Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1747/08.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA;
CONTRADIÇÃO REAL ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO;
REGIME SIMPLIFICADO IRC;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. Verifica-se contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da sentença recorrida o Tribunal a quo conduziria a uma decisão distinta da que foi proferida.
II. Se o lucro tributável foi determinado atento o disposto no art.º 53.º, n.º 4, do CIRC, que consagra uma presunção de rendimento, ilidível pelo sujeito passivo, cabe a este o ónus da prova de que não foi exercida qualquer atividade nem obtidos os rendimentos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 03.05.2016, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual se julgou procedente a impugnação apresentada por C.... Lda. (doravante Recorrida ou impugnante) que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) atinentes aos exercícios compreendidos entre 2001 e 2003.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, porquanto decidiu que a Impugnante tinha o ónus de provar que nos exercícios em causa não exerceu qualquer actividade e por isso está sujeita a imposto o que conduz à legalidade das liquidações. O que não foi o caso. Isto é a Impugnante não logrou ilidir a referida presunção de rendimento, improcedendo a impugnação quanto a este fundamento, para no dispositivo julgar a impugnação procedente.

II - Salvo o devido respeito, a Fazenda não concorda com tal decisão uma vez que, no novo CPC a reforma de sentença, nos termos do art.° 616.° do NCPC é uma excepção e para os casos ali vertidos, não se enquadrando no mesmo a douta sentença pelo que, enferma a mesma de nulidade nos termos do art.°615.°, n.° 1 al. c) do NCPC ou erro de julgamento.

III - O thema decindum é saber se as premissas do silogismo conduzem à decisão proferida.

IV - A douta sentença parte do seguinte silogismo:

a) A impugnante tinha o ónus de provar a inactividade da sociedade;

b) Não logrou provar essa inactividade;

c) Logo não ilidiu a presunção de rendimento;

d) Logo as liquidações emitidas são válidas e eficazes, improcedendo este segmento da impugnação.

V - Ora, das premissas do silogismo extrai-se a conclusão, a consequência, o fundamento de que as liquidações são válidas, eficazes e têm-se de manter na ordem jurídica, não sendo possível no dispositivo julgar procedente a douta sentença, mas sim parcialmente procedente.

VI - Para Abílio Neto, na anotação 10 e 36 ao art.° 615.° do NCPC foi referido que “(...) quando a construção da sentença seja viciosa, pois os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” e “(...) resulta da contradição entre a decisão e os seus fundamentos, revelando, assim, um vício lógico de raciocínio que distorce a conclusão a que deviam conduzir as premissas relativas aos factos e ao direito explanados. ”

VII - Assim sendo, a Fazenda alega a nulidade da sentença, nos termos do art.° 615.°,n.° 1, al. c) do NCPC aplicável ex vi do art 0 2 o, al. e) do CPPT e art° 125.° do CPPT.

VIII - Mas, caso assim se não o entenda, a douta sentença errou no seu julgamento pois, tal como mencionado no Ac. do TCAS de 12/04/2011, proferido no proc. n.° 04510/11 que (...) O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra a lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. ”

IX - Nos termos expostos, deve a douta sentença ser nula nos termos do art.0 615.°, n.° 1, al. c) do NCPC e art.0 125.° do CPPT, ou, caso assim se não entenda, enferma a mesma de erro de julgamento, uma vez que das premissas do silogismo não se pode retirar a conclusão, a consequência que a douta sentença chegou, devendo a mesma ser parcialmente procedente”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A - Face a todo o exposto e sendo verdade que a ora Contra-Alegante não exerceu, efectivamente, a actividade, não tendo, por isso, realizado qualquer tipo de proveitos ou suportado custos, não devia, como aconteceu, ser objecto das liquidações impugnadas.

B - Refira-se que a Contra Alegante ao fazer a entrega das declarações modelo 22 do IRC dos anos de 2001, 2002 e 2003, em 22/05/2005, a "ZEROS", embora fora de prazo, fê-lo quando ainda as liquidações impugnadas, ocorridas em 29/10/2005, não tinham sido feitas, o que serve para reforçar que a administração tributária devia ter-se certificado se a verdade material por elas revelada era ou não a verdadeira, como lhe impunha o princípio da legalidade e do inquisitório.

