Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10525/01
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/18/2006
Relator:Rui Pereira
Descritores:ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE
PROFESSORA
FALTA POR CONTA DO PERÍODO DE FÉRIAS
JUSTIFICAÇÃO
PARTICIPAÇÃO ESCRITA
PARTICIPAÇÃO ORAL
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I - O regime de férias, faltas e licenças dos professores encontra-se regulado no Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo DL nº 139-A/90, de 28/4, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 1/98, de 2/1, mais concretamente nos artigos 86º e segs. do aludido diploma legal, aplicando-se-lhes também, no entanto, a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, regulada no DL nº 100/99, de 31/3, com as adaptações constantes do EDC, por força do no nº 1 do artigo 86º do EDC.
II - O artigo 102º, nº 1 do EDC prevê a possibilidade dos docentes poderem faltar 12 dias úteis por ano, de acordo com os seus interesses e conveniência, estando no entanto tal faculdade condicionada à solicitação de autorização escrita, com a antecedência mínima de cinco dias, ao órgão de administração e gestão do estabelecimento de ensino onde o docente preste serviço, sempre que estejam em causa mais de dois dias num mês, dias intercalados entre feriados ou feriado e fim-de-semana ou antes ou depois de feriados coincidentes com sexta-feira ou segunda-feira ou que ocorram em dias seguidos [artigo citado, nº 2], autorização essa que pode ser fundadamente recusada se colidir com o superior interesse do serviço [artigo citado, nº 3].
III - Contudo, se se tratar de apenas um dia de falta, dada por conta do período de férias, já o processo de justificação desta é o previsto no artigo 67º do DL nº 100/99, de 31/3, e não o previsto no artigo 102º do EDC, que não contempla tal hipótese.
IV - O artigo 67º do DL nº 100/99, de 31/3, apenas vincula o funcionário ou agente que pretenda faltar por conta do período de férias a participar essa intenção, por recurso à forma escrita, no caso de ser possível fazê-lo na véspera; não sendo tal possível, a participação poderá ser feita, no próprio dia, oralmente, por ser de presumir em tal caso que o motivo da falta surgiu inopinadamente e o funcionário ou agente não se encontra presente no local de trabalho para o comunicar por escrito.
V - O recurso à forma oral, como meio de participar a falta, apresenta-se apenas como uma alternativa a outras formas possíveis - e admitidas em Direito - de transmitir ao superior hierárquico esse facto, de modo a permitir-lhe exercer o controlo da conveniência ou inconveniência da ausência do funcionário, em função do superior interesse do serviço, autorizando ou não o mesmo a faltar, não constituindo uma vinculação absoluta a uma determinada forma de transmissão da declaração, no caso, a forma oral.
VI - Ao não aceitar como válida a participação de uma falta dada pela recorrente, por conta do período de férias, no próprio dia e na forma escrita, com a consequente injustificação da mesma, o despacho recorrido mostra-se inquinado do vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 102º do DL nº 139-A/90, de 28/4, alterado pelo DL nº 1/98, de 2/1, 7º, nº 3 do Cód. Civil, e 21º, alínea t) e 67º, ambos do DL nº 100/99, de 31/3.
VII - O princípio da imparcialidade vincula os órgãos da Administração Pública, em especial nas suas relações com os particulares, a agirem com isenção, rectidão, objectividade, neutralidade e equidistância perante os interesses em presença, funcionando a transparência, enquanto corolário da imparcialidade, como um seu anteparo ou garantia preventiva, exigindo que a Administração projecte para o exterior uma imagem com aquelas características, de modo a inspirar nos cidadãos um sentimento de confiança e isenção, assim garantindo os administrados contra os desvios ou quebras dos deveres de isenção e objectividade e assegurando o primado do interesse público.
VIII - Como forma de assegurar na prática essa imparcialidade, a lei estabeleceu mecanismos como os impedimentos, as escusas e as suspeições, hoje incluídos nos artigos 44º e segs. do CPA, que constituem limitações e proibições que têm em vista salvaguardar aqueles valores, antecipando e enumerando um certo número de situações-tipo susceptíveis de os colocar em perigo.
IX - Os impedimentos referidos no artigo 44º do CPA não dizem unicamente respeito à fase de decisão, pois doutro modo "isso frustraria muito do interesse do preceito", sendo certo que um parecer ou uma proposta pode "influenciar ponderosamente" a decisão do órgão com competência decisória.
X - Não existe incompatibilidade entre o princípio acima enunciado e a disposição do artigo 172º do CPA que, no recurso hierárquico, obriga à "intervenção" do autor do acto recorrido, uma vez que o que releva no cumprimento daquela disposição é que a intervenção do órgão recorrido se atenha à finalidade desta norma, ou seja, à sustentação ou reparação da decisão.
XI - O recurso hierárquico devolve ao superior a competência para decidir, fazendo com que ao interessado se abra uma nova oportunidade de avaliação da legalidade e oportunidade administrativas, bem como, em última instância, de análise dos aspectos em que sua pretensão se amolda ao interesse público prosseguido, para além de que, tratando-se de recurso hierárquico necessário, o órgão "ad quem" procede a um autêntico reexame da pretensão, podendo por isso ir além do simples controlo ou revisão da decisão primária.
XII - Tendo sido com base num parecer e proposta de uma jurista da DREN que a decisão de 1º grau foi mantida, e de novo com base em novo parecer da sua autoria, que constituiu o único elemento instrutório presente à entidade recorrida, em forma de proposta, para decisão do recurso hierárquico interposto pela recorrente para o membro do Governo competente, tal situação é equiparável à do impedimento do próprio órgão decisor, para efeitos da respectiva subsunção ao preceituado na alínea g) do nº 1 do artigo 44º do CPA.
