Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3282/13.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL;
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA AO MANDATÁRIO;
PRESUNÇÃO LEGAL DE RECEBIMENTO E LEVANTAMENTO DA CARTA NOS SERVIÇOS POSTAIS.
Sumário:I- A circunstância de não ter sido possibilitado aos Reclamantes responderem à questão obstaculizante ao prosseguimento do recurso é suscetível, em abstrato, de influir na decisão quanto à admissibilidade do recurso.
II- Sendo assim, a omissão do ato processual agora em discussão- notificação dos Recorrentes para responderem à invocação de intempestividade do recurso por eles interposto- corresponde a uma inequívoca nulidade processual, nos termos descritos no art.º 195.º, n.º 1 do CPC.
III- Sendo certo que as notificações em contencioso administrativo obedecem à disciplina do processo civil por força da norma remissiva do art.º 25.º do CPTA, também é certo que a tramitação dos processos nos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, através do SITAF (art.º 1° e 7° Portaria n.º 1417/2003), inviabiliza a operatividade da remissão para os art.ºs 220.º, n.º 1 e 248.º do CPC, bem como art.ºs 1.º, n.º 1 al. i) e 25°, n.º 1 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto. Por conseguinte, a referência terá que continuar a fazer-se para o texto do art.º 254.º do CPC, na versão anterior à publicação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Nessa senda, interessa assinalar, para o caso em apreço, a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, no Acórdão proferido em 11/01/2017, no processo n.º 01017/14, esclareceu que "A presunção legal de notificação no 3.º dia útil posterior ao envio da carta não pode deixar de funcionar quando se demonstra que nesse prazo foi efectuada uma tentativa (frustrada) de entrega no escritório do mandatário, e não se provou facto impeditivo de proceder à recepção."
IV- Tendo os agora Reclamantes constituído mandatário forense, a notificação da sentença foi feita, como de facto era devido, na pessoa deste, de acordo com o estatuído no art.º 247.º, n.º 1, do CPC, sendo que a notificação por carta registada presume-se consumada no terceiro dia útil posterior ao envio da carta, presunção que só poderá ser ilidida pelo notificado através da demonstração de que a notificação não foi efetuada, ou que ocorreu em data posterior à presumida e por razões que lhe não sejam imputáveis.
V- Tal significa que a lei permite que a presunção legal seja ilidida, mas exige que o mandatário demonstre que a notificação não foi efetuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, e que demonstre que tal ocorreu por razões que não lhe são imputáveis.
VI- A presunção legal de notificação no 3.º dia útil posterior ao envio da carta não pode deixar de funcionar no caso vertente, pois que, tendo a carta de notificação ao Ilustre Mandatário dos Reclamantes obtido registo nos CTT em 27/02/2017, haverá que ter-se o dito mandatário por notificado no dia 02/03/2017, Quinta-feira, por força da presunção legal do n.º 3 do art.º 254.º do CPC, mantida no atual art.º 248.º CPC.
E sendo certo que o n.º 4 do art.º 254.º CPC prevê a ausência do destinatário e a frustração da entrega do expediente estatuindo a inoperância de tais factos, também o é que não tendo o Ilustre Mandatário dos Reclamantes, nos termos do n.º 6 do art.º 254.° CPC, ilidido as presunções legais dos n.ºs 3 e 4 do art.º 254.º do CPC, deve ser desconsiderada a data em que a carta de notificação foi levantada na estação dos CTT, entendendo-se que a notificação em causa foi realizada em 02/03/2017.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


E…………………….. e Outros (Reclamantes) vêm, na ação administrativa proposta contra o Ministério da Agricultura e do Mar (Reclamado), reclamar do despacho proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul em 14/05/2019, e nos termos do qual foi decidido não conhecer do mérito do recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes com fundamento na extemporaneidade daquele.

Pedem os Reclamantes, em suma, que a decisão de não admissão do recurso jurisdicional seja “declarada nula, por violação do princípio do contraditório”, e que o recurso jurisdicional seja admitido, “porque os recorrentes foram efectivamente notificados da sentença recorrida no dia 6 de Março de 2017, e interpuseram o recurso no dia 18 de Abril de 2017, respeitando o prazo de 30 dias acrescido dos 3 dias úteis de multa, tendo em conta a interposição das férias judiciais da Páscoa.”

