Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04847/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/15/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ARTº.84, DO R.G.I.T.
RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO DA DECISÃO RECORRIDA.
ARTº.33, Nº.2, DO R.G.I.T.
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL.
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA PREVISTA NO ARTºS.114, NºS.2 E 5, AL.F), DO R.G.I.T.
Sumário:1. Numa primeira análise, estabelecendo-se no artº.84, do R.G.I.T., que o recurso só terá efeito suspensivo se o arguido prestar garantia (cfr.artº.199, do C.P.P.T.) ou demonstrar, no mesmo prazo, que a não pode prestar por insuficiência de meios económicos, poderia concluir-se que se consagra a possibilidade de execução de decisões condenatórias antes de as mesmas transitarem em julgado. No entanto, não se deverá admitir tal possibilidade. As decisões exequíveis proferidas em processos de contra-ordenações tributárias são as proclamadas por tribunais tributários ou pelas autoridades administrativas que se tornem definitivas, quer por trânsito em julgado, quer por não interposição de recurso judicial (cfr.artº.79, nº.2, do R.G.I.T.; artºs.88 e 89, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas - R.G.C.O.C.).

2. A solução mencionada em 1. está em contradição com o regime previsto para o direito processual criminal, em que se estabelece que o recurso de decisões condenatórias tem sempre efeito suspensivo, relativamente à condenação (cfr.artº.408, nº.1, al.a), do C.P.Penal) e só as decisões condenatórias transitadas em julgado têm força executiva (cfr.artº.467, nº.1, do mesmo Código). Por outro lado, tal solução estaria em desarmonia com o regime geral das contra-ordenações, em que se prevê que a coima é paga depois de a decisão se tornar definitiva ou transitar em julgado (cfr.artº.88, nº.1, do R.G.C.O.C.) e que o não pagamento em conformidade com o disposto neste artigo dá lugar à execução (cfr.artº.89, nº.1, do mesmo diploma).

3. Em face destas normas, deverá entender-se que, no regime previsto no artº.84, do R.G.I.T., complementado pelo R.G.C.O.C., não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplicar, sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material deste artº.84, do R.G.I.T., nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória, assim não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeito suspensivo da decisão recorrida.

4. A prescrição do procedimento contra-ordenacional consubstancia excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final (cfr.artºs.35 e 193, al.b), do C.P.Tributário, e 27, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10; artº.33, do R.G.I.Tributárias), obstando à apreciação da matéria de fundo e gerando o arquivamento dos autos.

5. Actualmente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está previsto no artº.33, do R.G.I.T. (diploma aplicável ao caso concreto), norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119, da L.G.Tributária, tal como no artº.35, do C.P.Tributário, no que se refere às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.

6. Já o artº.33, nº.2, do R.G.I.T., estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T.

7. É enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária que deriva da violação do regime de pagamento especial por conta prevista no artºs.114, nºs.2 e 5, al.f), do R.G.I.T.

