Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:785/07.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
CUSTOS
INDISPENSABILIDADE
ÓNUS PROBATÓRIO
DÚVIDA FUNDADA
Sumário:
I- No âmbito da dedutibilidade dos custos e especificamente sobre o requisito da indispensabilidade, o controlo a efetuar pela Administração Tributária tem de ser feito pela negativa, ou seja, a entidade fiscalizadora só deve desconsiderar como custos fiscais os que, claramente, não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo intrometer-se na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa.

II-Consistindo a Convenção Anual numa reunião de trabalho na qual participaram todos os colaboradores da Impugnante, onde se fixaram as estratégias e objetivos de trabalho da atividade a desenvolver e ao balanço do trabalho desenvolvido, a mesma assume um fito estratégico, organizacional, de otimização e delineação de resultados, por conseguinte tais despesas encontram-se, inteiramente, alocadas ao escopo societário reputando-se como indispensáveis para a obtenção de proveitos e para a manutenção da fonte produtora, donde dedutíveis fiscalmente.

III-O mesmo sucede com as despesas de deslocação e estada, porquanto resulta provado que as mesmas promanam de deslocações dos colaboradores da força de vendas e do pessoal das áreas comercial e de marketing e que estão concatenadas com reuniões de trabalho e eventos nacionais e internacionais com o objetivo de promoção dos produtos comercializados pela impugnante. São, assim, despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, de acordo com a definição do mesmo constante do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), logo custos subsumíveis no artigo 23.º do CIRC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “B….., Lda”, contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), relativa ao exercício de 1998, e respetivos juros compensatórios, no valor de €554.888,10.


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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“1. Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com as conclusões a que chegou a douta sentença ora recorrida.

2. Da análise dos documentos juntos pela Impugnante na sua p.i., como documento nº 55, verifica-se que a viagem a Praga para a designada Convenção Anual de Vendas, teve como principal propósito premiar os colaboradores da mesma pelos objectivos alcançados no ano de 1998. Aliás, no documento de 6 de Fevereiro de 1999, assinado por G….., pode ler-se “O bom trabalho que vocês efectuaram no ano passado, tornou possível realizarmos os nossos planos e nos encontrarmos fora das fronteiras do vosso país.” (Tradução literal nossa).

3. Tal facto mostra-se reforçado quando, da leitura e análise do documento que foi entregue no voo para Praga, quando se refere que contam com a colaboração de todos na reunião do dia seguinte de manhã, mas que tal participação deve ser efectuada por escrito, atendendo ao tempo limitado da reunião.

4. Se a referida viagem tinha como objectivo principal a reunião anual cujo “objecto principal consiste na promoção dos seus interesses comerciais, podendo ter associada uma componente lúdica mas que é meramente acessória, ou instrumental, mas nunca principal”. Como é que se explica que a referida viagem de quatro dias apenas tenha dedicado meio-dia ao seu objectivo principal.

5. Assim, o caso em apreço subsume-se à informação genérica prestada pela Direcção de Serviços do IRC, junta com a p.i., como doc. nº 4.

6. No caso em apreço a Impugnante não fez repercutir tal vantagem na esfera jurídica/tributária dos seus trabalhadores, pelo que os mesmos não foram tributados pelas mesmas em sede de IRS.

7. Acresce que, quando da acção de inspecção tributária e da análise à conta 62.230 “Convenção Anual de Vendas”, os beneficiários das mesmas não se encontravam descriminados, não tendo sido possível proceder à imputação aos mesmos das vantagens auferidas em sede de IRS, pelo que, tais valores não podem ser considerados como custos à luz do artº 23º do CIRC.

8. Face ao exposto verifica-se que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos documentos de prova juntos aos autos, tendo dessa forma violado o disposto no artº 23º do CIRC.

9. No que respeita à desconsideração da verba que a Impugnante inscreveu na conta 62.227 – “Deslocações e Estadas”, salvo o devido respeito, também aqui não podemos concordar com a douta sentença recorrida.

10. Tais despesas respeitam a deslocações e estadas dos seus colaboradores, no entanto os mesmos não se encontram identificados;

11. Pelo que, tendo em conta o disposto no artº 23º do CIRC era necessário que a Impugnante fizesse prova inequívoca do tipo de custos em que ocorreu, e quais os seus beneficiários, por forma a demonstrar a indispensabilidade dos mesmos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a IRC.

12. Acresce que, a não identificação dos trabalhadores a que tais despesas respeitam, impedem uma análise criteriosa da contabilidade da Impugnante de forma a apurar se os mesmos por essas deslocações beneficiaram ou não de ajudas de custo.

13. Face ao exposto verifica-se que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos elementos de prova juntos aos autos, tendo dessa forma violado o disposto no artº 23º do CIRC.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.”


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, contra-alegou tendo concluído da seguinte forma:

Em face do que antecede conclui-se do seguinte modo:

“A)           O objecto do presente recurso são apenas os custos / gastos, com a Convenção Anual de Vendas e com Deslocações e Estadas, devendo valer como aceitação tácita da Douta sentença as matérias contra as quais a AT não produziu alegações de recorrente;

B)             Pelo que se consideram não controvertidos nem integrado o objecto do presente recurso as demais correcções não contestadas pela recorrente;

C)             Ficou provado que a Convenção Anual é uma congregação das forças de vendas da impugnante para os seus cerca de 120 colaboradores do sector das vendas nesse ano, fazendo-se desnecessário recordar que ela é uma sociedade comercial por quotas que tem o lucro como objecto principal;

D) A Douta sentença não merece censura ao dar como provado que a Impugnante tem por objecto a actividade de venda por grosso de produtos farmacêuticos, pelo que os custos em causa, com uma Reunião Anual de Vendas e Deslocações e Estadas não podem ser postos em crise, na medida em que se revelam indispensáveis nos termos do artigo 23.° do CIRC, e, logo assim, devem ser fiscalmente aceites como custos/gastos;

