Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:79/20.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO;
AUDIÇÃO PRÉVIA À PROLAÇÃO DA DECISÃO DA VENDA;
ERRO NA DETERMINAÇÃO DO VALOR DA VENDA.
Sumário:1. No que respeita à venda de imóveis, em execução fiscal, nos termos do artigo 248º 1 do CPPT, a modalidade e o valor base da venda encontram-se aí estabelecidos, de forma vinculada, pelo que é inaplicável a tal venda o n.º 1 do art.º 812.º do CPC.

2. O acertamento do valor patrimonial do imóvel para venda não pode fazer-se na execução fiscal, devendo antes sê-lo, com oportunidade, em procedimento de avaliação ou de reclamação das matrizes (art.º 130.º do CIMI), que são procedimentos administrativos de natureza tributária com garantias impugnatórias próprias, graciosas e contenciosas, não se reconduzindo à categoria dos actos próprios da execução fiscal, os únicos para que se mostra competente o órgão da execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO

M……………………….., Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3, de 20/11/2019, que no processo de execução fiscal n.º .................. e Outros, determinou a venda da fracção autónoma designada pela letra G – loja 6, piso zero, rés-do-chão, destinada a comércio, sita na Av…………………., n.º …., inscrita na matriz predial sob o n.º …….. e descrita na Conservatória do Registo Predial com o n.º ……………. – G.

Com o requerimento de recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes e doutas Conclusões:

«







».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitiu mui douto parecer concluindo pela improcedência do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 278.º, nº5, do CPPT e artigo 657.º, nº4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central do recurso reconduz-se: (i) a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a lei tributária não impõe a audição prévia do executado à decisão da venda e determinação do seu valor; (ii) se se verifica errónea determinação do valor da venda por não ter sido tomada em consideração a valorização decorrente da esplanada que ali se encontra instalada.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:
«



«imagem no original»





«imagem no original»



».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Reclamante vem interpor recurso da sentença do TAF de Almada que validou o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3 que, no processo executivo n.º .................. e Outros, determinou a venda da fracção autónoma designada pela letra G – loja 6, piso zero, rés-do-chão, destinada a comércio, sita na Av. ……………………. n.º 7, inscrita na matriz sob o n.º ……. , descrita na Conservatória do Registo Predial com o n.º …………… – G, a qual se encontrava penhorada naqueles autos.

Contrariamente ao julgado, entende, por um lado, que foi preterida uma formalidade essencial da venda pois a decisão sobre o valor base do imóvel foi tomada sem que tivesse sido ouvida, o que contraria o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 812.º do CPC que, no caso vertente, seria subsidiariamente aplicável ex vi da alínea e) do art.º 2.º do CPPT; por outro, que não foi tida em conta na determinação do valor da venda do imóvel a área adjacente onde se encontra instalada uma esplanada. Vejamos.

Sobre a primeira questão em apreciação, identificada como a de saber se o órgão da execução fiscal, ao determinar a venda do imóvel penhorado, necessita de auscultar as partes relativamente aos termos em que a venda deve ser efectuada já se pronunciou a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo Norte, ambos tendo concluído negativamente.

Como se deixou consignado no Acórdão do STA de 20/12/2017, tirado no proc.º 01233/17,
«
A questão controvertida consiste em determinar se o órgão de execução fiscal está obrigado, antes de determinar a venda de imóvel, a ouvir o executado, nos termos do art.º 812.º 1 e 2 do CPC, sobre a modalidade da venda e o valor dos bens a vender.
Questão semelhante foi apreciada pelo Pleno desta Seção, em 15-10-2014, Proc. 01463/13, em que se questionava se o credor reclamante deveria ser ouvido sobre tal venda.
Igualmente o acórdão de 02-10-2013, Proc. 01385/13, apreciou questão semelhante ainda que referente a móveis.
Conforme refere o MP questão semelhante foi igualmente tratada nos acórdãos de 30/04/2008, proc. 0117/07, de 14/07/2008, proc. 022/08, de 02/04/2009, proc. 0805/08, de 07/07/2010, proc. 0188/10, de 03/11/2010, proc. 0244/10, de 22/06/2010, proc. 03535/11, de 20/06/2012, proc. 016/12, de 05/07/2012, proc. 0180/12, e de 23/01/2013, proc. 0667/12 e acórdão de 29/01/2014, proc. 01961/13.
Estabelece art.º 812.º 1 e 2 do CPC que a “decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos os exequentes, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender”.
Segundo a Fazenda Pública ocorre completa regulação das formalidades da venda em sede de execução fiscal no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Portaria n.º 219/2011, de 1 de Junho, que aprovou os procedimentos e especificações técnicas a observar na realização da venda de bens penhorados em processo de execução fiscal de venda judicial na modalidade de leilão eletrónico.
Não se questiona que, existindo lacunas na regulamentação das vendas em execução fiscal, são as mesmas supridas pela aplicação do Código de Processo Civil, como resulta do disposto no art.º 2.º do CPPT ao estabelecer a sua aplicação subsidiária, “de harmonia com a natureza dos casos omissos”.
Estabelece o art.º 812.º do CPC o seguinte regime:
“1 – Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender.
2 – A decisão tem como objeto:
a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados;
b) O valor base dos bens a vender;
c) A eventual formação de lotes, com vista à venda em conjunto de bens penhorados.
3 - O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b) Valor de mercado.
4 - Em relação aos bens não referidos no número anterior, o agente de execução fixa o seu valor de base de acordo com o valor de mercado.
5 - Nos casos da alínea b) do n.º 3 e do número anterior, o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda.”