Ou seja,

C - Com o devido respeito e salvo melhor opinião, competia à administração tributária ter ponderado entre fazer as liquidações impugnadas e não as fazer e depois de se munir de todos os dados que carregaria para o processo administrativo, com vista fundamentar o "sim" ou o "não", ou seja, sobre proceder ou não ás liquidações.

D - Sem dúvida, pois, que a administração tributária fez "tábua-raza" do princípio da legalidade tributária, contida nos artigos 29º e 103º da CRP, artigo 8º da LGT e artigo 32 do CPA e do, princípio do inquisitório, consagrado fundamentalmente no artigo 58.º da LGT, que impõe que a Administração Tributária, no âmbito dos procedimentos, realize todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

E - Assim actuando, a administração tributária, salvo melhor opinião e o devido respeito, fê-lo à margem da lei, isto é, sem observar o que lei lhe impunha e impõe. No fundo, a administração tributária, não devia proceder às citadas liquidações sem primeiro se inteirar se se confirmava ou não que a Contra-Alegante nenhuns proveitos obteve a partir do ano de 2000, o que a confirmar-se, ficaria provado o não exercício da actividade.

Considerando,

F - Que no caso concreto em apreciação, a Contra-Alegante entregou as declarações a "ZEROS" muito tempo antes de terem sido feitas as liquidações impugnadas, salvo melhor opinião, era à administração tributária que competia provar que não era verdade que a Contra-Alegante não tivesse auferido proveitos,

E não,

G - Como pretende o Exmo. Representante da Fazenda Pública, que atira para cima da Contra-Alegante esse ónus, sabendo que foi a administração tributária que não aceitou ou que não quis aceitar a inexistência de proveitos, como declarado.

H - Quanto à Contra-Alegante, na sua modesta opinião, nos casos concretos dos autos, a prova que havia a fazer, tinha e tem a ver com a existência ou não do rendimento tributável que originou as liquidações impugnadas e não com o exercício da actividade em si mesmo, visto que, sendo elas (liquidações) da autoria da administração tributária, teriam que ser devidamente fundamentadas e não foram e devidamente provada a existência de matéria tributável e não foi.

Nesta medida,

I - Sendo esta a posição da ora Contra-Alegantes, sustentada nas praticadas ilegalidades deixadas plasmadas e nas subjectividades sempre patentes deixadas nas Alegações de Recurso, pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública e no douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Público”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há nulidade da sentença recorrida, por oposição entre os fundamentos e a decisão?

b) Há erro de julgamento, em virtude de não ter ficado demonstrada a inexistência de facto tributário?

Não irá ser apreciado o alegado na conclusão II, no que à reforma da sentença diz respeito (que, aliás, não tem qualquer correspondência no corpo das alegações) porquanto, in casu, não houve qualquer reforma, carecendo, pois, de materialidade tal segmento da conclusão.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1- Foram emitidas as liquidações de IRC, no montante total de €4.015,09 referentes a imposto, derrama, juros compensatórios e juros de mora relativos às liquidações n. (s) 2005 231039…, 2005 231039… e 2005 231039…., a que se reportam os exercícios de 2001, 2002 e 2003, respectivamente, que se dão por reproduzidas;

2- As liquidações referidas no ponto anterior têm, individualmente, os seguintes valores:


(“texto integral no original; imagem”)

3- As liquidações foram pagas em 07/12/2005 e 13/12/2015 (fl. 19 a 21);

4- Nas liquidações consta matéria coletável apurada o valor do pagamento por conta, o valor da derrama o valor dos juros compensatórios, o valor dos juros de mora e o imposto a pagar e os normativos ao abrigo dos quais poderia reclamar ou impugnar as liquidações (fl. 19 a 21);

5- Nas liquidações identificadas supra não constam os períodos a que se reportam os juros compensatórios, os juros de mora, nem as taxas aplicáveis ao caso. (fl. 19 a 21).