E) Fica também provado em relação a ambos os custos / gastos objecto deste recurso, que o artigo 23.° do Código do IRC afastou a discricionariedade anteriormente permitida, devendo antes entender-se que a indispensabilidade dos custos resulta da sua ligação à actividade empresarial;

F)              Pelo que devem ser considerados como custo / gasto para efeitos do artigo 23.° do CIRC os custos enumerados no preceito que sejam comprovados e que se relacionem com a actividade da empresei, como foi provado nos autos;

G)             Está devidamente provado que quer a Convenção Anual de Vendas de 1998 quer as Deslocações e Estadas incorridas no exercício estão directamente ligadas à sua actividade empresarial, isto é, que esses custos não são estranhos a essa actividade, relacionando-se com ela e sendo, por isso, indispensáveis para os efeitos do artigo 23.° do CIRC;

H)             E que a douta sentença não merece censura ao defender que não se referindo o conceito de indispensabilidade empregue ao artigo 23.° do CIRC à necessidade ou à conveniência do custo, não pode a AT colocá-lo em crise, como o pretende, tomando por base estes pressupostos, sob pena de realizar intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão, conforme jurisprudência e doutrina firmes na matéria;

I) Pelo que assim se prova que o presente recurso não merece provimento porquanto a AT não pode colocar em crise a bondade e a oportunidade das decisões económicas dade que decorram directamente proveitos para a empresa ou que se revelem para si “convenientes”;

Tanto mais que se prova que tais custos se inserem no interesse e nos seus objectivos societários e gestionários, pelo que a Douta sentença recorrida andou bem ao considerá-los como custos do exercício em causa, com todas as legais consequências;

K)             Pelo que a sentença recorrida não merece, como se prova, nenhuma censura em nenhum dos aspectos objecto de recurso, devendo ser mantida, por conforme com as regras legais com as quais se deveria conformar e, nessa medida, realiza uma efectiva e elogiável administração da justiça;

L)              Em razão do que, como provado, o presente recurso deve ser considerado totalmente improcedente por não provado, como é de Direito.

Nestes termos e nos demais do Douto suprimento de Vossas Excelências deverá o recurso interposto pela Fazenda Pública

a.              Ser liminarmente rejeitado por impossibilidade de conhecimento, erro e desadequação do seu objecto, por erro e ineptidão do pedido nele formulado pela recorrente; ou, em qualquer caso

b.              Ser considerando totalmente improcedente, mantendo-se, por consequência, a Douta sentença recorrida, com todas as legais consequências, como é de Justiça.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Da prova testemunhal e documental produzida nestes autos, resulta assente, com interesse para a decisão da causa, a factualidade se passa a subordinar por alíneas:

A) A Impugnante tem como actividade o comércio por grosso dos produtos farmacêuticos. (acordo)

B) Pela Ordem de Serviço n.º ….. de 06.06.2002, foi determinada ação de inspeção ao exercício de 1998 à Impugnante. (Doc. fls. 615/624 do PAT dos autos)

C) Na sequência da ação de inspecção a que alude a al.B) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspeção do qual se destaca:

“III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS:

A - CORRECÇÕES EM SEDE DE IRC:

A.2 - DESLOCAÇÕES E ESTADAS:

Na análise aos documentos seleccionados por amostragem da conta 62.227 "Deslocações e Estadas", verificámos que o sujeito passivo inscreveu nessa mesma conta verbas relativas a viagens cujos beneficiários não estão discriminados. Também não está determinada a utilidade/indispensabilidade destas viagens para a prossecução dos proveitos ou manutenção da fonte produtora. Mesmo que estes encargos com as viagens tenham como beneficiários os empregados da empresa, não obstante poderem realizar-se no seu decurso uma ou outra reunião de trabalho, poder-se-á afirmar que o objectivo principal das mesmas é propiciar a estes uma viagem de lazer e, desta forma, uma retribuição em espécie aos seus empregados.

Deste modo, nos termos do artigo 23° do C.I.R.C., apenas poderão ser aceites como custo, as despesas que sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos. Nesta conformidade, nos termos do artigo 23° do C.I.R.C., não é aceite como custo fiscal o montante de 95.431,05 €, pela sua natureza e valor, uma vez que não foi demonstrado a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, ou manutenção da fonte produtora, nem foram identificados os seus destinatários. (Quadro 3 do Anexo)

A.3 – CONVENÇÃO ANUAL DE VENDAS:

Na análise à amostragem efectuada à conta 62.230 "Convenção Anual de Vendas". verificámos que o sujeito passivo inscreveu nesta conta a verba relativa a uma viagem cujos beneficiários não estão discriminados. Também não está determinada a sua utilidade/indispensabilidade para a prossecução dos proveitos ou manutenção da fonte produtora. Mesmo que estes encargos com as viagens tenham como beneficiários os empregados da empresa, não obstante poderem realizar-se no seu decurso uma ou outra reunião de trabalho, poder-se-á afirmar que o objectivo principal das mesmas é propiciar a estes uma viagem de lazer e, desta forma, uma retribuição em espécie aos seus empregados.

Deste modo, nos termos do artigo 23° do C.I.R.C., apenas poderão ser aceites como custo, as despesas que sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos. Nesta conformidade, nos termos do artigo 23° do C. I. R. C.., não é aceite como custo fiscal o montante de 167.554,44 €, pela sua natureza e valor, uma vez que não foi demonstrado a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, ou manutenção da fonte produtora, nem foram identificados os seus destinatários. (Quadro 1 do Anexo)

AA – PROMOÇÃO E PUBLICIDADE DE PRODUTOS:

Da auditoria efectuada às contas do sujeito, no exercício de 1998, verificámos que o sujeito passivo relevou na conta 62.3 "Promoção e Publicidade de Produtos", subconta 62.2340 "Congressos e Simpósios", diversos documentos relativos a viagens e comparticipação de viagens oferecidas a médicos para participar em congressos, seminários, cursos, estágios, despesas com almoços e com jantares, despesas com alojamento, passeios e espetáculos, cujos beneficiários são os médicos, deslocações e participações nas quais se verifica que a componente recreativa é bastante significativa. Estes custos só poderiam ser considerados de publicidade se fosse de facto evidente a publicidade pretendida, isto é, se no local do congresso existissem painéis, dossiers, etc., de forma a poder ser conhecida pelos médicos que assistem aos eventos, caso contrário somos levados a concluir que tais custos não têm qualquer conexão com a obtenção de proveitos. Além disso também não podem ser consideradas como um custo com publicidade porque, segundo a legislação vigente, o médico não poderá ser influenciado por via do comportamento de uma determinada indústria/empresa farmacêutica na escolha do receituário, nos termos do n.º 2 do artigo 9° do DL 100/94. Como não foi efectuada a indicação do nome do médico ou do beneficiário e do(s) representante(s) da empresa que os acompanharam, não podemos considerar que se tratam de despesas de representação.