Os Reclamantes fundamentam a presente reclamação no seguinte argumentório:
A- Nulidade por preterição do contraditório.
6º. Os recorrentes foram notificados das contraalegações da entidade recorrida, nas quais é suscitada a questão da intempestividade da interposição do recurso.

7º. Nos termos do nº 3 do artigo 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o relator ordena «a notificação do recorrente para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre as questões prévias de conhecimento oficioso ou que tenham sido suscitadas pelos recorridos».
8º. No caso concreto, o Senhor Juiz Desembargador relator omitiu a notificação aos recorrentes, considerando que o contraditório se afigurava assegurado pelo conhecimento das contraalegações.
9º. Tratandose da omissão de um acto que tem influência decisiva no exame da causa, a lei associalhe o desvalor da nulidade, nos termos do nº 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil (aplicável supletivamente por determinação do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
B- Tempestividade da interposição do recurso.
10º. A sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 24 de Fevereiro de 2017, foi notificada aos recorrentes com a data de registo de correio de 27 de Fevereiro de 2017.
11º. A notificação não foi recebida no escritório do mandatário dos recorrentes, no dia 1 de Março de 2017, quartafeira, dado a entrega ter sido tentada fora da hora do expediente (o documento dos CTT refere 11.00 horas, mas tratase de uma indicação que não corresponde à verdade; os próprios CTT advertem para o facto das referências horárias não fazerem fé).

12º. O escritório do mandatário dos recorrentes, tal como, aliás, os tribunais, tem um horário de funcionamento, pelo que é natural não ser recebido o expediente fora do horário de funcionamento, no momento em que os trabalhadores se encontram ausentes na pausa para almoço).

13º. Como normalmente o correio não entregue não fica imediatamente disponível para entrega no posto de correio, o mandatário dos recorrentes procedeu ao levantamento da carta de notificação na segundafeira subsequente, dia 6 de Março de 2017.

14º. Assim, os recorrentes foram efectivamente notificados no dia 6 de Março de 2017, tendo juntado comprovativo de tal facto com o requerimento de interposição do recurso.

15º. Os recorrentes não se podem presumir notificados em 2 de Março de 2017, como pretende o despacho reclamado, quando constitui facto indisputável que foram efectivamente notificados no dia 6 de Março de 2017, com o levantamento da carta de notificação que se encontrava depositada no posto dos correios.

16º. O prazo de 30 dias para interposição do recurso jurisdicional terminava no dia 5 de Abril de 2017.

17º. A esse prazo, acrescem os três dias úteis de multa previstos no nº 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil. 18º. Como as férias judiciais da Páscoa decorreram entre 9 e 17 de Abril, e o dia 8 de Abril foi um sábado, o termo do prazo para a interposição do recurso jurisdicional era o dia 18 de Abril de 2017, primeiro dia útil após as férias judiciais.

19º. Os recorrentes interpuseram o recurso jurisdicional no dia 18 de Abril de 2017, tendo comprovado o pagamento não só da taxa de justiça como da multa correspondente ao 3º dia útil [alínea c) do nº 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil].

20º. Ou seja, o recurso jurisdicional foi interposto tempestivamente.

21º. O despacho reclamado fundamenta o seu raciocínio, sem que se compreenda como, na aplicação de uma versão não vigente do artigo 254º do Código de Processo Civil.

22º. Tal aplicação não tem qualquer sustentação legal (não é possível resolver a situação por apelo a disposições normativas não vigentes).

3º. Em consequência, o despacho reclamado procedeu a uma errada aplicação do direito ao caso concreto, razão pela qual deve ser revogado, seguindose a apreciação do objecto do recurso.”

Vejamos, então, se os Reclamantes têm razão no que concerne, primeiramente, à ocorrência de nulidade por preterição do contraditório e, em segundo lugar, no que tange à tempestividade do recurso jurisdicional interposto, e rejeitado pelo despacho agora reclamado.


