Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06854/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/13/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO/ SUSPENSÃO DO PRAZO/ INSPECÇÃO EXTERNA/ AVALIAÇÃO INDIRECTA / AVALIAÇÃO DIRECTA
Sumário:I - O prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, mas esse efeito suspensivo cessa caso esta ultrapasse o período de seis meses contados a partir daquela notificação:
II - Se a acção inspectiva se concluir antes de decorridos aqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final.
III – O nosso sistema tributário, concretamente no que toca à avaliação da matéria tributável, deu clara preferência à avaliação directa, reservando para os casos e condições expressamente previstas na lei a possibilidade de a Administração Tributária lançar mão da avaliação indirecta (cfr. artigos 81º, nº1 e 85º da LGT).
IV – Mostrando-se possível o apuramento directo da matéria tributável, fica afastada a possibilidade de a Administração recorrer à avaliação indirecta.
V - Não existe um direito dos sujeitos passivos a verem a sua matéria tributável apurada com recurso a métodos indirectos. Existe, isso sim, o dever de a Administração Tributária recorrer a tal método de apuramento quando, mediante certas circunstâncias legalmente previstas, a avaliação directa se apresentar inviável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

... – Hotelaria e Restauração, SA, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº 3239200904001290, apresentada contra os actos tributários de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, respeitantes aos anos de 2004 e 2005, no valor total de € 40.203,79, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:


1

Ficou demonstrado que o poder de tributar estava caducado à data em que se consumou a notificação da impugnante da liquidação do IVA adicionalmente liquidado, com relação ao ano de 2004, ficando isso totalmente provado nos autos.

2

Iniciou-se a acção de fiscalização externa, mais concretamente no dia 14 de Novembro de 2008, suspendeu-se nessa data o prazo para a ocorrência da caducidade do direito à liquidação do imposto.

3

O qual, poderia suspender-se apenas por um período até seis meses, desde que tal suspensão não fosse prorrogada, como foi o caso.

4

A acção inspectiva externa concluiu-se a 27 de Fevereiro de 2009, isto é, ainda dentro do prazo de seis meses, mas sem o esgotar.

5

A ora impugnante foi notificada da liquidação do imposto referente a 2004 em 12 de Maio de 2009.

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Na linha da jurisprudência e doutrina dominante, que a suspensão deve corresponder apenas ao período da efectiva inspecção externa, devendo considerar-se cessada logo que esta termine.

7

A liquidação de imposto deveria ter acontecido até 48 dias após o termo de tal inspecção ou seja até 15 de Abril de 2009, o que não aconteceu.

8

Todavia, tal notificação sucedeu apenas em 12 de Maio de 2009 estando, portanto, ferida de caducidade.

9

Perante essa evidência, deve decidir-se favoravelmente a presente impugnação e, com isso, proceder-se à anulação de tal IVA liquidado, por ser esse o único comportamento respeitador da lei aplicável - de resto muito clara neste respeito.

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Independentemente desta questão, a actividade da impugnante não se alterou em nenhum aspecto significativo no lapso de tempo entre as anteriores inspecções e a cujos resultados ora se impugnou, pelo que não se entende a diferença de procedimentos adoptada.

11

Nem a utilização de margens de comercialização e de rentabilidades fiscais sobre as vendas que a recorrente nunca alcançou nos exercícios anteriores e que são completamente absurdas.

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As quais, a manterem-se, significariam a imposição de uma carga tributária à ... que não é imposta a qualquer outro contribuinte do mesmo sector de actividade em que ela se insere e isto independentemente de qualquer consideração acerca da sua situação económica, o que viola o princípio da igualdade e da justiça material.

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Não tendo havido recurso a apuramento indirecto da matéria tributável, é ilegal a alteração das margens de comercialização e de rentabilidades fiscais sobre as vendas, por se tratar de um procedimento que é apenas admitido em sede de apuramento indirecto da matéria tributável, nos termos previstos nos artigos 87º e 90º da LGT, o que aqui não sucede.

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Termos em que se prova que tal comportamento, para além do manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito, viola ainda princípios da igualdade e da justiça material e padece ainda de violação de lei imperativa, devendo a correcção e fixação efectuadas ser integralmente anuladas com todos as consequências.

15

Inequivocamente, o procedimento tributário subjudice, ora impugnado, a que adere a douta sentença, deve ser anulado.

16

Destarte, se recorre da douta sentença e, concomitantemente da decisão da legalidade do acto e seja garantida a aplicação de uma justiça material efectiva e não meramente formal, não se defraudando as expectativas legítimas da impugnante.

17

De todo o exposto, não restam quaisquer dúvidas que as correcções efectuadas à matéria colectável e os seus fundamentos, enfermam de errado enquadramento jurídico-fiscal, por parte da douta sentença, com o devido respeito e, que é muito, fruto dum deficiente percurso interpretativo dos normativos legais subjacentes à relação material controvertida e, da concomitante factualidade.

18

E, não virem a ser goradas as legítimas expectativas da impugnante, ora recorrente, alicerçadas nos princípios da legalidade, igualdade, equidade, proporcionalidade, adequação e segurança jurídica, ínsitas de um Estado de Direito.

19

O presente recurso tem por objecto a douta sentença do Tribunal tributário de Lisboa, de 18 de Maio de 2013, que veio julgar improcedente a impugnação apresentada pela ora Recorrente.

20

A sentença recorrida enferma de uma errónea interpretação dos factos e do direito devendo, como tal, ser revogada com todas as consequências legais.

21

Em primeiro lugar, porque os elementos de facto e de direito, constantes dos autos mereciam uma decisão diferente.

22

Acresce que, não é justo beneficiar o Estado em prejuízo da impugnante, sob pena de violação do princípio de justiça (Cfr. Acórdão do STA, de 2003.02.05, in Procº. n.º 1648/02).

23

A existirem fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação dos factos tributários o tribunal deve anular os actos ora impugnados, nos termos do n.º 1 do artigo 100° do CPPT (cfr. Acórdão do TCAN, de 2005.02.24, no Procº. n.º 145/04).