Deste modo, e nos termos do artigo 23° do C.I.R.C., não podem ser aceites fiscalmente os referidos custos uma vez que não foi demonstrado a sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora. Os custos não aceites totalizam 1.407.499,96 €. (Quadro 1 do Anexo)

A.5 - PHASE IV PRODUTOS:

Da amostragem efectuada à conta 62.4 "Phase IV Produtos", subconta 62.430 "Phase IV Ensaios Clínicos", verificámos que o sujeito passivo contabilizou nesta rubrica documentos que se referem a inscrições e deslocações a congressos, simpósios e estágios da especialidade, no estrangeiro (nomeadamente facturas de operadores turísticos e de instituições organizadoras de eventos), cujos principais destinatários são médicos. Estes encargos com médicos, servem essencialmente para a sua formação e valorização pessoal, contendo implicitamente um carácter lúdico que não pode ser dissociado. Deste modo, nos termos do artigo 23° do CI.R.C., apenas poderão ser aceites como custo, as despesas que sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos. Nesta conformidade, nos termos do artigo 23° do C.I.R.C., não é aceite como custo fiscal o montante de 49.504,39 €, relativo a viagens, pela sua natureza e valor, uma vez que não foi demonstrado a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, ou manutenção da fonte produtora.

Da amostragem efectuada à conta 62.4 "Phase IV Produtos", subconta 62.450 "Phase IV Ad. Board", e 62.480 "Phase IV Financ. Ensaios Hospitalares" verificámos que o sujeito passivo contabilizou nesta rubrica despesas cujo suporte documental se resume a impressos tipo em uso na empresa, não havendo como suporte documentos emitidos com os requisitos legais. Por não se encontrarem devidamente documentados atendendo ao n.º 3 do artigo 17º, alínea h) do n.º 1 do artigo 41° e alínea a) do n.º 3 do artigo 98°, todos do C.I.R.C., não são aceites como custo as verbas de 748,20 €, relativamente à conta 62.450, e 4.230,54 €, relativamente à conta 62.480. (Quadro I do Anexo)

A.6 - SALES FORCE - PRODUTOS:

Da amostragem efectuada à conta 62.5 "Sales Force Produtos", subcontas 62.513 "Workshops" e 62.514 "Simpósios Locais", verificámos que o sujeito passivo contabilizou nestas rubricas custos relativos a Viagens e comparticipação de viagens oferecidas a médicos para participar em congressos, seminários, cursos, estágios, despesas com almoços e com jantares, despesas com alojamento, etc., cujos beneficiários são os médicos. Estes encargos com médicos, apesar de servirem para a sua formação e valorização pessoal e conterem implicitamente um carácter lúdico que não pode ser dissociado, podem encenar de algum modo uma forma de representação da empresa desde que sejam acompanhados por alguém com capacidade de representação da mesma que, mesmo não participando nos eventos científicos, efectue reuniões com vista a representar a empresa. Com efeito, embora o objectivo principal dos congressos seja a valorização profissional dos médicos (além do já aludido carácter recreativo que possa estar associado) podemos considerar que estará subjacente a representação da empresa, desde que a empresa identifique os beneficiários, os representantes e o evento em que os mesmos participaram, documentando sempre estes eventos e participantes de forma inequívoca e idónea. De acordo com o POC, na conta "despesas de representação" são registadas as despesas relacionadas com a representação da empresa, tais como oferta de refeições a convidados com quem se mantém relações de prestígio. Por outro lado o n.º 3 do artigo 41 ° do CI.R.C considera como "despesas de representação as refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades". Estas despesas, pela sua natureza, têm um cariz de representatividade, pelo que deveria o sujeito passivo ter acrescido no quadro 17 da declaração Modelo 22 os correspondentes 20% nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 41° do CI.R.C.

O valor das despesas consideradas como de representação cifra-se em 23.009,27 €, relativo à conta 62.513, e 7.665,18 €, relativo à conta 62.514, sendo de acrescer ao lucro tributável o montante de 4.601,85 € e 1.533,04 €, respectivamente, correspondente a 20% das despesas de representação.

A empresa contabilizou na conta 62.522 "Apoio a Participantes em Congressos" documentos de operadores turísticos que se referem a deslocações a congressos ou simpósios, em Portugal e no estrangeiro, sem indicação do nome do médico ou do beneficiário e do(s) representante(s) da empresa que os acompanharam. Registou ainda viagens normalmente em avião, em nome de médicos e outras pessoas não pertencentes aos quadros da empresa sem qualquer referência ao tipo de evento/motivo, desconhecendo-se a natureza da viagem efectuada. Desta forma não podemos considerar que se tratam de despesas de representação, nem podem ser consideradas como um custo com publicidade, uma vez que, segundo a legislação vigente, o médico não poderá ser influenciado por via do comportamento de uma determinada indústria/empresa farmacêutica na escolha do receituário, nos termos do n.º2 do artigo 9º do DL 100/94. Como estes custos não têm subjacente o incremento das vendas, não podemos considerar estes como custos de publicidade. Deste modo, e nos termos do artigo 23º do CIRC, não podem ser aceites fiscalmente os referidos custos uma vez que não foi demonstrado a sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora. Os custos não aceites totalizam 273.569,47. ( Quadro 1 do Anexo)”. (Doc. fls. 615/624 do PAT dos autos)