6- Em 2005 a Impugnante apresentou declarações de IRC Modelo 22 onde fez constar o seguinte;

Exercício de 2001 (regime simplificado), proveitos, (prestação de serviços) €10,397,15, matéria coletável €4.678,72, lucro tributável 4.678,72, coleta €935,74, total a pagar €935,74 (fl. 22 a 25);

Exercício de 2002 (regime simplificado), proveitos, (prestação de serviços) €10.826,98, matéria coletável €4.872,14, coleta €974,43, total a pagar €974,43 (fl. 25 a 29);

Exercício de 2003 a proveitos, (prestação de serviços) €10,397,15, matéria coletável €4.678,72, lucro tributável 4.678,72, coleta €935,74, total a pagar €935,74 (fl. 30 a 33);

7- A Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações a que foi atribuído o nº 3…- 06/400007.2 Rec. 38…/06

8- No âmbito da mesma a Impugnante foi notificada para exercer do direito de audição prévia (cf.do Ofício n. 28826 (notificação) datado de 14.04.2008 da Divisão de Justiça Administrativa (cfr. fls. 39 e 40 da Reclamação Graciosa em apenso);

9- A Impugnante não exerceu esse direito referido no ponto anterior”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão recorrida

Entende, desde logo, a Recorrente que se verifica nulidade da sentença recorrida, por oposição entre os fundamentos e a decisão proferida, em virtude de, na parte atinente à apreciação da alegada falta de atividade, todo o discurso argumentativo do Tribunal a quo é no sentido da improcedência do alegado pela Recorrida, tendo, a final, julgado a impugnação totalmente procedente e não apenas parcialmente procedente.

Vejamos.

Como resulta das conclusões, não é posta em causa a decisão proferida, atinente às liquidações de juros compensatórios, que o Tribunal a quo considerou padecer de falta de fundamentação. Assim, a nossa apreciação circunscreve-se apenas em relação ao decidido quanto ao demais.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão (cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC).

Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença (1), ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida(2).

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.2014 (Processo: 0308/14), “… esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, cumpre, antes de mais, atentar no discurso argumentativo constante da decisão recorrida. Ali se escreveu:

Vêm controvertidas as liquidações efectuadas pela Administração Tributária e Aduaneira efetuadas por omissão da Impugnante na apresentação das declarações periódicas Modelo 22.

As mesmas foram emitidas ao abrigo do artº 53º e 83º do CIRC, normas aplicáveis à data dos factos, 2001, 2002 e 2003.

A impugnante não se conforma e vem alegar inexistência de facto tributário.

“O acto de liquidação - acto tributário por excelência -, que concretiza a pretensão tributária, definindo o on e quantum da obrigação”, (acórdão do STA no processo nº 08750/15 de 01/11/159.

Ou seja o acto tributário tem na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (08750/15 de 05/11/15).

No caso a lei prevê que seja efectuada uma liquidação com base na “ totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada” (art. 83º, 1, b), in fine, do CIRC).

Quanto a esta questão importa trazer à colação a Douta jurisprudência exarada no acórdão do STA no processo 0553/09 de 04/11/09 que aqui se dá por reproduzida que se acolhe nos seus precisos termos e para o efeito e transcreve o seguinte

Vejamos. A norma cuja interpretação é questionada nos presentes autos – o artigo 53.º n.º 4 do Código do IRC (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/09, de 13 de Julho) – vem sistematicamente incluída na Secção V (Determinação do lucro tributável por métodos indirectos), do Capítulo III (Determinação da matéria colectável) do Código do IRC, respeitante à “quantificação” da obrigação tributária, logicamente subsequente ao Capítulo respeitante à incidência (capítulo I) e ao respeitante às isenções (capítulo II). A inserção sistemática da norma em causa no capítulo III do CIRC, o respeitante à determinação da matéria colectável, constitui um importante subsídio interpretativo para determinar o alcance da norma questionada. É que desta inserção sistemática resulta que a norma em causa não deve ser interpretada como procedendo a uma extensão da incidência objectiva do imposto, pois que se trata de norma inserida no procedimento de quantificação do imposto a pagar, procedimento este que pressupõe a prévia verificação dos pressupostos (objectivos e subjectivos) do tributo em causa concretizados nas regras de incidência objectiva e subjectiva que se contêm no Capítulo I do Código.