24

A douta sentença faz tábua rasa da Doutrina e da Jurisprudência atinente in casu, nesta esteira, de entre outros:

25

Do Acórdão do STA de 02.02.2006, proferido no processo nº 0769/2005, 2ª secção, onde se firmou entendimento no sentido de que, citamos, "o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço no início da acção inspectiva. Terminando a acção inspectiva antes de decorrido o prazo de 6 meses, cessa esse efeito suspensivo a partir da data do terminus da inspecção (...) logo, terminada a inspecção, cessa o motivo da suspensão".

26

A noção civilista há muito sedimentada tem, no direito tributário, pleno relevo. CASTRO MENDES define-a como a figura pela qual se opera "a cessação de um direito ou de uma situação jurídica, não retroactivamente, pela verificação de um facto jurídico stricto sensu; a cessação de um direito ou de uma situação jurídica pelo decurso do prazo" (Direito Civil, Teoria Geral, vol. III, pág. 606, 1979; com o mesmo entendimento pode ver-se GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 4ª ed. pág. 364)

27

MENEZES CORDEIRO, alinhando no mesmo sentido, apelida a caducidade de "figura especial que actua quando determinado direito, devendo ser exercido dentro de certo prazo, não o seja" e CUNHA DE SÁ, acentua a tónica da extinção automática, ipso jure do direito ou situação juridicamente tutelada (Direitos Reais, pág. 791, 1979; Caducidade, pág. 68, respectivamente).

28

No direito tributário o instituto da caducidade justifica-se igualmente por razões atinentes à necessidade da certeza dos direitos e das relações jurídicas, razões de interesse público, da paz e segurança social, do interesse na brevidade das relações extintivas (cfr. DIAS MARQUES, Prescrição Extintiva, págs. 6 e 17, 1953, Coimbra), mas também, finalmente, por um fundamento de índole jurídica, traduzido no não exercício dos direitos por um certo decurso de tempo.

29

A caducidade assume-se assim como o termo natural da eficácia dos direitos em virtude de se ter chegado ao limite do seu termo de duração pois que a lei, ao fixar a caducidade, fá-lo por razões objectivas de segurança jurídica, sem atenção à negligência ou inércia do titular do direito, atendendo apenas à necessidade de definir com brevidade a situação jurídica, conforme muito bem o considerou o STA em Acórdão, publicado na RLJ n.º 107, pág. 191, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.

30

O Acórdão do STA, de 25 de Novembro de 1998, Recurso no 34.284, ao afirmar adicionalmente que não pode interromper-se a caducidade, pela simples razão de que não há, por parte da lei, presunções a estabelecer nem negligências a castigar, visto que o tempo, na sua objectividade jurídica, nunca se interrompe. Afirma: "uma interrupção do tempo seria um salto na eternidade".

31

O legislador, como acentua Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, Anotada, Rei dos Livros, 2001, pág. 221, estabelece como primeira causa de suspensão da caducidade a que, citamos, "resulta do início de acção de inspecção e constitui um meio de atenuação dos efeitos negativos para a Fazenda Pública do encurtamento do prazo geral de caducidade de cinco para quatro anos efectuado pelo artigo anterior".

32

Ainda, Lima Guerreiro, op. e loc. cit., pag. 221, diz-nos o seguinte:

"Efectivamente, quando a inspecção dure mais de seis meses, a suspensão do prazo de caducidade cessa no termo desse prazo, com efeitos retroactivos ao seu início, tudo se passando como se o prazo de caducidade jamais tivesse sido suspenso. Caso não dure os seis meses, a suspensão limita-se obviamente ao período da acção de inspecção, cessando com a conclusão desta."


33

No mesmo sentido se pronunciam também Diogo Leite Campos e Jorge Lopes de Sousa, LGT, anotada, Vislis, 2a edição, em anotação ao art. 46.º.

34

Ainda, Diogo Leite Campos e outros, LGT anotada, edição Vislis, 2a edição, pag. 53, comentam que estes princípios, hoje constantes de modo expresso no artigo 5° da LGT, não se dirigem ao legislador quando cria os modelos de imposição tributária, mas também aos agentes que investidos de poderes de autoridade têm competências para fixar rendimentos, aplicar rácios, considerar margens e realizar operações que levem à determinação do quantum do imposto devido por um qualquer contributo abstractamente considerado.

35

O Tribunal "a quo", nos presentes autos obnubila a sua função, viola as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente dos princípios da legalidade, e, ainda das específicas da actividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé- arts. 18°, 103º e 266º da CRP.

36

Todos estes elementos da solução de direito e de facto são suficientes, para a terem sido considerados, com toda a certeza, a decisão adaptada pelo Tribunal a quo, da qual se recorre seriam diferentes.

37

Independentemente de qualquer divergência de interpretação, a recorrente está convicta da bondade do seu raciocínio, o que não pode confundir-se com má fé processual.

38

Ao decidir como decidiu, o Digníssimo Juiz "a quo", com o devido respeito e, que é muito, fez uma errada interpretação da lei aplicável e dos factos e, em consequência erro de julgamento.

39

Todos estes elementos probatórios são suficientes, para a terem sido considerados, com toda a certeza, a decisão adoptada pelo Tribunal recorrido seria diferente.

Mais requer a V. Ex.a que a Administração Tributária junte aos autos os rácios internos praticados pela DGCI, na actividade da ora impugnante, para confronto com os utilizados neste caso concreto.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis e, com o douto suprimento de v. Exas., deve o presente RECURSO ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada, com a consequente invalidade e anulação das liquidações impugnadas, com as demais consequências legais”.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. parecer de fls. 260 e 261).

