Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06225/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/18/2015
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS/ ATAQUE À SENTENÇA RECORRIDA
Sumário:
I - Com o recurso a métodos indirectos, como metodologia alternativa no apuramento da matéria tributável dos contribuintes, o legislador pretendeu obstar que os contribuintes, por circunstâncias que lhes sejam imputáveis e que se traduzam na violação do seu dever de cooperação para com a AT, de lhe revelarem, legal e adequadamente, os elementos relevantes ao apuramento dos seus rendimentos tributáveis, se eximam ao pagamento dos impostos devidos.
II - Cabendo à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.
III – Se o Tribunal – mal ou bem – entendeu que, em face do decidido quanto aos métodos indirectos – ficava precludido o conhecimento das restantes questões, é este juízo de preclusão que o Recorrente deve atacar em sede de recurso jurisdicional.
IV - Se o Recorrente se limitou, como ocorre, a reproduzir os fundamentos das correcções efectuadas, tal como constam do relatório de inspecção, há que concluir que não ataca a sentença recorrida mas apenas a pretensão inicialmente formulada pela impugnante.
V – Assim sendo, deve concluir-se que o Recorrente não submeteu “expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância com o julgado, ou melhor os fundamentos por que o Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecia”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ………………….., SA., contra o acto tributário de liquidação de IRC do exercício de 2002, no montante global de €124 732,74, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

1. A Administração tributária provou a verificação dos pressupostos legais e vinculativos da sua atuação, de forma objetiva e racional, cumprindo com as regras de repartição do ónus da prova em sede de Direito tributário, uma vez que além de detalhadamente explanados no Relatório de Inspeção, aqueles pressupostos encontram-se ainda objetivamente comprovados nos documentos anexos ao Relatório.

2. Não subsiste qualquer dúvida, nem quanto aos factos, nem quanto à respetiva fundamentação, que impusesse à Administração Tributária que se abstivesse de atuar como atuou.

3. O perito independente veio concordar “com a posição e respetivos cálculos efetuados pela Administração Fiscal”, subscrevendo as correções efetuadas pela Administração Tributária e constantes do Relatório de Inspeção.

4. A Recorrida elabora mensalmente inventários relativos às existências de todos os produtos e procede ao registo contabilístico desses dados, por se tornarem úteis para a prossecução e gestão da sua atividade, pelo que, não se vislumbra qualquer impedimento à utilização daqueles elementos por parte da Administração Tributária, por se revelarem igualmente úteis para a mesma.

5. Ao assumir em sede de exercício do direito de audição prévia que os dados colocados à disposição da Administração Tributária são “deliberadamente rudimentares”, a Recorrida parece pretender retirar utilidade àqueles elementos contabilísticos, demonstrando aliás, que está em contradição com o que se considera serem as boas práticas contabilísticas

6. Ao assumir que a sua contabilidade é rudimentar a Recorrida vai de encontro aos fundamentos da Administração Tributária para recorrer à avaliação da matéria tributável por métodos indiretos.

7. No Relatório de Inspeção verificamos que se encontram descritos, de forma clara, objetiva e fundamentada, os critérios de cálculo das correções técnicas e das correções presumidas efetuadas aos lucros tributáveis, estas com recurso à aplicação dos métodos indiretos.

8. No que respeita às correções técnicas efetuadas ao abrigo do disposto no Artigo 63.º, n.º 8, alínea c) do CIRC e atendendo a que parte substancial das despesas ali inerentes tem como origem documentos emitidos em nome de terceiros, não se encontra preenchido o ónus de prova da sua conexão e imprescindibilidade com a realização dos proveitos, motivo pelo qual não foram aceites como custos fiscais para efeitos do disposto no Artigo 23.º do CIRC.

9. O documento que titula a liquidação de juros compensatórios encontra-se devidamente fundamentado, indicando o valor base sobre o qual incidem os juros, a taxa aplicável, o período de tributação e o valor consequentemente liquidado, conforme exigido pelo n.º 9 do Artigo 35.º da LGT.

10. A fundamentação cumpre os requisitos legais e jurisprudenciais exigíveis, pelo que, não padecendo de qualquer vício, é totalmente improcedente a pretensão de anulação da liquidação de juros compensatórios.

11. Ao julgar procedente a impugnação, decidiu mal o Tribunal “a quo”, violando assim as normas dos Arts. 87.º, alínea b) e 88.º, alínea a) da LGT, bem como os Arts. 63.º, n.º 8, alínea c) e 23.º, ambos do CIRC e ainda o Art. 35.º da LGT.


* * *

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a impugnação improcedente, tudo com as devidas e legais consequências. ”.

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Foram apresentadas contra-alegações, conforme seguidamente expendido:

“ VI. CONCLUSÕES

A) Com base na factualidade alegada e provada entende a Recorrida, ao contrário do que afirma a Recorrente, que, no presente caso, não existe fundamento legal para as correcções efectuadas ao lucro tributável com recurso à aplicação de métodos indirectos.B) Andou bem o douto Tribunal a quo ao proferir a decisão, ora em recurso, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida e, por conseguinte, anulando as liquidações impugnadas, respeitantes ao IRC e juros compensatórios do período de 2002,

C) seguindo de perto, e reproduzindo textualmente, o já decidido no douto Acórdão deste TCAS, de 23.03.2011, no recurso n° 4318/10, o qual anulou a sentença proferida pelo TAF de Beja no processo n° 200/06.0BEBJA, e julgou procedente a impugnação de IVA do período de 2003, anulando as liquidações aí impugnadas, referentes à mesma Impugnante, ora Recorrida, e aos mesmos factos.

D) Com efeito, na reapreciação da causa relativa ao IVA de 2003, entendeu, inexoravelmente, o Tribunal ad quem que a razão se encontrava do lado da Impugnante, ora Recorrida, tendo em conta a metodologia seguida pela Administração Fiscal, manifestamente ilegítima, para corrigir a matéria tributável daquela, porquanto, na correcção operada não ponderou o factor referente a quebras do produto, julgando a impugnação procedente por entender que "(...) a matéria colectável presumida não repousa, como devido, em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários( ...) o que não deixa, por isso e também, de se traduzir num erro nos pressuposto de facto na quantificação concretizada pela AT (...) E tanto basta para se concluir pela ilegalidade dos atos tributários finais de liquidação de imposto o que, por si só, acarreta, forçosamente , a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios igualmente sindicadas".

E) Ora, assim sendo, concluindo o Venerando TCAS pela ilegalidade dos actos tributários de IVA de 2003 liquidados com recurso à aplicação de métodos indirectos, na realidade, com isto vem o Tribunal Superior já acolher também a ilegalidade da correspondente liquidação de IRC do exercício de 2002, a qual, por esta razão e como não podia deixar de ser, foi seguida e confirmada pela douta decisão ora em crise. Note-se, ademais, que quer a liquidação referente ao IVA de 2003 quer a liquidação do IRC de 2002 provêm de uma única acção de inspecção tributária realizada aos exercícios de 2000 a 2003 da ora Recorrida.

F) Naquele processo, assim como no vertente, a Recorrida rebateu um a um os cinco argumentos apresentados pela Administração Fiscal para sustentar a aplicação de métodos indirectos, evidenciando, plena e indiscutivelmente, na sua argumentação - e conforme os depoimentos das testemunhas sobre esta matéria o provaram de forma inequívoca -, a ilegalidade da liquidação de imposto.