Este preceito normativo em análise tem conteúdo idêntico ao do anterior CPC no art.º 886.º-A, no qual existe, como na sentença recorrida se escreveu, uma considerável amplitude de discricionariedade na venda dos bens penhorados quer quanto à modalidade de venda, quer quanto ao valor base para venda pelo que, nas execuções que correm nos termos do CPC, a decisão dos termos da venda é do agente de execução, que determina a modalidade da venda, o valor base dos bens a vender, tendo por referência o que considera ser o valor de mercado destes, bem como a eventual formação de lotes.

Nos termos deste preceito legal, no que respeita a bens imóveis, o valor para venda pode ter por referência valores superiores ao valor patrimonial tributário sempre que se conclua que este é inferior ao “valor do mercado”.
Diversamente nos artigos 248.º a 256.º do CPPT que estabelecem as formalidades a que deve obedecer o procedimento da venda em execução fiscal, nenhuma referência fazem quanto à necessidade de ouvir o executado no que respeita à modalidade de venda escolhida e preço ao contrário do que resulta do CPC.

Ainda, conforme se afirmou na sentença recorrida, no processo de execução fiscal encontra-se, minuciosamente, detalhado todo o procedimento de venda, estabelecendo-se nomeadamente qual a modalidade da mesma, o preço, que publicidade é efetuada quantos dias dura o leilão, o que sucede caso inexistam lances nos leilões.
No artigo 248º do CPPT estabelece-se que a venda é realizada por leilão eletrónico.

Acrescenta-se a expressão preferencialmente por meio de leilão eletrónico ou, na sua impossibilidade, de propostas em carta fechada.
Só na impossibilidade de utilização do leilão eletrónico se pode utilizar as propostas em carta fechada.
A audição do executado só permitiria que este optasse pelas propostas em carta fechada na impossibilidade de utilização do leilão eletrónico.
E igual utilidade teria a audição do executado para se pronunciar sobre o valor base que, nos termos do nº 2, é 70% do valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), nos termos do artigo 248.º e 250.º do CPPT.
Daí que se possa acrescentar que, mesmo que o valor de mercado do imóvel seja superior ao seu valor patrimonial tributário e que haja consenso quanto a esse valor, o valor base para a venda não pode ser determinado por aquele, mas em função do VPT apurado nos termos do CIMI.
No que respeita a imóveis, nos termos do artigo 248º 1 do CPPT, a modalidade e o valor base da venda são estritamente vinculados.
No que ao leilão eletrónico respeita não podemos deixar de acrescentar que nos parece ser a forma mais adequada e transparente de publicitar a venda com vista a encontrar a melhorar proposta de compra para o imóvel a vender.
Tornar-se-ia a auscultação do executado, para se pronunciar sobre a modalidade da venda ou sobre o valor base dos bens imóveis, ato inútil porquanto a lei não estabelece qualquer margem de conformação.
É certo que a inclusão da expressão preferencialmente no nº 1 do artigo 248º do CPPT parece pretender atribuir ao OEF alguma margem de conformação.
Contudo é tal margem de conformação meramente aparente já que a afirmação da opção pelas propostas em carta fechada exige sempre a impossibilidade da realização do leilão eletrónico.
Daí que a interpretação mais adequada do nº 1 do artigo 248º do CPPT implique que se articule a palavra preferencialmente com a expressão na sua impossibilidade.
Parece-nos, por isso, podermos concluir que, nos termos do nº 1 do artigo 248º do CPPT, a venda é feita por meio de leilão eletrónico preferencialmente e, na sua impossibilidade, por propostas em carta fechada.
Inexistindo, no que à venda de bens imóveis respeita, lacuna, é inaplicável o n.º 1 do art.º 812.º do CPC à sua venda em execução fiscal.
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No que respeita à venda de imóveis, em execução fiscal, nos termos do artigo 248º 1 do CPPT, a modalidade e o valor base da venda encontram-se aí estabelecidos, de forma vinculada, pelo que é inaplicável a tal venda o n.º 1 do art.º 812.º do CPC» (fim de citação).