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É o seguinte o julgamento da matéria de facto efectuado em 1ª instância:

“Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos, consideramos assente a seguinte factualidade:

A) A Impugnante tem por objecto social a indústria e comércio alimentar, hotelaria e restauração, tem sede na ... , ... , Lisboa, local onde desenvolve a sua actividade num estabelecimento denominado "... " - cf. fls. 93 do PAT;

B) A Impugnante encontra-se colectada com a actividade de "restaurante tipo tradicional" com o CAE 56101, é sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal - cf. fls. 93 e 142 do PAT;

C) Em 11/12/2006, no referido estabelecimento foi efectuada recolha dos elementos constantes do sistema informático que ali se encontrava em utilização, como registo da sua facturação e apuramento diário dos valores de Caixa, (programa WinRest), e os elementos recolhidos foram objecto de cópia em suporte CD não regravável em dois exemplares iguais, um destinado à Impugnante e outro aos Serviços de Inspecção Tributária - cf. fls. 93 e 131 do PAT;

D) Notificado o Técnico Oficial de Contas, Dário Maia Esteves Alexandrino para prestar esclarecimentos, em 24/10/2007, declarou desconhecer que a Impugnante, através do software de facturação WINREST, tenha procedido a alterações e/ ou manipulações do apuro diário, desconhecendo igualmente a forma de procedimento, bem como as suas circunstâncias - cf. fls. 137 do PAT;

E) Notificado o Administrador do estabelecimento, José Domingos Marques dos Santos, para prestar esclarecimentos, em 25/10/2007, declarou desconhecer que a Impugnante através do software de facturação WINREST, tenha procedido a alterações e/ ou manipulações do apuro diário desconhecendo igualmente a forma de procedimento, as circunstâncias, bem como da existência de CD gravado, tendo-se comprometido a averiguar a sua existência e conteúdo, afirmando que quem tinha a seu cargo a gestão administrativa e financeira da empresa era um funcionário de nome Carreira, já falecido, mais declarando que se eventualmente se verificar a existência de qualquer ilegalidade, de imediato se esforçará por repor a situação, liquidando os impostos eventualmente em falta - cf. documento de fls. 93 do PAT;

F) Da análise aos ficheiros contidos no CD referido em C), que contém os ficheiros diários gerados pela aplicação informática relativos às vendas/ prestações de serviços efectuadas pela Impugnante no período de 02/01/2003 a 10/12/2006, verificaram os serviços de inspecção "que estes foram objecto de alterações posteriores à sua produção, pelo que, os montantes deles extraídos não são os que espelham verdadeiramente o nível de actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, nomeadamente no que se refere aos valores efectivamente facturados" - cf. documento de fls. 93 do PAT;

G) Na referida análise foi constatado que "a data de modificação de cada um dos ficheiros é posterior à data a que este se refere, ou, admitindo que o fecho foi efectuado após as 24 horas, à data do dia seguinte, concluindo que os ficheiros foram modificados em data posterior à da sua produção;" existindo "vários ficheiros cuja data e hora de modificação são a mesma, e que a acção foi efectuada em lotes de dias e de forma automática, já que uma intervenção manual não seria viável para tantos ficheiros em simultâneo; os ficheiros de caixa, XaammddO.xxx encontram-se totalmente vazios, ou seja, toda a informação que neles existiu foi completamente apagada, sendo que a sua data e hora de modificação é totalmente coincidente com a data e hora em que foram modificados os restantes ficheiros do dia. Também estes ficheiros foram modificados em lotes de vários dias (...) estas são precisamente algumas das características da actuação da aplicação informática que permite alterar ficheiros do programa 'WinRest", conhecida pelo nome de "sim.exe" ou "simsimw.exe" (...) existem vestígios de ter corrido no sistema informático utilizado pelos sujeito passivo (...) O próprio registry do Windows contém evidência da utilização daquele software de simulação: (...)" - cf. fls. 138 do PAT;

H) No mesmo suporte informático, "verifica-se ainda a existência de uma pasta, ...Carreira\ Seg, com alguns ficheiros do ano de 2004 (02/06/2004 a 01/11/2004). (...) comparar estes ficheiros com os que se encontram na pasta \ seg2004, já que existem, em ambas as pastas, ficheiros para os mesmos dias de actividade. A parte esquerda da imagem pode observar-se que os ficheiros de caixa têm tamanha entre 3 e 8 KB e que a data de modificação é, invariavelmente, coincidente com a dia a que respeita cada um dos ficheiros, ou, muito excepcionalmente, com o dia seguinte, no caso do fecho ter sido efectuado após as 24 horas. Do lado direito verifica-se que, apesar dos ficheiros respeitarem exactamente aos mesmos dias de actividade, o seu tamanho é de O KB e a data de modificação é bastante posterior. Nalguns casos com uma diferença superior a um mes. Verifica-se ainda que existem vários ficheiros cuja data e hora de modificação são a mesma, ou seja, a modificação foi efectuada em lotes de dias e de forma automática, já que uma intervenção manual não seria viável para tantos ficheiros em simultâneo. (...) o ficheiro de caixa do dia 22/06/2004, por exemplo, que se encontra na pasta .. /Carreira / Seg contém detalhes de recebimentos, enquanto que o ficheiro de caixa, para o mesmo dia, que se encontra na pasta .. /seg2004 está completamente vazio. Relativamente ao ficheiro de detalhe do mesmo dia, pode observar-se, conforme se demonstra na imagem seguinte, que foram eliminadas linhas. Por exemplo, na conta cujo número de processo é 72876: (...) Das 14 linhas apresentadas na parte esquerda da imagem, apenas 3 subsistem após o ficheiro ter sido modificado. A data e hora de modificação é precisamente igual à dos restantes ficheiros do mesmo dia (...) Uma conta que inicialmente havia sido registada pelo valor de € 92,23, aparece agora com o montante de € 1,10, concluindo-se assim que houve efectivamente manipulação dos ficheiros originalmente produzidos pela aplicação em uso no estabelecimento explorado pelo sujeito passivo. Não obstante a existência de ficheiros não modificados, não foi possível obter informação suficiente para a presente análise, já que estes apenas respeitam ao período de 02/06/2004 a 01/11/2004. Desta forma, houve necessidade de recorrer à informação disponibilizada pela Policia Judiciária, (...) recolhida em acção de busca efectuada em 26/06/2008. "

I) Em 26/6/2008 a Polícia Judiciária levou a cabo uma busca às instalações da Impugnante - cf. fls. 93 do PAT;

J) Os elementos recolhidos na referida busca foram disponibilizados aos Serviços de Inspecção (SIT) em 23/7/2008 em 5 CD-Rom e 2 DVD- cf. fls. 171 do PAT;

