Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1983/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:PRESSUPOSTOS DA REVERSÃO
INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL
Sumário:I. Decorre do regime da responsabilidade subsidiária aplicável, que constitui fundamento ou requisito de reversão da execução contra os responsáveis subsidiários a inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou a insuficiência do património do devedor para satisfação da dívida exequenda e do acrescido.
II. Ao prever nos artigos 23.º, n.º 2 da LGT e 153.º do CPPT que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, o legislador impõe que esta seja fundada e não que constitua uma mera alegação tabelar não consubstanciada em qualquer facto concreto.
III. Ora, a insuficiência é um juízo, uma conclusão, que só por si não reflecte a situação patrimonial concreta da devedora originária, pelo que não constitui fundamentação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por S..., citada, enquanto responsável subsidiária, no processo de execução fiscal [PEF] n.° 31232... e apensos - respeitante a dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado [IVA], dos exercícios de 2005 a 2008, no valor global de €6.290,78 e onde figura como devedora originária a sociedade "B... Automóveis Lda.".

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23.° e 24.° n.° 1 b) da LGT, e 153.° do CPPT.

B. O douto tribunal considerou que “(...) não se pode dar como certo que o património da devedora originária seja insuficiente para fazer face à quantia exequenda, pelo que a reversão operada se mostra viciada por erro nos pressupostos de facto, não podendo manter-se na ordem jurídica.".

C. O n.° 2 do art.° 153° do CPPT condiciona o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários quando verificada qualquer das circunstâncias: ou inexistência de bens penhoráveis do devedor ou fundada insuficiência.

D. No caso dos autos, existia manifesta insuficiência, pois os bens passiveis de penhora encontravam-se “abandonados” desde 2008 e atendendo às regras da experiência e às características dos mesmos, permitem presumir, sem lugar a dúvida fundada acrescenta a Fazenda Pública, que o seu valor será insuficiente para pagar a quantia exequenda dos presentes autos.

E. A Fazenda Pública entende, como aliás entendeu e bem o OEF, que os bens eram manifestamente insuficientes, ou, como certamente se iria verificar-se numa possível venda judicial, de nenhum valor para garantia dos créditos tributários, importando apenas em injustificados custos administrativos para a entidade exequente.

F. Assim, o efeito prático em termos de cobrança coerciva seria sempre reduzido, por confronto entre o valor dos bens e a quantia exequenda revertida, não importando esta margem incerteza ou vício que afete do ponto de vista formal ou de fundo o despacho de reversão.

G. Resulta dos autos, de forma transparente, que se encontravam reunidos os pressupostos para a reversão, que a oponente era parte legítima, por conclusão provada que a devedora originária não possuía património para pagar a dívida exequenda e seu acrescido.

H. Pelo que a douta sentença recorrida violou, entre outros os artigos 23.° e 24.° n.° 1 b) da LGT, e 153.° do CPPT.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.»

3. Os recorridos apresentaram as suas contra-alegações, tendo sido ordenado o seu desentranhamento por despacho proferido em 22 de Fevereiro de 2021.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao decidir que não se pode dar como certo que o património da devedora originária seja insuficiente para fazer face à quantia exequenda e, nessa medida, anulou o despacho de reversão.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Em 12 de Abril de 2005 foram apresentadas dois modelos "Declaração de Alterações", referentes à sociedade "B... Automóveis Lda.", e onde consta, no campo "Relação dos Sócios-gerentes", o nome da Oponente e, no campo "Assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal", a menção, manuscrita, "S..." - cfr. declaração de alterações, a fls. 72 a 77 [verso] do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

2. No dia 03 de Setembro de 2005 foi emitida a certidão de dívida 2005/142955, no valor de 2.089,80, referente a IVA do período de Junho de 2005 e à sociedade "B... Automóveis Lda.", e que deu origem ao PEF 31232... do Serviço de Finanças de Lisboa-6, autuado em 16 de Setembro seguinte - cfr. capa do processo e certidão de dívida, a fls. 1 e 2 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

3. Ao PEF referido em 2) foram juntos os PEF 3…, 31…, 312…, 3123…, 31232…, 312320…, 3123200…, 31232008…, 312320080…, 3123200801…, 31232008010…, 312320080106…, 312320080107…, 312320080108… e 312320080109…, todos referentes à sociedade referida em 1) e a IVA, de períodos entre Outubro de 2006 e Setembro de 2008 - cfr. citação e certidões de dívida, de fls. 125 a 127 e 170 a 211 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