XIII - O membro do Governo que decide um recurso hierárquico não pode valer-se exclusivamente da informação que, em sede de contraditório, é prestada pelo órgão ou agente que, por conta do órgão subalterno, ajudou a preparar a decisão recorrida, sob pena de violação do disposto nos artigos 6º, 44º, nº 1, alínea g) e 51º, do CPA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
Anabela ...., professora do Quadro de Zona Pedagógica do CAE do Tâmega, a leccionar na Escola Secundária de Amarante, veio interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho de 14 de Dezembro de 2000, da autoria da Srª Secretária de Estado da Administração Educativa, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho da Directora Regional de Educação do Norte, que manteve a injustificação de uma falta dada no dia 1-6-2000, imputando ao despacho recorrido o vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 102º do DL nº 139-A/90, de 28/4, alterado pelo DL nº 1/98, de 2/1, 7º, nº 3 do Cód. Civil, 21º, alínea t) e 66º, ambos do DL nº 100/99, de 31/3, 13º da CRP, e 44º, alíneas b) e d) e 51º, estes do CPA.
A autoridade recorrida respondeu, pugnando pela manutenção do acto recorrido, por não padecer dos vícios que lhe são imputados.
Cumprido o disposto no artigo 67º do RSTA, apenas a recorrente apresentou alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1 – A recorrente faltou ao serviço no dia 1-6-2000, ao abrigo do artigo 102º do ECD, tendo entregue, por escrito, a participação e justificação da referida falta.
2 – A falta foi-lhe injustificada pelo Director, tendo recorrido hierarquicamente para a DREN e depois do indeferimento para o Ministério da Educação.
3 – A argumentação é sempre a mesma, ou seja "a comunicação de intenção de faltar tem que ser feita oralmente ao superior hierárquico".
4 – Decisão com a qual a recorrente não pode concordar.
5 – As faltas dadas pelos docentes, por conta do período de férias estão previstas no ECD [DL nº 139-A/90, de 28/4, alterado pelo DL nº 1/98, de 2/1] no artigo 102º.
6 – Estas faltas também se encontram previstas para os trabalhadores da função pública em geral no DL nº 100/99, de 31/3, nos artigos 66º e 67º.
7 – Há, no entanto que saber distinguir um regime do outro, ou seja os professores só podem faltar 12 dias úteis por ano, sendo a respectiva gestão da sua competência; é ao professor que compete a respectiva gestão.
8 – Só quando se verifiquem as situações constantes no nº 2 do artigo 102º do ECD é que os docentes carecem de autorização para faltar por conta do período de férias.
9 – No regime previsto no DL nº 100/99, os trabalhadores da função pública podem faltar por conta do período de férias até ao máximo de 13 dias por ano e a gestão destas faltas não lhes pertence, já que têm sempre que solicitar, para o efeito, autorização ao superior hierárquico competente que pode recusar tal pedido com base em conveniências de serviço.
10 – Só as situações do nº 2 do artigo 102º do ECD carecem, por parte do docente um pedido de autorização.
11 – Quando se trata de faltar só um dia, o ECD não exige nenhuma formalidade especial, dispondo apenas que as faltas dadas ao abrigo deste artigo são da gestão do próprio docente, que apenas tem que as justificar.
12 – Já na função pública em geral, o funcionário deve participar a intenção de faltar ao seu superior hierárquico seja qual for o tipo de falta prevista no artigo 66º do DL nº 100/99, como se refere no artigo 67º do citado diploma.
13 – Ora, sendo o ECD, uma lei especial, de acordo com a hierarquia das leis, prevalece sobre a lei geral, sendo aplicável aos docentes, o ECD aprovado pelo DL nº 139-A/90, alterado pelo DL nº 1/98.
14 – Não prevendo o ECD qualquer formalidade especial para um dia de falta ao abrigo do artigo 102º.
15 – Além disso, o artigo 86º do ECD determina expressamente que "ao pessoal docente aplica-se a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as adaptações constantes das secções seguintes".
16 – Além disso, a interpretação do artigo 66º do DL nº 100/99 deve ser a de que a falta dada no próprio dia não exige a participação escrita, mas apenas a oral, não proibindo a primeira.
17 – A lei que permite o mais também permite o menos.
18 – Daí que não é exigível ao funcionário a participação oral e não aceite uma participação escrita.
19 – Além disso, a recorrente fez a participação escrita, dirigida, legalmente, ao superior hierárquico e entregue no próprio dia da falta.
20 – A lei que permite a oralidade não proíbe a comunicação escrita.
21 – A "ratio legis" só pode estar, e está, no simples facto de não fazer qualquer sentido que a alguém que vai faltar se exige a sua deslocação ao serviço para assim cumprir a oralidade.
22 – Ou seja, a "ratio legis" é afastar a exigência formal no próprio dia, exigência só para os casos do nº 2 do artigo 102º do ECD.
23 – Além disso, é violado o princípio da igualdade [artigo 13º CRP], pois só à recorrente não foi aceite a referida justificação.
24 – É violado também o princípio da imparcialidade [artigo 6º CPA], uma vez que foi a mesma entidade que fundamentou e decidiu os dois recursos hierárquicos: o dirigido à DREN e o dirigido ao Ministério da Educação.
25 – A fundamentação das duas decisões foram feitas pela mesma Srª Técnica Jurista da DREN.
26 – O artigo 44º do CPA prevê exactamente estes casos de impedimento, ou seja: "nenhum titular de órgão ou agente da administração pública pode intervir em procedimentos administrativos... g) quando se trata de recurso da decisão proferida por si, ou com a sua intervenção...".
27 – A DREN interveio nos dois recursos hierárquicos, fundamentando as duas decisões.
28 – Assim sendo, de acordo com o artigo 51º do CPA, "os actos em que tiverem intervindo titulares de órgão ou agentes impedidos são anuláveis nos termos gerais".