G) Inconformada a Administração Fiscal, interpôs o presente recurso com uma argumentação que, desde já se afirma, não merece prosperar, utilizando uma técnica de lançamento de desconfianças e suspeições, manifestamente condenável e claramente contrária aos princípios legais de direito comummente aceites, inserindo, descontextualizadamente, nas suas alegações meras considerações que, deturpando a realidade dos factos, são puramente maledicentes, afastam-se claramente da questão dos autos e destinam-se tão-somente a promover junto do Tribunal de recurso a ideia de que a contabilidade e conduta da Recorrida não ofereciam qualquer credibilidade.

H) São, em resumo, meias-verdades que a Recorrida desfez e clarificou a artigos 22.º a 44.º destas Contra-Alegações.

I) No caso vertente, recorreu a Administração Fiscal à utilização de métodos indirectos com base numa errada interpretação e aplicação das disposições dos artigos 87.º a 90.º da LGT.

J) Das referidas disposições legais, e na esteira jurisprudencial, resulta que a aplicação de métodos indirectos só poderá efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e com exactidão dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (com base em elementos objectivos, como a contabilidade e respectiva documentação), a qual pode resultar da verificação de anomalias ou incorrecções que inviabilizam a determinação directa da matéria tributável.

K) Os termos utilizados pelo legislador nos referidos normativos não deixam quaisquer dúvidas quanto ao carácter excepcionalíssimo deste método de avaliação: "impossibilidade de comprovação", "impossibilidade de quantificação directa", "anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria colectável".

L) Assim, o recurso aos métodos indirectos é um instrumento que assume uma natureza excepcional no ordenamento jurídico português, assentando na impossibilidade absoluta de determinação directa e exacta da matéria tributável do contribuinte, desde logo porque os elementos da contabilidade inviabilizam tal determinação.

M) Ora, no caso sub judice, a Recorrente apurou a matéria tributável com base nos dados da própria contabilidade da Recorrida - o que revela, desde logo, que tal contabilidade é credível, verdadeira e de boa-fé, espelhando a correcta situação patrimonial da empresa. Assim, foi com evidente má-fé que, para cumprir o disposto na lei, invocou aquela a alínea i) do n° 1 do artigo 90° da LGT como justificação do método a que recorreu.

N) Das cinco razões apontadas pela Recorrente para descredibilizar a contabilidade da Recorrida, nenhuma delas permite retirar tal conclusão, conforme devida e cabalmente demonstrou e comprovou a Recorrida no decurso do processo, particularmente a artigos 97° a 151º das presentes Contra-Alegações.

O) Em suma, não existe, nem se demonstrou a existência, por esta via, de qualquer impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria tributável da Recorrida, não se legitimando a aplicação dos métodos indirectos.

P) Conforme é jurisprudência unânime, "(...) o facto de a contabilidade do contribuinte enfermar de erros e inexactidões não impede que a fixação da matéria colectável seja feita com base na contabilidade, se ela passar a revelar o rendimento real, depois de corrigidos tais erros e inexactidões (...)" (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2000, proferido no processo n.º 25 677).

Q) Pelo que é ilegal a aplicação de métodos indirectos ao caso em apreço.

R) Acresce que, por mera hipótese, tal não fosse a conclusão deste Venerando Tribunal, sempre se diria que a Recorrida demonstrou devidamente que a quantificação da matéria tributável, efectuada pela Recorrente, é manifestamente excessiva, porquanto nunca poderiam ser tributadas àquela mais arrobas do que as que realmente se encontravam "em falta", que, no caso vertente, correspondem a uma quebra normal e aceitável para o sector específico da cortiça, quebras essas que são admitidas mas não consideradas no Relatório de Inspecção.

S) Estas tentativas de indiferença ao reconhecimento da existência de quebras e da sua não consideração para efeitos de quantificação das liquidações adicionais de imposto consubstanciam a não ponderação, na correcção efectuada, de um dado essencial para o seu apuramento, acarretando, portanto, a ilegalidade da liquidação.

T) Cumpre, todavia, desmistificar a razão pela qual não procedem as insinuações de existência de incongruências mencionadas pela Administração Fiscal, assim demonstrando-se que não há incoerências ou divergências que legitimem a determinação da matéria colectável por métodos indirectos. Assim:

U) Por um lado, as alegadas divergências entre as quantidades vendidas de cortiça e aquelas que resultam dos elementos extraídos dos registos contabilísticos foram apuradas pela Administração Fiscal mediante uma simulação de um inventário permanente, e enfermam de um erro já que a Administração Fiscal utilizou registos mensais (não contabilísticos) que foram elaborados sem preocupação de muito rigor e para apoio à gestão, com o objectivo primordial de assegurar aos gestores da sociedade que não ocorriam furtos de cortiça.

V) Ora, a Administração Fiscal ao comparar, mês a mês, as quantidades existentes, com as extraídas e vendidas e verificou incoerências, não concluiu que os mapas auxiliares eram pouco rigorosos, mas sim que os registos contabilísticos elaborados com base num inventário anual rigoroso, realizado a 31 de Dezembro, não eram credíveis. Ou seja, ao que parece, para a Administração Fiscal os mapas auxiliares - que não são obrigatórios e com os quais se pretendia apenas obter um valor aproximado - estiveram acima de qualquer suspeita, enquanto, paradoxalmente, os inventários, realizados de forma rigorosa, à data de 31 de Dezembro, e a contabilidade, devidamente elaborada por uma entidade terceira e certificada por um Revisor Oficial de Contas estariam incorrectos!

W) Por outro lado, cumpre reflectir sobre a afirmação do Acórdão do TCAS de 23.03.2011, que anula as liquidações de IVA de 2003 da Recorrida, que a meritíssima Juíza do TAF de Beja reproduziu a fls. 34 da Sentença recorrida, e que refere o seguinte: "[A]ntes, o que se afigura ter de concluir do afirmado no citado local do relatório (fls. 302), é que, sendo um factor a considerar as quebras do produto, o qual, no entanto, não foi tido em conta pela acção inspectiva, ainda assim. o seu autor pretendeu suprimir tal omissão com o facto de as arrobas tributadas terem ascendido a 11.724, ou seja, uma quantidade manifestamente inferior àquela a que chegou no novo cálculo a que procedeu do primeiro cenário postulado para aferir do teste de coerência das quantidades vendidas, na quantidade de 17.809 arrobas, ou, como melhor decorre das suas próprias palavra s, "[Nessa linha de pensamento] pode a exponente considerar que a Administração Tributária ao tributar 11.714 das 18557 arrobas, já está a assumir uma eventual quebra de stock." (sublinhados nossos)

X) Neste sentido, destaque-se a frase "(...) cálculo a que procedeu do primeiro cenário postulado (...)" para relembrar que, no decurso da inspecção, a Administração Fiscal, elaborou três cenários alternativos:

(i) No primeiro cenário, a Administração Fiscal comparou a totalidade da produção com as vendas apenas como cortiça amadia - ou seja, comparou alhos com bugalhos - chegando a um número significativo de arrobas em falta: 18.557,61!