Sobre o tema em apreciação, já antes se escrevera no Acórdão do TCAN, de 16/10/2014, exarado no proc.º 00799/14.7BEPRT:
«

Acresce que, in casu, não é aplicável o disposto no art. 812.º do CPC, como entendeu a sentença recorrida, pois não estamos perante um caso de omissão de regulamentação no CPPT.
O apuramento do valor base dos bens para venda em execução fiscal encontra-se regulado no art. 250.º do CPPT, e deste modo, não se justifica a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (…).
O art. 2.º alínea e) do CPPT dispõe que o Código de Processo Civil é “de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos”. O que significa que “as normas do CPC só serão subsidiariamente aplicáveis se houver uma lacuna, de natureza adjectiva, na regulamentação do CPPT e dos diplomas a que se refere o seu artigo 1.º.” (cfr. Ac. do STA de 28/03/2007, proc. n.º 026/07).
No âmbito sistemático do Código do Procedimento e do Processo Tributário, o art. 250.º do CPPT encontra-se no título IV que versa sobre a execução fiscal, mais precisamente na secção IX (“Da venda dos bens penhorados”) do capítulo II (“Do processo”). Deste modo, aquele preceito legal, sob a epígrafe “Valor base dos bens para venda” dispõe sobre a forma da determinação do valor base para a venda de bens no âmbito do processo de execução fiscal.
Ou seja, o legislador regulou no CPPT a forma como o valor da venda no processo de execução fiscal será determinado, pelo que não existe qualquer omissão de regulamentação para que se possa, supletivamente, aplicar o disposto no art. 812.º do CPC, que regula o valor base da venda no processo de execução comum.

Assim sendo, não se verifica o pressuposto do caso omisso para que se possa aplicar supletivamente o Código Processo Civil, nos termos da alínea e) do art. 2.º do CPPT (…)» (fim de cit.).

Não é diferente o entendimento da doutrina. No sentido da não aplicação subsidiária do CPC, embora com referência ao anterior art.º 886.º-A do CPC, que dispõe em termos semelhantes ao actual 812.º, veja-se o que preconiza Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – anotado e comentado”, 6.ª edição, vol. IV, a pág. 110: «Perante esta omissão de referência à audição prévia, que é expressamente feita no art.º 886.º-A, n.º1 do CPC para o processo de execução comum, e não valendo no processo de execução fiscal a sua razão de ser, por não haver livre opção do órgão da execução fiscal sobre a modalidade da venda a adoptar inicialmente, era de concluir que tal audição não tinha de ser efectuada, antes dessa determinação inicial da modalidade da venda».

Não se antevendo razões, em vista das alegações da Recorrente, que nos levem a reponderar essa autorizada jurisprudência e doutrina e tendo a sentença recorrida julgado de conformidade com a mesma, nada mais resta que confirmá-la, improcedendo este segmento do recurso.

Quanto à errónea determinação do valor da venda, vejamos.

O valor base de venda é o correspondente a 70% do determinado nos termos do art.º 250.º, de acordo com o n.º 2 do art.º 248.º do CPPT.
Estabelece aquele art.º 250.º do CPPT:

«1 - O valor base para venda é determinado da seguinte forma:
a) Os imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI);
b) Os imóveis rústicos, pelo valor patrimonial actualizado com base em factores de correcção monetária, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro;
c) Os móveis, pelo valor que lhes tenha sido atribuído no auto de penhora, salvo se outro for apurado pelo órgão da execução fiscal, podendo esse apuramento ser
precedido de parecer técnico solicitado a perito com conhecimentos técnicos especializados.
2 - O órgão da execução fiscal promove oficiosamente a avaliação dos prédios urbanos ainda não avaliados nos termos do CIMI, que estará concluída no prazo
máximo de 20 dias e será efectuada por verificação directa, sem necessidade dos documentos previstos no artigo 37.º do respectivo Código.
3 - A avaliação efectuada nos termos do número anterior produz efeitos imediatos em sede do IMI.
4 - O valor base a anunciar para venda é igual a 70 % do determinado nos termos do n.º 1.

Resulta do ali estabelecido que o valor base para venda dos imóveis é determinado pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI.

Salvo no caso particular previsto no n.º 2 (prédios urbanos ainda não avaliados nos termos do CIMI), em que se abre um subprocedimento administrativo de avaliação promovido oficiosamente pelo órgão da execução fiscal (promovido, note-se; não por ele instruído ou decidido), nos restantes casos, a lei manda atender ao valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI). Nada mais.

O acertamento do valor patrimonial do imóvel para venda não pode fazer-se na execução fiscal, como parece entender a Recorrente, devendo antes sê-lo, com oportunidade, em procedimento de avaliação ou de reclamação das matrizes (art.º 130.º do CIMI), que são procedimentos administrativos de natureza tributária com garantias impugnatórias próprias, graciosas e contenciosas, não se reconduzindo à categoria dos actos próprios da execução fiscal, os únicos para que se mostra competente o órgão da execução fiscal.

Como assim, improcede também este último segmento do recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes-desembargadores da 2.ª Subsecção deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 09 de Julho de 2020



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Vital Lopes





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Luísa Soares





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Mário Rebelo