A entidade recorrida não apresentou alegações.
Finalmente, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual conclui nos seguintes termos:
[…]
2. Entendo que assiste razão à recorrente.
Com efeito, a falta de um único dia que a recorrente deu e justificou no próprio dia, por escrito, não pode deixar de ter-se por justificada.
É que o entendimento da recorrida afigura-se desproporcionado e tortuoso, com a exigência da forma oral como a única e bastante justificativa, que aliás não tem na interpretação, nem na letra nem no espírito da lei, qualquer apoio e viola assim o artigo 9º do Cód. Civil.
Antes de mais, note-se, que os princípios gerais de que a lei que permite o mais, permite o menos e "quod abundat non nocet" impõem-se afinal ao senso comum. Se o que pretende é assegurar a substância da justificação e a lei consente o meio informal da comunicação verbal, por economia de meios, não pode rejeitar-se a comunicação escrita, ainda que formalmente mais solene, mas que não põe em crise a substância e a legitimidade da justificação.
Nem se duvide que sendo o ECD lei especial relativamente à lei geral das férias, faltas e licenças do DL nº 100/99, no domínio da questão a resolver a unidade do sistema impõe a solução oposta à que foi tomada pelo acto recorrido.
Prevendo o artigo 86º do ECD as adaptações das secções que se lhe seguem ao regime geral da função pública, resulta óbvio do próprio artigo 67º do DL nº 100/99 que até no próprio dia podem ser reduzidas a escrito as participações de faltas dessa mesma data e outro tanto pode acontecer com o regime do ECD.
Este é o entendimento do STA, por exemplo no Acórdão de 28-3-2001, Recurso nº 47.144: "I – Ao pessoal docente aplica-se o regime geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, constante do DL nº 497/88, de 30/12, com as adaptações constantes do Estatuto da Carreira Docente [ECD], aprovado pelo DL nº 139-A/90, de 28/4. II – Assim, o docente que pretenda faltar um dia por conta do período de férias, fora das situações previstas no nº 2 do artigo 102º do ECD [faltas em dias ligados a fins de semana ou feriados], deverá participar a intenção de faltar ao órgão de administração e gestão do respectivo estabelecimento de educação ou de ensino, por escrito, na véspera, ou, se não for possível, no próprio dia, oralmente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 86º, nº 1 do ECD e 66º, nºs 1 e 2 do DL nº 497/88, de 30/12, sob pena de injustificação da falta."
Conquanto seja dispensável a respectiva análise, não pode concordar-se com o entendimento da recorrente no que toca à alegada violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade, posto que não estão verificados os respectivos pressupostos de facto e de direito.
Quanto à violação do princípio da igualdade, no plano da legalidade dos actos administrativos, supõe, entre os actos em confronto, identidade de situações e um ponto de referenciação valorativa comum, que dos autos não flui.
No tocante à dita violação da imparcialidade, entendo que é manifesta a improcedência da sua invocação por se não consubstanciar qualquer situação que possa qualificar-se como tal.
3. Em conclusão, uma vez que o acto recorrido padece de erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação de lei, deverá ser anulado e proceder o recurso, segundo o meu parecer”.
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Compulsado o processo instrutor apenso, resulta assente a seguinte factualidade:
i. A recorrente é professora do Quadro de Zona Pedagógica do CAE do Tâmega, encontrando-se a leccionar na Escola Secundária de Amarante.
ii. Em 1 de Junho de 2006, a recorrente preencheu e entregou nos serviços administrativos daquela escola um impresso modelo DGAE P/7, destinado à justificação de faltas, visando justificar uma falta que iria dar nesse mesmo dia, ao abrigo do artigo 102º do EDC, aprovado pelo DL nº 134-A/90, de 28/4, com as alterações introduzidas pelo DL nº 1/98, de 2/1 [Cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
iii. Os serviços administrativos da escola informaram aquele pedido de justificação de falta, nos seguintes termos:
Apesar de ter entregue no próprio dia da falta, sem aviso prévio, a Profª recusou-se a entregar na Direcção, exigindo ainda recibo de entrega.” [Idem, cit. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
iv. Em 2 de Junho de 2000, o Director Executivo da Escola Secundária de Amarante injustificou a falta dada pela recorrente, exarando no verso do impresso a que se alude em ii. o seguinte despacho:
Nos termos do nº 1 do artigo 67º do DL nº 100/99, de 31 de Março, “o funcionário ou agente que pretenda faltar ao abrigo do disposto no artigo anterior deve participar essa intenção ao superior hierárquico competente, por escrito, na véspera, ou, se não for possível, no próprio dia, oralmente, podendo este recusar fundamentadamente, a autorização, atento o interesse do serviço”.
Não foi feita qualquer comunicação da intenção de faltar ao superior hierárquico na véspera ou no próprio dia.
Como resulta da “informação dos SA”, essa omissão é consciente e intencional, sendo deliberadamente assumida, apesar de configurar um claro desrespeito da lei.
Nos termos do nº 1 do artigo 21º do já citado DL nº 100/99, as faltas por conta do período de férias consideram-se justificadas desde que observado o respectivo condicionalismo legal o que, claramente, não acontece no caso presente.
A falta é, em conformidade, considerada injustificada.” [Ibidem, cit. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
v. Por requerimento entrado na DREN em 20 de Junho de 2000, a recorrente interpôs recurso hierárquico do despacho a que se alude em iv. para o Director Regional de Educação do Norte [Cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
vi. Em cumprimento do disposto no artigo 172º do CPA, o Director da Escola Secundária de Amarante informou nos seguintes termos:
Conforme estabelecido no artigo 172º do CPA e, relativamente ao recurso hierárquico em referência, levo ao conhecimento de V. Exª o seguinte:
1 – A Prof. Anabela Magalhães faltou ao serviço no dia 1-6-2000, não tendo justificado essa falta nos termos do nº 1 do artigo 67º do DL nº 100/99, de 31 de Março, já que:
a) Não participou a intenção de faltar, ao superior hierárquico, por escrito, na véspera;
b) Não participou essa intenção, ao superior hierárquico, no próprio dia, oralmente.
