Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:509/12.3BELSB (11504/14)
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INEPTIDÃO DA PI; SINDICATO; ILEGITIMIDADE ACTIVA; DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS DOS ASSOCIADOS; INTERESSE EM AGIR
Sumário:I – A ineptidão da PI por falta de causa de pedir quanto aos elementos fácticos, por contradição entre os seus fundamentos e pedidos e por ininteligibilidade, exige a falta total da alegação de factos essenciais, a contradição insuprível entre a causa de pedir e os pedidos e uma incompreensibilidade completa do que se pretende.
II - Se não são alegados na PI os factos (essenciais), com relevância jurídica, para sustentarem a pretensão do A., ou se a alegação destes é ininteligível, há falta de causa de pedir, o que conduz à ineptidão da PI. Mas essa causa é antes insuficiente, deve haver lugar a despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 590.º, n.ºs 1 a 3, do CPC.
III – Os pedidos devem ser expressamente formulados e devem ser lícitos, determinados e compatíveis com a causa de pedir e entre si;
IV – A legitimidade activa dos sindicatos, não obstante dever ser amplamente reconhecida, não os desonera, no caso de figurarem em juízo com uma acção em que a causa de pedir e os pedidos visam a tutela colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar, de virem a juízo identificar esses concretos trabalhadores, a fim de se poder apreciar da sua legitimidade activa enquanto representantes daqueles, do interesse em agir e dos restantes pressupostos processuais;
V - Interesses colectivos são aqueles que abrangem uma categoria ou um universo de trabalhadores, associados do sindicato, são interesses comuns ou solidários a toda essa categoria ou universo. Já os interesses individuais dizem respeito a um ou a um grupo de trabalhadores, em número restrito, são interesses próprios desses trabalhadores, que não são comuns aos demais trabalhadores representados pelo sindicato;
VI – Se o SNES pretende salvaguardar os direitos e interesses dos docentes com a categoria de assistentes e de assistentes convidados, com o grau de Doutor obtido em 2012, vinculados contratualmente ao ISCTE, visa salvaguardar os interesses individuais desses docentes e não os interesses de todo um grupo ou classe, de um colectivo de trabalhadores e interesses comuns ou indivisíveis;
VII – Igualmente, neste caso, para que o Sindicato tenha interesse em agir, é necessário que esteja em juízo em representação dos seus associados, a quem a procedência da acção possa trazer algum benefício, directo e pessoal;
VIII- Apresentar uma acção em defesa de interesses colectivos ou de interesses individuais tem exigências legais diferentes, desde logo ao nível dos pressupostos processuais que se requerem para a procedência da acção. Tutelando-se direitos e interesses colectivos, o Sindicato é ele próprio interveniente da relação controvertida, a par com os trabalhadores que representa. No caso dos interesses individuais, o trabalhador é em primeira linha quem titula tal relação, que lhe é própria, pessoal, agindo o Sindicato em sua representação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
O S... N.... do E...S... (SNES) interpôs recurso do saneador-sentença do TAC de Lisboa, que julgou verificadas as excepções de ineptidão da PI, de falta de interesse em agir e que considerou em falta o pagamento da taxa de justiça, absolvendo o A. e ora Recorrente da instância.
Em alegações são formuladas pelo recorrente, as seguintes conclusões: ”1. A sentença recorrida fez errada aplicação da lei e do direito ao caso concreto.
2. O recorrente intentou a presente ação no uso da competência própria inserta no n.º 1 do art.56.º da CRP, para a defesa coletiva de direitos ligados à categoria, à carreira e à remuneração insertos no art.6.º da lei n.023/98, de 26 de maio.
3. O recorrido identificou e delimitou com clareza o objecto da ação, conforme resulta da contestação e da informação prestada ao abrigo da lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, sendo que, de resto, também o tribunal recorrido compreendeu os contornos do litígio.
4. O recorrido na contestação identificou, inclusive, os docentes que se encontravam no regime transitório e que obtiveram o doutoramento em 2012.
5. Tendo o recorrido identificado claramente o objeto da ação o tribunal a quo estava vinculado a conhecer do mérito sob pena de violação inadmissível do n.º 3 do art. 186.º do CPC em vigor.