A) Quanto à nulidade por preterição de contraditório
Compulsados os presentes autos, incluindo o apenso atinente à reclamação que agora se julga, verifica-se que a sentença objeto da impugnação recursiva dos agora Reclamantes foi proferida em 24/02/2017.
Em 27/02/2017, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa expediu, por correio registado, ofício de notificação da sentença ao Ilustre Mandatário dos agora Reclamantes, sendo que, em 18/04/2017, estes apresentaram o respetivo recurso jurisdicional, incluindo as alegações.
Em 16/06/2017, o Reclamado apresentou as respetivas contra-alegações, tendo invocado a intempestividade da interposição do recurso jurisdicional por banda dos Reclamantes.
Em 14/05/2019, o Relator proferiu despacho, determinando o não conhecimento do recurso jurisdicional apresentado pelos Reclamantes, em virtude da apresentação extemporânea do dito.
Ademais, verifica-se ainda que, efetivamente, os Reclamantes não foram notificados para, nos termos do preceituado nos art.ºs 655.º, n.º 2 e 654.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ao contencioso administrativo por força do prescrito no art.º 140.º do CPTA, bem como no art.º 146.º, n.º 3 do mesmo CPTA.
Quer isto significar, por conseguinte, que foi claramente omitido o despacho do relator, que deveria ordenar a notificação do recorrente para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre as questões prévias de conhecimento oficioso ou que tenham sido suscitadas pelos recorridos (cfr. art.º 146.º, n.º 3 do CPTA).
Assim, considerando que a tempestividade configura um pressuposto imperativo de admissibilidade do recurso jurisdicional, impunha-se conferir aos agora Reclamantes, na qualidade de Recorrentes, a oportunidade de emitirem pronúncia, esgrimindo as suas razões, sobre a invocada intempestividade do recurso por eles interposto, por forma a reverterem a potencial decisão a proferir.
Por conseguinte, é de concluir que a circunstância de não ter sido possibilitado aos Reclamantes responderem à convocada questão obstaculizante ao prosseguimento do recurso é suscetível, em abstrato, de influir na decisão quanto à admissibilidade do recurso, sendo certo que, como se sabe, este acabou por não ser admitido pela decisão reclamada.
Sendo assim, a omissão do ato processual agora em discussão- notificação dos Recorrentes para responderem à invocação de intempestividade do recurso por eles interposto- corresponde a uma inequívoca nulidade processual, nos termos descritos no art.º 195.º, n.º 1 do CPC.
Do que vem de se assentar decorre, portanto, que o despacho reclamado, que determinou o não conhecimento do objeto do recurso por extemporaneidade deste, não pode manter-se, merecendo a respetiva anulação, em consequência do disposto no art.º 195.º, n.º 2 do CPC.


Destarte, ante o exposto, impera concluir que a reclamação merece procedência, deferindo-se a nulidade processual arguida e, em consequência, anulando-se o despacho reclamado, proferido em 14/05/2019.

*

Anulado o despacho prolatado em 14/05/2019, por contagiado com a nulidade processual decorrente da omissão da notificação dos Recorrentes para exercer o respetivo direito ao contraditório quanto à invocada intempestividade do recurso jurisdicional, impõe-se definir a tramitação subsequente a cumprir nestes autos.
Ora, sendo certo que os Reclamantes não foram notificados, em sede adequada, para oferecem o contraditório no que tange à sobredita questão obstaculizante ao prosseguimento do recurso, a verdade é que, em sede de reclamação apresentada ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 3 do CPC, os Reclamantes ofereceram a sua resposta à arguição da extemporaneidade do recurso jurisdicional, coligindo os respetivos argumentos de facto e de direito em sustentáculo da admissibilidade do recurso.
Sendo assim, assoma inútil determinar a notificação dos Reclamantes para exercerem o contraditório no que concerne à arguida questão da intempestividade do recurso jurisdicional que interpuseram, pois que os respetivos argumentos já foram aduzidos nos presentes autos, ainda que em sede de reclamação.
Desta feita, mostrando-se atingida a finalidade subjacente ao exercício do contraditório no caso posto, mostra-se igualmente cumprida a formalidade primitivamente suprimida, apresentando os presentes autos todas as condições para que seja indagada a tempestividade do recurso jurisdicional interposto pelos Reclamantes.


B) Quanto à tempestividade do recurso jurisdicional interposto

Por requerimento apresentado em 18/04/2017, os Recorrentes interpuseram recurso jurisdicional, impetrando a identificada decisão promanada em 24/02/2017, impetração esta dirigida ao escrutínio e acerto do direito aplicado pela Instância a quo.

Sucede, contudo, que melhor examinada a tramitação processual, verifica-se que o presente recurso jurisdicional é intempestivo, em conformidade com o invocado pelo Recorrido.