2 – A Prof. Anabela Magalhães pretendeu que não fosse do conhecimento prévio do superior hierárquico a sua intenção de faltar, impedindo-o, assim, de, "atento o interesse do serviço", recusar, fundamentadamente, a respectiva autorização, conforme dispõe no seu nº 1 o já citado artigo 67º do DL nº 100/99, porquanto:
a) Apesar de alertada pela funcionária dos SA para a necessidade de comunicar ao superior hierárquico a sua intenção de faltar recusou-se a faze-lo, insistindo na ilegalidade de entregar a justificação, por escrito, no próprio dia, nos SA;
b) A Prof. Anabela justificou, no presente ano lectivo, outras faltas, procedendo correctamente, nomeadamente, comunicando oralmente ao superior hierárquico no próprio dia.
3 – A Prof. Anabela não cumpriu, deliberadamente, a lei, prejudicando, intencionalmente, a sua aplicação.
4 – Não está em causa a entrega, em mão, do documento justificativo de faltas, mas sim a falta de comunicação ao superior hierárquico que, como a lei determina, no próprio dia, deve ser oral, obviamente, para permitir a autorização ou recusa, fundamentada, em tempo oportuno e o conhecimento da decisão pelo interessado igualmente em tempo oportuno.
5 – A lei obriga à justificação oral ao superior hierárquico no próprio dia, não podendo esta ser substituída pela entrega de um justificativo escrito nos SA.
6 – Não sendo de admitir deferimentos tácitos em questões tão relevantes para a qualidade da Escola como a assiduidade dos docentes, o Director, a quem cabe defender os interesses da instituição, terá que proferir decisões em tempo oportuno.
7 – Por outro lado, a defesa dos interesses dos próprios utentes dos serviços implica que aos mesmos seja dado conhecimento das decisões administrativas que sobre si recaiam, antes de estas produzirem os seus efeitos legais.
8 – O Director da Escola sempre esteve disponível para proferir decisões imediatas nos casos de justificação de faltas e estava disponível no dia da falta em referência.
9 – A Prof. Anabela entregou, em data posterior à injustificação da falta, um atestado médico para efeitos de justificação dessa mesma falta.
10 – Isto é: Posteriormente à injustificação da falta do dia 1-6-200, ao abrigo do artigo 102º do ECD, a Prof. Anabela pretendeu justificar essa mesma falta por atestado médico.
11 – Este acto pode ser enquadrável na alínea b) do nº 1 do artigo 71º do DL nº 100/99.
12 – Face à dúvida levantada, foi solicitada à Prof. Anabela, através do nosso ofício nº 621, de 6/Junho/2000, que junto se envia, que esclarecesse o seu procedimento.
13 – A Prof. Anabela não apresentou qualquer esclarecimento.
Anexo: 1 – Extracto de faltas de 1-9-99 até 30-7-2000
2 – Ofício nº 621, de 6-6-2000” [Cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
vii. A fim de preparar a decisão do Director Regional de Educação do Norte, a técnica superior jurista Esmeralda Melo elaborou em 30 de Agosto de 2000, o seguinte parecer:
1. A professora supra-mencionada interpôs recurso hierárquico do despacho de 2-6-2000, do Director da Escola Secundária de Amarante, que lhe injustificou a falta do dia 1-6-2000, dada ao abrigo do artigo 102º do ECD.
2. Fundamenta o seu recurso alegando que entregou a participação da falta por conta do período de férias, ou seja, ao abrigo do disposto no artigo 102º do ECD, no próprio dia da falta, tendo prova dessa entrega nos serviços administrativos da Escola.
3. Na opinião da recorrente, o artigo 67º do DL nº 100/99, de 31 de Março, ao dispor que a falta dada ao abrigo do artigo 66º do mesmo diploma legal deve ser participada ao superior hierárquico na véspera ou no próprio dia, não exige que se entregue o documento justificativo de faltas em mão ao Senhor Director, podendo fazê-lo nos serviços administrativos, pelo que tendo a recorrente justificado a sua ausência ao serviço nos termos sobreditos cumpriu estritamente a lei.
4. A recorrente considera que a actuação do Senhor Director, ao injustificar-lhe a falta é ilegal e censurável do ponto de vista disciplinar, pelo que solicita que seja anulado ou revogado o acto recorrido e justificada a falta do dia 1-6-2000, que lhe foi injustificada.
5. Nos termos do disposto no artigo 172º do Código do Procedimento Administrativo, foi notificado o autor do acto recorrido, que sustentou a decisão proferida, alegando que a Professora Anabela Magalhães não justificou a falta nos termos do nº 1 do artigo 67º do DL nº 100/99, de 31 de Março, já que não participou a intenção de faltar, ao superior hierárquico, por escrito, na véspera, nem no próprio dia da falta, oralmente, apesar de alertada pela funcionária dos SA para a necessidade de efectuar aquela comunicação na Direcção.
Cumpre informar e propor:
6. O artigo 67º do DL nº 100/99, de 31 de Março, determina que o funcionário ou agente que pretenda faltar por conta do período de férias, nos termos do artigo 66º do mesmo diploma deve participar essa intenção ao superior hierárquico competente, por escrito, na véspera, ou, se não for possível, no próprio dia, oralmente, podendo este recusar, fundamentadamente, a autorização, atento o interesse do serviço.