6. O interesse em agir surge da necessidade de obter através do processo a proteção dos interesses dos associados do recorrente, ou seja, de ver reconhecidos os direitos e interesses legalmente protegidos dos docentes que foram gravemente prejudicados por força da errada interpretação e consequente aplicação; dos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 20.º da lei do orçamento de estado para 2012 (Lei n. 64-b/2011, de 30 de dezembro) pelo recorrido em 2012.
7. A defessa coletiva dos direitos dos associados do recorrente, terá sempre externalidades para além dos seus associados aproveitando aos demais docentes, sendo que, o recorrido reconheceu que existem pelo menos 7 docentes nas situações dos autos.
8. O recorrente está, assim, em juízo com o objetivo de defender e dignificar, em geral, o exercício da docência e da investigação científica, cfr. Art. 2.º dos respetivos estatutos, pelo que, tal defesa aproveita a todos os associados (e até aos não associados).
9. Ainda que o recorrido refira que procedeu à transição nos termos do n.º. 19 do art. 35.º da Lei n.º 66-b/2012, de 31 de dezembro, a verdade é que, os docentes têm direito a transitar com a respetiva remuneração desde a data de obtenção do doutoramento, pelo que, naturalmente, impõe-se tutelar tais situações com efeito a 2112!
10. A conduta ilegal do recorrido legitima e confere interesse processual ao recorrente no autos, mostrando-se, assim, a ação justificada, fundada e razoável para assegurar o reconhecimento do direito à transição com a respetiva remuneração dos seus associados.
11. O recorrente visa assegurar todas as situações do direito à transição ocorridas em 2012 sendo manifesta a utilidade da ação intentada pelo recorrente, SNESUP, no uso da sua legitimidade própria, pelo que, tem interesse em agir na presente ação tal como, aliás, já foi decidido em processos idênticos intentados contra outras instituições de ensino superior.
12 A presente ação existe inequívoca "solidariedade de interesses" entre todos os docentes associados do recorrente que se encontrem nestas condições, não conflito. L\do tais direitos entre si nem com os de quaisquer outros associados até por estarem em causa questões ligadas à categoria, carreira e remuneração que configuram interesses colectivos.
13. O recorrente ao defender interesses coletivos dos associados está isento do pagamento de custas na presente ação nos termos do n.03 do art. 310.º do regime do contrato de trabalho em funções públicas e da al .f) do n.0 1do art. 4.º do RCP.
14. Ademais, a alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do rcp não distingue sequer entre interesses individuais e coletivos, pelo que, também nesta parte a sentença recorrida fez errada aplicação da lei e do direito, tanto mais que, não se concluiu pela manifesta improcedência do pedido.
15. A al. F) do artigo 4.º do RCP confere isenção às pessoas coletivas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas atribuições ou para a defesa dl interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou legislação aplicável.
16 Nos presentes autos o recorrente atua exclusivamente no âmbito das suas atribuições, até porque, estão em causa matérias relativas à carreira e à remuneração insertas no art. 6.º da lei 23/98, de 26 de maio e DL n.º 408/89, de 18 de Dezembro.
17 O recorrente está, assim, em juízo com o objetivo defender e dignificar, em geral, o exercício da docência e da investigação científica, cfr Art. 2.º dos respetivos estatutos, pelo que, tal defesa aproveita a todos os associados
18. A interpretação seguida na sentença recorrida de que o recorrente não está nos presentes autos isento de custas é inconstitucional por desconformidade com o n.º 1 do art. 56.º da lei fundamental!”

O Recorrido nas contra-alegações apresentou as seguintes conclusões: “A) A douta sentença apelada não merece reparo, sendo que a mesma, fundamenta com propri edade a respetiva decisão.
B) A alegação da A. tendente a concluir que exerce a defesa dos interesses colectivos dos seus associados não está fundada pelo que deve ser julgada improcedente.
C) A falta de identificação dos associados em concreto conduz à ineptidão da p.i.
D) A inexistência de associados em condições de transição à data de proposição da ação junto do R. determina o arquivamento, sem mais, da acção”

O DMMP apresentou pronúncia no sentido da procedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 186.º, n.º 3, do CPC, porque a PI não era inepta;
- aferir do erro decisório porque através desta acção o ora Recorrente visava a defesa dos interesses colectivos dos seus associados;
- e aferir do erro decisório por o Recorrente ter sido condenado em custas, quando estava isento desse pagamento porque actuava em defesa dos interesses colectivos dos seus associados.