(ii) Não podendo comparar a totalidade da produção com parte apenas das vendas e concluir que as arrobas em falta correspondem a vendas ocultas que descredibilizam a contabilidade da Recorrida, nem esquecer-se que a Recorrida também vendeu cortiça em bocados e cortiça virgem e que ambas essas vendas saíram da mesma produção reflectida no mencionado primeiro cenário, não serve pois este cenário absolutamente para nada, pelo que, a Administração Fiscal elaborou um segundo cenário que comparou a totalidade da produção com as vendas totais (cortiça amadia, cortiça em bocados e cortiça virgem), donde resultou uma diferença de 891,34 arrobas no ano 2000 e de 8.727,95 arrobas no agregado dos anos 2001 a 2003 inclusive,

(iii) As 891,34 arrobas em falta no ano 2000, não causaram na Administração Fiscal qualquer problema nem foram tidas em linha de conta na aplicação de métodos indirectos, sendo portanto aceites como quebra natural entre a cortiça existente no momento da extracção (reflectida nos dados de produção) e a cortiça existente no momento da venda. Não obstante, contradizendo o raciocínio aplicado no ano 2000, a Administração Fiscal elaborou um terceiro cenário (cf. pág. 26 do Relatório de Inspecção), apontando para 11.714,46 arrobas supostamente em falta, no agregado dos anos 2001 a 2003, inclusive,

(iv) E decidiu tributar a totalidade dessas 11.714,46 arrobas presumivelmente omitidas, sem considerar qualquer margem para quebras.

Y) Revelou a Administração Fiscal uma discricionariedade técnica manifestamente abusiva e excessiva, para além do carácter inadmissivelmente irónico da justificação que apresenta dizendo que ao tributar 11.714 das 18.557 arrobas '' já está a assumir uma eventual quebra de stock".

Z) Note-se que a actuação da Administração Fiscal não deixa, pelo facto de estar a aplicar métodos indirectos, de se encontrar balizada pelo princípio de que a metodologia em causa há-de alcançar as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, pois sob a Administração Fiscal recai a obrigação de determinar o rendimento real que presumivelmente foi obtido.

AA) O Tribunal a quo, bem como o TCAS no mencionado Acórdão de 23.03.2011, detectaram bem estes erros da Administração Fiscal que são erros grosseiros, tendo compreendido, na análise entre os três cenários elaborados, e perante as afirmações da inspecção, que, apesar do que esta afirmava, a verdade é que não foram tidas em contas as quebras de produto nas arrobas que, por uso de métodos indirectos, a Recorrente pretendeu liquidar à Recorrida, julgando "(...) por manifestamente ilegítimo este tipo de entendimento porque o mesmo não deixa de consubstanciar, na realidade, a não ponderação, na correcção operada, do factor referente a quebras do produto, importando, forçosamente, a conclusão de que matéria colectável presumida não repousa, como devido, em dados objectivos. racionais e fundamentados. aptos a inferir os factos tributários, (...) o que não deixa, por isso e também, de se traduzir num erro nos pressupostos de facto na quantificação que veio a ser concretizada pela AT. (...) E tanto basta para se concluir pela ilegalidade dos actos tributários finais de liquidação de imposto (...) "cf. fls. 35 da Sentença recorrida (sublinhados nossos).

BB) Refira-se que estes erros grosseiros, concretizados na decisão da Administração Fiscal de tributar a totalidade das arrobas apuradas no terceiro cenário postulado "11.714"- bem acima das quebras reais que ela própria apurou no segundo cenário postulado "8.725" - foram igualmente confirmados nas declarações das diversas testemunhas as quais sobre esta matéria foram inequívocos e unânimes ao considerar as especificidades do negócio da cortiça envolvem, necessariamente, a existência de quebras uma vez que está numa relação de dependência com a natureza.

CC) Atendo o teor dos artigos 28.º e 32.º inseridos no ponto 11 das Alegações, sob a epígrafe “II - Da liquidação efectuada por métodos indirectos", parece pretender a Recorrente discutir a matéria que respeita às correcções técnicas, pelo que por cautela de patrocínio, sempre se dirá que não existe fundamento legal para as correcções técnicas efectuadas ao lucro tributável da Recorrida, ao abrigo do artigo 63°, nº 8, alínea c) do CIRC, ao contrário do que sustenta a Recorrente, relativamente aos custos referente a viagens, deslocações e estadas, no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrida e a ………………………, S.A.

DD) Relembre-se que apenas no exercício do ano de 2003 a Recorrida foi tributada ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previsto nos artigos 63.º e seguintes do CIRC, tendo a declaração fiscal de rendimentos sido apresentada pela sociedade dominante …………………, S.A. Logo, não entende a Recorrida o alcance do teor do artigo 32.º das Alegações de recurso.

EE) Os apontados custos apresentam-se como indispensáveis, encontrando-se todos cabalmente justificados e relacionados com o objecto societário e actividade desenvolvida pela Recorrida, e enquadrando-se, por isso, na noção de imprescindibilidade constante do artigo 23.º do CIRC, porquanto foram "indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", como bem demonstram os artigos 183.º a 213.º da Impugnação Judicial, para os quais se remete e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

FF) Sobre a imprescindibilidade de a Administração Fiscal recorrer ao artigo 23.º do CIRC para contestar estes custos, a Recorrida remete para o teor dos artigos 214.º a 238.º da Impugnação Judicial, para os quais se remete e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

GG) E remete, igualmente, para a douta Sentença do TAF de Beja, proferida no dia 05.07.2012, no processo n° 810/05.2BEBJA, a qual julgou procedente a impugnação de IRC do exercício de 2000, desta mesma Recorrida, então Impugnante, e onde se concluiu, a respeito de gastos incorridos, em tudo semelhantes aos que foram incorridos em 2002, o seguinte: "Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. (...) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro."

HH) Esclarecendo que "[N]este sentido: a solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira da doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário", secundando ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, in “ A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa", Coimbra Editora, 2004, págs. 113 e seg.

II) E concluindo o citado aresto pela procedência da impugnação judicial, pois que “a indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal. Foi o que não sucedeu no caso verente, por parte da Administração Fiscal, segundo critérios que utilizou na correcção à liquidação impugnada, distraindo-se em apreciações de aparente senso comum, mas não orientadas normativamente, como resulta com toda a clareza dos excertos do relatório que foram ao elenco da matéria assente."

JJ) Pelo que, no caso em apreço não devem ser acolhidas as alegações da Recorrente, porquanto, foram desnecessários e desmedidos, despidos de apoio técnico e dos requisitos previstos na lei, os quais são imprescindíveis para sua aplicação, motivando e ferindo de ilegalidade a liquidação adicional impugnada referente ao IRC do período de 2002.

KK) Bem andou, igualmente, a Sentença recorrida ao ter procedido à anulação dos juros compensatórios liquidados em face da ausência de fundamentação, já que não são mencionados os diplomas legais que prevêem as taxas de juro, contrariando o disposto no n.º 9 do artigo 35.º e artigo 77.º da LGT, pelo que, através dos elementos disponibilizados, não consegue a Recorrida aferir se os juros se encontram correctamente calculados.

LL) Em face do todo o exposto, não merece a argumentação da Recorrente prosperar, devendo prevalecer na ordem jurídica a douta Sentença recorrida, julgando-se na íntegra improcedente o recurso interposto pela Recorrente.