8. Igualmente é aplicável ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“I……….. - INDÚSTRIA ………………………….., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu apelação dirigida a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF de Leiria, exarada a fls.49 a 55 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através da qual julgou improcedente o salvatério intentado pela arguida, em consequência do que manteve a decisão condenatória e a coima em que foi condenada.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.59 a 64 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem imputada à arguida a prática, a título de negligência, da contra-ordenação prevista no artº.96, nº.1, al.a), do C.I.R.C., punida com a coima prevista no artºs.114, nºs.2 e 5, al.f), e 26, nº.4, do R.G.I.T., ou seja, a falta de entrega de pagamento por conta de I.R.C., sendo que o período a que se refere o facto que integra a infracção fiscal “sub judice” reporta-se ao tempo de 12/2003, cujo termo de pagamento se verificou em 31/12/2003;
2-Conforme preceitua o artº.33, nº.1, do R.G.I.T., o procedimento pela contra-ordenação em causa extingue-se por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos;
3-No entanto, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação (artº.33, nº.2, do R.G.I.T.), ou seja, estabelece um prazo especial de 4 anos, quando a infracção depende de liquidação;
4-Como prazo prescritivo está sujeito a interrupções e suspensões ditadas por factos processuais de diversa ordem tal como prevêem os artºs.28, do dec.lei 433/82, de 27/10, e 121, nº.2, do Código Penal;
5-É pacífico que a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade;
6-No presente, e com interesse para estes institutos, para que possamos verificar da prescrição, temos o seguinte:
a) A arguida não efectuou o pagamento por conta do I.R.C. do período de 2003/12, cujo prazo terminou em 2003/12/31 (auto de fls.3);
b) A arguida foi notificada para exercer o direito de defesa 2/7/2006;
c) A decisão administrativa condenatória foi proferida em 15/4/2008;
7-Temos assim de concluir que na falta de qualquer outro facto interruptivo e/ou suspensivo, a contra-ordenação prescreveu em 30 de Junho de 2010, 4 anos + 2 anos+ 6 meses (cfr.artº.121, nº.3, do Código Penal aplicável por entendimento do artº.3, al.b), do R.G.I.T.);
8-Nos termos dos artºs.576, nº.2, e 806, nº.1, do Código Civil, a indemnização é a forma legal de reparar o incumprimento das obrigações pecuniárias, indemnização essa que corresponde aos “juros a contar do dia da constituição em mora”;
9-Assim, não pode entender-se que tenha havido prejuízo pelo simples facto do imposto a pagar só tenha dado entrada nos cofres do Estado em 31/5/2004, já que o pagamento da obrigação devida, acrescida dos respectivos juros, faz cessar o “prejuízo à receita tributária”;
10-Termos em que deve ser julgado extinto o presente procedimento contra-ordenacional, que pende sobre a arguida “l.R.P. - Indústria de Rebocos de Portugal, S.A.”, e determinando-se o oportuno arquivamento dos autos.
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O Digno Magistrado do M. P. apresentou contra-alegações (cfr.fls.72 e 73 dos autos) nas quais conclui sufragando a alegação do recurso, no que tange à invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional, assim advogando que o prazo máximo inerente a esse instituto, por apli­cação dos artºs.33, nºs.2 e 3, do R.G.I.T., 27-A, nºs.1, al.c), e 2, e 28, nº.3, do R.G.C.O.C., e 121, nº.3, do C. Penal, foi atingido em 30/6/2010, e, nessa medida, o recurso merecerá provimento.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo pronunciando-se por que se atribua ao presente recurso o efeito suspensivo, atento o facto do arguido ter prestado garantia bancária e o disposto no artº.84, do R.G.I.T. (cfr.fls.88 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.89 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.50 a 52 dos autos):
1-No dia 20/12/2006, na Direcção de Serviços de Cobrança da DGCI - Justiça Tributária, o Director de Serviços, Francisco ………………., verificou pessoalmente que a arguida, “I…………. - Indústria ……………………, S.A.”, não entregou para o período de 2003/12 e até 31/12/2003 a declaração periódica de rendimentos - falta de entrega do pagamento por conta no montante de € 44.690,07 (cfr.cópia de auto de notícia junta a fls.2 dos presentes autos);
2-O auto de notícia mencionado no nº.1 deu origem à instauração do processo de contra-ordenação fiscal nº………………, cuja parte administrativa correu seus termos no Serviço de Finanças ………….. (cfr.capa do processo constante de fls.1 dos presentes autos);
3-Do histórico do processo supra identificado consta a informação da notificação para defesa/pagamento voluntário em 22/12/2006 e a confirmação da recepção de notificação em 29/12/2006 (cfr.documento junto a fls.6 dos autos);
4-Em 5/1/2007, o agora recorrente, apresentou no Serviço de Finanças de ……….., um requerimento dirigido ao Chefe do respectivo Serviço, a requerer a dispensa da coima (cfr.documento junto a fls.4 dos autos);
5-O pedido foi indeferido por despacho da Chefe do Serviço de Finanças por impossibilidade adveniente da infracção ter resultado prejuízo efectivo para o Estado (cfr. documento junto a fls.8 e 9 dos autos);
6-Da informação que antecede a decisão de aplicação da coima consta que, em abstracto, a medida da coima aplicável ao arguido em relação à contra-ordenação praticada tem como valor mínimo € 8.938,01 e como limite máximo o montante de € 30.00,00 (cfr.documento junto a fls.12 dos autos);
7-E ainda informação referente a “Requisitos / Contribuintes” que a seguir se transcreve, tudo conforme fls.12 dos autos:
Actos de Ocultação

