Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04990/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/13/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA.
ARTº.700, Nº.3, DO C.P.CIVIL.
MODALIDADES DE DELIBERAÇÃO DA CONFERÊNCIA.
DESPACHO EXARADO AO ABRIGO DO ARTº.284, Nº.5, DO C.P.P.T.
Sumário:1. O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artº.700, nº.3, do C.P.Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes (cfr.artºs.17 e 35, ambos do E.T.A.F.).

2. Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator (desde que não seja de rejeição do requerimento de interposição do recurso ou de retenção do mesmo, caso em que cabe a reclamação prevista no artº.688, do C.P.Civil), pode dele reclamar para a conferência. Os direitos da parte - reforçados pela decisão colegial em conferência - são assegurados pela possibilidade de reclamação para a conferência de quaisquer decisões do relator, excepcionadas as de mero expediente (cfr.artºs.679, do C.P.Civil). A reclamação é, pois, admissível de despacho proferido no exercício de poder discricionário, o qual tem a ver com matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (cfr.artº.156, nº.4, do C.P.Civil).

3. A deliberação em conferência pode assumir uma de duas modalidades. Em primeiro lugar pode ser inserida no acórdão que virá a incidir sobre o recurso, seguindo, neste caso, a tramitação que for ajustada ao seu julgamento. Em segundo lugar, pode a mesma deliberação ser autonomizada num acórdão próprio, no caso de se impor uma decisão imediata devido à natureza da reclamação em causa ou se o acórdão sobre o recurso já tiver sido proferido. Em qualquer dos casos, é sobre o projecto elaborado pelo relator que o colectivo irá incidir a sua deliberação, com a consequente manutenção, revogação ou alteração do despacho reclamado.

4. No âmbito do processo judicial tributário a doutrina defende a possibilidade de utilização do instituto da reclamação para a conferência da decisão do relator que considere findo o recurso por oposição de julgados, exarado ao abrigo do artº.284, nº.5, do C.P.P.T.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“C……… - MÓVEIS …………., S.A.”, com os demais sinais dos autos, notificada do despacho que julgou findo recurso por oposição de acórdãos deduzido ao abrigo do artº.284, do C.P.P.T., exarado a fls.397 a 399 dos presentes autos, veio deduzir a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do artº.700, nº.3, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário (cfr.fls.410 e seg. dos autos), alegando, em síntese:
1-Em primeiro lugar, quanto à matéria de facto, o despacho reclamado considera que não se verifica a necessária identidade de situações fácticas entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido;
2-Ora, o que se pode concluir em termos factuais e que ocorre em ambos os casos é que foi requerida, em articulado processual, a inquirição de testemunhas e em nenhum deles essa prova foi feita, ou sequer notificada a sua não realização aos recorrentes;
3-Sendo que a jurisprudência do S.T.A. tem vindo a entender que a identidade de questões de direito sobre que recaem os acórdãos em confronto supõe que se esteja perante uma situação de facto substancialmente idêntica, o que se verifica no caso dos presentes autos;
4-No que concerne à identidade de questões de direito, as questões em discussão no acórdão fundamento e no acórdão recorrido são as mesmas, dado que, em ambos os acórdãos está em causa a questão de saber se a dispensa da produção de prova testemunhal deveria ter sido notificada à recorrente e se a ausência dessa notificação constitui nulidade do processado;
5-Por último, dir-se-á que não se verifica a existência de alteração substancial na regulamentação jurídica que seja relevante para efeitos do afastamento da oposição de julgados entre os dois acórdãos, isto apesar de face ao acórdão fundamento o exame da necessidade de notificação do despacho a dispensar a realização de diligência judicial de inquirição de testemunhas ser analisada ao abrigo do C.P.T., e no acórdão recorrido o ser ao abrigo do regime actual constante do C.P.P.T., visto que as normas em causa não sofreram qualquer alteração substancial (cfr.artº.132, do C.P.T.; artº.113, do C.P.P.T.);
6-Pelo que se verificam todos os requisitos da oposição de julgados dos acórdãos em confronto, devendo as partes ser notificadas para alegar nos termos da segunda parte do artº.284, nº.5, do C.P.P.T.
X
Notificada para se pronunciar sobre a reclamação deduzida (cfr.fls.418 dos autos), a Fazenda Pública vem aderir aos fundamentos do despacho que julgou findo o recurso por oposição de acórdãos pugnando pela sua confirmação (cfr.fls.419 dos autos).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da rejeição da presente reclamação (cfr.fls.422 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.424 do processo), vêm os autos à conferência para decisão (cfr.artº.700, nº.3, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P. P.Tributário).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artº.700, nº.3, do C.P.Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes (cfr.artºs.17 e 35, ambos do E.T.A.F.).
Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator (desde que não seja de rejeição do requerimento de interposição do recurso ou de retenção do mesmo, caso em que cabe a reclamação prevista no artº.688, do C.P.Civil), pode dele reclamar para a conferência. Os direitos da parte - reforçados pela decisão colegial em conferência - são assegurados pela possibilidade de reclamação para a conferência de quaisquer decisões do relator, excepcionadas as de mero expediente (cfr.artºs.679, do C.P.Civil).
A reclamação é, pois, também admissível de despacho proferido no exercício de poder discricionário, o qual tem a ver com matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (cfr.artº.156, nº.4, do C.P.Civil).
A deliberação em conferência pode assumir uma de duas modalidades. Em primeiro lugar pode ser inserida no acórdão que virá a incidir sobre o recurso, seguindo, neste caso, a tramitação que for ajustada ao seu julgamento. Em segundo lugar, pode a mesma deliberação ser autonomizada num acórdão próprio, no caso de se impor uma decisão imediata devido à natureza da reclamação em causa ou se o acórdão sobre o recurso já tiver sido proferido. Em qualquer dos casos, é sobre o projecto elaborado pelo relator que o colectivo irá incidir a sua deliberação, com a consequente manutenção, revogação ou alteração do despacho reclamado (cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.106 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.106 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.244 e seg.; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.421).
Especificamente, no âmbito do processo judicial tributário a doutrina defende a possibilidade de utilização do instituto da reclamação para a conferência da decisão do relator que considere findo o recurso por oposição de julgados, exarado ao abrigo do artº.284, nº.5, do C.P.P.T. (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, IV Volume, 2011, pág.480; João António Valente Torrão, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.1050).
X
“In casu”, o despacho reclamado, o qual julgou findo recurso por oposição de acórdãos deduzido ao abrigo do artº.284, do C.P.P.T., pela ora reclamante, encontra-se exarado a fls.397 a 399 dos presentes autos e tem o seguinte conteúdo que integralmente se reproduz:
“…“C………. - MÓVEIS ……………., S.A.”, veio interpor recurso por oposição de acórdãos, invocando que o acórdão proferido por este Tribunal em 27 de Setembro de 2011 (cfr.fls.305 a 320 dos autos), está em oposição com o acórdão do S.T.A.-2ª.Secção, datado de 26/5/1999 e exarado no processo nº.023524 (cfr.cópia do acórdão junta a fls.340 a 345 dos autos).
Apresentou alegação tendente a demonstrar a existência de oposição entre os aludidos acórdãos (cfr.requerimento junto a fls.375 a 384 dos autos).
A Fazenda Pública contra-alegou pugnando pela inexistência de requisitos para a aceitação do presente recurso com fundamento em oposição de julgados (cfr.requerimento junto a fls.390 a 397 dos autos).
Haverá, agora, que proceder ao exame da questão preliminar da existência da alegada oposição de julgados, nos termos do artº.284, nº.5, primeira parte, do C. P. P. Tributário.
X
A tramitação dos recursos com fundamento em oposição de julgados, no contencioso tributário, faz-se actualmente ao abrigo do regime previsto no C. P. P. T., devendo a apreciação da existência dos seus requisitos desenvolver-se à luz de tal regime, posto que o acórdão recorrido foi proferido no seu domínio e, necessariamente, também o recurso foi nessa vigência interposto.
De acordo com a jurisprudência e doutrina, os requisitos do prosseguimento do recurso de oposição de acórdãos são (cfr.ac.S.T.A-Pleno da 2ª.Secção, 6/7/2011, rec.786/10; ac.S.T.A-Plenário, 13/7/2011, rec.1070/09; Jorge Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, Rei dos Livros, 1997, pág.421 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.808 e seg.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.1003 e seg.):
1-Identidade de situações fácticas, no sentido de as mesmas situações serem subsumíveis às mesmas normas jurídicas, não se exigindo uma total identidade dos factos (questão de facto substancialmente idêntica);
2-Nos acórdãos recorrido e fundamento tenham sido adoptadas soluções jurídicas opostas, relativamente ao mesmo fundamento de direito, tudo na ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica (cfr.artº.22, als.a), a') e a"), do E.T.A.F., na redacção dada pelo dec.lei 229/96, de 29/11; artº.30, al.b), do E.T.A.F., na redacção dada pelo dec.lei 229/96, de 29/11);
3-O acórdão fundamento esteja transitado em julgado (exigência que, não estando, hoje, expressamente apontada na lei, todavia é imposta pela função atribuída ao recurso);
4-Os dois arestos, recorrido e fundamento, tenham sido proferidos em processos diferentes ou em incidentes diferentes do mesmo processo (como era exigido pelo artº.763, nº.4, do C.P.C., antes da alteração introduzida pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, e deve continuar a entender-se necessário, apesar de, também aqui, a lei, actualmente, silenciar);
5-Por último, só importa, para fundamentar o recurso, a oposição entre soluções jurídicas expressas, o que resulta dos artºs.22, als.a), a') e a"), e 30, als.b) e b'), ambos do E.T.A.F., na redacção dada pelo dec.lei 229/96, de 29/11.