Na decisão recorrida julgou-se a presente PI inepta, por falta de causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido.
A ineptidão da petição acarreta a nulidade de todo o processado e constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, geradora da absolvição da instância (cf. art.ºs 186.º, n.º 1, 576.º n.ºs. 1 e 2, 577.º, al. b) e 578.º, do CPC).
Dispõem os art.ºs 78.º, n.º 2, als. f) e g), do CPTA, 3.º, n.º 1, 3, 5.º, 552.º, n.º 1, als. d) e e), do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, que na petição, com que propõe a acção, deve o A. expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento àquela e formular o pedido.
Portanto, deve o A., na PI, articular os factos concretos, objectivos e individualizados, que constituem a sua causa ou causas de pedir e sustentar juridicamente em termos lógicos, suficientes e adequados os pedidos que formula na acção. A causa de pedir é constituída por esses factos, que ganham relevância jurídica pela aplicação que sobre eles se faz do direito. Por via dessa aplicação, tornam-se factos jurídicos, emergindo deles a pretensão do A. (cf. os supra indicados artigos, conjugados com o artigo 581.º, n.º 4, do CPC).
Se não são alegados na PI os factos (essenciais), com relevância jurídica, para sustentarem a pretensão do A., ou se a alegação destes é ininteligível, há falta de causa de pedir, o que conduz à ineptidão da PI. Mas essa causa é antes insuficiente, quando apesar de estarem alegados tais factos, os mesmos são insuficientes para se reconhecer o direito do A. Neste último caso, a PI será deficiente, devendo haver lugar a despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 590.º, n.ºs 1 a 3, do CPC.
Este convite ao aperfeiçoamento é também um corolário dos princípios do acesso à justiça, do inquisitório, da cooperação, do dever de auxilio e da boa-fé processual, dos princípios anti-formalista, pro actione, in dubio pro habilitate instantiae e da igualdade das partes (cf. artigos 6.º a 8.º do CPTA, 6.º a 8.º e 411.º do CPC). Nessa medida, não é apenas uma faculdade do julgador determinar a correcção dos articulados imperfeitos, imprecisos, tecnicamente mal feitos e deficientes, mas é antes um ónus, um poder-dever. Se a parte não foi bem patrocinada e o articulado apresentado é tecnicamente imperfeito e impreciso, mas ainda assim não é inepto, por nele estarem indicados de forma inteligível os factos essenciais que suportam a pretensão e as razões de direito em que a mesma se funda, tem o julgador o poder-dever de auxiliar aquela parte, para que as deficiências técnicas do seu patrocínio não comprometam irremediavelmente os seus direitos ao acesso à justiça e a uma igualdade substancial. Nessa medida, o julgador deve apelar à cooperação e boa-fé processual de todos os intervenientes processuais, para que a peça imperfeita possa ser corrigida, adoptando uma postura anti-formalista e em favor da promoção do conhecimento do mérito do processo. Tal postura apenas terá como limites a salvaguarda da igualdade formal entre as partes e o respeito pelo princípio do contraditório, pelo ónus do princípio do dispositivo e pela estabilidade objectiva da instância. Por conseguinte, em pré-saneador, deve sempre ser feito o convite ao aperfeiçoamento relativamente a uma PI imperfeita, mas que ainda assim não seja inepta. Trata-se de um convite vinculado, pois não pode a pretexto do mesmo vir a parte alegar quaisquer outros factos essenciais, que já não tenham sido alegados na PI primitiva. Na PI aperfeiçoada apenas pode a parte vir concretizar os factos (essenciais) já antes arguidos, melhor explicitá-los, ou trazer aos autos juntamente com aquela concretização outros factos instrumentais que interessem à causa – cf. art.ºs 5.º e 265.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
Na PI o A. deve, igualmente, formular, a final, os seus pedidos, devendo estes ser expressamente formulados, lícitos, determinados e compatíveis com a causa de pedir e entre si – cf. art.ºs 78.º, n.º 2, al.g) do CPTA e 552.º, n.º 1, al. e) e 553.º a 556.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
Ora, analisada a PI da presente acção, verifica-se, que a A. alegou de forma minimamente inteligível os factos essenciais relativos à sua causa de pedir, assim como, formulou, a final, os correspondentes pedidos.
