidos: nem o facto tributário é o mesmo, nem o imposto é o mesmo.»

22. Continua a Requerida mencionando que «os requerentes procederam ao pagamento de € 145.208,95 a título de imposto, à taxa de 5 %, conforme quadro do ponto 37 do seu articulado. A tributação da mais-valia da F….. ascende a uma taxa de 25% corresponde a imposto de € 1.140.788,92. Aliás, nem pode o requerente entender que a mais-valia da F….. se encontra apurada, tributada e paga se esta nunca apresentou nem a declaração Mod. 22 nem o RERT II foi apresentado em nome da sociedade. (...)»

23. «No caso sub judice, se a F….. era titular das ações representativas de 100% do capital social da sociedade ….., S.A., e se em 14 de março de 2007 a F….., na qualidade de vendedora, celebrou um contrato de compra e venda daquelas ações com a sociedade P….., nos termos do qual a FE lhe vendeu as 26.500.000 (vinte e seis milhões e quinhentas mil) ações pelo montante de € 5.000.000,00 (cinco milhões), tendo obtido uma mais-valia (que o Requerente até admite, corrigindo os valores apurados pela AT) não pode afastar o apuramento do valor da referida mais-valia e a sua consequente tributação.»

24. Aduz, ainda, no sentido de que «[t]endo em conta que estamos perante uma sociedade não residente que atua sob a forma comercial, e que pratica atos de relevância fiscal no território português , o Código de IRC adotou uma formulação mais restrita (o de conexão real associado ao princípio da territorialidade) pelo que estas são tributadas pelos rendimento obtidos em Portugal daqui temos que o IRC se estende - é este aliás o conceito acolhido pelo legislador na epígrafe da norma do art.º 4.º - a sociedade que não tenha sede ou direção efetiva em Portugal. Ademais, o IRC, na construção do conceito de rendimento das pessoas coletivas não residentes, adotou de forma taxativa os factos (acrescente-se, tributários) que se consideram obtidos em Portugal - art.º 4.º, n.º 3 do CIRC - sendo que entre eles consta «os ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes representativas do capital de entidades com sede ou direção efetiva em território português»

25. Mais refere, a Requerida que «[t]rata-se da aplicação de um princípio de equidade face às demais sociedade residentes, pois não faria sentido que o Estado onde se situa a fonte de rendimentos não cobrasse o tributo correspondente. (...) Assim, não se pode admitir, nem o CIRC o admite, que uma mais-valia na venda de ações se considere tributada na entrega (seja qual for a medida apurada entre os beneficiários sobre a proporção dessa mesma distribuição) de ganhos aos seus benefícios.»

26. Argumenta, ainda, com interesse, a Requerida que «[é] que quanto aos valores distribuídos aos beneficiários da F….., admitindo que estaríamos a lidar com distribuição de dividendos, a norma tributária que contempla este facto advém até de uma conceção de rendimento-acréscimo, adaptado pelo CIRS, segundo o qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva. Nestes se englobam os chamados rendimentos de capitais.»

27. Concluindo no sentido de que «[d]úvidas não restam, que os ganhos declarados pelos beneficiários em sede de RERT II -que o Requerente qualifica prosaicamente como "ganhos", pois se bem se percebe a motivação do seu articulado, para beneficiários da F….., quer a distribuição de dividendos quer as mais-valias, são tudo "ganhos", constituiriam antes rendimentos provenientes da sua participação como acionistas da F….., e enquanto modalidade de título de créditos, em que o mesmo é entregue ao subscritor de uma fração de capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social, confere-lhes um direito de participação nos lucros, que a F….. fez questão de lhes conferir. Esse pagamento de valores decorrentes de uma distribuição da sociedade é considerado um rendimento de capital e como tal sujeito a tributação de IRS.»

28. Expostas as posições das partes, vejamos a quem assiste razão.

29. Ora, a duplicação de coleta encontra a sua previsão no n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, dispondo que «[h]averá duplicação de coleta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.»

30. Ensina JORGE LOPES DE SOUSA  que "[o]s requisitos da duplicação de coleta são cumulativamente, os seguintes:

a) unicidade dos factos tributários;

b) identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige; e

c) coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar."

31. Mais refere o Autor que «a finalidade da duplicação de colecta é impedir que seja repetida a cobrança de um mesmo tributo».  