K) Da análise aos ficheiros apreendidos referido em I), verificaram os serviços de inspecção que "foram encontrados ficheiros em formato Excel que contém valores relativos à actividade do sujeito passivo. Foi ainda possível observar a existência de uma aplicação, denominada "Store.exe" e respectiva base de dados - "STORE. GDB". Esta aplicação foi desenvolvida pelo ... ; a mesmo Sofware House que desenvolveu a aplicação de facturação utilizada pelo sujeito passivo. A aplicação "Store.exe" é uma ferramenta de gestão para a qual são importados os dados gerados pelo sistema de facturação WinREST. Assim, após diversos testes efectuados à base de dados "STORE.GDB" verifica-se que esta contém dados reais da actividade do sujeito passivo do dia 06/05/2004 e do período compreendido entre 03/06/2004 e 02/04/2006. A inexistência de dados para parte do período em análise, 01/01/2004 a 05/05/2004 e 07/05/2004 a 02/06/2004, levou à necessidade de verificar os valores constantes dos ficheiros de Excel, "VENDAS-RECEBIMENTOS 2004.xls" e "VENDAS-RECEBIMENTOS 2005.xls". Nestes ficheiros podem observar-se diversos quadros diários, mensais e resumos anuais, através dos quais o sujeito passivo controla o valor das vendas, por tipo de documento (Venda a dinheiro, Factura, devolução,...) e o montante dos recebimentos, por tipo de meio de pagamento (dinheiro, cheque, os, ... ). Comparando, aleatoriamente, os dados extraídos da base de dados "STORE. GDB" com os valores apresentados na coluna identificada como "V. Dinheiro" nestas follms de Excel, conclui-se pela inexistência de divergências, para além das que resultam de arredondamentos de montante insignificante: (...) ficando dessa forma demonstrado que os valores apresentados nos identificados ficheiros de Excel correspondem aos verdadeiros montantes facturados pelo sujeito passivo."- cf. fls. 93 do PAT;

L) A Impugnante foi sujeita a inspecção externa de âmbito parcial em sede de IRC e IVA, determinada pelas Ordens de Serviço n° OI 200805508 e OI 200805509 de 28/10/2008, relativas aos exercícios de 2004 e 2005, onde se determina que o procedimento de inspecção teria início em 14/11/2008 - cf. fls. 47doPAT;

M) A Impugnante foi notificada das referidas ordens de serviço em 6/11/2008- cf. fls. 47;

N) A Impugnante foi notificada de que os actos de inspecção respeitantes ao exercício de 2004, terminaram com a assinatura da nota de diligência em 27/2/2009 (e não 2008 como, por lapso, consta da sentença) - cf. documento de fls. 47doPAT;

O) Na referida acção inspectiva concluiu a equipa de inspecção ter a Impugnante procedido à modificação dos ficheiros de dados produzidos pela aplicação informática WinRest, da qual resultou a existência de divergências entre os valores contidos nos mapas de controlo das prestações e serviços, efectivamente realizadas e os valores declarados nas declarações periódicas de IVA, bem como os valores utilizados para a elaboração da declaração modelo 22 de IRC dos anos de 2004 e 2005, concluindo pela omissão de proveitos e irregularidades nos fechos de caixa - cf. fls. 93 do PAT;

P) Em face da informação recolhida, do sistema informático do sujeito passivo, foram apurados os montantes ali constantes respeitantes à actividade da Impugnante - cf. fls. 93 do PAT;

Q) Concluiu a equipa de inspecção "pela existência de significativas divergências entre os montantes auferidos pelo sujeito passivo, que constituem os reais fluxos financeiros de entrada no âmbito da sua actividade de prestação de serviços de alimentação e bebidas e os que constam nas diversas declarações apresentadas e que serviam de base à liquidação dos impostos. (...) Nesse sentido, há que efectuar as necessárias correcções a fim ser reposta a verdade, para que os cofres do estado sejam ressarcidos dos montantes que lhe foram subtraídos. Mercê da modificação dos ficheiros informáticos existentes no sistema informático utilizado pelo sujeito passivo no seu estabelecimento. Para o efeito, há que recorrer à informação disponibilizada, analisada no ponto 11.3.5.2. que conforme se referiu e demonstrou, evidencia os valores reais auferidos pelo sujeito passivo na sua actividade de Prestação de Serviços a que se refere a verba 3.1 da lista II anexa ao CIVA. (...) foram comparados os valores apresentados pelo sujeito passivo nas suas declarações periódicas de IVA com os reais montantes apurados no ponto 11.3.5.3, os quais constituem os efectivos fluxos financeiros de entrada, resultante da actividade de alimentação e bebidas do estabelecimento "... ". (...) Relativamente ao exercício de 2004, foi omitido um montante total de € 135.562,12 de operações tributáveis à taxa de 12%, resultando um total de € 16.106,64 de imposto entregue a menos nos cofres do Estado. (...) Quanto ao exercício de 2005, não foi incluída na base tributável de IVA à taxa intermédia o valor de € 156.643,03, de que resulta um montante de imposto não declarado a favor do Estado de € 18.797,07. (...) Tratando-se de um sector de actividade em que, tradicionalmente, não são concedidos créditos a clientes, salvo algumas excepções, como se pode até verificar pelo insignificante saldo devedor conta de clientes, quando comparado com o nível de actividade evidenciado, bem como pela análise da evolução da respectiva conta de clientes, os montantes sonegados pelo sujeito passivo foram efectivamente recebidos." - cf. fls. 93 do PAT;

R) Notificada para exercer o direito de audição prévia tendo por objecto o projecto de relatório, a Impugnante pronunciou-se - cf. fls. 223 do PAT;

S) Em consequência, foi elaborado o relatório cujo teor se dá por integralmente reproduzido, contendo as correspondentes correcções de natureza meramente aritmética - cf. documento de fls. 96 e sgs do PAT;

T) A Impugnante foi notificada do relatório final de inspecção em 15/4/2009- cf. fls. 90 e 91 do PAT;

U) Da referida acção de inspecção resultaram correcções aritméticas em sede de IVA no valor de €16 106,64 relativamente ao ano de 2004 e € 18 797,07 respeitantes ao ano de 2005 - cf. documento de fls. 52 e sgs do PAT;

V) Em 1/10/2009 a Impugnante deduziu reclamação graciosa invocando a caducidade do direito à liquidação do IVA respeitante ao ano de 2004 e a excessiva tributação - cf. fls. 4 do PAT;

W) Com vista a audição prévia da Impugnante relativamente ao projecto de indeferimento, foi-lhe remetido o ofício n° 101404 de 23/11/2009- cf. fls. 105 do PAT;

