Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1797/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO FISCAL;
NULIDADE INSUPRÍVEL DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA;
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS;
EXERCÍCIO EFETIVO DO DIREITO DE DEFESA.
Sumário:i. A exigência legal da descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, tem em vista assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo do seu direito constitucional de defesa, assegurando que o mesmo não sai diminuído nem desacautelado, atenta a natureza sancionatória do processo contraordenacional.
ii. O requisito a que se reporta a al. b) do art. 79.º do RGIT “A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas”, deve ser interpretado em ordem ao tipo legal da infração e o normativo ínsito no artigo 114.º, nº2, do RGIT não se reporta à falta de entrega da prestação tributária do IVA, já que a prestação a entregar nesta sede corresponde à diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e aquele a cuja dedução tem direito;
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

J.......... SA., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, que lhe aplicou a coima no montante de € 6.290,51, acrescido de custas do processo, nos autos de contraordenação fiscal nº ..........91.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 20 de maio de 2016, julgou procedente o recurso.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - O presente recurso visa reagir contra a sentença que declara a nulidade da decisão de aplicação de coima recorrida.

II – Refere a sentença proferida pelo tribunal ad quo que: “Ora, compulsada a decisão administrativa de aplicação de coima, nenhuma referência, directa ou indirecta, expressa ou por remissão se encontra em relação a esse facto, e era essencial que ele fosse descrito para que a decisão administrativa da coima não se encontrasse ferida de nulidade.

Assim sendo, resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima, o requisito de descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, enfermando, assim, de nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo diploma legal.”

III - Contudo, não nos podemos conformar com tal resolução por ser desajustada aos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente a decisão datada de 31/05/2010, a informação constante no processo de contra-ordenação n.º ..........91 e o auto de notícia.

Refere a decisão recorrida estar em causa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT - “A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.”

IV – Atente-se no entanto a que os elementos considerados em falta, constam do acto posto em crise.

V – Nesse iter que se segue ao levantamento pelo órgão competente do auto de notícia, o que fez nos termos do n.º 1 do art.º 57 do RGIT constam, além de outros, os elementos que caracterizam a infracção, o montante de imposto exigível: € 30.462,49, o valor da prestação tributária entregue: € 30.462,49, o valor da prestação tributária em falta: € 0,00, a data de cumprimento da obrigação: 2009/10/29, o período a que respeita a infracção: 0603T e até o termo do prazo para cumprimento da obrigação em causa: 2006/05/15.

Ou seja, tudo em conformidade com os previstos requisitos legais.

VI – Como refere acerca da dedução de imposto em sumário o acórdão do STA proferido no processo 256/10 e datado de 02-06-2010, disponível em www.dgsi.pt:

“Os sujeitos passivos de IVA têm direito a deduzir o IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efectuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do CIVA.

II - Em regra, a dedução deve ser efectuada na declaração do período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes (n.º 2 do artigo 22.º do CIVA).

III - Todavia, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber (n.º 15 do artigo 71.º do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos).

IV - O sujeito passivo não está impedido de apresentar a declaração de substituição em momento posterior a uma primitiva liquidação, devendo aquela ser considerada para efeitos de determinação do imposto devido, embora sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.”

VII - Como se pode pois concluir sem qualquer margem para dúvidas, sendo a declaração periódica de IVA a declaração correspondente ao imposto apurado pelo próprio sujeito passivo, a qual se deve presumir verdadeira e de boa-fé nos termos do art.º 75.º da LGT e, estando além do mais o despacho em crise fundamentado nessa declaração, encontra-se clara e suficientemente fundamentado, pois o imposto apurado e a pagar pelo sujeito passivo resulta já da operação consistente na dedução do IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efetuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do CIVA.

VIII – Acresce que, o sujeito passivo, em consonância, pagou o imposto em falta embora posteriormente, pelo que se encontra devidamente ciente do montante e dos motivos que estiveram na origem desse seu pagamento extemporâneo.

IX – Assim, caso houvesse imposto que se encontrasse por liquidar ou tivesse sido indevidamente liquidado nos termos legais, nada impedia o SP de apresentar a declaração de substituição.

X – Como se conclui, o imposto a entregar resulta já da operação feita pelo SP e que se encontra indicada na DP, operação que tem como fim apurar qual o montante exato a entregar nos cofres do Estado – método subtractivo ou do crédito de imposto que por via da liquidação e da dedução, se reflecte na declaração periódica.