4. Através da requisição 03838, de 11 de Março de 2008, foi emitida certidão onde consta que "a propriedade do veículo com a matrícula C..., marca FORD [...] está registada a favor de B... AUTOMÓVEIS LDA. [...] Mais certifico que sobre o referido veículo se encontram registados e em vigor os seguintes encargos: ENCARGO - PENHORA [...] DATA - 11/03/2008 SUJEITO ACTIVO - FAZENDA NACIONAL" - cfr certidão, a fls. 5 e 6 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

5. Foram efectuadas buscas no "Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis" sendo devolvido apenas o veículo referido em 4) - cfr impressões do sistema, a fls. 32 a 34 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

6. No dia 05 de Abril de 2011 foi elaborado "'Termo de Juntada/Informação" no processo referido em 2) e apensos, onde se lê que "Através da consulta ao sistema informático SIPA e CEAP, não foram encontrados bens penhoráveis [...] O executado não cessou a actividade [...] Encontram-se preenchidos os requisitos do artº (s) 153 e art.º 160 do CPPT. 6. De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (fls. 46 a 53) a gerência foi exercida a partir de 4/10/2000 por N..., cujo óbito ocorreu em 25/12/2003. Em 28/01/2005 ocorreu a transmissão em comum e sem determinação de parte ou de direito, por sucessão hereditária a favor de : M... [...] S... - NIF 1...- gerente desde 12/4/2005 7 Assim, e observado que está o princípio da excussão prévia relativamente aos bens do devedor originário, penso ser pertinente considerar a possível reversão dos autos contra os herdeiros / gerente mencionados" - cfr. termo, a fls. 54 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

7. Sobre a informação referida em 6) foi proferido despacho, cujo teor refere que "Considerando a inexistência de bens ou rendimentos (folhas 32 a 34), proceda-se à audição prévia dos responsáveis subsidiários" - cfr. despacho, a fls. 55 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

8. O despacho referido em 7) foi enviado à Oponente pelo ofício 4256 de 05 de Abril de 2011 - cfr. ofício, a fls. 58 a 61 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

9. No dia 27 de Abril de 2011 foi carimbado, no Serviço de Finanças de lisboa 7, requerimento pelo qual a Oponente veio "exercer o seu direito de AUDIÇÃO PRÉVIA" - cfr. requerimento, a fls. 66 a 68 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

10. No dia 12 de Maio de 2011 foi enviado fax, pelo Arquivo Histórico e Intermédio de Vila Franca de Xira ao Serviço de Finanças Lisboa 7, do qual consta "Declaração de Alterações de actividade" referente à sociedade referida em 1), e que contém, no campo "Assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal", a menção, manuscrita, "S..." - cfr. fax, a fls. 99 a 107 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

11. No dia 16 de Junho de 2011 foi elaborada "JUNTADA E INFORMAÇÃO" no PEF referido em 2), onde consta que "Contudo, e analisando os factos alegados pela contribuinte: 1. Aos 12-04-2005 foi entregue uma declaração de alterações junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8, nomeando para o cargo de gerente S..., devidamente assinada pela própria e 'elo técnico oficial de contas M..., conforme se pode alcançar através da fotocópia junta a fls. 76 dos autos. Aos 28-03-2007 foi entregue uma declaração ode alterações, nomeando para o cargo de técnico oficial de contas A..., devidamente assinada pela própria S... como representeaste legal da executada, cfr. fotocópia a fls. 105 dos autos. [...] 4. Verificando-se que a contribuinte consta como sócia- gerente da executada desde 12-04-2005, parece ser de prosseguir com o projecto de reversão ora em análise." - cfr. juntada e informação, a fls. 120 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

12. No dia 22 de junho de 2011 foi proferido despacho no PEF referido em 2), pelo qual "Face às diligências de fls. 71 a 119, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra S... [...] na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.” - cfr. despacho de reversão, a fls. 122 a 124 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

13. No dia 28 de Junho de 2011 foi assinado aviso de recepção "Citação - Notificação Via Postal" com a referência "Rev. B..." e endereçado à Oponente - cfr. ofício de citação e aviso de recepção, a fls. 126 a 129 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

14. No dia 07 de Setembro de 2011 foi carimbado, no Serviço de Finanças de lisboa 7, o original da petição inicial que deu origem ao presente processo - cfr. carimbo, a fls. 6 do suporte físico dos autos;

15. No dia 30 de Setembro de 2011 foi elaborada informação onde consta que "tendo-me deslocado hoje [...] à sede da executada B... [...] pude apurar o seguinte:

Naquele local constata-se a existência dos seguintes bens: Mota de marca BMW com a matrícula T..., uma estufa de pintura, dois elevadores, três compressores, um banco de ensaio, um laboratório de tintas, uma máquina de desmontar pneus. Todos estes bem se encontram fotografados. Em virtude de a electricidade se encontrar cortada, não foi possível apurar se os bens se encontram em funcionamento, para além de se encontrarem parados desde meados de 2008 (data do encerramento da actividade desta oficina). Todos os bens se encontram em estado de usado. Pelo exposto não se atribui qualquer valor aos bens. Segundo informação do […] mandatário da revertida […], não pendem sobre os bens relacionados quaisquer ónus ou encargos, encontrando-se pendente uma acção de despejo" - cfr. informação, a fls. 167 [verso] do PEF apenso ao suporte físico dos autos;

16. No dia 11 de Outubro de 2011 foi carimbado, no Tribunal Tributário de Lisboa, o ofício 10523, com o assunto "Remessa da Oposição N° 3239201…" - cfr. carimbo, a fls. 2 do suporte físico dos autos.


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Factos não provados

Não se provou que fosse pertença da sociedade devedora originária o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 403 LA Berline Grand Luxe, matrícula O....

Motivação da matéria de facto dada como provada

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como o do PEF apenso aos autos.

O facto dado como não provado depende da inexistência de suporte probatório que o estribe. Com efeito, apesar de constar dos autos certidão da petição - de Oposição ao inventário do de cujus N... - em que é manifestada oposição face à inclusão do veículo naquele inventário, por alegadamente pertencer à devedora originária, o certo é que não existe qualquer prova do alegado, nem foi junta decisão judicial sobre tal bem, pelo que não se pode dar tal facto como provado.


*

2. DE DIREITO

Em causa está a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida pela Recorrida, no pressuposto que não se pode dar como certo que o património da devedoras originária seja insuficiente para fazer face à quantia exequenda, considerando que a reversão operada se mostra viciada por erro nos pressupostos de facto, não podendo manter-se na ordem jurídica, e, nesta medida, anulou o despacho de reversão, com a absolvição da Recorrida da instância executiva.

O presente recurso versa apenas sobre a questão de saber se ocorreu erro de julgamento quanto à fundada insuficiência de bens, prevista no n.º 2, do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT), em especial quando não teve lugar a avaliação do bem penhorado antes da decisão de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, nem a necessária averiguação da totalidade dos bens da devedora originária, bem como a penhora dos bens encontrados posteriormente, e respectiva avaliação.

Quanto ao julgamento de facto a Recorrente, não ataca os factos dados como provados na sentença sob recurso, no entanto, entende que a decisão não valorou devidamente a prova, por não se poderem extrair as conclusões em que alicerça a decisão proferida.

A execução fiscal em causa nos presentes autos destina-se à cobrança de dívida de IVA, relativa aos anos de 2005, 2006 e 2008, no valor de € 6.290,78.

A Recorrente sustenta que o órgão de execução fiscal, após tentativas de penhora conclui pela insuficiência de bens da devedora originária para pagamento da quantia exequenda, facto que fez constar do projecto de reversão, conforme resulta do ponto 6 dos factos dados como provados na sentença recorrida.

Mais alegou, em suma, que os bens passíveis de penhora encontram-se “abandonados” desde 2008 e atendendo às regras da experiência e às características dos mesmos, permitem presumir, que o seu valor será insuficiente para pagar a quantia exequenda. Concluiu, assim, que se encontram reunidos os pressupostos para a reversão da execução fiscal.

Vejamos.

Dispõe o artigo 23.º, n.º 2, da LGT que a reversão contra o responsável subsidiário depende de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão.

Por sua vez, o artigo 153.º, nº 2 do CPPT estatui o seguinte:

O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores.

b) Fundada insuficiência de acordo com os elementos constantes do auto de penhora ou outros de que o órgão de execução fiscal disponha do património do devedor para satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Decorre pois, do próprio regime da responsabilidade subsidiária aplicável, que constitui fundamento ou requisito de reversão da execução contra os responsáveis subsidiários a inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou a insuficiência do património do devedor para satisfação da dívida exequenda e do acrescido.

Como resulta do teor da sentença recorrida, o Tribunal a quo começou por apreciar da ilegitimidade da Oponente, por não ter exercido a gerência da devedora originária, tendo julgado improcedente tal alegação.

A segunda questão apreciada e decidida na sentença recorrida, que constitui objecto do presente recurso, é atinente à (in)suficiência dos bens penhoráveis da devedora originária, julgada procedente, cujo discurso fundamentador por facilidade para aqui se extrai na parte relevante, como segue:

Importava então, para efectuar a reversão, que o Serviço de Finanças verificasse da existência de património da sociedade devedora originária, ficando autorizada a reversão, no caso de se verificar a sua inexistência ou fundada insuficiência.