Conforme decorre da PI, o A. veio pedir para “a) ser declarado pelo Tribunal, o reconhecimento (i) do direito dos docentes associados do Autor com a categoria de assistentes ou de assistentes convidados, vinculados contratualmente à Ré, à transição para a categoria de professor auxiliar pela aquisição do grau de doutor durante o ano de 2012, desde que verificados os restantes requisitos exigidos pelo regime transitório previsto no DL n.º 205/2009, de 31 d agosto, na redacção resultante da Lei n.º 8/2010, de 13 de maio; b) à percepção da remuneração mensal devida por tal categoria, c) da inaplicabilidade a estes casos, dos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 20.º da LOE 2012, porquanto, tal aplicação viola os artigos 2.º, 59, n.º1, al. a) e 13.º da CRP estando os atos relativos à manutenção dos salários dos associados do A., assistentes ou assistentes convidados que transitaram para professor auxiliares, praticados pela Ré, inquinados de nulidade nos termos do n.º 1 e 2, alínea d) do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo com os efeitos do artigo 134º do mesmo Código d) Da inaplicabilidade face ao disposto nos artigos 6º e 7º da Lei n..º 23/ 98 de 26 de Maio; e) inaplicabilidade face à exceção inserta no n.º 12 do artigo 24.º da LOE 211 mantida em vigor pelo n.º1 do artigo 20.º da LOE 2012 f) tal inaplicabilidade resulta ainda do disposto nos artigos 214°, 217º n.º 2 e 87° do Regime do CTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro e do DL408/ 89, de 18 de Novembro. 2) ser a Ré condenada e intimada à outorga, com os docentes que cumpram as condições do regime transitório e na sequência do reconhecimento dos direitos peticionados em 1 dos respectivos contratos de trabalho em junções públicas por tempo indeterminado sujeito ao período experimental na categoria de professor auxiliar, com efeitos à data de realização das provas de doutoramento pelos docentes e ao pagamento dos vencimentos mensais correspondentes ao reposicionamento remuneratório correspondente à transição para tal categoria, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal contados desde aquela data até integral pagamento 3) Declarar nulos e de nenhum efeito quaisquer contratos, entretanto celebrados, por associados do autor que tenham transitado para a categoria de professor auxiliar em virtude do regime transitório na parte em que se tenha clausulado a manutenção da retribuição da categoria de assistente ou de assistente convidado”.
Quanto à causa de pedir, vem alicerçada pelo A praticamente apenas em alegações de Direito.
Como decorre da PI, nomeadamente do ponto II, com o subtítulo “causa de pedir”, correspondente aos art.ºs 8.º a 100.º, ali é alegado todo um reportório de invalidades, alegadamente cometidas pelo I…, sem que se explicite de forma minimamente clara e separada a correspondente matéria factual que estará na base de tais invocações jurídicas.
Não obstante, a partir daquelas alegações é ainda possível compreender que a razão de ser das indicadas invocações jurídicas se prende com a circunstância fáctica decorrente do I…. estar, desde 2012, a recusar operar à transição dos seus docentes com a categoria de assistente e assistente convidado, que entretanto adquiriram o grau de Doutor, para a categoria de professor auxiliar, contratando-os como tal.
Serão estes, portanto, os únicos factos que o A. alegou e que estão na base das suas invocações jurídicas.
Por conseguinte, sem embargo de se aceitar que a causa de pedir constante da PI não é de fácil apreensibilidade, porque construída de forma misturada entre alegações fácticas e de Direito, ainda assim, há que admitir que a mesma não é de todo ininteligível.
Depois, se é também certo que o A. não distinguiu os factos do Direito e praticamente não alegou os primeiros, a verdade é que, ainda assim, vêm alegados no discorrer da PI os factos essenciais à apreciação da acção, que se reduzem aos acima identificados.
Ou seja, a PI não é totalmente omissa de causa de pedir ou de matéria fáctica essencial.
Da mesma forma, não se pode dizer que o petitório final é ininteligível.
Como resulta do que ficou transcrito, os pedidos são também confusamente formulados e deles constam, por vezes, meras conclusões de Direito e juízos de valor, que somente haviam de constar da causa de pedir, na sua parte jurídica. Porém, ainda assim, não se tratam de pedidos ininteligíveis, porque totalmente incompreensíveis ou contraditórios com o que foi antes exposto e entre si.