D) Em resultado das correcções efectuadas no valor de € 2.111.156,50 a matéria colectável € 994.876,68 negativa declarada pela Impugnante, transformou-se num lucro tributável de €1.206.279,82, originando a emissão em 20.11.2002, da liquidação de IRC n.º 8310036848 no montante de € 554.88,10, na qual se mostra aposto o dia 06.01.2003 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. fls 34 do processo de reclamação graciosa apenso)

E) Em 04.04.2003, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação a que alude a al. D) do probatório. (Doc. fls 2/33 do processo de reclamação graciosa apenso)

F) Em 04.06.2007, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto foi a reclamação graciosa a que alude a al. E) do probatório indeferida. (Doc. fls 684/685 do processo de reclamação graciosa apenso)

G) No ano de 1998, no evento “ INTERNATIONAL FÓRUM FOR THE EVALUATION OF CARDIOVASCULAR ” realizado em Monte Carlo participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º7, que se fizeram acompanhar do elemento do staff , A…... ( Doc. n.º7 e 8 junto à p.i., depoimento da 1ª e 2ª testemunha)

H) A Impugnante participou no simpósio “ ANGIOSTENSIN II BLOCKADE; BLOOD PRESSURE CONTROL ANDA END-ORGAN PROTECTION AS COMBINED GOALS”. ( Doc. n.º9 junto à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

I) No ano de 1998, no evento “SIMPOSIO PAN- EUROPEAN SOBRE FARMÀCIA HOSPITALR NA ONCOLOGIA” realizado em Paris participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º10, que se fizeram acompanhar de seis elementos do staff. ( Doc. n.ºs10 e 11 junto à p.i. e depoimento da 1ª testemunha )

J) No programa do evento “SIMPOSIO PAN- EUROPEAN SOBRE FARMÀCIA HOSPITALR NA ONCOLOGIA” surge o nome da Impugnante. ( Doc. n.º12 junto à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

L) No ano de 1998, no evento “3º Congresso da ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE FARMACÊUTICOS HOSPITALARES” realizado em Edimbrugo participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º13, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc. n.º13 e 14 junto à p.i. e depoimento da 1ª testemunha )

M) No ano de 1998, no evento “47 SESSÃO CIENTIFICA ANULA DO AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY” realizado em Atlante participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º15, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc. n.º15 e 16 junto à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

N) No ano de 1998, no evento “XIII CONGRESSO MUNDIAL DE CARDIOLOGIA” realizado em Rio de Janeiro participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º17, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. ( Doc. n.º17 e 18 junto à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

O) No ano de 1998, a Impugnante participou nos simpósios, “ HYPERTENSION AND CARDIOVASCULAR DISEASE: IMPORTANCE OF ANGIOTENSIN II BLOCKADE; NEW DIMENSIONS IN TELHE PREVENTION OF CARDIOVASCULAR DISEASE E THE GOLD STANDARD IN ACE INHIBITION: ANYTHING NEW ( Doc.s juntos aos autos e depoimento da 1ª testemunhal).

P) No ano de 1998, no evento “8º CONGRESSO MUNDIAL THE PAIN CLINIC” realizado em Tenerife participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º19, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc. n.º19 e 20 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

Q) No ano de 1998, no evento “13º REUNIÃO CIENTIFICA DA AMERICAN SOCIETY OF HYPERTENSION” realizado em Nova Iorque participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º21, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º21 e 22 juntos à p.i. e depoimento da 1ª e 2ª testemunha)

R) No ano de 1998, no evento “34ª REUNIÃO ANUAL DA AMERICAN SOCIETY OF CLINICAL ONCOLOGY” realizado em Los Angeles participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º24, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º24 e 25 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

S) No ano de 1998, no evento “6º CONGRESSO MUNDIAL SOBRE A INSUFICIÊNCIA CARDIACA” realizado em Genebre participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º26, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º26 e 27 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

T) No ano de 1998, no evento “69º REUNIÃO DA SOCIEDADE DE ARTEROSCLEROSE” realizado em Helsínquia participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º29, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º29 e 30 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

U) No ano de 1998, no evento “151ª REUNIÃO ANUAL DA AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION” realizado em Toronto participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º31, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc. n.º31 e 32 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

V) No ano de 1998, no evento “17ª REUNIÃOCIENTIFICA DA SOCIEDADE INTERNACIONAL DE HIPERTENSÃO” realizado em Amesterdão participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º 33, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc. n.º33 e 34 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

X) No ano de 1998, no evento “12ª CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE A SIDA” realizado em Genebra participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º35, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º35 e 36 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

Z) No ano de 1998, no evento “21º CONGRESSO DO CINP” realizado em Glasgow participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º 37, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º37 e 38 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

AA) No ano de 1998, no evento “20º CONGRESSO DA SOCIEDADE EUROPEIA DE CARDIOLOGIA” realizado em Viana participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º39, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º39 e 41 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha )

AB) No ano de 1998, no evento “3º GONGRESSO DA FEDERAÇÃO EUROPEIA DAS SOCIEDADES DE NEUROLOGIA” realizado em Toronto participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º41, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º41 e 42 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

AC) No ano de 1998, no evento “3º GONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE O CANCRO DO PULMÃO” realizado em Rodes participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º43, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º43 e 44 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha )

AD) No ano de 1998, no evento “23º CONGRESSO DA ESMO” realizado em Atenas participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º45, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º45 e 46 juntos à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

AE) No ano de 1998, no evento “71ªs SESSÕES CIENTIFICAS DA AMERECIAN HEART ASSOCIATION” realizado em Dallas participaram a convite da Impugnante os médicos discriminados no doc. n.º47, que se fizeram acompanhar dos elementos do staff da Impugnante. (Doc.s n.º47 e 48 juntos à p.i. e depoimento da 1ª e 2ª testemunha)

AF) No exercício de 1998, a Impugnante tinha ao seu serviço cerca de 120 colaboradores. ( Doc. n.º50 junto à p.i.)