X
No caso “sub judice”, após aprofundada análise, parece poder afirmar-se que nem todos estes requisitos convergem.
Quanto à matéria de facto
As decisões proferidas nos dois acórdãos não são coincidentes porquanto:
a) No acórdão fundamento do S.T.A.-2ª.Secção, datado de 26/5/1999 e exarado no processo nº.023524 (cfr.cópia do acórdão junta a fls.340 a 345 dos autos), a situação de facto que baseia a decisão judicial, no que ao presente recurso interessa, deriva do exame da necessidade de notificação às partes de despacho a dispensar a realização de diligência judicial de inquirição de testemunhas, apreciação essa efectuada ao abrigo do regime previsto no C. P. Tributário, sendo que no processo em causa tal notificação não se tinha verificado, tudo no âmbito de processo de oposição a execução fiscal;
b) No acórdão recorrido lavrado nos presente autos (cfr.fls.305 a 320 dos autos), por sua vez, a situação de facto que baseia a decisão judicial deriva do exame da necessidade de notificação às partes de despacho a dispensar a realização de diligência judicial de inquirição de testemunhas, apreciação essa efectuada ao abrigo do regime previsto no actual C. P. P. Tributário, sendo que no processo em causa tal notificação se tinha verificado, tudo no âmbito de processo de reclamação de acto do órgão de execução fiscal.
Atento o acabado de mencionar, não se figura uma verdadeira oposição entre os mencionados acórdãos, no que diz respeito à requisitada identidade de situações fácticas, pressuposto primeiro da mesma oposição de decisões judiciais.
Quanto à matéria de direito
Para se considerar que estamos perante oposição de soluções jurídicas, é exigível que ambos os acórdãos tenham sido proferidos num quadro legislativo substancialmente idêntico. No actual artº.152, nº.1, do C.P.T.A., fala-se apenas em contradição “sobre a mesma questão fundamental de direito”.
De qualquer modo, para haver contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito e não mera divergência do sentido de decisões, será imprescindível que esteja em causa, essencialmente, a aplicação do mesmo regime jurídico, pois se em duas decisões de sentidos opostos forem aplicados regimes jurídicos distintos que justifiquem o decidido em ambas, não haverá uma contradição nem ela versará sobre o “mesmo fundamento de direito” ou a “mesma questão fundamental de direito”. Particularmente, poderá dizer-se que há alteração da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de acórdãos sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que sejam valorados para determinação da solução jurídica (cfr. ac.S.T.A-Pleno da 2ª.Secção, 6/7/2011, rec.786/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.810).
No caso concreto, o exame da eventual necessidade de notificação de despacho a dispensar a a realização de diligência judicial de inquirição de testemunhas, foi analisada ao abrigo de diferentes regimes jurídicos, no acórdão fundamento nos termos do C. P. Tributário. Por sua vez, no acórdão recorrido tal apreciação é efectuada face ao regime constante do actual C. P. P. Tributário. Ora, sendo os quadros factuais e jurídicos contemplados nos dois arestos divergentes, tanto basta para se concluir que não se perfila a alegada oposição de julgados, dado não estarem reunidos dois dos requisitos do prosseguimento do recurso.
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Face ao exposto, ao abrigo do artº.284, nº.5, do C.P.P.Tributário, julga-se findo o presente recurso jurisdicional por oposição de acórdãos…”.
X
Não existem razões para alterar o despacho objecto da presente reclamação, o qual supra se expõe. Assim é, porquanto se mantém a convicção de que nos encontramos perante quadros factuais e jurídicos divergentes. No acórdão fundamento o exame da necessidade de notificação às partes de despacho a dispensar a realização de diligência judicial de inquirição de testemunhas foi efectuado ao abrigo do regime previsto no C. P. Tributário, sendo que no processo em causa tal notificação não se tinha verificado, tudo no âmbito de processo de oposição a execução fiscal. Pelo contrário, no acórdão recorrido, lavrado nos presente autos (cfr.fls.305 a 320 dos autos), por sua vez, a situação de facto que baseia a decisão judicial deriva do exame da necessidade de notificação às partes de despacho a dispensar a realização de diligência judicial de inquirição de testemunhas, apreciação essa efectuada ao abrigo do regime previsto no actual C. P. P. Tributário, sendo que no processo em causa tal notificação se tinha verificado, tudo no âmbito de processo de reclamação de acto do órgão de execução fiscal.
Atento o acabado de referir é o despacho reclamado confirmado pela Conferência, ao que se procederá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, mais confirmando o despacho reclamado exarado a fls.397 a 399 dos autos.
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Condena-se o reclamante em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) U.C. (cfr.artº.7 e Tabela II, do R.C.Processuais).
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Registe.
Notifique (sendo a reclamante na pessoa do Administrador de Insolvência nomeado - cfr.documento junto a fls.432 a 435 dos autos).
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Lisboa, 13 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)