7. Da letra da lei resulta, sem margem para dúvidas, que a comunicação da intenção de faltar, quando realizada no próprio dia terá que ser efectuada ao superior hierárquico oralmente, não sendo a comunicação escrita adequada para o efeito.
8. A recorrente não cumpriu as formalidades do processo de justificação previstas no artigo 67º do supra citado diploma legal, pelo que a decisão do Senhor Director da Escola Secundária de Amarante, ao considerar injustificada a falta, nos termos do nº 1 do artigo 21º do DL nº 100/99, de 31 de Março, não merece qualquer censura.
9. Face ao exposto, entendemos que deverá ser negado provimento ao recurso hierárquico interposto pela professora Anabela Maria Mendes P. C. Queirós Matias de Magalhães, mantendo-se o despacho recorrido.” [Cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
viii. Em concordância com o parecer a que se alude em vii., foi negado provimento ao recurso hierárquico em apreço, por despacho datado de 31 de Agosto de 2000 [Idem, cit. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
ix. Novamente inconformada, a recorrente interpôs recurso hierárquico dessa decisão.
x. A fim de preparar a decisão do aludido recurso hierárquico, a mesma técnica superior jurista que havia elaborado o parecer a que se alude no ponto vii. supra, elaborou em 25 de Outubro de 2000, o seguinte parecer:
ASSUNTO: RECURSO HIERÁRQUICO INTERPOSTO PELA PROFESSORA ANABELA MARIA MENDES PILROTO COIMBRA QUEIRÓS
1. A professora supramencionada interpôs recurso hierárquico do despacho de 2000.08.31 da Senhora Directora Regional Adjunta que indeferiu o recurso hierárquico que havia interposto do despacho de 2000.06.02 do Director da Escola Secundária de Amarante que lhe injustificou a falta do dia 2000.06.01, dada ao abrigo do artigo 102º do ECD.
2. Fundamenta o seu recurso referindo que o artigo 102º do ECD só exige formalidades do caso do nº 2, dispensando, portanto, a observância de qualquer formalidade especial no caso do nº 1.
3. Alega ainda que sendo o ECD lei especial, de acordo com a hierarquia das leis, prevalece sobre uma lei geral.
4. Mesmo que esse entendimento não fosse prevalecente, invoca que a interpretação feita pela DREN do disposto no artigo 66º do Decreto-Lei nº 100/99 não é a correcta, porquanto aquele normativo ao não exigir a participação escrita, mas apenas oral, foi porque o legislador entendeu que no próprio dia seria mais difícil o funcionário fazer a participação por escrito.
5. Sustenta, no entanto, que a lei que permite o mais também permite o menos.
6. A participação foi feita ao dirigente da forma mais solene, pelo que a participação feita no próprio dia, dirigida à pessoa competente, está de acordo com o previsto no artigo 102º do ECD e também no Decreto-Lei nº 100/99, pelo que a falta é justificada.
7. Finalmente, invoca que o entendimento do Senhor Presidente do Conselho Executivo em matéria de faltas dadas por conta do período de férias não é sempre o mesmo, porquanto em relação aos outros professores da escola sempre aceitou a participação por escrito no próprio dia ou até no dia seguinte, não tendo a mesma que lhe ser entregue. A recorrente comprova esta afirmação juntando declarações subscritas por colegas.
8. Conclui pedindo a anulação ou revogação do acto recorrido.
Cumpre informar:
9. Nos termos do disposto no artigo 86º do ECD ao pessoal docente aplica-se a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as adaptações decorrentes do próprio Estatuto.
10. Daí não assistir razão à recorrente quando invoca que o ECD, por ser lei especial, prevalece sobre a lei geral.
11. O artigo 67º do Decreto-Lei nº 100/99 estabelece as formalidades a observar no processo de justificação das faltas, prescrevendo expressamente que a participação da intenção de faltar deverá ser efectuada ao superior hierárquico competente por escrito, na véspera, ou, se não for possível, no próprio dia oralmente. Neste último caso, a participação oral deve ser reduzida a escrito no dia em que o funcionário regressar ao serviço.
12. Quando a lei exige a participação oral, tal não significa que o funcionário tenha que se deslocar ao serviço para a efectuar. O que se pretende é que o superior hierárquico tenha efectivo conhecimento da intenção do funcionário em faltar. A exigência da oralidade visa acautelar, precisamente, essa circunstância.
13. Entendemos, assim, que a comunicação escrita efectuada pela recorrente da sua intenção de faltar não cumpriu as formalidades prescritas na lei, razão pela qual propusemos o indeferimento do recurso hierárquico.
14. Invoca agora a recorrente que em relação a outros professores o Presidente do Conselho Executivo sempre aceitou a participação por escrito no próprio dia ou até no dia seguinte, mesmo que não lhe fosse entregue pessoalmente.
15. Ouvido o Presidente do Conselho Executivo quanto a este argumento, veio referir que não há na Escola tratamento desigual relativamente à justificação das faltas, embora admita que possam ter existido "algumas possíveis faltas do serviço", as quais, porém não podem ser tomadas pelo todo.
16. Esta circunstância, não desvirtua o entendimento que perfilhamos, precisamente porque nos parece ser o mais consentâneo com a letra e espírito da lei.
17. Pelo exposto, entendemos ser de indeferir o recurso hierárquico interposto pela professora Anabela Maria P. C. Queirós Matias de Magalhães.” [Cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xi. Em concordância com o parecer a que se alude em x., foi negado provimento ao recurso hierárquico em apreço, por despacho da Srª Secretária de Estado da Administração Educativa, datado de 14 de Dezembro de 2000 [Idem, cit. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
xii. O acto recorrido é o identificado em xi..