Aí constam já os montantes exatos não apenas da prestação deduzida, mas também do resultado - o montante de imposto apurado e a pagar ao Estado que corresponde ao valor excedente relativamente ao liquidado, incluindo-se nesses cálculos como se disse, a prestação deduzida nos termos da lei.

XI – Nesta senda, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos por errada apreciação da prova, procedeu à interpretação e aplicação correcta das normas aplicáveis reguladoras do caso em apreço, acolhendo indevidamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT e o disposto no artigo 63.º, n.º 1 al. d), do RGIT. Termos em que não se pode manter na ordem jurídica.

XII – Pois que até em sentido contrário a jurisprudência tem considerado, não ser exigível pelo artº. 79.º, n.º1, al. b), do R.G.I.T., a concreta enumeração dos factos provados e não provados, mas uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão, o que se considera ter sido observado pelo órgão autuante que permitiu com a sua descrição factual que tal fosse suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.

XVI - Nestes termos e nos melhores de direito, não podendo o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que deva apreciar e tendo conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, não pode a decisão proferida manter-se na ordem jurídica nos termos da alínea d) do art.º 615.º do CPC

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


»«

A recorrida, J.......... SA., devidamente notificada para o efeito, apresentou as suas contra-alegações, finalizando com as seguintes conclusões:

«A. A Arguida, aqui Recorrida, interpôs recurso da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima, no valor de € 6.290,51 (seis mil duzentos e noventa euros e cinquenta e um cêntimos), pela prática de contraordenação prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado ("CIVA"), infração cometida pela não apresentação da declaração periódica de IVA dentro do prazo legal estabelecido para o efeito e punível nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT.

B. Por sentença, o Tribunal a quo decidiu julgar procedente o recurso interposto pela Arguida, ora Recorrida, embora tenha julgado improcedentes dois fundamentos do recurso, tendo ficado prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários.

C. Entendeu o Tribunal recorrido que a decisão administrativa encontra-se ferida de nulidade insanável, pela falta de correspondência entre a descrição típica dos factos imputados à Arguida e a norma punitiva concretamente aplicada.

D. Porquanto entendeu que os factos em causa preencheriam a conduta prevista n.º 1 do artigo 116.º do RGIT.

E. O Tribunal a quo decidiu, em suma, que, analisada ao abrigo do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, a aplicação da sanção padece de nulidade, pela inobservância dos requisitos legais da decisão, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT.

F. A decisão recorrida não merece qualquer censura, razão pela qual deverá ser confirmada.

G. Em primeiro lugar, porque a nulidade invocada pelo Tribunal a quo é do conhecimento oficioso, isto é, independente de verificar se a Arguida colocou ou não em causa o facto da infracção em apreço ser punível nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT.

H. Em segundo e último lugar, porque, no mais, acolhe a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria (v. Acórdão de 16/9/2009, recurso 540/ 09 e Acórdão 8/7/2009, recurso n.º 361/09), que é manifestamente incontroversa e aplicável ao caso em apreço.

Subsidiariamente, da ampliação do objeto do recurso

I. Sem conceder, sempre terá a aqui Recorrida de prever a hipótese, meramente académica, de este Tribunal dar razão à Recorrente e conceder provimento ao seu recurso, revogando a decisão do Tribunal a quo.

J. Neste caso, sempre haveria que acautelar a apreciação das questões que a aqui Recorrida levantou em sede de recurso que interpôs da decisão administrativa e que o Tribunal julgou improcedentes ou não apreciou por considerar tais questões prejudicadas pela decisão proferida.

Da ilegalidade da decisão por falta de fundamentação

K. A Arguida, aqui Recorrida, invocou a nulidade da decisão, na medida em que não lhe foi possível descortinar as razões pelas quais foi aplicada uma coima no montante concretamente constante da decisão impugnada, bem como as razões pelas quais não foi dispensada da coima ou não lhe foi a coima especialmente atenuada.

L. Entendeu o Tribunal a quo que "a coima concretamente aplicada tem valor muito próximo do montante mínimo" e, por essa razão, de acordo com o Acórdão do STA de 20/01/2010, a falta de indicação dos elementos considerados nessa fixação não é suscetível de causar qualquer prejuízo à Arguida.