32. Na verdade, a liquidação em crise é referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), sendo o sujeito passivo da mesma a sociedade F….., em virtude da mais- valia obtida pela alienação da totalidade das ações que detinha da sociedade ….., S.A., residente em Portugal, possuidora de um imóvel classificado como Monumento Nacional - o Palácio ….., em Lisboa - à sociedade P….., S.A, pelo montante de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros).

33. Com efeito, face a esta transação, não obstante, a sociedade F….., ser uma sociedade não residente, sem estabelecimento estável, deveria ter declarado a mais-valia acima descrita na declaração Mod. 22 de IRC, em Portugal, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC, porquanto,

34. ... nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos obtidos em território português,

35. ... sendo que a alínea b) do n.º 3 do referido artigo, clarifica que se consideram obtidos em território português os ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes sociais representativas do capital de entidades com sede ou direção efetiva em território português.

36. Dispõe o artigo 51.º do Código do IRC - na redação em vigor à data dos factos - nos casos em que uma sociedade alienante de ações é uma sociedade residente sem estabelecimento estável - como é o caso - que os ganhos obtidos são determinados de acordo com as regras previstas no Código do IRS relativamente a cada uma das categorias relevantes.

37. Assim, no caso de rendimentos decorrentes de alienação de partes de capital - como é o caso são os mesmos enquadrados como mais-valias - categoria G de IRS - nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS, devendo ser, contudo, tributados em sede de IRC.

38. De assinalar, através de uma breve nota pertinente para o caso em concreto que, as pessoas coletivas têm personalidade e autonomia jurídica, não se confundindo com os respetivos sócios ou administradores, que são pessoas diferentes. Assim, o património daquelas (pessoas coletivas), qualquer que seja a forma comercial adotada, é próprio não se misturado com o património dos seus sócios ou acionistas.

39. Para que estes possam fazer uso ao nível pessoal do património da sociedade, é necessário que o mesmo seja transferido para a sua esfera pessoal, o que normalmente é feito através de uma distribuição de dividendos. Não podem estes simplesmente utilizar montantes pertencentes à sociedade e fazer aplicações financeiras ou qualquer outra em nome próprio.

40. Regressando ao caso em apreciação, a sociedade F….., num primeiro momento, adquiriu ações — 100% do capital social — da sociedade ….., S.A., sociedade sediada em território português,

41. ... tendo, num segundo momento, alienado essas mesmas ações à sociedade P….., S.A., pelo montante de € 5.000.000,00,

42. ... obtendo, consequentemente, uma mais-valia com a alienação das ações da sociedade ….., S.A., sociedade sediada em território português.

43. Nesta sequência, atento a mais-valia obtida, proveniente da venda de ações de uma sociedade sediada em território português, deveria a sociedade F….. ter apresentado a declaração Mod. 22 de IRC (artigo 120.º do Código do IRC), e consequentemente, ser tributada em Portugal em conformidade. E não o foi.

44. De notar que não é aplicável, ao caso concreto, a isenção consagrada no artigo 26.º (atual 27.º) do EBF, tendo em consideração que o ativo era constituído em mais de 50% por imóveis,

45. A liquidação em crise cinge-se à tributação, a título de IRC, da sociedade F….. pela mais-valia obtida.

46. Ademais, e conforme resulta dos factos dados como provados, quem aderiu ao RERT II não foi a F….., a qual, não obstante ser uma pessoa coletiva, também o poderia fazer,

47. .. mas os respetivos acionistas, o que consubstancia que os elementos patrimoniais declarados pertenciam aos próprios - Requerente e respetiva Família - provenientes de distribuição de dividendos ou de quaisquer outros ganhos sujeitos a factos tributários distintos, tributáveis pela categoria E de rendimentos.

48. Face a esta declaração, os elementos patrimoniais declarados pelo Requerente e a sua Família foram tributados a uma taxa de 5%, tendo os acionistas procedido ao seu pagamento a título de imposto - IRS -,

49. ... a extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação aos elementos e rendimentos, conforme previsto no RERT II, e declarados pelos acionistas, estreita-se apenas à esfera pessoal do(s) declarante(s) e não a outros.