Beneficio Económico

Frequência da Prática

Negligência

Obrigação de não cometer a infracção

Situação Económica e Financeira

Tempo decorrido desde a prática da infracção

Não

0,00

Frequente

Simples

Não

Baixa

> 6 meses


8-Do despacho do Director de Finanças ………….., por delegação, o Chefe de Divisão, datado de 15/4/2008, consta o seguinte (cfr.documento junto a fls.13 dos autos):

“Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no artº.79, do R.G.I.T., aplico ao arguido a coima de € 8.938,01 cominada no(s)Art(s)114, nºs.2 e 5 f) e 26, nº.4, do R.G.I.T., com respeito pelos limites do Artº.26, do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur.48,00) nos termos do nº.2, do Dec. Lei nº.29/98, de 11 de Fevereiro. Notifique-se (...)”.

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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Dos autos não resulta provado que a obrigação tributária implícita tenha sido regularizada, nem se provaram quaisquer outros susceptíveis de afectar a decisão de mérito e que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nas informações constantes dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório …”.
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Levando em consideração que a factualidade em análise se baseia essencialmente em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.431, al.a), do C. P. Penal (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10):
9-O despacho de aplicação de coima identificado no nº.8 foi notificado ao arguido através de carta registada em 19/5/2008 (cfr. documentos juntos a fls.14 e 15 dos presentes autos);
10-Em 2/6/2008, deu entrada no Serviço de Finanças de ……….. o recurso da decisão de aplicação de coimas interposto pelo arguido e que deu origem ao presente processo (cfr.data de entrada aposta a fls.18 dos autos);
11-Em 26/11/2010, foi exarada sentença no T.A.F. de Leiria, a qual conheceu da excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional, tendo julgado improcedente tal fundamento do recurso, e igualmente julgando improcedente o fundamento do recurso que se consubstanciava na dispensa de aplicação da coima, em consequência do que manteve a decisão condenatória e a coima em que foi condenada a arguida “I……….. - Indústria ……………., S.A.” (cfr.sentença exarada a fls.49 a 55 dos presentes autos);
12-Em 19/1/2011, o arguido apresentou petição de interposição de recurso da sentença identificada no nº.11, na qual, além do mais, requer que seja atribuído ao mesmo efeito suspensivo em virtude da apresentação de garantia, mais pedindo a prorrogação do prazo de vinte dias para a sua apresentação (cfr.documento junto a fls.59 a 64 dos presentes autos);
13-Em 28/1/2011, foi exarado despacho de admissão do recurso identificado no nº.12, além do mais, com efeito meramente devolutivo da decisão recorrida (cfr.despacho exarado a fls.68 dos presentes autos);
14-Em 18/2/2011, o arguido/recorrente juntou aos presentes autos garantia bancária, prestada pelo “Banco Popular” e visando assegurar o pagamento da quantia de € 9.074,50 no âmbito do presente processo (cfr.documentos juntos a fls.75 e 76 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida conheceu da excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional, tendo julgado improcedente tal fundamento do recurso, e igualmente julgando improcedente o fundamento do recurso que se consubstanciava na dispensa de aplicação da coima, em consequência do que manteve a decisão condenatória e a coima em que foi condenada a arguida “I……... - Indústria ………………………, S.A.”.
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A título de questão prévia, o recorrente, no âmbito do presente recurso, requer na petição de interposição de recurso (cfr.nº.12 da matéria de facto provada), que seja atribuído ao mesmo efeito suspensivo em virtude da apresentação de garantia.
Conforme se retira da matéria de facto provada (cfr.nº.14 da matéria de facto provada), o arguido/recorrente apresentou garantia bancária prestada pelo “Banco ……….” e visando assegurar o pagamento do montante em dívida nos presentes autos.
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo pronunciando-se por que se atribua ao presente recurso o efeito suspensivo, atento o facto do arguido ter prestado garantia bancária e o disposto no artº.84, do R.G.I.T. (cfr.fls.88 dos autos).