X) A Impugnante não se pronunciou;

Y) Por despacho de 21/12/2009 foi indeferida a Reclamação Graciosa - cf. fls. 107 do PAT;

Z) A Impugnante foi notificada de tal decisão e 28/12/2009- cf. aviso de recepção de fls. 117 do PAT;

AA) Em 27/1/2010 a Impugnante deduziu recurso hierárquico reiterando os argumentos utilizados na reclamação graciosa - cf. fls. 3 do PAT;

BB) Por despacho de 30/9/2010 foi indeferido o recurso hierárquico - cf. fls. 51 dos autos e 47 do PAT;

CC) Em 19/1/2011 a Impugnante apresentou neste tribunal a presente acção de impugnação judicial - cf. fls. 5 dos autos;

DD) Corre termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa o processo de inquérito no 283/12.3TDLSB indiciando-se a prática pela Impugnante do crime de fraude fiscal relativamente aos factos tributários referidos em F) e sgs - cf. fls. 154 dos autos.

Factos não provados

Não se provou o desconhecimento pelo Administrador da Impugnante da utilização de ficheiros que procediam à alteração dos registos do sistema Winrest.

Também não se provou que tenham sido aplicadas margens de comercialização e rendibilidade fiscais, nem se provou que a Impugnante tenha vindo a ser inspeccionada nos anos anteriores desde 1998 e que em consequência lhe tenham sido aplicados métodos indirectos para avaliação da matéria tributável.

Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”


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2.2. De direito

Tal como resulta das conclusões da alegação de recurso, a ora Recorrente discorda da sentença recorrida que, julgando improcedente a impugnação judicial deduzida, manteve as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos anos de 2004 e 2005, no valor global de € 40.203,79.

Em síntese, pode afirmar-se que são dois os vectores em que assenta a discordância da Recorrente face ao decidido. Por um lado, na defesa, in casu, da verificação da caducidade do direito à liquidação no que respeita ao IVA de 2004 que, como se vê, o Tribunal a quo julgou não verificada. Por outro lado, e respeitando a ambas as liquidações, naquilo que reputa de carga tributária excessiva.

Começamos a nossa análise pela invocada caducidade do direito à liquidação do IVA de 2004.

Para assim concluir a Recorrente argumenta, invocando o disposto no artigo 46º, nº1 da LGT, nos seguintes termos: a acção de fiscalização externa iniciou-se no dia 14/11/08, suspendendo-se nessa data o prazo para a ocorrência da caducidade do direito à liquidação do imposto. Tal prazo, apenas poderia suspender-se por um período até seis meses. A acção inspectiva concluiu-se no dia 27/02/09, ou seja, ainda dentro do prazo de seis meses, mas sem o esgotar. A impugnante foi notificada da liquidação de IVA de 2004 em 12/05/09. A suspensão do prazo de caducidade deve corresponder apenas ao período da efectiva inspecção externa, devendo considerar-se cessada logo que esta termine. A liquidação do IVA de 2004 deveria ter ocorrido até 48 dias após o termo de tal inspecção ou seja até 15 de Abril de 2009, o que não aconteceu.

A sentença recorrida não acolheu esta argumentação e decidiu no sentido da não verificação da caducidade do direito à liquidação respeitante ao imposto de 2004. Para assim decidir, o Tribunal a quo, depois de considerar o prazo de caducidade aplicável - quatro anos - e de fixar o termo inicial de contagem do mesmo – 01/01/05 – (aspectos estes que não são objecto de controvérsia) concluiu, no essencial, nos seguintes termos: o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa caso esta ultrapasse o período de seis meses contados a partir daquela notificação; se a acção inspectiva se concluir antes de decorridos aqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final.

Tal entendimento, aplicado ao caso sub judice, determinou, tal como resulta da sentença, que “o prazo de quatro anos que se iniciou em 1/1/2005, não tinha ainda decorrido quando, em 6/11/2008, a Impugnante foi notificada do inicio da acção inspectiva externa, faltando 48 dias para se completar, e a suspensão do decurso daquele prazo de caducidade assim operada só conheceu o seu termo com a notificação do relatório final que ocorreu em 15/04/2009, data a partir da qual se reiniciou a contagem do prazo de caducidade até então suspenso. E assim sendo, em 12/05/2009, data em que a Impugnante foi notificada da liquidação respectiva, ainda não havia decorrido o prazo de caducidade do direito a liquidação, conforme se dispõe nos artigos 45° e 46° da LGT e 62° do RCPIT”.

Ora, a decisão quanto à não verificação da caducidade do direito à liquidação do IVA de 2004 não pode deixar de merecer a nossa concordância.

No essencial, o que afasta a Recorrente do decidido prende-se com o momento em que se deve considerar como correspondendo à conclusão do procedimento inspectivo. Para a Recorrente, releva aqui o disposto no artigo 61º, nº1 do RCPIT e, como tal, “os actos de inspecção consideram-se concluídos na data da notificação da nota de diligência, verificando-se que, no caso em apreço, foram concluídos a 27 de Fevereiro de 2009”. Para o Tribunal a quo, releva, antes, a notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, com a elaboração do relatório final.

E, já o dissemos, a razão está no decidido pelo Tribunal recorrido que, de resto, na sua análise, seguiu de muito perto aquela que é a jurisprudência do STA quanto a esta questão.

Vejamos.

Importa ter presente o disposto no artigo 46º, nº1 da LGT, na redacção à data aplicável (conferida pela Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro). Assim:

“1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.

Como se escreveu no acórdão do STA, de 20/10/10 (proc. 0112/10), que aqui passaremos a seguir, “embora estas normas (leia-se, os artigos 45º, nº1 e 46º, nº1 da LGT e os artigos 61º, nº1 e 62º do RCPIT), bem como a norma do art. 36° do RCPIT, também invocado pela recorrente, exprimam alguma imprecisão terminológica na utilização das expressões acção de inspecção e procedimento de inspecção, trata-se de expressões que designam conceitos com conteúdos distintos, mas sem que dessa distinção se possa extrair a consequência jurídica pretendida pela recorrente: de que a suspensão do prazo de caducidade da liquidação cessa com a notificação ao inspeccionado da conclusão dos actos de inspecção e não com a elaboração do relatório final de inspecção (art. 61° n° 1 e 62° nº 1 do RCPIT).