50. O que significa que a titularidade dos elementos patrimoniais repatriados no âmbito do RERT II, no caso em concreto, não pertencem à F….., o que acarreta como consequência, desde logo, a inexistência de duplicação de coleta. Deste modo, ou pertencem ao Requerente e família (titularidade direta), ou à S….., SA e detidos indiretamente pelos mesmos, que foi quem os participou através das declarações que apresentaram.

51. De acrescer que as declarações têm a data de 16-06-2010 e foram apresentadas no Banco BPI em 06-08-2010. Nesta data, e pelo menos desde 31-12-2009, já o produto da alienação das ações (€ 5 000 000,00) tinha mudado de "mãos", passando da F….. para a S….., SA, conforme artigo 38.º do ppa e documento n.º 18, correspondente a uma carta subscrita pelo Requerente e família, em 24 de maio de 2010, e dirigida ao Banco BPI Suisse, na qual é referido;

- " (...) A 31 de Dezembro de 2009 (bem como na presente data) os signatários (Requerente, mãe e os três irmãos) eram os únicos beneficiários da sociedade S….., SA.

- A 31 de Dezembro de 2009, a mencionada sociedade era titular de elementos patrimoniais no montante de € 2.904.189,00 os quais lhe haviam sido disponibilizados pela sociedade F…..".

- A repartição dos mencionados elementos patrimoniais entre cada um dos signatários deverá ser feita nas percentagens e montantes constantes do quadro junto em anexo.

Para terminar, solicitamos a V. Ex.as que procedam à transferência da totalidade dos elementos patrimoniais (depósitos bancários e contas de títulos, entre outros) à data de hoje depositados junto de V.Exa.s, ou à V/guarda, titulados em nome da mencionada sociedade S….. SA para a seguinte conta bancária aberta em nome dos signatários junto do Banco Português de Investimento".

52. Deste modo, é manifesto que, pelo menos desde 31 de dezembro de 2009, os elementos patrimoniais pertenciam à S….. SA e não À F….. e eram detidos indiretamente pelo Requerente e família.

53. Sobre esta matéria, importa ainda considerar o depoimento da testemunha AA….. que referiu que "quando foram repatriados os elementos patrimoniais já a F….. tinha fechado a conta no banco BPI na Suiça”.

54. Deste modo, e nesta sequência, acompanha o presente Tribunal Arbitral o que vem referido nos artigos 31 a 38 das alegações da Requerida/AT, assistindo-lhe razão.

55. De referir, assim, que o RERT II não abrange o imposto que resulta das mais-valias obtidas pela sociedade F….., com a alienação de 100% das ações que detinha da sociedade ….., S.A.,

56. ... cuja liquidação se encontra em crise nos presentes autos, pelo que não padece a mesma da ilegalidade que o Requerente lhe pretende assacar,

57. ... porquanto, não há unicidade dos factos tributários; não há identidade no tributo pago e do que se exige, e não há coincidência temporal, conforme refere a Requerida e bem, em sede de alegações que «o período de tempo de ocorrência do facto tributário não é coincidente, dado que a mais-valia foi realizada em 2007, portanto, o IRC é respeitante a esse mesmo ano e o imposto cobrado ao abrigo do RERT incide os elementos patrimoniais existentes em 31.12.2009, sendo o imposto devido em 2010.»

58. Face ao exposto é manifesto que não se verificam os requisitos da duplicação de coleta, previstos no artigo 205.º do CPPT, pelo que, improcede o vício invocado a seu respeito.

DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO - ERRO NO CÁLCULO DA MAIS-VALIA FISCAL

1. No que toca a esta matéria, defende a Requerente que «na base da liquidação de IRC sob escrutínio está uma ação de inspeção realizada à sociedade ….., da qual resultou uma correção à matéria tributável em sede de IRC, por referência ao exercício de 2007, no montante de € 4.563.155,71 e um consequente IRC a pagar no montante de € 1.140.788,92».

2. Mais aduz que, a Requerente, que «(...) o valor efetivamente pago pela F….. para aquisição das 23.875.301 ações, correspondentes a 100% do capital da sociedade ….., S.A. foi de € 1.300.000,00, conforme resulta do contrato de compra e venda de ações / "Share Purchase Agreement"' celebrado entre a Família M….. e a Família S….. com a sociedade F….. — conforme Doc. 8.»

