Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04973/11
Secção:CT - 2.ºJUÍZO
Data do Acordão:08/31/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO NA EXECUÇÃO FISCAL.
COMPENSAÇÃO.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
MEIO PROCESSUAL.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. É ilegal a compensação entre o crédito resultante de uma anulação parcial obtida pelo sujeito passivo em reclamação graciosa e a quantia exequenda, se a concreta liquidação donde resultou a quantia exequenda estiver a ser discutida na sua legalidade em sede de impugnação judicial;
2. Tal ilegal compensação confere ao sujeito passivo o direito a juros indemnizatórios contados desde a data em que teve lugar tal indevida compensação;
3. E o meio mais adequado para fazer valer tal direito a esse juros é no processo de reclamação de decisão de órgão da execução fiscal, onde tal ilegalidade for invocada e declarada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica – na parte que julgou procedente a reclamação deduzida por A...– Companhia Portuguesa de Hipermercados, SA, do acto de compensação praticado em 13-10-2010, pelo órgão da execução fiscal, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I – Os autos à margem identificados visam a anulação de um alegado acto de compensação.
II - Pelo que o thema decidendum do douto decisório centrou-se na questão de interpretação do art. 89.º do CPPT, quando o que estava em crise era a demonstração dos fluxos financeiros do sujeito passivo (ora Reclamante), face às três liquidações de IRC do exercício de 2003 supra referidas.
III – É nossa convicção que, quer a causa de pedir, quer o pedido, parecem-nos incompatíveis para apreciação no âmbito do meio processual utilizado.
IV – Assim, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciando esta em errada interpretação e aplicação das normas legais já citadas.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-­se, em consequência a douta sentença ora recorrida, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem, para além de vir interpor recurso subordinado na parte em que decaiu e que igualmente foi admitido nos mesmos termos:


I – As alegações da Recorrente violam as normas processuais aplicáveis porquanto assentam na invocação de factos novos e na junção de documentos em termos juridicamente inadmissíveis.
II – Sem prejuízo da argumentação da Fazenda Pública violar as regras que delimitam o objecto dos Recursos, verifica-se que, também do ponto de vista substantivo, tal argumentação carece de qualquer fundamento.
III – Não logra a Fazenda Pública provar como alega – nem o podia fazer porque não é verdade – que a Compensação em crise nos autos “sub-judice” ocorrida em 12/10/2010, está em conformidade com o disposto no art.º 89.º do CPPT.
IV – As alegações da Fazenda Pública são, ainda, contrariadas pela prova documental junta aos autos, e pelos factos dados como assentes pelo Tribunal “a quo” – e não contestados pela Fazenda Pública que apenas imputa à Sentença recorrida erro de Direito (cfr. Conclusão IV das Alegações) – e de onde resulta inequívoco que a Compensação “sub-judice” ocorreu em 12/10/2010.
V – Ao contrário do afirmado pela Fazenda Pública nas respectivas alegações, o instituto da compensação não constitui uma “forma de pagamento da dívida liquidada” mas, simplesmente, uma das formas de extinção das obrigações (incluindo as tributárias) e encontra-se sujeita a regras jurídicas definidas.
VI – Nos termos do artigo 89.º, a compensação de dívidas fiscais por iniciativa da Administração Fiscal encontra-se sujeita à verificação de um conjunto de requisitos que, no caso em apreço, não se encontravam preenchidas na medida em que a legalidade da dívida compensada foi objecto de Impugnação Judicial e encontra-se devidamente garantida.
VII – Face ao exposto e tendo decidido em conformidade, nenhuma censura merece a sentença do Tribunal “a quo”, motivo pelo qual esta decisão deverá manter-se, com todas as devidas e legais consequências.
VIII – A excepção de impropriedade do meio processual suscitada pela Fazenda Pública não pode proceder na medida em que, nos presentes autos, a Recorrida não pretende contestar a legalidade de qualquer acto de liquidação mas sim o acto de compensação levado a efeito pela Administração Fiscal, do montante de € 1.523.161,86, e que determinou a extinção do Processo de Execução Fiscal n.º 3123200701045040.
***
I – Ao decidir pela improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios oportunamente apresentado pela Reclamante, incorreu o Tribunal “a quo” em errónea interpretação do artigo 43.º da LGT.
II – É jurisprudência pacífica que mesmo em sede de Reclamação de Acto do Órgão de Execução Fiscal, sempre que se esteja perante um acto ilegal de compensação, haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 43.º da LGT, por incumprido do prazo legal de restituição oficiosa dos tributos – cfr. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 03/05/2006 e proferido no âmbito do processo n.º 0350/06 (Pimenta do Vale).

Nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis que V.Exas Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve:
a) O recurso apresentado pela Fazenda Pública ser julgado totalmente improcedente por não provado confirmando-se, em consequência, e nesta parte, a sentença recorrida; e
b) O recurso subordinado apresentado pela reclamante ser julgado totalmente procedente por provado, determinando-se, em consequência, a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios, tudo com as devidas e legais consequências.
Só assim se fazendo a costumada
Justiça!


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso interposto pela Exma RFP, por a compensação não poder ter lugar no caso, já que a dívida exequenda se encontrava impugnada na sua legalidade, nada tendo vindo dizer sobre o recurso subordinado.


Por se tratar de autos classificados de urgentes vêm os mesmos à Conferência sem a prévia recolha dos vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se foi legal o acto de compensação operado na execução fiscal entre a quantia da liquidação anulada em sede de reclamação graciosa e a quantia exequenda, esta derivada de liquidação sobre que impendia impugnação judicial e suspensa por mor da prestação de garantia; E não o sendo, se a reclamante tem direito a juros indemnizatórios sobre tal quantia anulada e se os mesmos podem ser peticionados na mesma reclamação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A. O processo de execução fiscal em que esta Reclamação é deduzida (proc. Nº 3123200701045040, do Serviço de Finanças de Lisboa 7) foi instaurado para cobrança coerciva de dívida de IRC do ano de 2003 - fls. 499;
B. Em 13 de Outubro de 2010, a Administração Fiscal procedeu, no processo de execução referido em A), à compensação da dívida aí exequenda com crédito da Executada de € 1.245.460,36, resultante de deferimento parcial de Reclamação Graciosa - cf. informação de fls. 499, art. 4° da
Contestação, a fls 534, designadamente, alíneas i) e j), e documentos juntos a fls. 539 e seguintes;
C. Com a compensação referida em B), foi extinto o processo de execução referido em A - cf. informação de fls. 499 e docs. juntos a fls. 539 e seguintes;
D. Em 7 de Dezembro de 2007, a ora Reclamante deduziu impugnação judicial da liquidação de IRC do ano de 2003 - fls. 50;
E. O processo de execução referido em A foi suspenso em 11 de Dezembro de 2007, por força de garantia bancária prestada na sequência da dedução da impugnação referida em D - conf. Informação de fls. 500;
F. A impugnação judicial referida em D corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa com o n° 974/07.0BELRS, e ainda não foi decidida - conf. Informação obtida pelo SITAF.


4. Para julgar procedente a reclamação deduzida contra o referido acto de compensação entre a quantia que na reclamação graciosa foi anulada a liquidação e a quantia exequenda, que constitui o objecto do recurso interposto pela Exma RFP, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que por tal quantia exequenda se encontrar pendente de impugnação sobre a sua legalidade não podia a mesma ser compensada com o crédito de igual montante que na reclamação graciosa foi anulado a seu favor, desta forma contrariando a norma do art.º 89.º do CPPT, que determina que a quantia exequenda não se pode encontrar a ser objecto de discussão da sua legalidade, sendo impeditiva dessa compensação.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra a apreciação dos fundamentos que originaram tal liquidação que parece esgrimir os argumentos tendentes a levar à revogação da sentença recorrida, quando esta decidiu sobre o acto de compensação que levou à anulação do processo de execução fiscal, desta forma pretendendo que esta forma de processo não seja a adequada para conhecer de tal questão.