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sendo estes os factos com relevo para a apreciação do mérito do presente recurso, há que proceder ao respectivo enquadramento jurídico, tendo em conta os vícios que a recorrente imputa ao despacho recorrido, e que são os de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 102º do DL nº 139-A/90, de 28/4, alterado pelo DL nº 1/98, de 2/1, 7º, nº 3 do Cód. Civil, 21º, alínea t) e 66º, ambos do DL nº 100/99, de 31/3, 13º da CRP, e 44º, alíneas b) e d) e 51º, estes do CPA.
No fundo, a questão a resolver resume-se a saber se a participação de uma falta que a recorrente pretendia dar no dia 1-6-2000, ao abrigo do disposto no artigo 102º do DL nº 139-A/90, de 28/4, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 1/98, de 2/1 – falta por conta do período de férias – podia ou não ser validamente efectuada por escrito no próprio dia – tese da recorrente –, ou se só o poderia ser oralmente, com redução a escrito no dia em que o funcionário ou agente regressasse ao serviço – tese do despacho recorrido.
Vejamos pois.
Como decorre da fundamentação de facto, no dia 1-6-2000, a recorrente – professora do Quadro de Zona Pedagógica do CAE do Tâmega, a leccionar na Escola Secundária de Amarante – preencheu e entregou nos serviços administrativos daquela escola um impresso modelo DGAE P/7, destinado à justificação de faltas, a fim de justificar uma falta que iria dar nesse mesmo dia, ao abrigo do artigo 102º do EDC [cfr. pontos i. e ii. do probatório].
Contudo, o Director Executivo da Escola Secundária de Amarante, por despacho datado de 2-6-2000, invocando como fundamento o facto de não ter sido feita qualquer comunicação da intenção de faltar ao superior hierárquico na véspera ou no próprio dia, e como o nº 1 do artigo 67º do DL nº 100/99, de 31/3, determina que o funcionário ou agente que pretendesse faltar ao abrigo do disposto no artigo anterior deveria participar essa intenção ao superior hierárquico competente, por escrito, na véspera, ou, se não fosse possível, no próprio dia, oralmente, injustificou a falta dada pela recorrente.
Impugnada sucessivamente tal decisão pela via hierárquica, veio então a ser proferido o despacho ora recorrido, datado de 14 de Dezembro de 2000, da autoria da Srª Secretária de Estado da Administração Educativa, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho da Directora Regional de Educação do Norte, mantendo a injustificação da falta dada pela recorrente no dia 1-6-2000.
Como é sabido, o regime de férias, faltas e licenças dos professores encontra-se regulado no Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo DL nº 139-A/90, de 28/4, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 1/98, de 2/1, mais concretamente nos artigos 86º e segs. do aludido diploma legal.
No entanto, logo no nº 1 desse artigo 86º se prevê que ao pessoal docente se aplica a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as adaptações constantes das secções seguintes, querendo isto significar que o regime que lhes é aplicável comporta especialidades relativamente ao do funcionalismo público, regulado no DL nº 100/99, de 31/3.
Assim, o artigo 102º, nº 1 do EDC prevê a possibilidade dos docentes poderem faltar 12 dias úteis por ano, de acordo com os seus interesses e conveniência, estando no entanto tal faculdade condicionada à solicitação de autorização escrita, com a antecedência mínima de cinco dias, ao órgão de administração e gestão do estabelecimento de ensino onde o docente preste serviço, sempre que estejam em causa mais de dois dias num mês, dias intercalados entre feriados ou feriado e fim-de-semana ou antes ou depois de feriados coincidentes com sexta-feira ou segunda-feira ou que ocorram em dias seguidos [artigo citado, nº 2], autorização essa que pode ser fundadamente recusada se colidir com o superior interesse do serviço [artigo citado, nº 3].
Contudo, se se tratar de apenas um dia de falta, dada por conta do período de férias, já o processo de justificação desta é o previsto no artigo 67º do DL nº 100/99, de 31/3, e não o previsto no artigo 102º do EDC, que não contempla tal hipótese, e que dispõe o seguinte:
Artigo 67º
Processo de justificação
1 – O funcionário ou agente que pretenda faltar ao abrigo do disposto no artigo anterior deve participar essa intenção ao superior hierárquico competente, por escrito, na véspera, ou, se não for possível, no próprio dia, oralmente, podendo este recusar, fundamentadamente, a autorização, atento o interesse do serviço.
2 – A participação oral deve ser reduzida a escrito no dia em que o funcionário ou agente regressar ao serviço”.
Como vimos, foi ao abrigo da citada disposição legal que o Director Executivo da Escola Secundária de Amarante injustificou a falta que a recorrente deu no dia 1-6-2000, por conta do período de férias, exactamente por entender que não havia sido feita qualquer comunicação da intenção de faltar ao superior hierárquico na véspera ou no próprio dia e que também não tinha sido observado o respectivo condicionalismo legal, entendimento esse que veio a ser reiterado no despacho que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pela recorrente e que constitui o objecto do presente recurso contencioso.
Afigura-se-nos, porém, que tal entendimento não é defensável.
Com efeito, e ao contrário do que é sustentado pelo despacho recorrido, o artigo 67º do DL nº 100/99, de 31/3, apenas vincula o funcionário ou agente que pretenda faltar por conta do período de férias a participar essa intenção, por recurso à forma escrita, no caso de ser possível fazê-lo na véspera; não sendo tal possível, a participação poderá ser feita, no próprio dia, oralmente, por ser de presumir em tal caso que o motivo da falta surgiu inopinadamente e o funcionário ou agente não se encontra presente no local de trabalho para o comunicar por escrito.