3. Concluindo do seguinte modo: «[p]elo exposto, face à apresentação de um documento por via do qual se pode comprovar o valor concreto da transmissão, é este o valor a atender enquanto valor de aquisição.» sendo que, «[n]o caso, o Requerente faz prova plena do valor de aquisição das ações correspondentes a 90,10% do capital social da sociedade …..,S.A. (...).Fica, assim, demonstrado que o valor de aquisição a considerar para efeitos de apuramento da mais-valia tributável é de € 1.498.091,28 e não de € 436.844,29, conforme incorretamente considerado pela Autoridade Tributária.»

4. Contra-argumenta a Requerida referindo que: «(...) tanto a sociedade F….. como os seus beneficiários efetivos foram anteriormente notificados do apuramento da mais-valia sem que nunca tenha sido apresentado qualquer elemento comprovativo de alegado erro. Vem agora (e apenas nesta fase) o Requerente alegar que o valor efetivamente pago pela F….. para aquisição das 23.375.301 ações, correspondente a 90,10% do capital da sociedade ….., foi de € 1.300.000,00.»

5. Mais refere que, «[p]ara tanto, anexa cópia do contrato de compra e venda de ações ("SHARE PURCHASE ANO SALE AGREEMENT") alegadamente celebrado entre a Família M….. e Família S…..e a sociedade F…... No entanto, pela análise do documento, verifica-se que este documento não está sequer assinado pelo comprador, a sociedade F….., pelo que não poderá considerar como comprovado aquele valor para efeitos de apuramento da mais-valia decorrente da transmissão das correspondentes ações.»

6. Como acima exposto, o presente Tribunal Arbitral considerou como não provado que o valor de aquisição das ações da sociedade ….., S.A., tenha sido de € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros), pelas razões acima enunciadas.

7. Ora, no caso em apreço, estando perante rendimentos decorrentes da alienação de partes de capital social, devem os mesmos ser enquadrados como mais-valias, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.

8. Sendo, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS, «o ganho sujeito a IRS (...) constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, (...)».

9. Para o cálculo da mais-valia, há que atender ao valor de aquisição e ao valor de alienação/realização das participações sociais,

10. ... sendo que o primeiro encontra previsão no artigo 48.º do Código do IRC, nos seguintes termos:

«No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o valor de aquisição, quando esta haja sido efectuada a título oneroso, é o seguinte:

a) Tratando-se de valores mobiliários cotados em bolsa de valores, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado;

b) Tratando-se de quotas ou de outros valores mobiliários não cotados em bolsa de valores, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respectivo valor nominal;»

(…)

11. ... e, o segundo, o valor de realização/alienação segundo a alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do referido diploma, é o correspondente ao montante da respetiva contraprestação - que, como vimos nos factos dados como provados, é de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros).

12. Assiste razão à Requerente quando afirma, no pedido de pronúncia arbitral, que «[p]ara cálculo do ganho decorrente da operação é fundamental apurar com total certeza os valores de aquisição e de realização das ações alienadas», e para isso, é necessário que tais valores tenham sido apurados.

13. No caso dos autos, não há dúvida quanto ao valor de realização/alienação das ações em questão - € 5.000.000,00 - contudo, o valor de aquisição não ficou comprovado.

14. Neste caso, há que atender ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 48.º do Código do IRC e ter em consideração os momentos em que a F….. adquiriu as ações da sociedade ….., S.A., assim:

a) A 10.09.2006 - aquisição de 23.875.301 ações, correspondentes a 90,10% do capital social da sociedade ….., S.A.; - não tendo sido apurado, no decurso do processo de investigação, o valor real da aquisição destas ações será o valor nominal, ou seja, 0,01€, no montante total de € 238.753,01;

b) A 04.10.2006 - aquisição de 249.399 ações próprias, representativas de 0,94% do capital social desta, pelo valor unitário de € 0,075472, no montante total de € 18.822,64;

c) A 06.11.2006 - aquisição das restantes ações da sociedade ….., S.A. representativas de 8,96% (2.375.300 ações) do seu capital social, pelo valor unitário de € 0,075472, no montante total de € 179.268,64, no âmbito de um Processo judicial de Consignação em Depósito - Processo n.º 364/06.0TVLSA, que correu termos na 3.ª Secção da 14.ª Vara Cível de Lisboa.

15. Assim, o valor de aquisição total ascenderá, conforme os cálculos efetuados pela Requerida, ao montante de € 436.844,29 (quatrocentos e trinta e seis mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos), face à soma dos valores indicados nas alíneas imediatamente supra.