Como decorre do probatório, tais diligências foram efectuadas sendo, à data da reversão, desconhecida, pelo órgão de execução fiscal, a existência de mais património, que não o veículo de matrícula C..., já penhorado.

No entanto, não se encontra atribuído valor a tal penhora, sendo desconhecido qual o peso que tal bem poderia ter na solvabilidade da dívida exequenda.

Por outro lado, e ainda que posteriormente à reversão [Ainda que, como consta da informação de 30 de Setembro de 2011, os bens então encontrados estariam na sede da devedora originária desde 2008, pelo que uma visita anterior teria permitido a sua penhora], foram encontrados mais bens da devedora originária, que potencialmente seriam suficientes para pagar a dívida ora em execução.

Ainda que não tenha sido localizado o veículo automóvel de marca Peugeot, o certo é que o órgão de execução fiscal teve conhecimento da existência de dez bens passíveis de penhora - sobre os quais, alegadamente, não impendiam ónus - sem que os houvesse penhorado ou, sequer, avaliado.

Tendo em conta o supra exposto, não se pode dar como certo que o património da devedora originária seja insuficiente para fazer face à quantia exequenda, pelo que a reversão operada se mostra viciada por erro nos pressupostos de facto, não podendo manter-se na ordem jurídica.

Adianta-se, desde já, que o assim decidido não nos merece qualquer censura.

De salientar que ao se prever nos artigos 23.º, n.º 2 da LGT e 153.º do CPPT que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, o legislador impõe que esta seja fundada e não que constitua uma mera alegação tabelar não consubstanciada em qualquer facto concreto.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa A alínea b) do nº 2 do presente artigo 153º, complementando aquele nº 2 do art. 23º, vem esclarecer que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas). (in CPPT Anotado, 2007, Áreas Editora, pág. 49).

Conforme se decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 11/04/2018, proferido no processo n.º 0140/17, que sufragamos, e com a devida vénia transcrevemos a seguinte passagem:

«A al. b) do nº 2 do art. 153º do CPPT complementando o nº 2 do art. 23º da LGT, «vem esclarecer que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas). No entanto, para a insuficiência se poder considerar demonstrada, é necessário que os elementos em que assenta o juízo sobre permitam, em termos lógicos, retirar essa conclusão, o que, normalmente, exigirá que seja feita uma averiguação (por exemplo, não bastará para concluir pela insuficiência o simples facto de o devedor originário não ser encontrado ou estar encerrado o seu estabelecimento, no momento em que se procura realizar a penhora).»
Por outro lado, não obstante a lei utilizar «a expressão “fundada insuficiência”, sem fornecer critérios seguros que orientem o OEF na formulação do juízo sobre a previsível insuficiência do património do devedor originário para satisfação da dívida exequenda e acrescido», isso «não significa que aquelas normas usem o conceito indeterminado “insuficiência” pura e simplesmente para atribuir ao órgão de execução qualquer liberdade na avaliação dos bens penhoráveis. Que não se trata de uma diretriz de discricionariedade resulta logo da alínea b) do nº 2 artigo 153º do CPPT ao considerar como mínimo de critérios avaliadores e concretizadores do juízo da fundada insuficiência “os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução disponha”. Com esta indicação o legislador remete para o órgão de execução fiscal a competência para fazer um juízo técnico da existência da situação de insuficiência patrimonial do devedor originário.
Assim, o conceito “insuficiência” deve ser fixado objetivamente com recurso aos conhecimentos técnicos do direito fiscal, de forma a obter uma avaliação rigorosa e adequada dos bens penhorados e penhoráveis do devedor originário, não podendo o conceito ser preenchido subjetivamente através da avaliação que o funcionário que lavra o auto de penhora faça sobre valor dos bens penhorados.» (…)» (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, desde que fundada a insuficiência dos bens pelo órgão da execução fiscal há possibilidade de proceder desde logo à reversão da execução fiscal, acautelando-se a cobrança do imposto devido sem que com isso se fira o benefício da excussão prévia.

Ora, no caso dos autos não está comprovada a fundada insuficiência de bens do património da devedora originária como se infere da matéria dada como provada, uma vez que o órgão de execução fiscal não realizou todas as diligências necessárias para apurar bens da devedora originária, com a imprescindível avaliação.