Deste modo, o recurso à forma oral, como meio de participar a falta, apresenta-se apenas como uma alternativa a outras formas possíveis – e admitidas em Direito – de transmitir ao superior hierárquico esse facto, de modo a permitir-lhe exercer o controlo da conveniência ou inconveniência da ausência do funcionário, em função do superior interesse do serviço, autorizando ou não o mesmo a faltar, e não, como sustenta a entidade recorrida, como vinculação absoluta a uma determinada forma de transmissão da declaração, no caso, a forma oral.
Por outro lado, o facto da recorrente ter participado a falta por escrito, no próprio dia, também não inviabilizou o controlo da conveniência ou inconveniência da ausência, em função do interesse do serviço, por parte do superior hierárquico, posto que nada impedia que o requerimento referido no ponto ii. do probatório fosse de imediato levado a despacho do Director Executivo da Escola Secundária de Amarante, ou de quem o substituísse, para efeitos de recusar a autorização ao pedido formulado pela recorrente, transmitindo-lhe essa recusa nem que fosse por via telefónica.
Nestes termos, ao não aceitar como válida a participação de uma falta dada pela recorrente, por conta do período de férias, no próprio dia e na forma escrita, com a consequente injustificação da mesma, o despacho recorrido mostra-se inquinado do vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 102º do DL nº 139-A/90, de 28/4, alterado pelo DL nº 1/98, de 2/1, 7º, nº 3 do Cód. Civil, e 21º, alínea t) e 67º, ambos do DL nº 100/99, de 31/3, o que por si só conduziria à respectiva anulação.
* * * * * *
Sustenta ainda a recorrente que o despacho recorrido viola os artigos 6º, 44º, alíneas b) e d) e 51º do CPA, já que foi a mesma técnica jurista da DREN quem emitiu os pareceres de que se apropriaram, para manter o despacho do Director Executivo da Escola Secundária de Amarante, quer o Director Regional de Educação do Norte, quer a Secretária de Estado da Administração Educativa, em clara violação do princípio da imparcialidade da Administração.
Vejamos.
No entender da recorrente, essa violação resultaria do facto do mesmo ter sido antecedido dum “parecer/proposta” elaborada pela mesma “jurista” que havia subscrito o “parecer/proposta” em que assentara a decisão da Directora Regional Adjunta da Educação do Norte [cfr. pontos vii. e x. do probatório].
O artigo 44º, nº 1, nas suas alíneas b), d) e g), do CPA estabelece o seguinte:
Artigo 44º
1. Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos:
[…]
b) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta ou até ao 2º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
[…]
d) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver;
[…]
g) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção delas”.
Por seu turno, o artigo 51º, nº 1 do CPA, prescreve que “os actos ou contratos em que tiverem intervindo titulares de órgão ou agentes impedidos são anuláveis nos termos gerais”.
E, por outro lado, tanto o artigo 266º, nº 2, da CRP, como o artigo 6º do CPA sujeitam a Administração Pública, no exercício da sua actividade, ao respeito pelo princípio da imparcialidade.
Como é sabido, este princípio vincula os órgãos da Administração Pública, em especial nas suas relações com os particulares, a agirem com isenção, rectidão, objectividade, neutralidade e equidistância perante os interesses em presença [Cfr., neste particular, Freitas do Amaral, Lições, II vol., págs. 204 e segs., e ainda os Acórdãos do STA, de 5-6-2003, proferido no âmbito do recurso nº 2018/02, e de 14-5-97, proferido no âmbito do recurso nº 29.592].
A transparência, enquanto corolário da imparcialidade, funciona como um seu anteparo ou garantia preventiva, exigindo que a Administração projecte para o exterior uma imagem com aquelas características, de modo a inspirar nos cidadãos um sentimento de confiança e isenção, assim garantindo os administrados contra os desvios ou quebras dos deveres de isenção e objectividade e assegurando o primado do interesse público.
Como forma de assegurar na prática essa imparcialidade, a lei estabeleceu mecanismos como os impedimentos, as escusas e as suspeições, anteriormente constantes do DL nº 370/83, de 6/10, e hoje incluídos nos artigos 44º e segs. do CPA.
Trata-se de limitações e proibições que têm em vista salvaguardar aqueles valores, antecipando e enumerando um certo número de situações-tipo susceptíveis de os colocar em perigo.
A questão coloca-se então nos seguintes termos: será que a situação dos autos se inclui no rol dessas previsões legais ?
A resposta a esta interrogação depende, entre outras reflexões, de saber o que deverá entender-se por “intervenção”, para efeitos do citado artigo 44º do CPA.
Se considerarmos que apenas se quis prever a actividade decisória propriamente dita, então ficarão fora do alcance deste preceito todas as outras intervenções que podem ter lugar no procedimento, nomeadamente na instrução e preparação da decisão.
Há no entanto que alargar o campo de previsão da norma, precisando o conceito de “intervenção”, e considerar que, na esteira de autores como Mário Esteves de Oliveira e outros [Cfr. CPA Comentado, vol. I, págs. 246/247], os impedimentos do artigo 44º não dizem unicamente respeito à fase de decisão, pois doutro modo “isso frustraria muito do interesse do preceito”, sendo certo que um parecer ou uma proposta pode “influenciar ponderosamente” a decisão do órgão com competência decisória.
Como escreve Maria Teresa de Melo Ribeiro [cfr. o “Princípio da Imparcialidade da Administração Pública”, a págs. 235], a imparcialidade “constitui, assim, um princípio regulador do conjunto da actividade administrativa e respeita ao exercício e ao desenvolvimento da totalidade da função administrativa, desde a fase de averiguação e determinação dos factos relevantes, até à fase de decisão administrativa, passando pelo inteiro processo de formação da vontade da Administração Pública”.
Por conseguinte, não é pelo facto de se tratar da elaboração de um “parecer/proposta” que a citada regra da alínea g) deixará de se aplicar.