M. E defende que se encontram ponderadas na decisão a gravidade do facto, a culpa do agente e a sua situação económica, nos termos e para os efeitos do artigo 27.º, n.º 1, do RGIT.

N. Ora, a Arguida, aqui Recorrida, discorda desse entendimento.

O. A decisão de aplicação de coima é manifestamente arbitrária, não identifica objetivamente os factos que permitam perceber as razões para a aplicação da coima no valor concreto em que foi aplicada, carecendo, nessa medida, da fundamentação exigível.

P. A decisão de aplicação de coima proferida é, pois, nula, nos termos dos artigos 79.º, n.º 1, alínea c), e 63.º, n.º 1, alínea d), do RGlT, na medida cm que não evidencia as razões pelas quais foi aplicada uma coima no montante concretamente constante da decisão administrativa, vem como as razões pelas quais (i) não foi a Arguida, aqui Recorrida dispensada do pagamento a coima, nos termos do artigo 32.º, n.'' 1, do RGIT ou (ii) não foi aplicada uma admoestação, ao abrigo do artigo 51.º do RGCO ou (iii) não foi a coima especialmente atenuada, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do RGlT.

Da ilegalidade da decisão por força da assinatura por chancela

Q. A decisão impugnada foi assinada através de chancela.

R. O CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral da Contraordenações ("RGCO") e artigo 3.º, alínea b), do RGIT - prevê, no seu artigo 95.º, n.º 2, que "as assinaturas e as rubricas são feitas pelo próprio punho, sendo, para o efeito, proibido o uso de quaisquer meios de reprodução".

S. Razão pela qual a decisão administrativa é ilegal, por violação daquele normativo.

T. Entendeu, no entanto, o Tribunal a quo que "o CPP constitui direito subsidiário quanto aos crimes tributários previstos no RGIT, conforme decorre do artigo 3.º alínea a) do RGIT, sendo de lhe aplicar o RGCO quanto às contra-ordenações e seu processamento, não lhe sendo aplicável a norma invocada" (sublinhado nosso).

U. Ora, a Arguida, aqui Recorrida, não pode concordar, neste ponto, com a decisão recorrida.

V. O CPP é aqui subsidiariamente aplicável, justamente porque dispõe o artigo 41.º, n." 1, do RGCO que "[s]empre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal", motivo pelo qual deverá ser anulada a decisão impugnada, por violação do disposto no artigo 95.º, n.º 2, do CPP.

Da dispensa ou atenuação da coima

W. Na medida em que se verificam os pressupostos necessários, nomeadamente no que respeita à regularização da falta cometida, à inexistência de prejuízo para o Administração Tributária e ao diminuto grau de culpa, a decisão de aplicação de coima deve ser substituída por outra que, em relação de subsidiariedade determine a dispensa do pagamento da coima, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, do RGIT; a aplicação de uma admoestação, ao abrigo do artigo 51.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT; ou, por fim, a aplicação de uma coima especialmente atenuada, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá confirmar-se a decisão recorrida, improcedendo o recurso interposto pela Fazenda Pública.
Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, sem conceder, devem ser reapreciados os fundamentos de Direito do recurso interposto, pela Arguida, ora Recorrida, da decisão administrativa, que, por um lado, foram julgados improcedentes, e, por outro lado, cuja apreciação ficou prejudicada com a decisão ora recorrida.»

»«

Neste TCA Sul, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, pronunciou-se no sentido de que a sentença recorrida seja mantida na ordem jurídica por nenhum agravo lhe ter sido feito e, consequentemente, improceder o recurso.

»«

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

»«

Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº. 412, nº.1, do CPP, “ex vi” do artº.3, al.b), do RGIT., e do artº.74, nº.4, do RGCO).

No caso sub judice, as questões suscitadas são as de saber se a decisão recorrida padece de nulidade nos termos previstos na alínea d) do art. 615.º do Código de Processo Penal e bem assim se a mesma padece de erro de julgamento por ter desconsiderado factos a que devesse dar relevância, nomeadamente no que respeita ao requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.