AG) Consta dos autos uma listagem contendo a identificação dos médicos (nome e especialidade) que participaram nos eventos nela descritos. ( Doc. n.º51 junto à p.i. e depoimento da 1ª testemunha)

AH) Consta dos autos as faturas n.ºs 15/6927 e 951 emitidas respetivamente pela C….. e S….. o nome dos médicos convidados e o evento em que participaram. ( Doc. n.º53 junto à p.i.)

AI) Consta dos autos sob o Doc. n.º 54 junto à p.i., a identificação dos médicos e do colaborador da Impugnante que participaram no Congresso Português de Cardiologia. ( Doc. n.º54 junto à p.i. e 1ª testemunha)

AJ) A Convenção Anual foi uma reunião de trabalho em que participaram todos colaboradores da Impugnante, onde se fixaram as estratégias e objectivos de trabalho de actividade a desenvolver e se procedeu ao balanço do trabalho desenvolvido. (Depoimento da 1ª e 2ª testemunha)

AL) Durante o ano de 1998, a Impugnante realizou as reuniões de trabalho identificadas nos Doc. n.ºs 57 e 58 junto à p.i.. (Depoimento da 1ª e 2ª testemunha)

AM) Os colaboradores da força de vendas e o pessoal das áreas comercial e de marketing deslocaram-se a diversos eventos nacionais e internacionais com o objectivo de promover os produtos comercializados pela Impugnante. (Depoimento da 1ª e 2ª testemunha)

AN) Em 29.07.2007, deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra – 2 a petição inicial que originou os presentes autos. ( Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada, o seguinte:

“Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se jà que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.”


***

A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental reportada em cada uma das alíneas do probatório e nos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de inquirição de testemunhas, que revelaram conhecimento directo da factualidade pertinente, nomeadamente os factos dados como provados nas alíneas H), I), J), L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), X), Z), AA), AB), AC), AD), AE), AF), AG), AH), AI), AJ), AL) e AM).”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

AO) A 06 de fevereiro de 1999, a sociedade “B…..”, emitiu documento com o teor que infra se transcreve:

“Caros Colegas,

É a primeira vez, provavelmente, que recebem uma comunicação da B….. a esta altitude, e é certamente um motivo de surpresa para todos. No entanto, e como todos sabem, é por uma boa razão que nos encontramos nesta situação e neste momento.

Como podem notar juntámos um resumo da Agenda da reunião que permitirá terem uma ideia dos temas a serem apresentados. A melhor forma de participação encontrada é através de perguntas escritas a que, pelo elevado número de pessoas presentes na sala e tempo limitado, muito dificilmente será possível responder de outro modo.

Assim contamos com a vossa valiosa intervenção na forma de perguntas escritas que serão lidas e respondidas na oportunidade.

Têm à vossa disposição uma folha para colocarem as vossas questões que serão recolhidas, durante o voo, pelo colega que distribuiu esta mensagem.

A participação de todos é muito importante. Contamos com ela!

G…...”

 (cfr. doc. 55 junto com a p.i. a fls. 577 dos dos autos)

AP) Em anexo ao evidenciado em AO), foi entregue um documento intitulado de Agenda de Reunião Anual, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, a realização das seguintes Atividades:

“Resultados 1998” (…) “Enquadramento Económico e de Mercado”, “Projetos Clínicos”, “Acções de Desenvolvimento: SFE, Recrutamento, Treino, Walsh”, “Objectivos e Recompensas:Objectivos p/ 1999, Custos e Despesas, TeamShare, Plano de Carreira, Plano de Incentivos”. (cfr. doc. 55 junto com a p.i. a fls. 578 dos dos autos)

AQ) Na mesma data, foi emitido pela sociedade “B…..”, carta com o seguinte teor:

“ Dear Colleagues

I am particular happy in welcoming you in Prague, a city believed by many to be the most beautiful of Central Europe.

The good work that you did last year made possible to realize our plans and find ourselves together outsider the borders of our Country.

I would like to thank each one of you for your contribution in accelarating the growth of our business and assure you that I am looking to na even more successuful business in 1999.

Let´s enjoy our time together and the beauties of Prague.

Kind personal regards,

G…..”

(cfr. doc. 55 junto com a p.i. a fls. 579 dos dos autos)


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, não se conforma, em parte, com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1998, e respetivos juros compensatórios.

Com efeito, em termos de delimitação da lide recursiva, importa relevar que o DRFP apenas interpôs recurso jurisdicional quanto às correções respeitantes à Convenção Anual das Vendas, no valor de €167.544,44 e às Deslocações e Estadas no montante de €95.431,05, tendo, por isso, transitado em julgado as remanescentes correções objeto de análise e posterior anulação na decisão recorrida.

O mesmo sucedendo quanto ao vício formal da falta de fundamentação, porquanto, como visto, a Recorrida não requereu a competente ampliação do objeto do recurso, nem apresentou recurso subordinado.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:
Ø O presente recurso deve ser objeto de rejeição liminar por impossibilidade de conhecimento, face ao erro e desadequação do seu objeto, e ineptidão do pedido nele formulado;
Ø Improcedendo a aludida rejeição, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por ter decidido que os custos relacionados com a Convenção Anual e com as Deslocações e Estadas se subsumem normativamente no artigo 23.º do CIRC, porquanto se encontra provada a sua indispensabilidade.

Apreciando.

Comecemos pela questão atinente à rejeição liminar do recurso.

A Recorrida começa, desde logo, por requerer que o presente recurso seja liminarmente rejeitado por impossibilidade de conhecimento, erro e desadequação do seu objeto, e ineptidão do pedido nele formulado.

Com efeito, defende que a Recorrente tem uma perceção totalmente errada quanto ao objeto e aos fundamentos do recurso, sendo que, in casu, não assaca vícios específicos à sentença, não convocando nenhum dos preceitos do CPC, limitando-se, tão-só, a reiterar os argumentos já anteriormente expendidos, não colocando especificamente em causa a decisão com argumentos concretos e precisos, como lhe legalmente se impõe.