TERMOS EM QUE, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA E PORQUE A DOUTA SENTENÇA EM RECURSO BEM DECIDIU, DEVE ESTA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍ DICA E, POR CONSEGUINTE, NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE, ASSIM FAZENDO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso consistem em saber se:

- a sentença recorrida errou ao concluir que não estavam reunidos os pressupostos legais para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos – conclusões 1 a 7;

- se as correcções técnicas efectuadas se mostram conforme ao artigo 23º do CIRC, porquanto as mesmas não se mostram imprescindíveis para a realização dos proveitos – conclusão 8;

- se a liquidação de juros compensatórios observou o dever legal de fundamentação que era imposto à AT – conclusões 9 e 10.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

a) Factos provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) A Impugnante dedica-se à cerealicultura, através da exploração agrícola dos seus prédios – cf. fls. 278 dos autos e artigo 1º da pi, para os quais se faz expressa remessa;

B) A Impugnante foi objecto de uma inspecção iniciada em 2004.12.23 e concluída em 2005.04.19, tendo abrangido os exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003 – cf. fls. 277 dos autos;

C) Em consequência da acção inspectiva a que se faz alusão na alínea precedente, foi elaborado o relatório que constitui doc. de fls. 274 a 320 dos autos, inclusive, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e, do qual e ao que aqui releva, consta, nomeadamente, o seguinte:

a. II – 3 – Outras situações – actividade – livros selados:

i. A ……………………. tem como objecto social, a exploração de uma propriedade com o mesmo nome, com uma área de 5 025 ha, situada no concelho de Alcácer do Sal;

ii. Foi verificado que os livros selados previstos no artigo 31º do Código Comercial estavam escriturados até 31 de Janeiro, cumprindo com o disposto no artigo 115/4 do CIRC;

b. (…);

c. III-B-3 – Trabalhos especializados – consultadoria financeira

– Exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003:

i. (...) na sequência da verificação documental das contas POC 6223639 (exercício de 2000), 6223609 (exercício de 2001) e 622360902 (exercícios de 2002 e 2003), que os registos contabilísticos se referiam a facturas emitidas pela [sociedade] ………………., SGPS, relativas à prestação de serviços de administração e gestão, conforme contrato elaborado para o efeito;

ii.(...);

iii. [O contrato] vigorou só no mês de Dezembro de 2000, pois em 2001.01.02 foi celebrado novo contrato, com todo o clausulado semelhante ao anterior, apenas com uma única excepção, a que respeita à cláusula da contraprestação a pagar, fixada inicialmente em € 10 000,00 mensais e em Janeiro de 2001 em € 21 000,00, uma e outra acrescidas do respectivo IVA

iv. Sobre o contrato em questão, apraz-me assinalar os seguintes factos:

1. A ……………….. SGPS, compromete-se a prestar serviços técnicos de administração e gestão à …………………, em cujo capital participa, na ordem dos 99,94%;

2. Foi celebrado ao abrigo do DL nº 495/88, de 30/12 (...);

v. Questionado o sujeito passivo ……………., na pessoa dos eu actual técnico de contas, sobre a natureza concreta dos serviços, foi informado (...) que os serviços de administração e gestão foram prestados pela administradora Jacqueline……………., apontando como exemplo desses serviços, e passo a citar “apoio na definição das estratégias comerciais da Herdade ou o apoio à gestão técnica da Herdade”, acrescentando ainda que a administradora em causa não auferia qualquer remuneração pelo desempenho das suas funções;

vi. Temos que, em termos de substância de um contrato de prestação de serviços como aquele que está em causa, os serviços referidos nada representam;

vii. A referida senhora é vice-presidente do Conselho de Administração quer da …………….. quer da ……………………., e o exemplo do tipo de serviços prestados mais não são do que funções normais de quem ocupa aquele cargo;

viii. Não podemos aceitar que se queira camuflar a não remuneração de um cargo com um contrato de prestação de serviços;

ix. Por outro lado, outro aspecto importante tem a ver com o facto de a referida senhora e todos os outros membros do Conselho de Administração serem considerados não residentes em Portugal, o que, obviamente, não é compatível com uma eventual prestação de serviços continuada;

x. Relativamente ao aspecto do valor a pagar e à explicitação do seu cálculo foi informado que “na altura, baseada no técnico (...) que apoiava a empresa – note-se que a administração é estrangeira e dependia por isso do técnico contratado em Portugal – foi esse o valor acordado. O ajustamento deve-se, tanto quanto sabe a Herdade, ao facto de o valor inicial de € 10 000,00 ser apenas um valor indicativo a corrigir após os primeiros meses de actividade da sociedade”;

xi. Nesta questão da explicação da contraprestação a pagar, verifica-se alguma incongruência entre o que foi dito sobre o contrato de prestação de serviços, designadamente a entidade que os prestou e o facto de admitir, face à administração ser estrangeira, a dependência desta em relação ao técnico contratado em Portugal, que exercia funções de Director Geral da Herdade;

xii. Sobre o que me foi dado avaliar no decurso da inspecção assinalo:

1. A sociedade ……………… é detida pelas Senhoras Jacqueline…………… (97,67%) e Stéphanie………….. (2,33%), mãe e filha, respectivamente, fazendo parte ainda do Conselho de Administração o Senhor Philippe………………., todos não residentes em Portugal;

2. Por sua vez, a sociedade ……………………. é detida pela ………………….;

3. Os únicos proveitos operacionais da ……………. são os que correspondem a este contrato de prestação de serviços, servido para contrabalançar os custos financeiros suportados pelo financiamento que serviu de pagamento parcial da aquisição de acções;

4. A sociedade …………….. teve, em média ao seu serviço 0 (zero) empregados em 2000 e 2001, 1 empregado em 2002 e 2 empregados em 2003, constituídos por um engenheiro em 2002 e um engenheiro (...) e um chefe de segurança (categoria profissional) desempenhando funções de chefe de pessoa em 2003;

5. (...);

6. Uma carta da …………………. para o Banco…………………, dando instruções para que mensalmente, entre 20 e 25, fosse transferida a importância de € 24 990,00, para a conta da ………………., equivalendo isto a uma ordem permanente de transferência bancária;

7. (...);

8. Estes custos contribuíram na contabilidade da ………………… para uma redução do custo tributável em sede de IRC de € 10 000,00 no exercício de 2000, e € 252 000,00 nos exercícios de 2001 a 2003, enquanto que, em termos de ……………., tais proventos apenas contribuira para atenuar o resultado fiscal negativo;

9. Temos assim que, enquanto na ………………. houve uma diminuição da colecta de IRC, na ……………. aqueles proveitos não tiveram reflexo em qualquer acréscimo na colecta de IRC desta;

10. Com ou sem contrato de prestação de serviços o resultado fiscal da ……………. seria sempre negativo;

11. (...);

12. Estão em causa serviços prestados sem a adequada estrutura, em termos de recursos humanos, necessária para a realização dos mesmos;

13. Não é com um engenheiro nem com um chefe de pessoal que se prestam os aludidos serviços de administração e gestão;

xiii. Deste modo, é nossa profunda convicção, que os serviços prestados não correspondem, efectiva e verdadeiramente a qualquer natureza concreta de serviços, mas tão só a uma transferência de resultados entre empresas, com o intuito de diminuir a colecta do imposto;

xiv. Sendo assim, uma vez que não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, não vão ser aceites como custo para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23/1.a) do CIRC, os montantes a seguir indicados:

1. Exercício de 2000 – € 10 000,00;

2. Exercício de 2001 – € 252 000,00;

3. Exercício de 2002 – € 252 000,00;

4. Exercício de 2003 – € 252 000,00;

xv. De referir que estas mesmas importâncias não vão ser aceites como proveito, para efeitos de apuramento do lucro tributável da sociedade Pontalgest;

d. III-B-4 – Viagens e deslocações e estadas – Exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003

i. Foram analisados os extractos das contas 622273 e 622274 (exercício de 20009, 622273 (exercício de 2001), 62227103 (exercício de 2002), 62227103 e 622272 (exercício de 2003), tendo-se constatado as seguintes situações:

1. Facturas ou documentos equivalentes emitidos em nome de Jacqueline……………;

2. Registos contabilísticos suportados apenas e só com bilhete de avião ou simples nota de despesas;

3. Recibos relativos a diversas passagens aéreas, desconhecendo-se os beneficiários;

4. Estadia em hotel do casal “de Burman”;

5. Facturas de Stéphinie………… debitando o custo com as passagens aéreas da própria e do marido Philippe …………., anexando bilhetes do avião;

ii. Os referidos custos não são aceites fiscalmente, uma vez que não são comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora, não se enquadrando assim no disposto no nº 1 do artigo 23º do CIRC;

iii. Os montantes em causa ascendem a € 11 557,46, € 11 075,39, € 9 865,08 e € 4 916,68 em 2000, 2001, 2002 e 2003, respectivamente;

iv. Os valores antes referidos respeitam aos documentos analisados, cuja relação consta do quadro que se segue:

    2000
    2001
2002
    2003
Doc int nºDoc int nº
      Doc int nº
Doc int nº
    Viagens
    Viagens
      Viagens
    Viagens
    3031-od
bc2020051
    5019-cx4
bc2030061
    6026-cx4
cx203071
    6030-cx4
od209014 até
od209025
    7016-cx4
    8002-cx4
Od209033
11021-cx1
v. (...);

e. IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos:

i. A evolução do volume de vendas, quer total, quer parcial, isto é, por natureza de produtos, verificada entre 2000 e 2003, é a seguinte:

    Rubricas
      2000
      2001
    2002
2003
Vendas produtos
    2 499 909,48
    2 068 627,25
3 310 371,92
    2 288 184,69
Gado bovino
      145 085,66
      79 345,82
    152 508,10
      103 600,69
Gado equino
      48 356,72
      56 364,16
    1 500,00
0,00
Cortiça
    1 722 344,01
    1 504 054,23
2 706 149,62
    1 573 309,26
Cereais
      8 278,07
0,000,00
0,00
Eucalipto
      184 324,63
0,000,00
0,00
Pinheiros
      140 332,68
      20 954,05
    55 444,37
      14 201,50
Sobreiros
      5 769,90
0,00
    11 700,00
0,00
Arroz
      245 417,81
      126 727,34
    202 502,01
      180 392,96
Milho0,00
      223 900,45
    130 938,42
      258 313,48
Sementes (pinhão)0,00
      57 281,20
    49 629,40
      77 866,80
Pinha mansa na
árvore
0,000,000,00
      80 500,00
Cortiça
    68,90%
    72,71%
81,75%
    68,76%
Cortiça73,83%
ii. É perceptível, desde logo, o peso das vendas de cortiça no volume de negócios global (…); no conjunto do quadriénio representa, aproximadamente, ¾ do volume de negócios da Herdade;

iii. Perante este cenário, impunha-se que se fizesse uma análise de coerência aos valores declarados com as vendas da cortiça;

f. Vendas

i. Primeiramente foi efectuada a verificação integral da facturação de cortiça (…);

ii. Como principais clientes temos as empresas Fernando……………….., Herdeiros e Jorge

……………………. (…), ………………. e ……………………………..;

iii. As vendas de cortiça amadia, em quantidades foram as seguintes:

    Cortiça Amadia
    Ano 2000
    Ano 2001
    Ano 2002
    Ano 2003
Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)
Vendas-contabilidade
      46 472,00
      33 628,00
      73 700,00
      40 904,66

g. Inventários

i. Com base nos elementos analisados e verificados, as existências são as seguintes:

Cortiça Amadia
    Ano 2000
    Ano 2001
    Ano 2002
    Ano 2003
Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)
Existência Inicial
      36 650,00
      33 320,00
      73 500,00
      40 000,00
Existência final
      33 320,00
      73 500,00
      40 000,00
      37 341,30
Variação da
produção
      - 3 330,00
      40 180,00
      - 33 500,00
      - 2 658,70

ii. Foi efectuada a análise de coerência à evolução do inventário permanente, desde 2001 (…) onde se verificaram algumas incongruências;

iii. Vejamos:

1. Após a venda de 15 053 arrobas, realizada em Abril/2001, as existências de cortiça amadia seriam de 18 267 arrobas e não 16 075 como foi considerado e facturado em Maio de 2001;

2. A extracção no mês de Junho de 2001 foi de 31 851,85 arrobas tendo sido considerado no inventário 36 522,20 arrobas;

3. Em Janeiro de 2002 foram vendidas 1 900 arrobas, pelo que, era suposto que as quantidades inventariadas, depois da venda, fossem de 71 600 arrobas; contrariamente, o sujeito passivo inventariou apenas 68 348 arrobas;

4. Em Maio de 2002, foi vendida uma quantidade de arrobas superior às inventariadas em Abril de 2002;

5. Em Agosto de 2002, a extracção foi de 44 345,4 arrobas tendo o sujeito passivo inventariado 40 000 arrobas;

6. Depois da venda efectuada em Março de 2003 o sujeito passivo inventariou 36 300 arrobas, o que equivale a dizer que a venda terá sido, alegadamente, de 3 700 arrobas;

a. A factura emitida foi de 4 388,66 arrobas;

7. Face à existência inicial e às vendas de cortiça virgem e bocados em 2000, era suposto que fosse inventariada uma existência final de 841,34 arrobas, isto sem levar em conta a produção de 2000;

a. A existência final declarada foi zero;

8. Situação idêntica se passa no exercício de 2002 em que para uma existência inicial de 4 487 arrobas foram vendidas 4188 e no final do ano nada foi inventariado;

a. Claro que também não foi levada em conta a eventual extracção;

9. Venda em 2002 e 2003 de cortiça virgem e bocados de cortiça ao custo de produção ou inferior;

iv. Também a valorimetria das existências é pouco clara;

v. O critério adoptado foi o do preço de venda deduzido da margem norma de lucro;

vi. Atendendo ao artigo 26/4 do CIRC, essa margem normal de lucro quando não for facilmente determinável pode ser substituída por uma percentagem não superior a 20% do preço de venda;

vii. (…);

viii. As existências foram sendo valorizadas durante o exercício de 2001 ao preço de PTE 6 000$00, e em 31 de Dezembro de 2001 ao preço de PTE 5 330$00;

ix. (…);

h. Produção:

i. Os elementos recolhidos através da contabilidade permitem concluir que a produção foi a seguinte:

Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)Quant. (arrobas)
Extracção Total
      43 192,00
      80 869,80
      44 345,40
      45 596,37

ii. (...);

i. Análise comparativa

i. (…);

ii. Em qualquer das situações [considerando a totalidade da produção e as vendas apenas como cortiça amadia e considerando a totalidade da produção e as vendas totais – amadia+virgem+bocados] se verificam diferenças, sendo que nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, as diferenças encontradas são bastante significativas, na ordem das 18 557 arrobas, no primeiro caso, e 8 727 arrobas no segundo caso, no conjunto dos 3 exercícios;

iii. Quanto ao exercício de 2000 (…);

j. Contratos de compra e venda de cortiça:

i. (…);

ii.Perante os factos relatados anteriormente, designadamente as incoerências verificadas na evolução do inventário, valorimetria desse mesmo inventário, diferenças obtidas entre as vendas (em quantidades) contabilizadas e aquelas que resultam dos elementos extraídos dos registos contabilísticos, falta de transparência relativa à contabilização de adiantamentos recebidos pela venda de cortiça, existência de contratos sem especificação de quantidades e preços de venda, tudo isto leva a uma situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, conducente à reunião dos pressupostos para a determinação da mesma, referente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, seja efectuada com recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos previstos nos artigos 87.b) e 88.a) da LGT, conjugado com o artigo 52/1 do CIRC e 84/1 do CIVA;

k. V – Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos:

i. Verificados que estão os pressupostos para aplicação de métodos indirectos à determinação da matéria tributável (…), os critérios e cálculos para a sua determinação, atendendo ao disposto no artigo 90.i) do CIRC, far-se-á, segundo o critério que tem em conta as diferenças verificadas, entre as quantidades de cortiça contabilizadas e aquelas que resultaram dos factos apurado (…);

ii. Atendendo a que, da produção total, uma parte seja considerada como bocados, vamos considerar, como critérios desse cálculo, que a percentagem a atribuir seja calculada em função da ponderação que as vendas de cortiça virgem e bocados representam no total das quantidades vendidas;

iii. Assim temos:

    2001
    2002
    2003
Quantidades vendidas totais
    34 376,00
    77 888,00
    43 478,32
Amadia
    33 628,00
    73 700,00
    40 904,66
Bocados
    748,00
    4 188,00
    2 573,66
Amadia – %
    97,82%
    94,62
    94,08%
Bocados – %
    2,18%
    5,38%
    5,92%
Produção total
    80 869,80
    44 345,40
    45 596,37
Produção amadia
    79 110,12
    41 960,97
    42 897,33
Produção bocados
    1 759,68
    2 384,43
    2 699,04

iv. Dado que as vendas de cortiça virgem e bocados tem pouca expressão no volume de negócios da cortiça, vamos apenas debruçar-nos sobre a presunção das vendas de cortiça amadia;

v. Assim, as quantidades apuradas presumivelmente omitidas, são as seguintes:

    Descrição/Produto
2001
2002
2003
Cortiça amadiaQuant. (arrobas)Quant. (arrobas)
    Quant. (arrobas)
Existência inicial
      33 320,00
      73 500,00
      40 000,00
Produção (extracção)
      79 110,12
      41 960,97
      42 897,33
Existência final
      73 500,00
      40 000,00
      37 341,30
Vendas presumidas
      38 930,12
      75 460,97
      45 556,03
Vendas contabilidade
      33 628,00
      73 700,00
      40 904,66
Diferenças encontradas
      5 302,12
      1 760,97
        4 651,37

vi. O preço de venda da arroba de cortiça amadia, a considerar no cálculo da determinação da matéria tributável omitida, será o preço médio obtido nas vendas contabilizadas em cada um dos anos em questão, por nos parecer mais plausível;

vii. (...) o preço de venda será:

1. 2001 - € 44,52;

2. 2002 - € 36,44;

3. 2003 - € 38,27;

viii. Quanto ao imposto sobre o valor acrescentado a liquidar nos termos do artigo 84/1 do CIVA e dos artigos 87º e 88º da LGT, o seu valor vai ser calculado proporcionalmente às bases tributáveis declaradas pelo sujeito passivo, relativamente às vendas de cortiça daqueles anos.

ix. Os valores de IRC e IVA apurados são:

Descrição
      2001
2002
2003
Quantidades omitidas (arrobas)
      5 302,12
    1 760,97
      4 651,37
Preço médio de venda44,52
      36,44
        38,27
Vendas omitidas p/ efeitos de IRC
      236 050,38
    64 169,75
      178 007,93
Taxa de IVA
      17%
17%
19%
Valor do IVA presumido
      40 128,57
    10 908,86
      33 821,51

x. Repartição do IVA estimado com recurso a métodos indirectos:

Ano/períodoVendas
declaradas
Período de imposto %Vendas a
tributar
Montantes em falta
    2002
    64 169,75
B. TributávelImposto
    Janeiro
    75 829,00
2,80%
    1 798,10
    305,68
    Março
    151 658,00
5,60%
    3 596,20
    611,35
    Abril
    75 829,00
2,80%
    1 798,10
    305,68
    Maio
    2 402 833,62
88,79%
    56 977,35
    9 686,15
    Total
    2 706 149,62
      100,00%
    64 169,75
    10 908,86

D) Notificada do projecto de relatório, a impugnante exerceu em 2005.05.18 o direito de audição prévia, nos termos do documentado de fls. 164 a 195 dos autos e no qual sustenta, além do mais e por um lado, que o “cenário” admitido pela AF, tendo em conta apenas a cortiça amadia parte de um pressuposto errado uma vez que as existências iniciais correspondem a todos os tipos de cortiça e não apenas aquela primeira e, por outro lado, que as diferenças detectadas pela AT, entre as vendas presumidas e as declaradas de cortiça se devem a quebras do produto;

E) No relatório a que se faz alusão na precedente alínea C), o seu autor, debruçando-se sobre o direito de audição exercido pela Impugnante e, concretamente sobre os dois pontos mencionados na alínea que antecede, considerou, por um lado, que “o teste de coerência às quantidades vendidas teria sempre de passar pelos dois cenários formulados no relatório” já que, com o mesmo, “apenas se quis salientar que em qualquer das situações foram encontradas diferenças (...)” uma vez que, considerando as existências como relativas a todos os tipos de cortiça e tendo em linha de conta as relativas à cortiça virgem e em bocados, sempre se chegaria à conclusão de que “quer as diferenças encontradas no primeiro cenário do projecto de relatório (18 557 arrobas) quer as diferenças verificadas no recalculo desse cenário (17 809 arrobas) são ainda substancialmente inferiores às diferenças que foram tributadas por métodos indirectos e que ascenderam a 11 714 arrobas, conforme capítulo V deste relatório” e, por outro, que “quanto ao conceito de quebra de stock assumido pela exponente para as diferenças encontradas no segundo cenário, parece-nos que, no entender da mesma, toda e qualquer diferença que a contabilidade possa reflectir está a coberto do efeito de factores naturais: Naturalmente que não podemos aceitar esta teoria. Será que a exponente não considera relevante haver diferenças na ordem das 18 000 arrobas? Nessa linha de pensamento, pode a exponente considerar que a Administração Tributária ao tributar 11 714 das 18 557 arrobas, já está a assumir uma eventual quebra de stock” – cf. fls. 305 a 320 a 309, inclusive, dos autos;

F) Em 2005.06.17, a Impugnante foi notificada do relatório de inspecção tributária – cf. artigo 7º da pi e informação prestada pelo nos termos do artigo 111/2 CPPT, constante do PA apenso;

G) A Impugnante requereu a revisão da matéria tributável, nos termos que se encontram documentados de fls. 401 a 436 dos autos, inclusive, voltando a esgrimir com as quebras de cortiça decorrente de influências climatéricas – cf., v.g., no aludido documento, os artigos 63º a 65º e 114º a 125º;

H) Em 2005.10.13, os peritos, independente, da contribuinte e da Fazenda Pública, reuniram-se, tendo sido elaborada a respectiva acta da qual consta, além do mais, que “a perita da Administração tributária, referiu que as situações por si atrás enumeradas são indiciadoras de que a contabilidade não reflecte a situação real da empresa, no entanto e com a perspectiva do estabelecimento de um acordo, aceita que se possa considerar como quebras 1% da variação do quociente entre «as diferenças encontradas» e a «produção (extracção)», nos anos de 2001, 2002 e 2003 (...)”, razão pela qual e com vista à obtenção de um acordo, foi decidido efectuar uma nova reunião a 2005.10.27 – cf. fls. 506 a 508 dos autos, que, aqui, se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais;