É que, procedendo o relatório final à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a AT está impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear (art. 62° nºs. 1/2 al. i) RCPIT).

Veja-se, aliás, a jurisprudência a este respeito firmada no ac. de 16/9/2009, rec. nº 0473/09, desta secção do STA, no sentido de que, no que respeita à caducidade do direito à liquidação do imposto e à forma de contagem do prazo de suspensão daquele prazo de caducidade em consequência de acção inspectiva determinada e notificada ainda no decurso daquele primeiro prazo de caducidade, é bem clara a estatuição constante dos arts. 45° e 46° da LGT e 60° e 61° do RCPIT e que «... nada da letra nem do espírito daqueles normativos permite distinguir, com relevo para a contagem do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar, actos internos de inspecção e actos externos de inspecção e muito menos permite se confira apenas a estes últimos a eficácia suspensiva.

Da interpretação conjugada dos referidos preceitos legais decorre apenas e só (...) que o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário - artigo 45° da LGT -, se suspende com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação.

Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes daqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60° nº 1 e 2 do RCPIT.»

E veja-se, igualmente, a jurisprudência constante dos acs. deste STA, de 7/12/2005 e de 2/2/2006, nos recs. nºs. 993/05 e 769/05, respectivamente, com o entendimento de que a norma constante do nº 1 do art. 46° da LGT deve ser interpretada com o sentido de que a suspensão do prazo de caducidade se mantém apenas até à data da notificação do relatório final da inspecção (correspondente à conclusão do procedimento inspectivo), se esta se verificar antes do termo do prazo de seis meses, contado a partir da notificação ao contribuinte do início de acção de inspecção externa.

(…)”.

Revertendo para o caso dos autos, temos que o prazo de caducidade do direito à liquidação (4 anos) iniciou-se em 1/1/05. Se nenhuma causa de suspensão tivesse ocorrido, esse prazo terminaria em 1/1/09. Porém, tal prazo de caducidade esteve suspenso durante 160 dias [entre 06/11/08 (data da notificação ao contribuinte do início da acção de inspecção externa) e 15/04/09 (data da notificação do relatório final da inspecção), a qual, como vimos, é, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, a data relevante para efeitos da cessação do efeito suspensivo)].

Pelo que, tendo a liquidação sido notificada ao sujeito passivo em 12/05/09 (sobre tal facto inexiste controvérsia, conforme resulta do teor da conclusão 5), estava ainda em curso o dito prazo de caducidade (4 anos), por deverem ser descontados aqueles 160 dias durante os quais ocorreu a suspensão do mesmo.

A sentença decidiu, pois, de acordo com a lei aplicável, improcedendo, assim, as conclusões do recurso atinentes a esta primeira questão.


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Visto que está que relativamente ao IVA de 2004 não se verificou a caducidade do direito do Estado a liquidar tal imposto, passemos à questão seguinte. E aqui, como de forma resumida apontámos, a Recorrente entende que a sentença errou ao não ter concluído que as liquidações impugnadas encerravam, afinal, uma carga tributária excessiva.

Com o uso de tal expressão, a Recorrente encerra um ataque à sentença recorrida, imputando-lhe diversos erros de julgamento que pretende, nesta sede, ver analisados e supridos. Assim, e em síntese, a Recorrente entende que: as correcções efectuadas à matéria colectável e os seus fundamentos enfermam de errado enquadramento jurídico-fiscal, por parte da sentença, fruto dum deficiente percurso interpretativo dos normativos legais subjacentes à relação material controvertida e, da concomitante factualidade; a sentença recorrida enferma de uma errónea interpretação dos factos e do direito; a existirem fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação dos factos tributários o tribunal deveria ter anulado os actos de liquidação impugnados, nos termos do n.º 1 do artigo 100° do CPPT; Tribunal a quo obnubila a sua função, viola as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente dos princípios da legalidade e, ainda, específicas regras da actividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé.

Com efeito, defende a Recorrente, ... , que não são aceitáveis as diferenças, em termos de correcções entre os anos de 2004 e 2005 e anos anteriores, em que a Administração recorreu aos métodos indirectos de tributação; não há razão para a Administração ter adoptado um diferente procedimento de determinação da matéria tributável; é ilegal a alteração das margens de comercialização e de rentabilidades fiscais sobre as vendas, por se tratar de um procedimento que é apenas admitido em sede de apuramento indirecto da matéria tributável, nos termos previstos nos artigos 87º e 90º da LGT, método de apuramento da matéria tributável que, in casu, não foi adoptado.

Vejamos, então e por partes, o que nos apraz dizer.

Em primeiro lugar, importa esclarecer que, feita uma leitura concatenada da alegação e das conclusões do recurso, e apesar de a Recorrente se referir, a propósito da sentença recorrida, a uma errada interpretação dos factos, errónea interpretação da prova, à desconsideração, por parte da sentença, dos factos que deram origem à relação material controvertida, à não consideração como provado do alegado pela impugnante, o que concretiza (no corpo da alegação) referindo que a impugnante reitera que desconhece a existência de alterações aos seus ficheiros informáticos, tendentes a reduzir o valor das vendas e prestações de serviços dos anos de 2004 e 2005 e que, por isso, nunca poderia apresentar, como solicitado (…), documentos que titulem aquisições de bens, serviços ou outros encargos que não constem dos arquivos e dos registos contabilísticos, nomeadamente meios de pagamento ou quaisquer outros, ou caso não existam, documento escrito com essa indicação, apesar disto, dizíamos, o julgamento da matéria de facto não vem posto em causa ou, se quisermos, não o vem de forma eficaz.

Na verdade, em momento algum se pode dizer que a Recorrente tenha especificado, tal como a lei obriga (cfr. artigo 685º-B, nº1 do CPC, em vigor à data da interposição do presente recurso jurisdicional – Abril de 2013), os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Com efeito, a extensa matéria de facto (provada e não provada) constante da sentença recorrida, não vem atacada (ou eficazmente atacada), sendo certo, por seu turno, que a Recorrente não remete para qualquer elemento de prova que pudesse conduzir a diferente julgamento daquele que foi efectuado no Tribunal de 1ª instância. Diga-se, aliás, que não foi junta à p.i de impugnação (nem de reclamação ou do posterior recurso hierárquico) prova documental (foi junta, apenas, cópia da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, objecto de impugnação, parte integrante do processo administrativo), nem foi requerida a produção de prova testemunhal.