Expliquemos, então, as razões que suportam esta impreterível conclusão.

Nos termos do preceituado no art.º 144.º, n.º 1 do CPTA (na redação anterior Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, por força do estabelecido no art.º 15.º n.º 2), o prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida. Sendo assim, importa definir qual a data em que os Recorrentes foram, para os presentes efeitos, notificados da sentença recorrida.

Para apreciar tal questão importa, em primeiro lugar, aferir da pertinência, necessidade, utilidade e admissibilidade da junção do documento apresentado pelo Recorrido juntamente com as contra-alegações de recurso e que consiste em informação do serviço CTT "Pesquisa de Objectos RE……………..".

Ora, vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão-somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal ad quem tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê exceções que passamos a analisar.

Dispõe o art.º 423º, do CPC (princípio da oportunidade da prova) que os documentos, como meios de prova, da ação ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respetivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.

Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr. art.ºs. 425.º e 651.º, n.º 1 do CPC), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior; quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados; quando a respetiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância; e quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância.

A verificação das circunstâncias elencadas tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, diretamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende terem de ter por desiderato a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, indiretamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no art.º 443.º do CPC.

Revertendo ao caso versado, é manifesto que, atentas as datas dos factos a que os documentos juntos em fase de recurso pelo agora Reclamado se reportam, este não podia ter procedido à junção dos referidos documentos anteriormente e, portanto, também antes da prolação da sentença de 1ª. Instância. Quer isto dizer que, os documentos juntos com as alegações do recurso visam provar factos com natureza superveniente. E, examinando o documento, emerge do mesmo factualidade relevante para efeitos da apreciação da questão da tempestividade do recurso jurisdicional. Aliás, ressalte-se que os próprios Reclamantes juntam cópia do mesmo documento com a sua reclamação, no intuito de demostrar, precisamente, tese de sentido oposto à que é propugnada pelo Reclamado quanto à tempestividade do recurso jurisdicional.

Assim sendo, admitem-se os documentos até porque a sua junção poderia ser ordenada oficiosamente na medida em que o Tribunal ad quem tem o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso como é o da in/tempestividade do recurso. Até porque o despacho proferido pelo Tribunal a quo, que admitiu o recurso, não vincula o Tribunal ad quem, nada obstando que se aprecie e decida agora a admissibilidade da impetração recursiva, em consonância com o que deriva do disposto no art.º 652.º, n.º 1, alíneas a), b) e h) do CPC.

E constitui jurisprudência, há muito pacífica, a de que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie, ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, ao passo que o despacho do relator no tribunal superior é também provisório por ser modificável pela conferência, por iniciativa do próprio relator, dos seus adjuntos e até das próprias partes (vd. B.M.J., 263º-218; 180º-244; 174º-182, 156º-307; 124º-647; 93º-286 e 46º-347).

Dissolvida a problemática respeitante à admissibilidade dos documentos juntos com as contra-alegações de recurso e com a reclamação, cumpre averiguar qual a data em que os Reclamantes foram notificados da sentença prolatada pelo Tribunal a quo, por forma a determinar o início da contabilização do prazo de 30 dias para interpor o recurso jurisdicional.

Ora, emerge dos autos que a sentença recorrida foi notificada ao Ilustre Mandatário dos ora Reclamantes, por carta n.º 7412886, endereçada para o domicílio escolhido sob registo postal n.º RE…………… de 27/02/2017, efetivado na Estação de Cabo Ruivo, conforme decorre da plataforma eletrónica SITAF e informação do serviço CTT "Pesquisa de Objetos''.

Adicionalmente, consta do referido serviço informativo "Pesquisa de Objetos RE……………." o registo de tentativa frustrada de entrega do expediente ao aludido Ilustre Mandatário no dia 01/03/2017, pelas 11:00 horas, "Não Entregue-Destinatário ausente-Avisado na Loja Picoas (Lisboa)" e, ainda, que o expediente RE……………… se encontrava disponível para levantamento, às 08:40 horas do dia 02/03/2017- PICOAS (LISBOA).