Ora, dispõe o artigo 1.º do Código do IRC, sob a epígrafe pressuposto do imposto, que tem aqui o sentido de facto constitutivo da respectiva relação jurídica de IRC (cfr. SOARES MARTÍNEZ, Direito Fiscal, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p. 187), que: «O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo que provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, nos termos deste Código» (sublinhados nossos). Segue-se a norma relativa à incidência subjectiva (artigo 2.º, Sujeitos passivos), entre os quais se contam as sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIRC), cuja base do imposto, de acordo com o artigo 3.º do CIRC, é constituído pelo respectivo lucro, quando exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (cfr. o artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do CIRC). Parece certo, em face das normas de incidência subjectiva do IRC, que a inactividade da empresa não obsta a que esta possa ser sujeito passivo de imposto, pois que mantém a sua existência jurídica não obstante o não exercício do objecto social (embora a personalidade jurídica não seja, sequer, pressuposto da sua potencial sujeição – cfr. a alínea b) do n.º 1, do artigo 2.º do CIRC) e pode ter obtido outros rendimentos tributáveis. Sucede, contudo, que tal só sucederá verificado que seja o pressuposto do imposto, ou seja, que tenha obtido rendimentos, mesmo que provenientes de actos ilícitos (artigo 1.º do CIRC), pois que não basta que possa ser sujeito passivo, necessário é também que se verifique o facto constitutivo da relação jurídica de IRC. É a esta luz que se há de interpretar o n.º 4 do artigo 53.º do CIRC, que dispõe, sob a epígrafe regime simplificado de determinação do lucro tributável: «Na ausência de indicadores de base técnico-científica ou até que estes sejam aprovados, o lucro tributável, sem prejuízo do disposto no n.º 11, é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação de produção e dos para a própria empresa, com o montante mínimo igual ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado». No caso dos autos, perante a declaração de rendimentos nulos, deve o IRC ser liquidado assumindo-se como lucro tributável o valor correspondente ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado? Entender que sim, significaria assumir que, no âmbito do regime simplificado, o pressuposto do imposto pode ser ficcionado, pois que não há quaisquer indícios de terem sido obtidos rendimentos pelo sujeito passivo em causa, sendo, aliás, todos os indícios em sentido inverso. Não nos parece, contudo, ser esse o sentido da norma. A norma em causa, respeitante à determinação do lucro tributável, só se aplica havendo rendimentos, pois que só havendo rendimentos, ou seja, só verificado que seja o pressuposto do imposto, nasce a respectiva relação jurídica. Mesmo nesse caso, ou seja havendo rendimentos, o valor mínimo constante da referida norma legal terá de ser entendido como mera presunção de rendimento, e como tal ilidível, ex vi do 73.º da Lei Geral Tributária, cuja regra não parece aplicável apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também a todas as normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação). É este, parece, o alcance do advérbio «sempre» utilizado no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, que arvora esta regra em princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva, como ensina CASALTA NABAIS (O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, Almedina, 1998, pp. 443 e ss.) “

Dispunha o artº 83º do CIRC(..), b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada” (Redacção do Decreto-lei n.º DL 198/2001- 3 de Julho; vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12)

Da prova produzida nos autos e dos fundamentos da Impugnante resulta que a Administração Tributária e Aduaneira efectuou a liquidação porquanto a Impugnante não apresentou a declaração Mod.22 dos exercícios em causa. A impugnante vem referir que não há lugar a facto tributário porque não exerce a actividade. A verdade é que em 2005 vem apresentar declaração de rendimentos mod. 22 imputando aos exercícios em causa matéria colectável e lucro tributável. Vem, depois, referir que o fez porque o sistema informático a isso a obrigava. Conforme ficou exarado no referido acórdão a determinação de rendimentos por parte da Administração Tributária é ilidível.

Nos termos do artº 74º da LGT com a redacção à data dos factos “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque”. Veio a Lei 55-B/04 de 30/12, (orçamento de estado para 2005), acrescer o seguinte, “excepto nas situações de não sujeição, em que recai sempre sobre os contribuintes”.