Numa primeira análise, estabelecendo-se neste artº.84, do R.G.I.T., que o recurso só terá efeito suspensivo se o arguido prestar garantia (cfr.artº.199, do C.P.P.T.) ou demonstrar, no mesmo prazo, que a não pode prestar por insuficiência de meios económicos, poderia concluir-se que se consagra a possibilidade de execução de decisões condenatórias antes de as mesmas transitarem em julgado. No entanto, não se deverá admitir tal possibilidade. As decisões exequíveis proferidas em processos de contra-ordenações tributárias são as proclamadas por tribunais tributários ou pelas autoridades administrativas que se tornem definitivas, quer por trânsito em julgado, quer por não interposição de recurso judicial (cfr.artº.79, nº.2, do R.G.I.T.; artºs.88 e 89, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas - R.G.C.O.C.).
É certo, porém, que neste artº.84 se estabelece que o recurso de decisões judiciais só terá efeito suspensivo se o arguido prestar garantia ou demonstrar que a não pode prestar, no todo ou em parte, por insuficiência de meios económicos, norma esta que pode conduzir à conclusão de que, no caso de recursos jurisdicionais de decisões condenatórias, se não fosse prestada caução ou demonstrada a referida insuficiência, a decisão poderia ser executada, antes do seu trânsito em julgado.
Ora, tal solução está em contradição com o regime previsto para o direito processual criminal, em que se estabelece que o recurso de decisões condenatórias tem sempre efeito suspensivo, relativamente à condenação (cfr.artº.408, nº.1, al.a), do C.P.Penal) e só as decisões condenatórias transitadas em julgado têm força executiva (cfr.artº.467, nº.1, do mesmo Código).
Por outro lado, tal solução estaria em desarmonia com o regime geral das contra-ordenações, em que se prevê que a coima é paga depois de a decisão se tornar definitiva ou transitar em julgado (cfr.artº.88, nº.1, do R.G.C.O.C.) e que o não pagamento em conformidade com o disposto neste artigo dá lugar à execução (cfr.artº.89, nº.1, do mesmo diploma).
Em face destas normas, deverá entender-se que, no regime previsto no artº.84, do R.G.I.T., complementado pelo R.G.C.O.C., não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplicar, sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material deste artº.84, do R.G.I.T., nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória, assim não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeitos suspensivos da decisão recorrida.
Por outro lado, a possibilidade de antecipação da execução de uma hipotética condenação, não se compagina com a presunção de inocência, até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, consagrada pelo artº.32, nº.2, da C.R.Portuguesa, e, por isso, terá de se recusar a aplicação deste artº.84, do R.G.I.T., na parte em que estatui que o recurso de decisões condenatórias não tem efeito suspensivo da execução, sem a prestação de garantia por parte do recorrente (artº.204, da C.R.Portuguesa; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.582 e 583).
No caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.despacho identificado no nº.13 da matéria de facto supra exarada), ao presente recurso foi atribuído efeito meramente devolutivo no despacho de admissão exarado em 1ª. Instância.
Atento o referido supra, o Tribunal “ad quem” não pode concordar com o conteúdo de tal despacho de admissão, na parte relativa à fixação do efeito meramente devolutivo ao recurso, antes se devendo fixar ao presente recurso o efeito suspensivo, efeito este independente da prestação de garantia por parte do arguido/recorrente, caução esta que, apesar disso, foi prestada no âmbito do presente processo (cfr.nº.14 da matéria de facto provada; artº.414, nº.3, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do R.G.C.O.C.).
Concluindo, tem fundamento a pretensão do recorrente de ver alterado o efeito fixado ao presente recurso (efeito suspensivo da decisão recorrida) e enquanto questão prévia que se acaba de examinar, a tal alteração se procedendo na parte dispositiva do presente acórdão.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente discorda do decidido sustentando antes de mais, como supra se alude, que se deve declarar a prescrição do presente procedimento contra-ordenacional ao abrigo do artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a qual ocorreu no pretérito dia 30/6/2010 (cfr. conclusões 2 a 7 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