Vejamos então.
Pese embora o imbricado das liquidações subjacentes à quantia exequenda e aos diversos actos de liquidação, pela matéria fáctica constante nas diversas alíneas do probatório da sentença recorrida e não infirmada por qualquer outra, bem como a sua complementaridade com outros elementos documentais constantes dos autos, designadamente da informação de fls 499 e segs, é seguro concluir-se, que foi instaurada esta execução fiscal para cobrança coerciva da quantia de € 1.523.161,80, a qual proveio da liquidação adicional que teve lugar por acção da inspecção tributária, do montante de € 2.153.477,79 e juros compensatórios, da qual a ora recorrida dela apenas pagou € 888.320,07, por não concordar com o remanescente dessa liquidação relativa à “quebra de existências” e que dela deduziu impugnação judicial, ainda não decidida, tendo prestado garantia bancária para suspender os termos da mesma.

Entretanto a ora recorrida havia deduzido também reclamação graciosa relativa à questão de criação de novos postos de trabalho, onde veio a obter parcial ganho de causa, com a anulação parcial de tal liquidação, sendo que foi parte deste montante reclamado e já pago, que a AT veio a aplicar na dita compensação ou encontro de contas entre o deve e o haver, fazendo extinguir tal execução, ainda que, indevidamente, lhe chame anulação, já que esta nos termos do disposto no art.º 270.º do CPPT, apenas tem lugar quando ocorre a anulação da dívida exequenda, o que não foi o caso dos autos, que tal dívida não foi anulada, mas sim anulada foi a liquidação relativa à questão da tal criação dos postos de trabalho que não da quebra de existências, que constitui o objecto da citada impugnação judicial deduzida pela ora recorrida.

Sendo assim, como da instrução dos autos resulta e nem a recorrente, fundadamente, vem colocar em causa, é manifesto que se operou uma compensação com um crédito da ora recorrida obtido ou derivado da procedência parcial da referida reclamação graciosa com o seu débito exequendo, sem ter em conta os pressupostos contidos no art.º 89.º do CPPT, entre eles o de não pender sobre a quantia exequenda a discussão da legalidade da sua liquidação, pelo que o despacho objecto da reclamação onde foi proferida a presente sentença recorrida não se poderia manter, como bem foi entendido e decidido na sentença recorrida, a qual assim não é passível de qualquer censura, e antes deve ser confirmada.

Também, basta ler a causa de pedir e o pedido formulados na presente reclamação deduzidos pela ora recorrida, para limpidamente deles extrair que a mesma, nesta reclamação, não pretende discutir a legalidade de quaisquer fluxos financeiros, que terão originado parte dessa liquidação, mas sim a legalidade da referida compensação operada no processo de execução fiscal, ao contrário do que a recorrente invoca na matéria da sua conclusão III das suas alegações recursivas, matéria que assim surge deslocada do objecto da presente reclamação.


5. A reclamante, para além de ter apresentado as suas contra-alegações, veio também, concomitantemente, interpor recurso da sentença recorrida na parte que lhe foi desfavorável, o qual foi admitido pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, como acima se referiu, que o qualificou de subordinado como igualmente a reclamante o havia feito, e bem, já que respeita integralmente a disciplina desta espécie de recursos prevista no art.º 682.º do CPC.

Na verdade, ainda que a reclamante tivesse ficado vencida na parte em que peticionava juros indemnizatórios sobre a quantia compensada, não se dispunha a recorrer da sentença se a parte contrária também o não tivesse feito, na parte em que aquela obteve ganho de causa, desta forma, ainda que tendo deixado passar o prazo para interpor recurso independente, a lei ainda lhe permite a interposição de recurso subordinado, a interpor dentro do prazo para apresentação das suas contra-alegações relativamente ao recurso interposto pela FP, como flui da disciplina de tal recurso.

Para julgar improcedente este pedido de juros indemnizatórios, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, que os mesmos apenas poderiam ser peticionados nas formas processuais dos processos tributários previstas no n.º1 do art.º 43.º da LGT, onde se não contempla este tipo de reclamação, pelo que julgou improcedente tal pedido, ao que a ora recorrente contrapõe que, de acordo com jurisprudência que invoca, que perante uma compensação ilegal poderá nesta reclamação peticionar tais juros a seu favor.