Vejamos, então.

Preceitua o artigo 639.º, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, sob a epígrafe de “ónus de alegar e formular conclusões” que:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.”

Mais importa ter presente que as conclusões das alegações de recurso visam identificar e extrair corretamente as questões controvertidas suscitadas pelo Recorrente, tendo a importante função de delimitar o objeto do recurso e circunscrever o campo de intervenção do Tribunal ad quem.

In casu, contrariamente ao defendido pela Recorrida, do teor das conclusões coadjuvadas com o teor das alegações, é possível percecionar a delimitação das questões, inexistindo a arguida ineptidão.

No caso vertente, atentando nas alegações de recurso verifica-se que a Recorrente, ainda que sem impugnar a matéria de facto, entende que existiu uma errada valoração da matéria de facto face aos pressupostos consignados no artigo 23.º do CIRC, explicitando, na sua ótica de razão, quais os argumentos que deveriam ter sido ponderados para a legitimação da atuação da Administração Tributária e consequente manutenção do ato impugnado.

E por assim ser, não se verifica qualquer erro e desadequação do seu objeto, ou qualquer ineptidão que impossibilite o conhecimento do objeto do recurso.

Face ao exposto, improcedendo a arguida rejeição do recurso, cumpre, então, analisar o erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento no concernente à correção atinente à Convenção Anual de Vendas, porquanto fez uma incorreta valoração da realidade fática, visto que atentando no documento nº55 carreado aos autos, se constata que a viagem realizada a Praga teve como principal propósito premiar os seus colaboradores pelos objetivos alcançados no ano de 1998.

Sublinhando, neste particular, que tal asserção se retira, desde logo, do documento assinado por G….., e bem assim da leitura e análise do documento que foi entregue no voo para Praga, no qual se evidencia que se conta com a colaboração de todos na reunião do dia seguinte de manhã, mas que tal participação deve ser efetuada por escrito, atendendo ao tempo limitado da reunião.

Logo, aduz que sendo a referida viagem de quatro dias e dedicando-se apenas meio dia ao seu objetivo principal, a conclusão que se impõe retirar é que o aludido custo não se subsume no artigo 23.º do CIRC.

No respeitante às correções concernentes a Deslocações e Estadas, propugna, igualmente, por erro de julgamento, sustentando que não se encontram identificados os colaboradores que delas beneficiam, o que per se impede uma análise criteriosa da contabilidade e da indispensabilidade.

Dissente o Recorrido alegando, para o efeito, que a decisão recorrida não merece qualquer censura, porquanto os visados custos estão abrangidos pelo artigo 23.º do CIRC.

Propugna, nesse particular, que atenta a matéria provada nos autos e o objeto social coadunado com a atividade de venda por grosso de produtos farmacêuticos, é por demais evidente que os visados custos com a Reunião Anual de Vendas e as Deslocações e Estadas não podem ser postos em crise, na medida em que se revelam indispensáveis nos termos do artigo 23.° do CIRC, devendo, assim, ser fiscalmente aceites como custos.

Aduz, a final, que a argumentação da Recorrente se consubstancia em critérios de razoabilidade e de gestão, os quais não são, de todo, permitidos, neste e para este efeito.

Resumidas as posições das partes, atentemos, ora, na fundamentação da decisão recorrida que esteou a procedência e consequente anulação das correções respeitantes aos custos com a Convenção Anual e bem assim com as deslocações e Estadas.

No respeitante à correção referente aos custos com a Convenção Anual refere que: “[r]esultou apurado nos autos, que anualmente a Impugnante realize uma reunião de trabalho com os seus colaboradores, onde se fixam as estratégias e objectivos de trabalho de actividade a desenvolver e se procede ao balanço do trabalho desenvolvido. ( Cfr. alíneas AJ) e AL) do probatório)

Densificando, para o efeito, que “[s]e, a dedutibilidade da despesa se afere pela inserção, ou não, da respectiva operação no escopo societário, afigura-se-nos que, no caso vertente, a Impugnante logrou fazer prova positiva de que as despesas efectuadas com a “Convenção Anual” se inseriram na sua capacidade, interesse e objectivo societários, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.”

Sublinhando, ainda, que “[c]omo alega a Impugnante no artigo 76º da p.i.” a prática de reuniões de quadros ou intercalares, constitui uma realidade comum na vida das empresas, relativamente às quais o seu objecto principal consiste na promoção dos seus interesses comerciais, podendo ter associada uma componente lúdica mas que é meramente acessória, ou instrumental, mas nunca principal”.

Conclui, por isso, que “[n]ão há motivo para que os referidos custos sejam desconsiderados.”

Por seu turno, no respeitante às correções atinentes a deslocações e estadas relevou a seguinte argumentação: “[a] Impugnante provou que estão em causa despesas suportadas com deslocações e estadas dos seus colaboradores da força de vendas e o pessoal das áreas comercial e de marketing a diversos eventos nacionais e internacionais, os quais acompanhavam os médicos aos eventos, desde modo promovendo os produtos comercializados pela Impugnante. (cfr. al.AM) do probatório)”.

Enfatizando, ademais, que “[i]mpendia sobre a Administração Fiscal demonstrar que os montantes gastos com as deslocações e estadas consubstanciavam uma remuneração em espécie demonstração essa que, como se tem por inequívoco, não foi concretizada, muito embora, o discurso utilizado “ poder-se-à afirmar que o objectivo principal das mesmas é propiciar a estes uma viagem de lazer e, desta forma, uma retribuição em espécie aos seus empregados.”

Ora, analisando a aludida fundamentação nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto realizou uma correta análise do regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Mas, expliquemos porque assim o entendemos.

Comecemos por convocar a fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária, porquanto, como é consabido, só a fundamentação nele gizada releva para efeitos de justificação das correções realizadas.