De referir, também, que a presente acção foi interposta pelo SNES, alegadamente em defesa dos direitos e interesses colectivos dos trabalhadores que representa, ao abrigo do art.º 310.º, n.º 2, da Lei n.º 59/2008, de 11-09, que aprovou o Regime e o Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (cf. também o artigo 56º da Constituição da República Portuguesa- CRP).
Portanto, na óptica deste Sindicato, aquela circunstância eximia-o de proceder a alegações factuais individualizadas ou a fazer pedidos finais mais individualizados.
Na verdade, se estivessem em causa interesses colectivos, os pedidos formulados a final não haviam de ser considerados como genericamente formulados, pois reconduzir-se-iam a pedidos que se queriam fazer valer relativamente a todos os sócios do SNES.
Em suma, mau grado a PI não ser perfeita, mas ao invés, estar deficientemente apresentada, a mesma não pode ser rotulada de inepta, por ininteligível e por existir uma “ausência de causa de pedir” e por ser pedida a condenação do I… “de forma genérica” e para “um conjunto de pessoas indeterminadas”.
Assim, nesta parte, não há que acompanhar a decisão recorrida, quando julgou pela ineptidão da PI.
De referir, por fim, que se aquela ineptidão se verificasse efectivamente, bastaria o seu conhecimento para fazer claudicar a acção, por existir uma excepção dilatória que obstava ao demais que houvesse de ser conhecido nos autos, no caso, que obstava ao conhecimento da questão da falta de interesse em agir do A.

Vem o Recorrente invocar um erro decisório, alegando que tinha interesse em agir, pois através desta acção visava a defesa dos interesses colectivos dos seus associados.
Na decisão recorrida julgou-se verificada a excepção de falta de interesse em agir por banda do A., SNES, considerando que para a verificação desse interesse teria o A. de alegar que existiam associados seus, com a categoria de assistentes e assistentes convidados, que tinham obtido o grau de Doutor, a quem o I… se tinha recusado de fazer transitar para a categoria de professor auxiliar.
Ora, como veremos a seguir, este julgamento está certo.
Como se disse, o A. apresentou a presente acção alegadamente em defesa de interesses colectivos dos seus associados.
Por despacho de fls. 142 e 143, foi o A. convidado a suprir as deficiências da sua PI, a identificar os associados e respectivas relações contratuais com a R., concretizando a matéria de facto alegada e a melhor especificar os seus pedidos, assim como, a comprovar o pagamento da taxa de justiça por estar a defender direitos individuais dos seus sócios.
Nessa sequência, o A. veio apresentar o articulado de fls. 148 a 151, afirmando manter a PI nos seus termos iniciais, por estar a defender direitos e interesses colectivos.
Porém, como decorre do da causa de pedir e do petitório antes indicado, em causa nestes autos não está a defesa de interesses colectivos, porque abranja interesses comuns ou solidários de toda uma categoria ou universo de trabalhadores associados do Sindicato, mas está em questão, sim, a defesa dos interesses individuais dos seus sócios que sejam docentes com a categoria de assistentes ou de assistentes convidados, que tenham obtido o grau de Doutor em 2012 e que estejam vinculados contratualmente ao R. I….
Interesses colectivos são aqueles que abrangem uma categoria ou um universo de trabalhadores, associados do sindicato, são interesses comuns ou solidários a toda essa categoria ou universo.
Já os interesses individuais dizem respeito a um ou a um grupo de trabalhadores, em número restrito, são interesses próprios desses trabalhadores, que não são comuns aos demais trabalhadores representados pelo sindicato.
Ora, no caso da acção em apreciação, as pretensões aqui deduzidas apenas interessam a um grupo restrito de trabalhadores: os assistentes ou os assistentes convidados, que obterem o grau de Doutor em 2012 e que estão vinculados contratualmente ao I….
Ademais, da causa de pedir retira-se, também, que a posição que o A. visa defender para os seus associados assistentes ou os assistentes convidados colidirá com a de outros professores auxiliares que transitem para a categoria de assistente, ou dos professores auxiliares recrutados mediante concurso – cf. arts. 38.º, 40.º a 48.º da PI..
Ora, essa circunstância – relativa aos interesses antagónicos ou divergentes entre os vários docentes: assistentes, assistentes convidados e professores auxiliares, que progridam no seio da instituição, ou que sejam recrutados de novo - torna evidente que o A. não pretende defender interesses colectivos, porque de todos os seus associados, mas, sim, pretende defender interesses individuais de um grupo muito restrito de sócios.