Subsidiariamente, na hipótese do merecimento do recurso, compete apreciar o pedido de ampliação apresentado pelo arguido em sede de contra-alegações e que se prendem com questões que o tribunal a quo julgou improcedentes ou não apreciou por considerar prejudicadas pela decisão proferida, nomeadamente: ilegalidade da decisão por falta de fundamentação e bem assim por força da assinatura por chancela.
Verificação da existência de requisitos da dispensa ou atenuação da coima.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

A) Em 28/11/2009, foi levantado o auto de notícia de fls. 4 contra a Recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos artigos 27º, nº 1 e 41º, nº 1 b) do CIVA, 114º, nº 2 do RGIT, por entrega da declaração periódica em 15/05/2006, fora do prazo legal para o efeito, com valor da prestação tributária entregue de € 30.462,49, relativa ao período de 2006/03T;

B) O referido auto foi levantado por chancela, declarando que verificou pessoalmente no Serviço de Finanças de Lisboa - …, que a arguida entregou, simultaneamente com a declaração periódica a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, fora de prazo – cf. fls. 4;

C) A Recorrente foi notificada para apresentar defesa ou efectuar o pagamento voluntário da coima, notificação que se apresenta assinada com a mesma chancela utilizada no auto de notícia identificado em A), na qualidade de Chefe do Serviço de Finanças indicando que a coima a aplicar varia entre o mínimo de € 6.029,50 e o máximo de € 30.000,00, e que o tempo decorrido desde a prática da infracção 3 a 6 meses – cf. fls. 7;

D) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, datado de 31/05/2010 foi proferida a decisão sob recurso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aplicando a coima de € 6.290,51 e da qual consta por súmula o seguinte:


“DECISÃO DE FIXAÇÃO DA COIMA

Descrição Sumária dos Factos

Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos: 1. Montante do imposto exigível: 30.462,49; 2. Valor da prestação tributário entregue: 30.462,49; 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data de cumprimento da obrigação 2009/10/29; 5. Período a que respeita a infracção: 2006/03T; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2006/05/15; os quais se dão como provados. (…)

– cf. fls. 9;

E) E quanto aos “Requisitos / Contribuinte” consignou-se na decisão o seguinte:

«Actos de Ocultação Não
Beneficio Económico 0,00
Frequência da Prática Acidental
Negligência Simples
Obrigação de não cometer a infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção 3 a 6 meses.

Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no art. 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de € 6.290,51 cominada no(s) Art(s) 114.º n.º2, e 26.º n.º 4 do RGI, com respeito pelos limites do Art. 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 51,00) nos termos do N.º 2 do Dec. Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.

Notifique-se (…)”

- cf. fls. 9 dos autos;


*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.

*

Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.»


»«

Do direito

Na situação sub judice, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou verificada a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 63.º por falta de cumprimento do requisito da descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 79º, ambos do RGIT.

Nas conclusões das alegações do recurso interposto vem invocada nulidade da decisão recorrida nos termos previstos no do CPC, ou seja que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, sem contudo especificar em concreto quais são essas questões.

Na verdade, decorre do artigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aqui aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO e artigo 3.º, al. b), do RGIT que a sentença/acórdão é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Porém, no caso dos autos, a situação não se verifica já que ao pronunciar-se pela nulidade da decisão administrativa tal como vem pedido no articulado inicial, a sentença considerou, e bem, prejudicadas as demais questões que não foram analisadas face à decisão que acabou por proferir, sendo que ao decidir como decidiu a Meritíssima Juíza fê-lo por dever de oficio nos termos previstos no n.º 5 do art. 63.º do RGIT.

Nestes termos consideramos não verificada a nulidade suscitada quer quanto à eventual omissão quer quanto ao eventual excesso de pronuncia.

Não obstante importa aferir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, ao ter considerado que a decisão administrativa de aplicação de coima padece de nulidade insuprível por não ter cumprido o requisito da descrição sumária dos factos nos termos em que é imposto pelo artigo 79.º, nº1, alínea b), do RGIT.