Tal como denota o Reclamado, sendo certo que as notificações em contencioso administrativo obedecem à disciplina do processo civil por força da norma remissiva do art.º 25.º do CPTA, todavia, a tramitação dos processos nos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, através do SITAF (art.º 1° e 7° Portaria n.º 1417/2003), inviabiliza a operatividade da remissão para os art.ºs 220.º, n.º 1 e 248.º do CPC, bem como art.ºs 1.º, n.º 1 al. i) e 25°, n.º 1 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto. Por conseguinte, a referência terá que continuar a fazer-se para o texto do art.º 254.º do CPC, na versão anterior à publicação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

Nessa senda, interessa assinalar, para o caso em apreço, a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, no Acórdão proferido em 11/01/2017, no processo n.º 01017/14, esclareceu que "A presunção legal de notificação no 3.º dia útil posterior ao envio da carta não pode deixar de funcionar quando se demonstra que nesse prazo foi efectuada uma tentativa (frustrada) de entrega no escritório do mandatário, e não se provou facto impeditivo de proceder à recepção."

Na verdade e acompanhando a fundamentação jurídica do Aresto que vimos de referir, tendo os agora Reclamantes constituído mandatário forense, a notificação da sentença foi feita, como de facto era devido, na pessoa deste, de acordo com o estatuído no art.º 247.º, n.º 1, do CPC, sendo que a notificação por carta registada presume-se consumada no terceiro dia útil posterior ao envio da carta, presunção que só poderá ser ilidida pelo notificado através da demonstração de que a notificação não foi efetuada, ou que ocorreu em data posterior à presumida e por razões que lhe não sejam imputáveis.

Tal significa que a lei permite que a presunção legal seja ilidida, mas exige que o mandatário demonstre que a notificação não foi efetuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, e que demonstre que tal ocorreu por razões que não lhe são imputáveis.

Ora, in casu, nem os Reclamantes, nem o respetivo Ilustre Mandatário, invocam quaisquer razões no sentido de demonstrar que não é imputável ao mandatário o facto de a notificação da sentença em causa ter sido recebida em data posterior à presumida.

Ora, como a Jurisprudência vem entendendo e se dá notícia no Acórdão já citado, quem é mandatário num processo judicial e sabe que vai receber notificações para a prática de determinados atos, deve providenciar no sentido de haver alguém presente no domicílio profissional por si indicado no processo, ou, pelo menos, abrir ou mandar abrir a caixa de correio para se inteirar dos avisos de registos que os correios ali depositem e proceder ao respetivo levantamento celeremente.

Sendo assim, nada tendo sido alegado pelo Ilustre Mandatário dos Reclamantes no sentido de demonstrar que foi por razões alheias à sua vontade que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, é forçoso concluir, concordantemente com os termos dos citados preceitos legais, que a notificação não deixa de produzir efeito uma vez a remessa da carta foi feita para o escritório indicado pelo próprio Mandatário.

Recite-se, a este propósito, a Jurisprudência já identificada da Suprema Instância, que afirma que, “Como é consabido, o advogado tem um ónus qualificado de ligação com o seu domicílio profissional ou electivo, isto é, com o seu escritório ou domicílio escolhido no processo, tendo de organizar-se por forma a que o sistema de notificações instituído e a sequência de actos processuais que disso depende possa funcionar num quadro de razoabilidade e boa fé. Pelo que, como se deixou frisado no acórdão do Tribunal Constitucional de 9/10/2006, no processo n.º 367-A/05, «Efectuada por carta registada, dirigida para o escritório ou domicílio escolhido, a notificação tem-se por efectuada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte quando esse o não seja (n.º 3), só podendo a presunção considerar-se ilidida se o notificado provar que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior por razões que lhe não sejam imputáveis (n.º 6). Com efeito, ao estabelecer a referida presunção, a lei supõe duas essenciais coisas: que esse é o tempo normal para assegurar a entrega da correspondência por parte dos serviços dos correios e que o destinatário se organiza em termos de assegurar a correspondente recepção. Quem invoca a qualidade de advogado, quer actue em representação de terceiro, quer actue em causa própria, assume os ónus ou encargos inerentes ao exercício dessa profissão e sofre as consequências desvantajosas de lhes não dar satisfação. Consequências que lhe são legalmente referidas por um nexo de imputação face às responsabilidades de organização decorrentes de determinada qualidade profissional, mais do que por um juízo de censura pessoal. Assim, embora não seja, em si, censurável que os destinatários da correspondência não se encontrem no seu domicílio à hora da distribuição postal, sendo frequente a passagem de avisos para levantamento da correspondência na estação postal competente, a intervenção no processo na qualidade de advogado implica a assumpção da responsabilidade pela criação de condições para a recepção das notificações relativas aos processos em que intervém nessa qualidade, no escritório ou domicílio escolhido, em circunstâncias normais. É o que está implícito no sistema de notificações estabelecido pelo artigo 254.º do CPC, interpretado à luz do princípio da cooperação (artigo 266.º, n.º 1, do CPC).
Só a prova de que a não entrega da carta registada, expedida para o domicílio indicado, na data que a lei presume, ficou a dever-se a circunstâncias anormais é susceptível de destruir os efeitos que a lei liga à notificação efectiva.».