Conforme descrito no probatório -não impugnado-mormente, na alínea C), a Administração Tributária avançou como fundamentação para a realização das correções atinentes aos custos com a Convenção Anual o seguinte:

Face à amostragem efetuada à conta 62.230, verificou-se que o sujeito passivo inscreveu nesta conta a verba relativa a uma viagem cujos beneficiários não estão discriminados, sendo que, também não está determinada a sua utilidade/indispensabilidade para a prossecução dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.

Sustentando, outrossim, que, “[m]esmo que estes encargos com as viagens tenham como beneficiários os empregados da empresa, não obstante poderem realizar-se no seu decurso uma ou outra reunião de trabalho, poder-se-á afirmar que o objectivo principal das mesmas é propiciar a estes uma viagem de lazer e, desta forma, uma retribuição em espécie aos seus empregados.”

No concernente à correção referente às Deslocações e Estadas, é evidenciado pela Entidade Fiscalizadora que na sequência da análise aos documentos selecionados por amostragem da conta 62.227 "Deslocações e Estadas", verificou-se que as verbas inscritas nessa rubrica contabilística respeitavam a viagens cujos beneficiários não se encontravam discriminados.

Mais fundamentando que não está “[d]eterminada a utilidade/indispensabilidade destas viagens para a prossecução dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.”

Sublinhando, no mesmo sentido que o apontado para a correção anterior, que mesmo que estes encargos com as viagens tenham como beneficiários os empregados da empresa, a verdade é que o objetivo principal das mesmas se coaduna com uma viagem de lazer e, desta forma, uma retribuição em espécie aos seus empregados.

Concluindo, assim, que “nos termos do artigo 23° do C.I.R.C., apenas poderão ser aceites como custo, as despesas que sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos. Nesta conformidade, nos termos do artigo 23° do C.I.R.C., não é aceite como custo fiscal o montante de 95.431,05 €, pela sua natureza e valor, uma vez que não foi demonstrado a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, ou manutenção da fonte produtora, nem foram identificados os seus destinatários. (Quadro 3 do Anexo) “

E bem assim, “[o] custo fiscal o montante de 167.554,44 €, pela sua natureza e valor, uma vez que não foi demonstrado a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, ou manutenção da fonte produtora, nem foram identificados os seus destinatários. (Quadro 1 do Anexo)”.

Como visto, do teor do Relatório Inspetivo, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23.º do CIRC, e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal, assentou na falta de prova da indispensabilidade dos aludidos custos.

Importa, relevar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nomeadamente os seguintes:

a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta; (…)

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo ou perda apenas desenha o conceito numa vertente finalística, traduzida tão-somente numa certa relação de causalidade com as componentes positivas do resultado.

De todo o modo, o citado artigo 23.º do CIRC permite aferir da existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos[1]”.

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à Administração Tributária atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo[2].

In casu, a decisão recorrida entendeu que, não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas suportadas em documentos idóneos, estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas deveriam ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.

E, de facto, face aos considerandos expendidos e transpondo os mesmos para o recorte probatório dos autos, o aludido entendimento não merece crítica.

Comecemos, então, pelas despesas com a Convenção Anual de Vendas.

Como supra expendido, o enfoque da Recorrente coaduna-se, tão-só, com a falta de prova da indispensabilidade dos custos. De relevar, neste particular, que a Recorrente não sindica, na presente lide recursiva, a questão inerente aos beneficiários-de resto a mesma dimana inequívoca do acervo probatório dos autos e não impugnado. É certo que faz uma, genérica e não devidamente substanciada, consideração quanto à circunstância de aquando da ação inspetiva não se encontrarem identificados os beneficiários, de todo o modo, como é ponto assente e inequívoco, o sujeito passivo pode lograr fazer a prova em sede judicial, como efetivamente o fez e se encontra corporizado no probatório. E por assim ser, a mesma carece de qualquer relevância.

De sublinhar, outrossim e ainda neste particular, que não releva o aduzido em 6) das alegações, não só porque tal alegação não é contemporânea do Relatório Inspetivo, como é irrelevante nesta sede e no contexto de IRC, ora, em contenda.

No concernente ao erro de julgamento atinente à falta de prova da indispensabilidade, e conforme já demos nota anteriormente, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida.

Com efeito, atentando no recorte probatório dos autos resulta provado que, a Recorrente dedica-se à atividade de comércio por grosso dos produtos farmacêuticos, sendo que no ano de 1998, foi realizada uma Convenção Anual em Praga, a qual consistiu, como resulta da prova testemunhal e documental produzida nos autos-não impugnada- e conforme é corporizado na alínea AJ), numa reunião de trabalho em que participaram todos os colaboradores da Impugnante, onde se fixaram as estratégias e objetivos de trabalho de atividade a desenvolver e se procedeu ao balanço do trabalho desenvolvido.

Dimana, assim, da aludida factualidade que a aludida Convenção Anual assume um fito estratégico, organizacional, de otimização e delineação de resultados.

Ora, como é bom de ver, tais despesas estão, inteiramente, alocadas ao escopo societário da Recorrida, reputando-se como indispensáveis para a obtenção de proveitos e para a manutenção da fonte produtora.

É certo que a Recorrente aduz que, atentando na documentação carreada aos autos, mormente, nas cartas emitidas por G….., que é por demais evidente que a Convenção Anual teve como único propósito premiar os colaboradores da mesma pelos objetivos alcançados no ano de 1998.

Porém, analisando a aludida documentação, não se retiram, de todo, as aludidas inferências. Aliás, como veremos, a aludida interpretação peca por ser demasiado redutora e não atentar na globalidade desses mesmos documentos.

Senão vejamos.

A carta a que é feita alusão pela Recorrente e, ora, objeto de aditamento ao probatório, de facto, evidencia que “entre outras actividades programadas para esta viagem, teremos a nossa reunião anual de manhã.”  Mais sublinhando e juntando, para o efeito, um resumo da agenda da reunião, dele constando, designadamente, a seguinte enunciação: “Resultados 1998” (…) “Enquadramento Económico e de Mercado”, “Projetos Clínicos”, “Acções de Desenvolvimento: SFE, Recrutamento, Treino, Walsh”, “Objectivos e Recompensas:Objectivos p/ 1999, Custos e Despesas, TeamShare, Plano de Carreira, Plano de Incentivos”.