No caso em apreço não há, claramente, uma solidariedade de interesses que caracteriza o “interesse colectivo”, pois o eventual provimento das pretensões deduzidas não é idóneo a satisfazer as necessidades comuns a todos os associados do A.
Os interesses em jogo não são idênticos, coincidentes e instrumentais a todos os associados do A, mas são, sim, antagónicos, conflituosos e autónomos, pois exclui todos os associados que não preencham os requisitos para que lhes seja reconhecido o direito que se pretende com a presente demanda.
Aqui não há um interesse colectivo que seja valorado com independência e autonomia e que ocupe uma posição de superioridade relativamente aos interesses de cada docente que seja membro do sindicato.
Claramente, o caso enquadra-se na “defesa colectiva de interesses individuais”, ou seja, na protecção de direitos e interesses legalmente protegidos de cada um dos docentes que se encontrem em condições específicas.
Logo, no caso em apreço, o A. e Recorrente só seria parte legítima e deteria interesse em agir se actuasse em defesa dos interesses individuais dos seus associados, concretamente identificados, como mero representante dos mesmos.
Depois, repare-se, que o A., a final, pede a condenação do R. à outorga de contratos com os assistentes e assistentes convidados, seus sócios e vinculados ao I… e que sejam declarados nulos os contratos que entretanto aquele docentes tenham celebrados, pressupondo nestes pedidos que se quer substituir à vontade de tais docentes em contratar com o I…. Consequentemente, para se apresentar em juízo formulando pedidos que correspondem a uma vontade de contratar, própria e individual dos docentes, ou que correspondem a uma vontade de quebrar uma anterior contratação, teria aquele Sindicato que estar mandatado por esses docentes, representando-os.
De notar, ainda, que nos termos dos artigos 8º, n.º 3 e 10º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31.08, a transição para a categoria de professor auxiliar só se opera após a formulação de um requerimento do docente manifestando essa vontade individual.
Portanto, não obstante o Sindicato em apreço poder ter, eventualmente, entre os seus associados, assistentes ou assistentes convidados, que estejam contratados pelo I…. e que obtiveram o grau de Doutor no ano de 2012, as pretensões ora formuladas só poderão ser julgadas procedentes e posteriormente executadas se se provar com relação a um qualquer concreto associado do A., que manifestou a sua vontade individual de transitar para a categoria de professor auxiliar.
Igualmente, o pedido final de declaração da nulidade dos contratos celebrados só pode efectivamente verificar-se se tais contratos tiverem sido celebrados com relação a algum seu associado.
Formuladas abstractamente as pretensões acima referidas, sem se alegar e provar a prévia existência daqueles requerimentos e manifestações de vontade, ou a existência de contratos, nenhum interesse em agir existe. E também não se poderá exigir ao I…. nenhuma das condutas a que se requer que seja condenada, por antes não ter tido um certo comportamento, que lhe era devido.
Os pedidos de condenação pressupõem uma conduta prévia da Administração, em desconformidade com o direito, que se afirma. E as condenações tem de ser determinadas em concreto, desde logo porque não são legalmente admissíveis condenações em abstracto, hipotéticas, eventualmente possíveis num momento futuro e indeterminado, para situações meramente teóricas ou eventualmente possíveis.
Para que SNES tenha interesse em agir, é necessário que o mesmo esteja em juízo em representação dos seus associados a quem a procedência da acção pode trazer algum benefício directo e pessoal, apresentando-se então em defesa dos direitos ou interesses individuais desses trabalhadores que representa.
Como se refere no Ac. do STA n.º 788/10, de 16-12-2010 (in www.dgsi.pt) “um direito ou um interesse é “colectivo” quando pertence a todo o colectivo de trabalhadores representados pelo sindicato. Em termos literais a palavra “colectivo” significa: “ (…) que se refere a muitas pessoas ou coisas ao mesmo tempo; opõe-se a individual”. “ (…) A palavra colectivo emprega-se para designar o sentido de um termo geral quando ele se refere à colecção, quer dizer, ao conjunto dos indivíduos que pertencem à sua extensão” – GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA, Vol. 7, pág. 120.