Porém, a determinação do sentido desta alínea passa também por resolver a questão da sua compatibilização com a disposição do mesmo Código que, no recurso hierárquico, obriga à “intervenção” do autor do acto recorrido – cfr. o disposto no artigo 172º do CPA.
E debatendo-a, já o STA teve oportunidade de firmar Jurisprudência, no sentido de que essa aparente incompatibilidade não existe.
Com efeito, o que releva é que no cumprimento do disposto no artigo 172º do CPA, a intervenção do órgão recorrido se atenha à finalidade desta norma, ou seja, à sustentação ou reparação da decisão – cfr., neste sentido, os Acórdãos do STA, de 21-1-93, proferido no âmbito do recurso nº 29.582, de 5-6-2003, proferido no âmbito do recurso nº 2018/02 e, com maior desenvolvimento, o de 28-1-2003, proferido no âmbito do recurso nº 705/02.
Afigura-se-nos, contudo, que no caso dos autos, a actividade da jurista em causa, e a sua importância e função no procedimento, foi além desses parâmetros.
De facto, tendo sido com base no seu parecer e proposta [informação/proposta nº 236] que a decisão de 1º grau foi mantida, é de novo o seu parecer [igualmente designado de informação/proposta, com o nº 370/2000] que constitui o único elemento instrutório presente à entidade recorrida, em forma de proposta, para decisão do recurso hierárquico interposto pela recorrente para o membro do Governo competente.
Entre esta informação e o despacho impugnado figura apenas um despacho de mero expediente de “à consideração superior”, que não inclui nem acrescenta nenhum elemento que o órgão decisor pudesse levar em consideração para uma tomada de posição sobre o recurso hierárquico, tanto que a concordância que o despacho impugnado diz manifestar se refere necessariamente ao que consta da dita informação ou parecer.
Ora, como se escreveu no Acórdão do STA, de 18-4-2000, proferido no âmbito do recurso nº 29.582, “sendo intenção do legislador afastar do procedimento administrativo quem por ele possa ser influenciado ou o possa, ele próprio, influenciar, na referida alínea previne-se a imparcialidade e independência do agente público em função do possível comprometimento com a decisão recorrida, cuja confirmação pretende naturalmente ver consagrada”.
Muito embora a alínea g) do nº 1 do artigo 44º do CPA possua um recorte não inteiramente coincidente com as restantes alíneas do mesmo artigo [com excepção, talvez, da alínea d)], já que, para além da imparcialidade propriamente dita, ela é inspirada por outro tipo de preocupações, o certo é que ao pretender afastar da decisão do recurso quem teve intervenção na decisão de que se recorre, o legislador quis também assegurar a eficácia do recurso hierárquico como meio de impugnação dos actos administrativos, que constitui uma componente muito importante da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrada no artigo 268º, nº 4 da Lei Fundamental.
De resto, e em situação em tudo idêntica à dos presentes autos, o STA [no seu acórdão de 17-11-2004, proferido no âmbito do recurso nº 2038/03, da 3ª Subsecção do CA], deixou expresso o seguinte entendimento, quanto à questão do impedimento do funcionário que intervém simultaneamente nos procedimentos de 1º e 2º grau:
O recurso hierárquico devolve ao superior a competência para decidir, fazendo com que ao interessado se abra uma nova oportunidade de avaliação da legalidade e oportunidade administrativas, bem como, em última análise, de análise dos aspectos em que sua pretensão se amolda ao interesse público prosseguido.
Acresce que, no caso de recurso hierárquico necessário, o órgão “ad quem” procede a um autêntico reexame da pretensão, podendo por isso ir além do simples controlo ou revisão da decisão primária.
É inevitável que quem preparou esta, fornecendo-lhe a motivação de suporte, tenderá, se envolvido na decisão do recurso, a manter a sua opinião e a sustentar a decisão que nela se louvou. Sendo assim, a sua intervenção, para além do défice garantístico que implica, vai em desfavor de uma decisão administrativa racional, ponderada e tanto quanto possível correcta.
Por isso, o membro do Governo que decide um recurso hierárquico não pode valer-se exclusivamente da informação que, em sede de contraditório, é prestada pelo órgão ou agente que, por conta do órgão subalterno, ajudou a preparar a decisão recorrida. A apoiar-se em informação ou proposta, esta tem de partir dos serviços do Ministério ou Secretaria de Estado, pois só assim decidirá com objectividade e isenção, sem os constrangimentos que a sua falta de distanciamento “dos dois lados” pode propiciar. O que não deixa de constituir uma imposição da imparcialidade e transparência, na dimensão que privilegia a isenção, a independência e o decoro.
A situação dos autos é, por conseguinte, equiparável à do impedimento do próprio órgão decisor, para efeitos da respectiva subsunção ao preceituado na alínea g) do nº 1 do artigo 44º do CPA, e não, como defendido pela recorrente, ao preceituado nas alíneas b) e d) do citado normativo.
Deve, portanto, entender-se que esta disposição proíbe que o recurso hierárquico seja decidido unicamente com fundamento em informação, parecer ou proposta da autoria do jurista que, ao serviço do órgão recorrido, elaborou a informação ou parecer em que o mesmo se apoiou, na tomada da decisão primária”.
E, se assim é, como nos parece ser também o caso dos autos, o despacho recorrido mostra-se igualmente inquinado do apontado vício, por violação do disposto nos artigos 6º, 44º, nº 1, alínea g) e 51º, do CPA [embora não se verifique, como pretende a recorrente, a violação das alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 44º do CPA].

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso contencioso, anulando o despacho recorrido.
Sem custas, atenta a isenção de que goza a entidade recorrida.
Lisboa, 18 de Maio de 2006


[Rui Fernando Belfo Pereira]
[António Almeida Coelho da Cunha]
[Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues Almada Araújo]