Face ao disposto no artº 12º nº 2, última parte do Código Civil, ao caso aplica-se a alteração efectuada pela referida lei do orçamento de Estado.

Aqui chegados, concluímos que a Impugnante tinha o ónus de provar que nos exercícios em causa não exerceu qualquer actividade e por isso está sujeita a imposto o que conduz à legalidade das liquidações. O que não foi o caso. Isto é a Impugnante não logrou ilidir a referida presunção de rendimento, improcedendo a impugnação quanto a este fundamento.

Alega, ainda, falta de fundamentação das liquidações.

Os juros compensatórios constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor tendo a função de completar a indemnização devida, reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, como componente da dívida global de imposto. Têm os mesmos prazos de cobrança e estão sujeitos ao mesmo período de prescrição, sobre ambos podem incidir o cálculo dos juros de mora que resulta hoje, com evidência, do preceituado (cfr. artº.35 nº 8 da LGT. A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:

a-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou

b-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou

c-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou

d-Reembolso superior ao devido;

e-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;

f-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

3. Estatui o artº.35, nº.5, da L.G.T., que a causa dos juros compensatórios pode consistir no recebimento de reembolso indevido ou superior ao devido, por facto imputável ao sujeito passivo, caso em que os juros se computam desde a data do mesmo recebimento e até ao momento da correcção da falta que o motivou. Neste caso, o legislador exige, para que sejam devidos juros compensatórios, o efectivo recebimento do reembolso por parte do sujeito passivo (acórdão 09282/16 de 17/03/2016 do TCA).

A fundamentação dos actos tributários ou «praticados em matéria tributária» que «afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes», estabelecida no artigo 268.º, n.º 3, artigo 77.º da LGT e artigo 125.º do CPA (norma na data dos factos) deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, (acórdão do TCA no processo nº 02962/09 de 03/03/016).

Nas liquidações impugnadas não consta a taxa de juros aplicadas aos juros compensatórios nem o período durante o qual os mesmos são devidos, ficando a Impugnante sem saber como é que a Administração Tributária e Aduaneira apurou o valor dos juros compensatórios. Assim, só se pode concluir que neste segmento a liquidação não está fundamentada. Este o sentido da jurisprudência no acórdão de 18/03/2015 processo nº 01911/13 de que se extrai o seguinte ”A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem e, não o fazendo, aquele ato enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade”.

Procede a Impugnação quanto a este fundamento o que conduz à ilegalidade das liquidações em crise (fim de citação; sublinhados e negritos nossos).

A final, o segmento decisório foi o seguinte:

“Julgo procedente a presente impugnação e anulo os actos controvertidos. Não condeno a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios”.

Atenta a análise da sentença recorrida, desde já se refira que assiste razão à Recorrente.

Com efeito, todo o discurso argumentativo é no sentido de apenas as liquidações de juros compensatórios padecerem de vício, por falta de fundamentação, não sendo imputado qualquer outro vício às liquidações, tendo, aliás, sido considerado que a impugnante não cumpriu o seu ónus probatório quanto à falta de atividade.

Ora, face ao discurso argumentativo supratranscrito a decisão em coerência com o mesmo seria, tal como refere a Recorrente, de parcial procedência da impugnação, anulando as liquidações na parte respeitante a juros compensatórios, mantendo-se quanto ao demais.

Não obstante, a decisão proferida foi de procedência total da impugnação, anulando os atos impugnados.

Como tal, verifica-se a nulidade da sentença, por oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, e ao art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC).

Nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.

Assim, cumpre conhecer o erro de julgamento alegado pela Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento

Entende a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, na medida em que das premissas apresentadas atinentes à falta de demonstração da inexistência do facto tributário só se pode concluir pela improcedência da impugnação, quanto à parte controvertida das liquidações (excetuando, pois, a parte atinente aos juros compensatórios, as quais se considerou padecerem de falta de fundamentação, o que não é questionado nos presentes autos).

Contrapõe a Recorrida referindo que, sendo verdade que não teve qualquer atividade, não pode ser tributada, cabendo à AT aferir a verdade material atentos os princípios da legalidade e do inquisitório.