16. Sendo o apuramento da mais-valia encontrado pela diferença entre o valor de alienação (€ 5.000.000,00) e o valor de aquisição (€ 463.844,39), o rendimento coletável a ter em consideração para efeitos de imposto será de € 4.563.155,71 (quatro milhões, quinhentos e sessenta e três mil, cento e cinquenta e cinco euros e setenta e um cêntimos).

17. Tudo em conformidade com os cálculos efetuados pela AT, no processo administrativo e que suportou a liquidação em crise nos presentes autos, não padecendo a mesma de qualquer erro no cálculo das mais - valias, nada havendo a apontar, quanto a este aspeto, à liquidação em causa.

18. Face a tudo o exposto, é entendimento deste Tribunal que se encontram destituídas de fundamento as pretensões do ora Requerente, pelo que, é o seu pedido totalmente improcedente, bem como o é o pedido de juros indemnizatórios - cujo conhecimento fica naturalmente prejudicado.

VIII. DECISÃO

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

a) Julgar procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do despacho de reversão proferido contra o Requerente, na qualidade de responsável subsidiário, no âmbito do processo de execução fiscal n.º …..a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 3, por provada, com a consequente absolvição da Requerida quanto à mesma, por despacho interlocutório, proferido aquando da reunião do artigo 18.º do RJ AT;

b) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º ….., de 03.01.2018, referente ao exercício de 2007, incluindo juros compensatórios, no montante total de € 1.576.226,48 (um milhão, quinhentos e setenta e seis mil, duzentos e vinte e seis euros e quarenta e oito cêntimos), e a sua consequente manutenção na ordem jurídica” (cfr. fls. 1345 a 1379 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da decisão impugnada por oposição dos fundamentos com a decisão

Entende a Impugnante que a decisão impugnada padece de nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão, porquanto, em seu entender, atenta a matéria de facto assente [concretamente o seu ponto R)] e os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, a decisão só podia ser em sentido diverso, no tocante ao vício de duplicação de coleta, cujos pressupostos se verificam.

Apreciando.

A sindicância das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos circunscritos aí previstos) e nos art.ºs 27.º e 28.º, todos do RJAT. Estes últimos, relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação. Resulta desta disciplina que, ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações (cfr. novamente o art.º 25.º do RJAT) e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.

Centrando-nos, pois, na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Logo, nos termos do art.º 28.º, n.º 1, al. b), do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com base em oposição entre os fundamentos e a decisão.

Tendo em conta o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença[1], ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida[2].

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.2014 (Processo: 0308/14), “… esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, atentando no discurso argumentativo constante da decisão impugnada, conclui-se que não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Com efeito, da mencionada decisão resulta que o Tribunal arbitral, abordando o instituto da duplicação de coleta, entendeu que não se reuniam os respetivos pressupostos, considerando, desde logo, que os elementos declarados ao abrigo do RERT II se refletiram em sede de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e que a liquidação impugnada respeita a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC). Concluiu, na sua análise, que não há unicidade dos factos tributários, não há identidade no tributo pago e do que se exige e não há coincidência temporal.

Em sede decisória, o Tribunal arbitral julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, no que respeita à alegada ilegalidade da liquidação de IRC.

Ora, desta análise resulta desde logo que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

O que no fundo a Impugnante pretende invocar é erro de julgamento por parte do Tribunal arbitral, considerando que, dos factos provados (e mesmo dos documentos por si juntos), não poderia resultar a conclusão extraída em termos de direito.

No entanto, como já referimos, tal argumentação extravasa os poderes deste TCA em matéria de impugnação da decisão arbitral, poderes esses circunscritos e que não abrangem o erro de julgamento.

Logo, não assiste razão à Impugnante.

Atento o valor dos autos (1.576.226,48 Eur.), e, aliás, em consonância com o requerido pela Impugnante, cumpre considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, aplicável na presente sede.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer sobretudo a simplicidade da questão apreciada, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Julgar improcedente a presente impugnação;
b) Custas pela Impugnante, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 08 de outubro de 2020


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

________________________
[1] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 361 e 362; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 333.
[2] V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2013 (Processo: 0969/12) e de 15.09.2010 (Processo: 01149/09) e o Acórdão deste TCAS, de 18.06.2013 (Processo: 06121/12).