I) Na agendada data de 2005.10.27, aqueles referidos peritos voltaram a reunir não tendo chegado a qualquer acordo – cf. acta de fls. 509 a 511 dos autos, inclusive, que se dá por reproduzida;

J) Em 2005.11.17, foi proferida decisão pelo Director de Finanças Adjunto, na qualidade de substituto legal do Director de Finanças – DR II Série, nº 41 de 2005.02.28, que manteve a forma e os valores apurados em sede de inspecção, nos termos do documento que constitui fls. 497 a 500 dos autos, inclusive, e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e na qual e no que concerne a quebras, se limitou a reportar-se à proposta apresentada pela perita da AT, na primeira reunião e referida na alínea H), que antecede – cf. os pontos 11 e 16 da decisão em questão;

K) O perito independente lavrou o laudo que constitui o doc. de fls. 501 a 505, emitindo parecer no sentido favorável ao agir da AT e referindo, designadamente, no seu ponto 13 que “o critério adoptado pela Administração Fiscal para proceder às correcções incidiu apenas sobre a cortiça amadia, por esta representar a quase totalidade das vendas de cortiça. Facto que parece não desfavorecer o contribuinte”;

L) Em 2005.12.16, foi emitida a demonstração de acerto de contas relativa a IRC do exercício de 2002, com saldo a pagar de € 124 732,74 e data limite de pagamento de 2006.01.25 (cf. fls. 514 dos autos);

M) Em 2006.01.25, a Impugnante entregou nos cofres da Fazenda Pública o montante de € 124 732,74, correspondente à liquidação L) (cf. fls. 515 dos autos);

N) Em 2006.04.24, a presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja – cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.

b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.

(…)

2.2. De direito

Tal como resulta das conclusões da alegação de recurso, a primeira questão a decidir consiste em saber se a sentença errou na análise e decisão quanto à não verificação dos pressupostos legalmente exigidos para sustentar a efectivação da liquidação IRC do exercício de 2002, objecto de impugnação judicial, com recurso à aplicação de métodos indirectos.

A sentença recorrida entendeu que tais pressupostos legais não se mostravam reunidos; a Recorrente, Fazenda Pública, entende em sentido contrário.

Antes do mais, importa dizer que precisamente a questão colocada no presente recurso jurisdicional foi já submetida à apreciação deste TCAS, que, por acórdão de 11/06/13, proferido no recurso nº 06357/13 (processo nº 199/06.2 BEBJA), sobre ela se pronunciou. Já antes, aliás, sobre esta mesma questão este TCA se havia pronunciado, no recurso nº 4318/10, por acórdão de 23/03/11, aresto este que, como resulta da sentença recorrida, aí foi seguido na íntegra. Acresce que, recentemente, concretamente em 14/04/15, no recurso nº 06215/12, este TCA voltou a pronunciar-se sobre a questão que ora nos ocupa, aí seguindo de perto o entendimento adoptado no referido acórdão de 11/06/13.

No acórdão de 11/06/13 foi apreciada (com base nos mesmos fundamentos) a legalidade da liquidação de IVA do ano de 2001, sendo certo que a acção inspectiva que deu lugar às liquidações sindicadas é a mesma. De facto, no que a esta questão respeita, apenas separa os dois recursos a natureza do imposto e o período de tributação: aqui, o IRC de 2002; no acórdão proferido no recurso nº 06357/13, o IVA de 2001. É, aliás, praticamente igual o teor das conclusões da alegação, num e noutro recurso.

Assim, sendo certo que o aí decidido se aplica, sem alterações, à situação sub judice passaremos a seguir, transcrevendo, o que ficou plasmado no referido acórdão, em ordem a decidir sobre a (i)legalidade do recurso à avaliação por métodos indirectos.

“(…)

Nas suas alegações, a Recorrente aponta que a AT provou a verificação dos pressupostos legais e vinculativos da sua atuação, de forma objetiva e racional, cumprindo com as regras de repartição do ónus da prova em sede de Direito tributário, uma vez que além de detalhadamente explanados no Relatório de Inspeção, aqueles pressupostos encontram-se ainda objetivamente comprovados nos documentos anexos ao Relatório, sendo que não subsiste qualquer dúvida, nem quanto aos factos, nem quanto à respetiva fundamentação, que impusesse à Administração Tributária que se abstivesse de atuar como atuou, além de que o perito independente veio concordar “com a posição e respetivos cálculos efetuados pela Administração Fiscal”, subscrevendo as correções efetuadas pela Administração Tributária e constantes do Relatório de Inspeção.

A Recorrida elabora mensalmente inventários relativos às existências de todos os produtos e procede ao registo contabilístico desses dados, por se tornarem úteis para a prossecução e gestão da sua atividade, pelo que, não se vislumbra qualquer impedimento à utilização daqueles elementos por parte da Administração Tributária, por se revelarem igualmente úteis para a mesma e ao assumir em sede de exercício do direito de audição prévia que os dados colocados à disposição da Administração Tributária são “deliberadamente rudimentares”, a Recorrida parece pretender retirar utilidade àqueles elementos contabilísticos, demonstrando aliás, que está em contradição com o que se considera serem as boas práticas contabilísticas e ao assumir que a sua contabilidade é rudimentar a Recorrida vai de encontro aos fundamentos da Administração Tributária para recorrer à avaliação da matéria tributável por métodos indiretos, sendo que no Relatório de Inspeção verificamos que se encontram descritos, de forma clara, objetiva e fundamentada, os critérios de cálculo das correções técnicas e das correções presumidas efetuadas aos lucros tributáveis, estas com recurso à aplicação dos métodos indiretos, verificando-se que quanto aos factos e pressupostos que serviram de base à fixação do lucro tributável em sede de IVA, a Administração Tributária cumpriu com o dever de fundamentação legalmente imposto, nos termos do Artigo 77.º da LGT e do Artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), uma vez que o Relatório de Inspeção vem enumerar de forma especificada, clara e congruente aqueles factos e o documento que titula a liquidação de juros compensatórios encontra-se devidamente fundamentado, indicando o valor base sobre o qual incidem os juros, a taxa aplicável, o período de tributação e o valor consequentemente liquidado, conforme exigido pelo n.º 9 do Artigo 35.º da LGT, o que significa que a fundamentação cumpre os requisitos legais e jurisprudenciais exigíveis, pelo que, não padecendo de qualquer vício, é totalmente improcedente a pretensão de anulação da liquidação de juros compensatórios.

Pois bem, em matéria de métodos indirectos, importa notar que os contribuintes são, sobretudo por razões de praticabilidade, investidos numa série de deveres de cooperação que vêm substituir, em grande medida, a actividade que antes cabia à Administração fiscal desempenhar. Os contribuintes deixaram de estar simplesmente obrigados à prestação pecuniária do imposto. Antes, estes apenas pagavam o imposto; agora, declaram os factos que estão na base dos impostos, e muitas vezes procedem automaticamente ao seu pagamento.

Os tais deveres declarativos têm uma estrutura e intensidade diferentes dependendo do tipo de impostos em causa. Como é natural, os sistemas têm evoluído não só para a atribuição de deveres de cooperação cada vez mais intensos em impostos sobre o consumo (IVA e IECs, mas também Imposto do Selo), como para intensificação dos deveres de cooperação nos tradicionais impostos sobre o rendimento. Tal deve-se, entre outras coisas, ao alargamento objectivo e subjectivo da base tributária (base universal de contribuintes, conceitos sintéticos de rendimento) e ao avanço tecnológico que permite formas de declaração e de controlo mais eficientes.