Os juros indemnizatórios a favor do contribuinte correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem fundamento constitucional na norma do art.º 22.º da CRP, que manda remeter para o regime da responsabilidade civil extra-contratual e que tem por efeito directo o dever de indemnizar previsto no art.º 483.º do Código Civil, tendo por objecto a reparação de todos os danos de que o facto foi lesivo onde se incluem não só os prejuízos sofridos como os benefícios que se deixaram de obter, nos termos do disposto nos art.ºs 563.º, 564.º e 566.º do mesmo Código.

As normas do art.º 43.º da LGT, nos seus n.ºs 1 e 2, prevêm casos em que tal direito aos juros indemnizatórios se radica no erro imputável aos serviços, sendo por isso natural que tal pressuposto tenha de ser conhecido em alguma das formas de processo tributário enunciadas nesse nº1.

Porém, o mesmo já não acontece nos casos previstos no seu n.º3 (que não no n.º1, como por erro invoca a reclamante na matéria da sua conclusão II), nas suas três alíneas, em que tal erro já não faz parte desse direito, desde logo, no caso subsumível à sua alínea a), por tal erro poder ter já sido reconhecido pela própria AT ou se tratar de um caso de excesso de retenção ou de pagamento por conta, em que inexista qualquer erro, onde nem haveria, legalmente, lugar à utilização de qualquer daquelas formas de processo tributário – cfr. art.º 97.º do CPPT – pelo que o meio processual tributário a utilizar já não poderá ser reconduzível apenas às formas previstas na norma daquele n.º1, mas antes devendo ser utilizado o meio mais adequado de fazer tal direito em juízo nos termos do disposto no n.º2 do art.º 97.º da LGT, no caso, sendo a presente reclamação(1), que foi o meio processual utilizado para fazer declarar a ilegalidade de tal compensação, já que até então nenhuma prestação se encontrava definida a favor da mesma reclamante, mercê de tal acto jurídico de compensação, operada na citada execução fiscal pelo órgão da execução fiscal, que transferiu tal importância para pagamento da quantia exequenda, sendo que tal reclamação visa impugnar os actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal que afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiros, que desta forma surge como o único adequado, não se vendo sequer, que outro pudesse ser utilizado, designadamente a intimação para um comportamento previsto no art.º 147.º do CPPT, já que não obstante a anulação de tal parte da liquidação pela AT, de imediato, foi a mesma aplicada no pagamento da quantia exequenda, por compensação, desta forma, na interpretação da AT, nenhuma importância lhe cabia restituir.

Nos termos do disposto no art.º 61.º do CPPT, os juros são devidos desde o dia seguinte àquele em que teve lugar a ilegal compensação – 14-10-2010 – até ao momento em que seja elaborada a respectiva nota de crédito a seu favor, já que os mesmos correspondem ao período de tempo em que a reclamante esteve privada da quantia compensada, por tal acto ilegal da AT praticado na citada execução fiscal.


Procede assim a matéria das conclusões das alegações do recurso subordinado, sendo de lhe conceder provimento e de revogar a sentença recorrida nesta parte, que em contrário decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em:
A - Negar provimento ao recurso independente interposto pela Fazenda Pública e manter a sentença recorrida, nesta parte;
B – Em conceder provimento ao recurso subordinado interposto pela reclamante e em revogar a sentença recorrida nesta parte, reconhecendo-lhe o direito aos juros indemnizatórios peticionados desde 14-10-2010 até à data em seja elaborada a seu favor a respectiva nota de crédito.


Custas pela recorrente quanto ao recurso independente e sem custas quanto ao recurso subordinado, já que a FP não contra-alegou.


Lisboa,31/08/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANTÓNIO VASCONCELOS
RUI PEREIRA



1- Como bem se pronuncia a reclamante, citando o acórdão do STA de 3-5-2006, proferido o recurso n.º 350/06 e versando sobre um caso paralelo ao dos presentes autos.