Quando a expressão “colectivo” se reporta ao interesse, - como é o caso - tem em vista um bem jurídico protegido que é comum, que tem como co-titulares todo o universo de representados no sindicato. Há, nestas situações, uma “solidariedade de interesses”, que se traduz “em a necessidade de uma pessoa não poder ser satisfeita sem que o seja também a necessidade de outrem” – CARNELUTTI, Teoria Geral do Direito, pág. 83/84. Com efeito, explicita o mesmo autor: “Entre os interesses de várias pessoas, felizmente actua também, até mesmo em primeiro lugar, a solidariedade. (…) No campo da intersubjectividade – como soe dizer-se – a solidariedade traduz-se em a necessidade de uma pessoa não poder ser satisfeita sem que o seja também uma necessidade de outrem. Nessa hipótese, a posição favorável para a satisfação de uma necessidade determina-se ao mesmo tempo a respeito de um e do outro. Delineia-se, assim, a noção de interesse comum ou colectivo, em antítese com o interesse singular ou individual” – ob. cit. pág. 84.
MARQUES ANTUNES, Direito de Acção Popular no Contencioso Administrativo, pág. 36/37 caracteriza os interesses colectivos, como sendo “… tal como os interesses individuais, interesses egoístas e particulares…(…).” (…) organizados por forma a adquirirem uma estabilidade unitária e organizada, de tal forma que se agregam a um determinado grupo ou categoria de indivíduos relacionados com um determinado bem jurídico”.
Atributo dos direitos ou interesses colectivos (legalmente protegidos) é, assim, a sua indivisibilidade o que implica que se trata de um direito ou interesse de todos. Quando um direito ou interesse colectivo é exercido o bem jurídico tutelado pela norma é alcançado por todos.
Aos direitos e interesses colectivos contrapõe a mesma lei, direitos e interesses individuais dos trabalhadores representados, que são os direitos e interesses de cada um dos trabalhadores. Neste caso o direito ou o interesse pode considerar-se a afectação jurídica do bem à realização dum ou mais fins de pessoas individualmente consideradas – como dizia GOMES DA SILVA, Dever de Prestar Dever de Indemnizar, pág. 52, ao definir direito subjectivo. E, portanto, o seu titular é identificado e claramente demarcado do demais, através da norma que protege esse bem jurídico. Nestes casos, o sindicato visa defender os direitos ou interesses concretamente identificados “que entregam à associação sindical o exercício dos direitos ou interesses em litígio”. Esta modalidade de legitimidade assenta “na titularidade dos interesses directos e imediatos por parte dos associados que delegam nela associação a representação em conjunto” – F. NICOLAU SANTOS SILVA, citado por GUILHERME DA FONSECA, Cadernos de Justiça Administrativa, 43, pág. 29.
Deste modo, embora o sindicato tenha uma ampla legitimidade processual para defender interesses dos seus associados, a verdade é que os requisitos de uma e outra das apontadas modalidades não são iguais:
(i) Pode defender direitos ou interesses colectivos, sem ter que identificar qualquer dos associados, mas os direitos e interesses a prosseguir devem ser comuns e indivisíveis (colectivos). Nestes casos está isento de custas.
(ii) Pode defender colectivamente direitos ou interesses individuais dos seus associados. Nestes casos não goza de isenção de custas.” (cf. ainda, em sentido semelhante, entre outros, os Acs. do STA n.ºs 269/08, de 18-04-2013, 458/10, de 30-06-2011, 2018/03, de 03-11-2011, 89/07, de 29-03-2007, 1887/03, de 06-10-2005, 1945/03, de 04-03-2004, 190/04, de 03-11-2004, ou 1888/03, de 06-05-2004).
Ou seja, estando o SNES em juízo a defender a presente pretensão, que visa a tutela de direitos ou interesses individuais de alguns dos seus associados, havia que figurar como representante dos mesmos, estando estes concretamente identificados. Se tal não ocorrer, está o SNES a litigar em nome próprio relativamente a relações jurídicas que lhe são alheias, porque próprias, individuais, relativamente a cada um dos seus associados abrangidos pela relação controvertida.
Conforme é jurisprudência firme dos nossos tribunais superiores, os art.s. 56.º da CRP 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 84/99, de 19.03, 55.º, n.º 1, al c), do CPTA, e agora o art. 310.º, n.º 2, do RRCTFP, que atribuem legitimidade activa aos sindicatos, devem ser lidos de forma a acolherem uma ampla legitimidade daqueles, quer para a defesa dos direitos e interesses colectivos, quer para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar – cf. neste sentido, entre muitos, os Acs. do TC n.º 75/85, de 06-05, n.º 118/97, de 19-02 e n.º 160/99, de 10-03 e os Acs. do STA já antes citados).