Resulta assim da referida norma que a notificação se considera sempre feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, por forma a atender a um dia normal de distribuição domiciliária de correspondência, como início do prazo subsequente.

Mais resulta desta norma que se presume ter sido efetuada a notificação das decisões nos termos expostos até prova em contrário, na decorrência dos art.ºs 349.º e 350.º, ambos do Código Civil, que determinam que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário.

No que ao caso importa, essa prova em contrário destinar-se-ia a demonstrar que o Ilustre Mandatário dos agora Reclamantes ou não recebeu a carta ou a recebeu em dia posterior à data presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.

Como se expende no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09/06/2014, no processo nº2085/13.3TBBRR-A.L1, “com o incidente de prova em contrário do que resulta da base da presunção, não se justifica a prática de algum acto fora de prazo, mas apura-se diverso momento de início de contagem de um prazo para a prática de determinado acto processual, para se concluir que o foi no prazo para o efeito legalmente previsto. É ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do acto processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis. (vide Ac. do STJ, Proc. nº 07B3024, de 11-10-2007, in www.dgsi.pt)”.

Assim sendo, não podemos deixar de concordar com a posição sustentada pelo Reclamado, que sustenta que a presunção legal de notificação no 3.º dia útil posterior ao envio da carta não pode deixar de funcionar no caso vertente, pois que, tendo a carta de notificação ao Ilustre Mandatário dos Reclamantes obtido registo nos CTT em 27/02/2017, haverá que ter-se o dito mandatário por notificado no dia 02/03/2017, Quinta-feira, por força da presunção legal do n.º 3 do art.º 254.º do CPC, mantida no atual art.º 248.º CPC.

E sendo certo que o n.º 4 do art.º 254.º CPC prevê a ausência do destinatário e a frustração da entrega do expediente estatuindo a inoperância de tais factos, também o é que não tendo o Ilustre Mandatário dos Reclamantes, nos termos do n.º 6 do art.º 254.° CPC, ilidido as presunções legais dos n.ºs 3 e 4 do art.º 254.º do CPC, deve ser desconsiderada a data em que a carta de notificação foi levantada na estação dos CTT, entendendo-se que a notificação em causa foi realizada em 02/03/2017.

Destarte, o prazo para a interposição de recurso jurisdicional iniciou-se a 03/03/2017 (Sexta-feira, subsequente à notificação da sentença recorrida) e terminou no dia 03/04/2017 (Segunda-feira) e, recorrendo à faculdade permitida na alínea c) do n.º 5 do art.º 139.º do CPC, o recurso poderia ter sido apresentado até ao dia 05/04/2017 (Quinta-feira), terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo legal.

Assim, uma vez que o recurso jurisdicional foi interposto pelos agora Reclamantes em 18/04/2017, é imperioso concluir pela intempestividade da interposição do dito recurso, o que conduz à sua rejeição, em conformidade com o prescrito nos art.ºs 652.º, n.º 1, al.s b) e h) e 655.º do CPC.
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DISPOSITIVO
Pelo exposto, acorda-se em:

A) Julgar a presente reclamação procedente e, em consequência
I) Deferir a arguida nulidade processual; e
II) Anular o despacho proferido neste Tribunal em 14/05/2019;
B) Não conhecer do objeto do recurso jurisdicional apresentado pelos Recorrentes, em virtude da intempestividade daquele, nos termos do disposto no art.º 655.º do CPC.


Sem custas quanto ao incidente da reclamação.

Custas pela não admissão do recurso a cargo dos Recorrentes.


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Lisboa, 18 de dezembro de 2019,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Paulo Gouveia