Alega a Fazenda Publica que os elementos considerados em falta na decisão recorrida, constam do ato posto em crise, nomeadamente, os elementos que caracterizam a infração, o montante de imposto exigível (€ 30.462,49); o valor da prestação tributária entregue (€ 30.462,49); o valor da prestação tributária em falta (€ 0,00); a data de cumprimento da obrigação (2009/10/29); o período a que respeita a infração (0603T); e o termo do prazo para cumprimento da obrigação em causa (2006/05/15) – (concl. IV e V)

Considera que …” sendo a declaração periódica de IVA a declaração correspondente ao imposto apurado pelo próprio sujeito passivo, a qual se deve presumir verdadeira e de boa-fé nos termos do art.º 75.º da LGT e, estando além do mais o despacho em crise fundamentado nessa declaração, encontra-se clara e suficientemente fundamentado, …” – (concl. VII)

E conclui dizendo que, o imposto a entregar resulta já da operação feita pelo SP e que se encontra indicada na DP, operação que tem como fim apurar qual o montante exato a entregar nos cofres do Estado – método subtrativo ou do crédito de imposto que por via da liquidação e da dedução, se reflete na declaração periódica.

Acrescenta que:

Aí constam já os montantes exatos não apenas da prestação deduzida, mas também do resultado - o montante de imposto apurado e a pagar ao Estado que corresponde ao valor excedente relativamente ao liquidado, incluindo-se nesses cálculos como se disse, a prestação deduzida nos termos da lei – (concl.X).

Desde já se adianta que esta argumentação não pode colher.

Atentemos, antes de mais, na letra da lei.

De acordo com o estatuído no artigo 79.º do RGIT, são os seguintes os requisitos legais que devem constar da decisão administrativa de aplicação das coimas:

“1- (…)

a) - A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b) - A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c) - A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) - A indicação de que vigora o princípio da proibição da "reformatio in pejus";
e) - A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) - A condenação em custas.”

Por seu lado, o artigo. 63.º do mesmo diploma legal (RGIT), sob a epigrafe de nulidades do processo de contraordenação tributário, estipula que:

“Constituem nulidades insupríveis do processo de contraordenação tributário:

a) O levantamento do auto de notícia por funcionário sem competência;

b) A falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infração;

c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;

d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.”

(o negrito é nosso)

Decidindo na situação dos autos o Tribunal a quo entendeu que a Autoridade Tributária não cumpriu, aquando da prolação da decisão de aplicação da coima, o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 79.º supra enunciada, e, na verdade, fê-lo com acerto.

Recorde-se que a exigência legal da descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, imposta na al. b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, tem por fim assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo do seu direito constitucional de defesa, assegurando que o mesmo não sai diminuído nem desacautelado, atenta a natureza sancionatória do processo contraordenacional.

A este respeito dizem-nos Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infrações Tributárias, Anotado, 2.ª edição, p. 468., que estas exigências, “visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão”.

Atentando no discurso jurídico que conduz ao decidido constatamos que o mesmo na assenta na circunstância da infração imputada ser a que decorre do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT, na redação anterior cuja descrição típica se circunscreve à “falta de entrega da prestação tributária” cometida a título de negligência e à imposição legal de que os factos a descrever, ainda que sumariamente, na decisão de aplicação da coima devam subsumir-se no tipo legal em apreço e dadas as características específicas do IVA, enquanto imposto plurifásico, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram, mas, antes, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram.

Apreciando

Do recorte probatório dos autos, concretamente da alínea D) da factualidade assente, infere-se do teor da decisão administrativa de aplicação de coima que vimos analisando, concretamente, no item “descrição sumária dos factos” aponta uma referência ao auto de notícia, mas não no sentido da sua fundamentação expressa ou por remissão, consubstanciando antes sim, uma descrição dos factos elencados no auto de notícia, sem lograr proceder a qualquer descrição factual da situação em apreço conforme legalmente se lhe afigurava exigido.

A este respeito, a Jurisprudência dos Tribunais Superiores tem sido unânime no sentido da essencialidade da prova do efetivo recebimento do montante do IVA para o preenchimento do tipo legal da infração, distinguindo quanto à norma ínsita no artigo n.º 114.º, nº 2, do RGIT que não é a falta de entrega da prestação tributária do IVA que preenche o tipo legal, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.

Donde escoa a relevância de prova do recebimento efetivo do montante do IVA, para o preenchimento típico da infração tributária constante da norma, que tem como elemento objetivo do tipo, a dedução do imposto nos termos da lei, factualidade a que, in casu, a decisão recorrida não faz qualquer referência.

E nada adianta o argumento dirigido pela Fazenda Publica, em sede do presente recurso, de que o despacho em crise se encontra fundamentado na declaração periódica de IVA cujo montante se verifica apurado pelo próprio sujeito passivo nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do CIVA e por isso se deve presumir verdadeira e de boa-fé nos termos do art.º 75.º da LGT– (concl. VII).