Portanto, face ao supra aludido não é, de todo, possível concluir no sentido apontado pela Recorrente. Ademais, dizem-nos as regras da experiência que a realização das reuniões de quadros, anuais ou mesmo intercalares constituem, uma realidade comum na vida das empresas, funcionando, não só como promoção dos interesses comerciais, mas também como forma de reforçar a confiança da equipa de trabalho.

Acresce que, no sentido apontado pela Recorrida, sindicar-se a gestão do tempo, o programa e a própria dinâmica da Convenção, recai no âmbito das opções de gestão dos responsáveis da empresa o que, como já evidenciado anteriormente, não é passível de ser convocado para efeitos de subsunção normativa no citado artigo 23.º do CIRC.

Aduza-se, em abono da verdade, que o controlo a efetuar pela Administração Tributária sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser feito pela negativa, ou seja, a entidade fiscalizadora só deve desconsiderar como custos fiscais os que, claramente, não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo intrometer-se na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa.

Neste âmbito, importa chamar à colação o Aresto do STA proferido no âmbito do processo nº 0627/16, datado de 28 de junho de 2017, cujo sumário, ora, se transcreve:

“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

III - Não pode a AT desconsiderar na formação do lucro tributável a menos-valia resultante da venda de participações sociais duma sociedade que se dedica à mesma actividade do sujeito passivo, se não põe em causa que a aquisição e venda dessas participações se insere no escopo societário e se não põe em causa a realidade dos preços de aquisição e de venda nem a sua conformidade aos valores de mercado. Não pode, designadamente, desconsiderar essa menos-valia com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes dessa menos-valia”.

IV - Ademais, esse entendimento da indispensabilidade reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência.”

Ora, em face do exposto, não tendo sido colocada em causa a efetividade das aludidas despesas, estando as mesmas devidamente suportadas e assumindo, como visto, um propósito empresarial, ou seja, contraídas no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respetivo objeto social, conclui-se que as mesmas são indispensáveis para a obtenção de proveitos, porquanto nenhum vício pode ser assacado à decisão recorrida que assim o decidiu.

Atentemos, ora, nas despesas referentes às deslocações e estadas.

No que se refere às despesas de deslocações e estadas, as mesmas reportam-se a encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores da empresa atuando ao serviço da empresa, por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho.

In casu, importa, desde já, relevar que a Administração Tributária não coloca em causa a qualificação destes custos, a sua efetividade, nem tão-pouco a sua documentabilidade, mas, tão-só, a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou manutenção da fonte produtora, nos termos do citado 23.º, do CIRC.

Ora, tomando por base todos os considerandos de direito supra expendidos e uma vez que o normativo sindicado é o mesmo e que o cerne da questão assenta na indispensabilidade, não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido em qualquer erro de julgamento.

Com efeito, atentando no probatório -alicerçado em prova documental e testemunhal e não impugnado- dimana que tais verbas respeitaram a despesas de deslocação e estada dos colaboradores da força de vendas e ao pessoal das áreas comercial e de marketing concatenando-se com reuniões de trabalho melhor elencadas na alínea AL) e eventos nacionais e internacionais com o objetivo de promoção dos produtos comercializados pela Recorrida.

É certo que inexiste uma individualização circunstanciada desses mesmos colaboradores, mas a verdade é que a Recorrente não impugna e não controverte que tais custos foram, efetivamente, incorridos e que o foram pelos seus colaboradores, estando, outrossim, documentados, pelo que tal circunstância, de per se, não inviabiliza e não permite afastar a dedutibilidade fiscal dos custos incorridos. De todo o modo, sempre se dirá que é feita uma circunscrição aos colaboradores das forças de vendas e bem assim ao pessoal das áreas comercial e de marketing, porquanto sempre competiria à Administração Tributária tendo dúvidas, e não sendo, como visto, colocada em crise a efetividade dos custos e o seu suporte documental, suprir as mesmas[3].

É certo, outrossim, que o Relatório Inspetivo faz alusão, subsidiariamente e à cautela, que mesmo que estes encargos com as viagens tenham como beneficiários os empregados da empresa, a verdade é que o objetivo principal das mesmas se coaduna com uma viagem de lazer e, desta forma, com uma retribuição em espécie aos seus empregados.

Mas a verdade é que essa é uma alegação não devidamente circunstanciada, representando, tão-só, um juízo conclusivo. Acresce que, como é consabido, compete à Administração Tributária fazer prova dos factos que invoca, conforme dimana do artigo 74.º da LGT e bem assim do regime geral do ónus da prova consignado no artigo 342.º do CPC.

Mais importa sublinhar, neste e para este efeito, que carece de relevância o aduzido em 12, porquanto não são fundamentações contemporâneas do Relatório Inspetivo, revestindo, assim, fundamentação a posteriori, legalmente inadmissível.

A final, sempre importa relevar que, no limite, sempre o Tribunal teria de fazer valer-se da fundada dúvida contemplada no artigo 100.º do CPPT, e isto porque a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a Administração Tributária, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles. O aludido normativo constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal, determinando que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado.

Assim, face ao exposto do exame da factualidade provada deve concluir-se no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, de que nos encontramos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, de acordo com a definição do mesmo constante do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artigo 23.º do CIRC, conforme se entendeu na decisão recorrida.

Ora, em face de todo o exposto, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, improcedem as razões invocadas pela Recorrente, mantendo-se a anulação decretada pelo Tribunal a quo, por as correções impugnadas padecerem de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de direito.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de dezembro de 2020


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135
[2] Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.
[3] Vide, designadamente, Acórdão deste Tribunal, proferido no processo nº09659/16, de 11.04.2019, também relatado pela presente Relatora.