O Digno Magistrado do M. P. nas contra-alegações sufraga a mesma posição.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
A prescrição do procedimento contra-ordenacional consubstancia excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final (cfr.artºs.35 e 193, al.b), do C.P.Tributário, e 27, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10; artº.33, do R.G.I.Tributárias), obstando à apreciação da matéria de fundo e gerando o arquivamento dos autos (cfr.Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág.1123 e seg.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, pág.14; M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C.Penal Anotado, Rei dos Livros, 1995, 1º.volume, pág.826 e seg.).
Actualmente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está previsto no artº.33, do R.G.I.T. (diploma aplicável ao caso concreto), norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119, da L.G.Tributária, tal como no artº.35, do C.P.Tributário, no que se refere às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.
Já o nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível levar a efeito a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão. No entanto, a fórmula utilizada no nº.2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T.
A fixação do prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária.
Por outro lado, igualmente é aplicável ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).
Mais se dirá que é enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária que deriva da violação do regime de pagamento especial por conta prevista no artºs.114, nºs.2 e 5, al.f), do R.G.I.T., como é o caso dos autos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/4/2010, rec.777/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/5/2010, proc.3942/10; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.323 a 325).
“In casu”, nos termos do citado artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de seis anos (4+2), não existindo nos autos factualidade que tenha operado a suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional (cfr.artº.27-A, do R.G.C.O.C.). Assim sendo, o cálculo do prazo relativo à infracção em causa nos autos, computado de acordo com as regras supra explicitadas, teve o seu termo inicial no dia 1/1/2004 (infracção reportada a 31/12/2003 - cfr.nº.1 da matéria de facto provada) e o termo final no pretérito dia 31/12/2009.
Concluindo, encontra-se prescrito o procedimento contra-ordenacional relativo à infracção objecto dos presentes autos, excepção peremptória que obsta à apreciação da matéria de fundo e gera o arquivamento dos autos, assim devendo julgar-se procedente o presente fundamento do recurso, desnecessário se tornando o exame do restante.
Terminando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em ATRIBUIR AO PRESENTE RECURSO O EFEITO SUSPENSIVO, CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, mais julgando extinto, por prescrição, o processo de contra-ordenação fiscal nº.2062-2006/602670.2 e determinando o seu arquivamento.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 15 de Novembro de 2011

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto) (Vencido. Não julgaria extinto o procedimento contra-ordenacional, por prescrições, por no caso a ora recorrente ter sido notificada em Março de 2009 do despacho proferido no recurso judicial, em que o M. Juiz do Tribunal “ a quo” se propunha decidir o recurso judicial por simples despacho -fls. 39 e 40 dos autos - data em que, até então, não tinham ainda decorrido os seis anos, já que tal despacho equivalente ao despacho pronúncia e que, nos termos, gerais de processo penal, tem efeito suspensivo de prescrição do procedimento contra-ordenacional até à respectiva decisão final. cfr. neste sentido os acórdãos da Relação do Porto de 21-5-1997, CJ 1997, III, pág.s 234 e da Relação de Lisboa, de 5-2-1997, CJ 1997, I, 156.

(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)