E, assim sendo, como é, este Tribunal nada alterará ao nível do julgamento da matéria de facto, o qual se mostra, assim, estabilizado.

Prosseguindo, centremo-nos no alegado erro de julgamento cometido na sentença que se traduz, afinal, na não consideração, in casu, da alegada carga tributária excessiva (expressão com um sentido amplo mas que a Recorrente vai particularizando no seu discurso) ínsita nas liquidações impugnadas, com as consequências legais daí decorrentes que, naturalmente, e na óptica da Recorrente, deveriam ter conduzido à anulação das liquidações de IVA impugnadas.

Vejamos, então.

Desde logo, a Recorrente questiona o método de determinação da matéria tributável a que os serviços de inspecção recorreram. Concretizando, refere a Recorrente que, à semelhança daquilo que se verificou em anos anteriores, a Administração deveria ter lançado mão de métodos indirectos e não de correcções técnicas. Como enfatiza a Recorrente, “… o método seguido pelos Serviços para apuramento das novas matérias colectáveis de 2004 e 2005 não é o correcto, devendo para as mesmas ser seguido, como até aqui, o critério dos métodos indirectos, para que os resultados a que o relatório conduz possam ser mais justos, verdadeiros e adequados à real situação do sector, sem desfasamentos comparativamente a outros empresas enquadradas no mesmo CAE da ... ”. A sentença recorrida, neste ponto, não aceitou os argumentos invocados pela Recorrente. E bem, adiante-se.

Vejamos.

Antes do mais, deixemos categoricamente afirmada uma ideia fulcral que, se bem vemos, não está apreendida pela Recorrente e que, por isso, contribui para o vício de raciocínio de que está eivado o recurso interposto: não existe um direito dos sujeitos passivos a verem a sua matéria tributável apurada com recurso a métodos indirectos. Existe, isso sim, o dever de a Administração Tributária recorrer a tal método de apuramento quando, mediante certas circunstâncias legalmente previstas, a avaliação directa se apresentar inviável.

Com efeito, o nosso sistema tributário, concretamente no que toca à avaliação da matéria tributável, deu clara preferência à avaliação directa, reservando para os casos e condições expressamente previstas na lei a possibilidade de a Administração Tributária lançar mão da avaliação indirecta (cfr. artigos 81º, nº1 e 85º da LGT).

O artigo 87º, nº1 da LGT consagra os casos em que pode ter lugar a avaliação indirecta, dispondo que a mesma só pode efectuar-se, entre outras hipóteses (que para o caso não relevam), perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (cfr. alínea d), do nº1 do artigo 87º da LGT).

No caso sub judice, temos, de acordo com a matéria de facto provada, e como realça a sentença recorrida, que a Administração Tributária, em fiscalização efectuada e através da recolha de elementos constantes do sistema informático que a Recorrente tinha em funcionamento no seu estabelecimento de restauração, pôde constatar “ter existido manipulação da informação, com vista à redução do valor apurado diariamente”, “que o apuramento dos valores omitidos pela Impugnante resultou dos elementos contidos nos seus próprios ficheiros”, “que foi possível, com base nos ficheiros obtidos nas instalações da Impugnante, apurar os valores registados diariamente, que eram manipulados de forma automática, já que, como concluiu a Inspecção Tributária no seu relatório, a alteração aos ficheiros ocorria em bloco, por lotes, no mesmo dia e hora, sistematicamente, resultando do accionamento de aplicações informáticas desenvolvidas com esse objectivo, e cujos ficheiros foram detectados no sistema informático utilizado pela Impugnante”.

Ou seja, temos que a Recorrente não contabilizou (e não declarou), como devia, os valores por si apurados nos anos em causa, no que aos proveitos respeita. Nesta linha de raciocínio, a desconsideração de valores, decorrentes de prestações de serviços, espelhados em sistemas informáticos do próprio sujeito passivo e perfeitamente identificados, determina que os mesmos não possam deixar de se reflectir positivamente na determinação da respectiva matéria tributável.

Como bem aponta a sentença recorrida, e fazendo a ligação à ideia que deixámos apontada supra sobre subsidiariedade da avaliação indirecta, temos que, “apurados os valores reais, com base nos ficheiros recolhidos no sistema informático existente no estabelecimento da Impugnante, não há lugar à aplicação de métodos indirectos, uma vez que apuradas as operações tributáveis em sede de IVA (cf. artigos 2° e 4° do CIVA), impunha-se a correcção da base tributável do IVA declarado, com base em elementos recolhidos directamente dos registos da Impugnante, e a aplicação da taxa correspondente, para apurar o imposto devido, deduzido o imposto suportado pela Impugnante na aquisição de bens e serviços para a realização daquelas operações”.

No caso em análise, a alteração decorrente da não reflexão das efectivas operações tributáveis em sede de IVA, basta-se com o recurso a correcções técnicas, por via das quais tais operações serão considerados. Com efeito, no caso, e com base em dados recolhidos junto da Recorrente, é possível autonomizar e delimitar os factos, as operações em causa. Assim sendo, o apuramento da matéria colectável pode - e deve - fazer-se com base na contabilidade do contribuinte, procedendo-se à consideração de tais operações não contabilizadas e declaradas.

Daquilo que se trata é, pois (e ainda), de lançar mão da avaliação directa da matéria tributável, via a que o legislador deu clara preferência no nosso sistema tributário. Em bom rigor, não é a verificação de toda e qualquer anomalia na contabilidade que determina, por si só, a aplicação de métodos indirectos. Decisivo, para tal efeito, é que as anomalias e incorrecções detectadas obstaculizem o apuramento directo da matéria tributável, surgindo o recurso à avaliação através de métodos indirectos como um meio com uma natureza restrita e excepcional.

Não se verificando os pressupostos para a utilização de métodos indirectos, a determinação da matéria tributável far-se-á de acordo com as regras próprias do imposto em causa, levando a que os valores em falta sejam corrigidos através de correcções técnicas. Foi o que sucedeu no caso em análise.