Trata-se de um argumento novo, que não nos merece qualquer reflexão pois que não consta da decisão recorrida e que de qualquer modo não oferece força capaz de colmatar a falta dos elementos do tipo da contraordenação que vem invocada dado o seu carater presuntivo.

Para completar, acolhemos por similitude, a jurisprudência do STA e transcrevemos o doutrinado no acórdão n.º 0801/11, de 1801/2012, a cuja fundamentação jurídica se adere:

Diz-se no sumário do referido aresto:

I – O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada.

II – O facto tipificado como contra-ordenação no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT reporta-se à tipificação constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, sendo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.
III – Neste sentido, a falta de entrega da prestação tributária de IVA, não preenche o tipo legal de contra-ordenação acima referido, uma vez que no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.”

E especifica e corpo do acórdão:

“(…)

No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Secção 241/09, de 29.04.2009, 540/09 de 16.09.2009, e 624/09, de 25.11.2009, todos in www.dgsi.pt).
No caso subjudice a normas legais tidas como violadas pela decisão administrativa são as dos arts. 26º nº 1 e 40º nº 1 a) do CIVA referindo-se na mesma decisão, como normas punitivas os arts. 114º nº 2 e 26° nº 4 RGIT (falta de entrega da prestação tributária)- cf. fls. 41 dos autos.
A contra-ordenação fiscal imputada à arguida é a do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT (cfr. a decisão de fixação da coima a fls. 41 dos autos), ou seja, a de “falta de entrega da prestação tributária” cometida a título de negligência.
A conduta ali tipificada como contra-ordenação consiste na «não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei»
Ora, no que concerne ao preenchimento do tipo legal previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tem vindo a afirmar, de forma dominante e consolidada, que «a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida» - conferir neste sentido Acórdãos de 21.04.2010, recurso 85/10, de 02.12.2009, recurso 887/09, de 18.11.2009, recurso 593/09, de 25.11.2009, recurso 624/09 e de 16.09.2009, recurso 540/09, todos in
www.dgsi.pt.
Com efeito, como se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo 279/08 de 28.05.2009, «no âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos arts. 19.º a 25.º do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido. De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram».
Assim as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114.º do RGIT, apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.
Ora, no caso dos autos, é inequívoco que não consta da decisão que aplicou a coima (a fls.41), nomeadamente da descrição sumária dos factos, o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do art. 114.°, n.° 2, do RGIT (que se reporta à conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo).
Assim sendo, e em face de tudo o exposto, não pode ter-se como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.° 1 do art. 79.° do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas), omissão essa que constitui nulidade insuprível (– Vide, neste sentido Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos no seu Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, pag. 435, e, no regime anterior, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, comentado e anotado, 3ª Edição, pag. 456, nota 4.) - art. 63º, nº 1, al. d) do RGIT.

(…)”

No caso presente, a decisão administrativa de aplicação faz a indicação das normas violadas e punitivas, porém nada refere quanto ao recebimento do imposto em momento anterior ao da entrega à Administração Tributária da declaração periodica, sendo certo que, conforme se deixou claro, na situação em apreço, o preenchimento do tipo do 114.°, n.° 2, do RGIT, a que se reporta à conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo só se satisfaz com essa menção.

Acrescente-se por fim que não obstante a nova redação dada à alínea a), do nº 5, do art. 114º do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31/12 venha a alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços, verdade é que, in casu, a mesma não tem aplicação uma vez que a decisão administrativa de aplicação da coima se limita a indicar como normas violadas as constantes dos artigos 114.º, nº 2, do RGIT, e 26.º, nº 4, do CIVA, não fazendo qualquer alusão ao artigo 114.º, nº5, alínea a), do RGIT.

Nestes termos consideramos que a decisão administrativa de aplicação de coima, viola o disposto no art.º 79.º n.º 1 alínea b) do RGIT, consubstanciando nulidade insuprível consagrada no art.º 63.º n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do mesmo diploma, pelo que a sentença que assim o decidiu deve manter-se.


»«

Considerando a improcedência do recurso, fica prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários formulados pela Arguida em sede de contraditório.


III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
Sem Custas.

Registe. Notifique.

Lisboa, 14/01/2020


Hélia Gameiro Silva

Jorge Cortez


Ana Pinhol