Vejamos.

As liquidações em crise decorreram das declarações de IRC apresentadas pela impugnante em 2005 relativas aos exercícios compreendidos entre 2001 e 2003, que foram as primeiras declarações apresentadas relativas àqueles exercícios, tendo-o sido fora de prazo (cfr. art.ºs 83.º, n.º 1, al. a), e art.º 112.º, ambos do Código do IRC – CIRC), decorrendo da aplicação do regime simplificado previsto no art.º 53.º do CIRC.

Quer quando estamos perante autoliquidações, quer quando estamos perante liquidações oficiosas, inexistindo facto tributário, é sempre possível ao sujeito passivo invocar tal circunstância, designadamente em sede impugnatória(3).

Com efeito, decorre, desde logo, da lei fundamental que “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Assim, em situações como a dos autos, da qual resulta que a liquidação atendeu às regras do regime simplificado, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova de que não auferiu quaisquer rendimentos. Aliás, adiante-se que falta de atividade ou falta de rendimentos para efeitos de IRC não são sinónimas, sendo possível que uma entidade sujeita a IRC não esteja a desenvolver a sua atividade, mas, ainda assim, aufira rendimentos (por exemplo, uma indemnização).

Com efeito, nestes casos, a atuação da AT está perfeitamente delimitada pelos pressupostos do próprio regime, não lhe competindo, ao contrário do que defende a Recorrida, proceder a diligências com vista à aferição da (in)existência de facto tributário, não tendo, por isso, atentado contra o princípio do inquisitório(4). Na verdade, sendo a Recorrida uma sociedade comercial enquadrada no regime simplificado, as liquidações seriam sempre emitidas, pois que, atento o princípio da legalidade que deve enformar a atividade da AT, tal é o que resulta do regime constante do art.º 53.º do CIRC. Ademais, reitera-se, inatividade não equivale a falta de rendimentos, pelo que sempre caberia à Recorrida não só demonstrar a inatividade mas também demonstrar que não auferiu quaisquer rendimentos durante os exercícios em questão(5), ilidindo, desta forma, a presunção legalmente consagrada (cfr. art.º 73.º da LGT).

Tal demonstração tem de ir além, naturalmente, dos elementos que constam dos serviços da AT, sendo admissíveis quaisquer meios de prova, designadamente prova testemunhal, para alcançar tal desiderato. Ora, in casu, a Recorrida limitou-se a invocar a falta de atividade, não tendo sequer alegado a inexistência de quaisquer rendimentos seja de que natureza for nem apresentando a prova exigível (designadamente, prova testemunhal).

Cabendo à Recorrida o ónus da prova da inexistência de rendimentos e não tendo resultado provada tal circunstância, as liquidações, na parte em crise no presente recurso, não padecem de vício de erro sobre os pressupostos, motivo pelo qual se devem manter na ordem jurídica.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso apresentado pela Recorrente e, em consequência:

a.1. Declarar a nulidade da sentença recorrida, no que respeita exclusivamente às liquidações em crise dos exercícios de 2001, 2002 e 2003 (excetuando as de juros compensatórios), por oposição entre os fundamentos e a decisão;

a.2. Em substituição, julgar a impugnação, quanto às liquidações mencionadas em a.1., improcedente, mantendo-se as mesmas na ordem jurídica;

b) Custas na presente instância pela Recorrida;

c) Custas na primeira instância pela Recorrida na parte em que ora decaiu, fixando-se o seu decaimento em 91%;

d) Registe e notifique.

Lisboa, 05 de junho de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

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(1) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 361 e 362; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 333.
(2) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2013 (Processo: 0969/12) e de 15.09.2010 (Processo: 01149/09) e o Acórdão deste TCAS, de 18.06.2013 (Processo: 06121/12).
(3) Cfr., exemplificativamente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.02.2012 (Processo: 00175/05.2BEPRT).
(4) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2012 (Processo: 0474/11), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.05.2014 (Processo: 00353/05.4BEMDL).
(5) Sobre o ónus da prova a cargo do sujeito passivo em situações como as in casu, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2012 (Processo: 0474/11).