Portanto, como se viu, mostrando-se possível o apuramento directo da matéria tributável, fica afastada a possibilidade de a Administração recorrer à avaliação indirecta. Neste sentido, pode ver-se o Acórdão do TCAN, de 18/11/10 (processo 00144/02.TFPRT12): “porque viável se mostra a determinação da matéria tributável de forma directa, seria manifestamente ilegítimo o recurso a métodos indirectos (na terminologia legal anterior, métodos indiciários) para efectivar tal determinação, atento o carácter subsidiário destes últimos que resulta, claramente, da norma do artigo 51º, nº 2 do CIIRC na redacção aqui aplicável e dos artigos 81º e 85º, nº 1 da LGT (sublinhe-se que isto mesmo também já resultava do disposto no artigo 81º do CPT)”.

Assim sendo, não faz o menor sentido o apelo, por parte da Recorrente, a procedimentos anteriores, designadamente à circunstância de em exercícios passados a Administração ter recorrido à avaliação indirecta. Se aí o fez foi porque, naturalmente, foi entendido estarem preenchidos os pressupostos legais para tanto. No caso, oferecendo os registos da impugnante, ora Recorrente, elementos suficientes e capazes de traduzir as reais operações efectuadas, a lei impõe que a Administração Tributária proceda à avaliação directa, alcançando de forma mais eficaz a verdade fiscal e, como tal, aproximando-se do rendimento real das empresas (artigo 104º, nº2 da CRP).

Acresce que, como também realça a sentença recorrida, no que se acompanha, “relativamente à invocação efectuada pela Impugnante de que a sua actividade não se alterou e que desconhecia a existência de tal manipulação, decorre do supra exposto, que o apuramento dos valores omitidos pela Impugnante resultou dos elementos contidos nos seus próprios ficheiros, pelo que, era seu ónus alegar e provar, conforme decorre do artigo 74° da LGT, que os valores apurados não correspondem à verdade. Limitou-se a Impugnante a imputar a responsabilidade pelo manuseamento do sistema informático a um funcionário já falecido, sem o identificar e sem comprovar a existência de relação laboral e a ocorrência do seu falecimento. Em qualquer caso, a apurar-se que o desvio de proveitos era imputável a subordinado seu, tal facto teria relevância nas relações internas da Impugnante, não no apuramento dos proveitos omitidos e no imposto devido”.

E, obviamente, não valem aqui as considerações expendidas pela Recorrente no sentido de que o recurso a métodos indirectos seria mais justo.

Como se disse, o recurso à avaliação indirecta é subsidiário relativamente ao método directo de avaliação, sendo este o modo de apuramento regra da base tributável e que apenas é afastado em determinadas situações especificamente previstas na lei (e aqui não aplicáveis). De resto, onde estaria a justiça de recorrer a métodos indirectos quando as correcções efectuadas se basearam em valores de operações omitidas, as quais foram determinadas através de dados concretos, obtidos a partir do sistema informático do próprio sujeito passivo, relativos às operações realizadas e aos apuramentos diários? Afigura-se-nos que, com tal argumentação, a Recorrente desconsidera, afinal, que a carga tributária de um contribuinte não tem que ser a mesma de outro sujeito passivo que se insere no mesmo sector de actividade. Como está bem de ver, e como realça a Fazenda Pública na contestação apresentada, “as diferenças de margens, a existirem, praticadas por diferentes sujeitos passivos, no mesmo sector de actividade, obtidas a partir de valores reais, têm que ser analisadas em consonância com todos os factores que nelas influem. As empresas não são todas iguais, não se comportam todas da mesma maneira e, o contexto onde se inserem, não obedece a requisitos padrão que as coloca em iguais circunstâncias, pelo que as margens que praticam não têm necessariamente que ser iguais”.

Daí que, aliás, não tenha o menor interesse para a presente discussão, a obtenção “dos rácios internos praticados pela DGCI, na actividade da ora impugnante” (elementos estes que haviam sido solicitados em sede de impugnação judicial, pedido aqui reiterado), pois que, salienta-se, não está aqui em causa a aplicação de margens de comercialização ou de rendibilidade fiscal, como pretende a Recorrente. Repete-se, uma vez mais, a ideia já avançada e que a sentença deixou clara: “as liquidações adicionais ora impugnadas, resultaram da determinação da base tributável, que corresponde às operações efectuadas pela Impugnante e por si registadas em suporte informático, à qual foi deduzido o imposto incorrido, e aplicada a taxa correspondente, assim foi apurado o IVA devido”.

Diga-se, ainda, que não há aqui que chamar à colação o artigo 100º, nº1 do CPPT, nos termos do qual “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.

Com efeito, subjacente a esta norma está a regra geral sobre o ónus da prova (cfr. artigo 74º da LGT), segundo a qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque ou, o que é o mesmo aqui aplicado, “há-

-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos”vide, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 2ª edição, pág. 269, e 4ª edição, pág. 425.

Ora, in casu, como decorre de toda a exposição que antecede, a Administração deu cumprimento ao ónus que sobre si impendia, sendo certo que o contribuinte se limitou, sem qualquer sustentação probatória, a contrariar a actuação da Administração, questionando as conclusões a que a mesma chegou. Pelo que, fácil é de constatar que não estamos perante uma situação de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, resultante da prova produzida.

Por último, o Recorrente imputa à sentença recorrida a violação de regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente dos princípios da legalidade, e, ainda das específicas da actividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé- arts. 18°, 103º e 266º da CRP (vide conclusão 35)

Como é bom de ver, esta alegação não vem minimamente densificada, não sendo perceptível em que medida foram violados, por parte do Tribunal recorrido, os apontados princípios e regras constitucionais, sendo certo que, naturalmente, era à Recorrente que cabia a alegação tendente a demonstrar tal violação.

Não o tendo feito, tal alegação está incontornavelmente condenada ao insucesso.

Em suma, e face a tudo quanto vem de se dizer, improcedem todas as conclusões da alegação de recurso. Conclui-se, assim, que a sentença que julgou a impugnação improcedente deve ser confirmada, por não enfermar dos erros de julgamento que a Recorrente lhe imputa, devendo ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, o que ficará consignado no segmento dispositivo do presente acórdão.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de Março de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Benjamim Barbosa)

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(Anabela Russo)