Porém, para que o SNES tivesse legitimidade activa para a presente acção – onde defende interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar - teria aqui de apresentar-se nessas vestes, ou seja, enquanto representante desses trabalhadores, individualmente identificados e a quem a eventual procedência da presente acção pudesse, efectivamente, beneficiar.
A legitimidade activa dos sindicatos, não obstante dever ser amplamente reconhecida, não os desonera, no caso de figurarem em juízo com uma acção em que a causa de pedir e os pedidos visam a tutela dos direitos e interesses individuais, legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar, de virem a juízo identificar esses concretos trabalhadores, a fim de se poder apreciar da sua legitimidade activa enquanto representantes daqueles, do interesse em agir e dos restantes pressupostos processuais.
Apresentar uma acção em defesa de interesses colectivos ou de interesses individuais tem exigências legais diferentes, desde logo ao nível dos pressupostos processuais que se requerem para a procedência da acção. Tutelando-se direitos e interesses colectivos, o Sindicato é ele próprio interveniente da relação controvertida, a par com os trabalhadores que representa. No caso dos interesses individuais, o trabalhador é em primeira linha quem titula tal relação, que lhe é própria, pessoal, agindo o Sindicato em sua representação. Logo, para poder demonstrar ter interesse em representar o trabalhador em juízo para dirimir a sua relação material controvertida, terá o sindicato que identificar tal ou tais trabalhadores e os seus interesses individuais ou pessoais. E será com base nessa indicação que será aferido o interesse em agir do Sindicato, ou a tempestividade da acção, ou o regime de custas a que fica sujeito, por exemplo (cf. neste sentido, os Acs. do TCAS. n.ºs. 08695/12, de 18-05-2017, 09685/13, 20-06-2013, ou do TCAN n. º 00344/10.3BECBR, de 08-09-2010 ou n.º 02517/08.0BEPRT, de 27-05-2010, ou do TRP n.º 729/13.3TTVNG.P1, de 22-09-2014. Vide também, ainda que a apreciar a questão apenas para efeitos de custas, os Acs. do TCAS n.ºs. 13185/16, de 02-06-2016, 12120/15, de 29-10-2015).
Nestes autos o A. e ora Recorrente foi convidado a aperfeiçoar a sua PI e para vir indicar os concretos trabalhadores que representava. O SNES manteve-se a alegar que pretendia defender interesses colectivos. Na presente acção não estão em causa tais interesse. Assim, há que confirmar a decisão recorrida quando julgou que o SNES não detinha interesse em agir, por não vir identificar na acção quais os concretos associados que representava.
Frente à causa de pedir e pedidos da presente acção, o SNES será, igualmente, parte ilegítima para figurar na acção como A., pois os direitos e interesses que pretende defender não são colectivos, mas, sim, são direitos e interesses individuais, de concretos docentes, que não vem identificados e não estarão representados pelo SNES nesta acção.
Na verdade, quando o SNES pede para que o I… celebre novos contratos e quando pede a declaração de nulidade dos contratos já celebrados e, em simultâneo, se mantém a afirmar que não está a defender direitos e interesses de nenhum docente em concreto, está a arrogar-se de direitos e de uma posição processual que não lhe pertence, mas apenas pertence a esses próprios docentes.
Portanto, para além de falecer o interesse em agir do SNES, este mesmo Sindicato é parte ilegítima para figurar na acção como A., formulando os pedidos supra indicados.
Em suma, há que confirmar a decisão recorrida quando julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir.
Igualmente, e pelas mesmas razões, atrás expostas, há que confirmar aquela mesma decisão quendo entendeu que o SNES deveria ser condenado em custas por não estar a litigar em defesa dos interesses colectivos dos seus associados.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida quando julgou verificada a excepção de ineptidão da PI, mas confirmando-a, com a fundamentação aqui explanada, quando julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir e quando condenou o A. em custas;
- custas pelo Recorrente e pelo Recorrido, na proporção do decaimento, que se fixa em 90% para o recorrente e 10% para o Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 14 de Junho de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)