Tal violação assume particular gravidade quando no projecto de reversão se refere que «Através da consulta ao sistema informático SIPA e CEAP, não foram encontrados bens penhoráveis (…), pelo que assentou a reversão num juízo de desconhecimento de bens, quando ulteriormente, em 30/09/2011, na sequência da deslocação de dois funcionários à sede da devedora originária, foram encontrados vários bens, que não penhorou e a que não atribuiu qualquer valor, por tais bens se encontrarem em estado de usado (cfr. pontos 6, 7 e 15 do probatório).

Ora, a insuficiência é um juízo, uma conclusão, que só por si não reflecte a situação patrimonial concreta da devedora originária, pelo que não constitui fundamentação.

O órgão de execução fiscal, não só não realizou todas as diligências que devia ter levado a efeito para a localização de bens da devedora originária, como também, não diligenciou no sentido de determinar o valor efectivo dos bens, nem procedeu à penhora dos bens encontrados na sede da devedora originária.

Este Tribunal Central Administrativo Sul em recente acórdão de 31/10/2019, proferido no processo n.º 2247/11, que sufragamos na íntegra, apreciou a questão da insuficiência patrimonial do devedor originário, tendo ponderado o seguinte:

«Pois bem, no caso em apreço, a AT reverteu a execução contra o responsável subsidiário sem apurar se os bens da devedora originária eram ou não suficientes para solver a dívida tributária.

Ou seja, no primeiro dos momentos equacionados, a AT sem apurar o valor da totalidade dos bens que integram a esfera patrimonial da devedora principal, procedeu à reversão da execução contra o responsável subsidiário.

E não foi por desconhecer a existência de bens que a AT não os considerou. No exercício do direito de audição o revertido alertou para o facto de AT nada ter diligenciado “...relativamente ao apuramento do valor do trespasse do estabelecimento que certamente será significativo em função da sua antiguidade e bom nome, concluindo-se daqui que não estão reunidos os pressupostos materiais para que a reversão se verifique...”.

Perante esta observação, na informação subsequente dos serviços, diz-se apenas que “dada a conjectura económica grave do país, e tendo em conta uma regra básica da economia, em que um bem tem o valor que a procura lhe confere, de nada vale ao executado deter a posse de um trespasse sobre um estabelecimento de restauração com “...antiguidade...” e “...bom nome...”, se depois na venda não existirem propostas cujo valor permitam colmatar os valores em dívida da empresa...”.

Referindo ainda que “...nada impede a reversão contra os responsáveis subsidiários, a posterior citação e penhora, mas impedindo a venda dos bens, até que a excussão dos bens da empresa seja feita...

Ou seja, não obstante reconhecer a existência do bem em causa, a AT optou por desvalorizá-lo com base em critérios meramente subjectivos. Naturalmente, todos os bens têm o valor que a procura lhes confere pelo que, dizendo isso, não se diz nada de relevante. O que importa é saber se o bem é susceptível de procura, ou não, e qual o seu valor de mercado - de forma aproximada, evidentemente.

Mas a AT demitiu-se dessa averiguação e procedeu à reversão da execução. Ilegalmente, a nosso ver, pois não tendo avaliado todo o património da devedora principal não está habilitada a concluir que esta não tem bens suficientes para solver a dívida tributária.

Dito de outro modo, agora com referência ao quadro legal, não está demonstrada a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal de que fala o art. 23º/2 LGT.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Bem andou a sentença recorrida ao anular o despacho de reversão por não ter sido precedido das necessárias averiguações de bens, não podendo dar-se como certo que o património da devedora originária seja insuficiente para fazer face à quantia exequenda (cfr. ainda Acs. do STA de 10/10/2012, proc. n.º 0726/12 e de 24/02/2016, proc. n.º 0700/15, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Concluindo, na situação dos autos, não resultou provado a insuficiência de bens do património da devedora originária, razão pela qual a pretensão recursiva da Recorrente Fazenda Pública tem de improceder, por não padecer a sentença recorrida de qualquer censura jurídica, a qual deve assim ser confirmada.


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Conclusões/Sumário:

I. Decorre do regime da responsabilidade subsidiária aplicável, que constitui fundamento ou requisito de reversão da execução contra os responsáveis subsidiários a inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou a insuficiência do património do devedor para satisfação da dívida exequenda e do acrescido.

II. Ao prever nos artigos 23.º, n.º 2 da LGT e 153.º do CPPT que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, o legislador impõe que esta seja fundada e não que constitua uma mera alegação tabelar não consubstanciada em qualquer facto concreto.

III. Ora, a insuficiência é um juízo, uma conclusão, que só por si não reflecte a situação patrimonial concreta da devedora originária, pelo que não constitui fundamentação.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 15 de Abril de 2021.


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A Juíza Desembargadora,
Maria Cardoso

(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).