No que respeita às sociedades comerciais e à tributação do seu rendimento, o fundamental dos deveres declarativos consiste na manutenção de contabilidade organizada, como manda o artigo 98.º do Código do IRC. “É o mais importante dos deveres de cooperação dos sujeitos passivos do imposto e também aquele que vai servir de base, integrar e completar as declarações tributárias” - Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária - Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa (Lisboa 2000), pág. 252.

A principal consequência do estabelecimento de um regime como este é, claro, a atribuição de um determinado valor jurídico às declarações e à contabilidade apresentada pelos sujeitos passivos. Ao tornar obrigatórios certos comportamentos das sociedades e ao fazer deles depender exclusivamente a normal determinação do imposto a pagar, o ordenamento jurídico-tributário está a acolher esses registos e a transformá-los em actos juridicamente relevantes.

É neste contexto que se deve ler o disposto no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, que estabelece no seu n.º 1 que se presumem “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”. Estamos perante uma presunção de veracidade que abrange não apenas as declarações apresentadas regularmente como toda a escrita das sociedades, quando organizada de acordo com a lei.

O princípio da veracidade da escrita representa, no fundo, a moeda de troca relativamente aos deveres de cooperação a que a lei obriga os sujeitos passivos. Se, por um lado, estes últimos estão sujeitos a regras estritas na organização da sua contabilidade e assumem parte das funções que em princípio caberiam (e que historicamente cabiam) à Administração fiscal, por outro, o Fisco fica adstrito a considerar verdadeiras as declarações e a escrita do contribuinte, a menos que consiga provar que a presunção legal não se verifica no caso em concreto. Esta presunção de veracidade é completada com as normas sobre o ónus da prova que dispõem que, em caso de litígio e nos casos de avaliação directa, é ao Fisco que cabe o papel de provar que os dados fornecidos pelo sujeito passivo não reflectem a realidade.

A presunção de veracidade dos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo não é, obviamente, tão ampla que abarque todo e qualquer dado apresentado pelo contribuinte, independentemente do seu conteúdo. A prová-lo, temos, desde logo, o facto de só abranger as declarações “apresentadas nos termos previstos na lei” (art. 75º nº 1 da LGT) e a contabilidade ou escrita “organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” (art. 75º nº 1 da LGT, in fine).

Fora os pressupostos referidos para uma contabilidade ser considerada credível - que são aspectos respeitantes à organização formal da escrita -, a LGT restringe o valor probatório da contabilidade enunciando no artigo 75.º, n.º 2, expressa e taxativamente, as hipóteses em que a Administração fiscal pode considerar que não se verifica a presunção de veracidade da escrita. Assim sendo, a presunção de veracidade cessa apenas e só nos casos em que os dados apresentados não revelam a realidade patrimonial do sujeito passivo (alínea a)), o contribuinte não esclarece, ilegitimamente, a sua situação tributária (alínea b)), ou a matéria apresentada for, sem justificação, significativamente inferior aos “indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica” (alínea c)).

Avançando, diga-se que o artigo 104.º da Constituição da República Português estabelece afirmar um princípio geral estruturante no que toca aos impostos sobre o rendimento: o da tributação segundo a capacidade contributiva.

Tal como refere Xavier de Basto, “o princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, FISCALIDADE, 5 (2001), 9, “tributar o rendimento real significa atingir a matéria tributável realmente auferida pelo sujeito passivo”. Independentemente do método utilizado para apurar o seu montante - o qual pode pender mais para a atribuição de deveres de cooperação ao contribuinte ou, em alternativa, para a atribuição de poderes à Administração Fiscal -, a tributação do lucro real onera os ganhos efectivamente obtidos pela sociedade tal como revelados na contabilidade.

A tributação do lucro real pode depender mais ou menos da conduta dos sujeitos passivos, consoante o apuramento do rendimento efectivamente auferido dependa mais ou menos do cumprimento de deveres de cooperação e o apuramento normal e comum do lucro real das sociedades em Portugal se faz com recurso ao cumprimento dos deveres de cooperação dessas mesmas sociedades, maxime a declaração e a contabilidade organizada.

A LGT consagra a avaliação directa da matéria tributável como a regra e a avaliação indirecta como a excepção. A “avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação” (artigo 83.º, n.º 1 da LGT), e é da competência, nos casos de autoliquidação, do sujeito passivo (artigo 82.º, n.º 1, in fine, da LGT). A avaliação indirecta visa a “determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha” (artigo 83.º, n.º 2 da LGT) e “é subsidiária da avaliação directa” (artigo 85.º, n.º 1 da LGT). Quando se recorra à avaliação indirecta, esta deve basear-se em “critérios objectivos” (artigo 84.º, n.º 1 da LGT) e deve seguir, em regra, as “regras da avaliação directa” (artigo 85.º, n.º 2 da LGT).

A Administração tributária apenas pode recorrer à avaliação indirecta “nos casos e condições expressamente previstos na lei” (artigo 81.º, n.º 1, in fine, da LGT). A lei concretiza este preceito dizendo expressamente no artigo 87.º que “a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de”:

a) Regime simplificado de tributação;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

c) Desvio de indicadores de actividade;

d) Discrepância, em sede de IRS, entre rendimentos declarados e manifestações de fortuna;

e) Resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais injustificados durante três anos consecutivos;

f) Divergências não justificadas entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.

O caso da al. a) é diferente dos outros todos: ele limita-se a dizer que, nos casos de regimes simplificados de tributação, a avaliação é indirecta, baseando-se, por exemplo, numa estandardização dos custos dedutíveis (continuando nos actuais regimes simplificados a haver uma avaliação directa dos proveitos), por razões de simplicidade aplicáveis a um grupo de contribuintes com um menor volume de rendimento e que tendencialmente sub-declarava esses rendimentos.

Nas alíneas d) e f), temos normas claramente destinadas a combater a fraude e evasão fiscal. O sistema cria nestas alíneas uma arma para tributar os rendimentos que os contribuintes não declaram e dos quais os únicos indícios encontrados não dizem respeito à sua percepção mas a actos de consumo em que se materializam. Ou seja, o legislador permite que se imputem rendimentos encontrados por meio de avaliação indirecta que o contribuinte não declarou e cuja origem não justificou.

Nas alíneas c) e e), temos uma situação diferente da anterior. Aqui, o contribuinte não evidencia um consumo excessivo em relação aos proveitos justificados, mas apresenta resultados que o legislador considera serem anormais, justificando-se, por isso, a aplicação dos métodos indiciários para a sua correcção.

Na alínea b), contudo, está um caso diferente: aqui, a avaliação indirecta resulta da “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”. Porém, este artigo nada nos esclarece quanto às eventuais causas da impossibilidade de comprovação ou quantificação directa e exacta.

Estas causas, encontramo-las apenas no artigo 88.º da LGT, que elenca:

a) A inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos, ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição, ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos;

c) Existência de diversas contabilidades com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária;

d) Discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, ou existência de factos demonstrativos de uma capacidade contributiva maior do que a declarada.

Na al. a) do artigo 88.º encontramos duas situações de configuração e gravidade diferentes, sendo que mais grave é a inexistência de contabilidade prevista na primeira parte da alínea, pois que se uma empresa não possui contabilidade (voluntária ou casualmente), não se deve duvidar de que a sua matéria tributável deve ser fixada por métodos indirectos, pois é esta a única maneira de ser tributada.

Na mesma alínea deparamos ainda com os casos de insuficiência de elementos de contabilidade ou da declaração, ou de irregularidades na escrita.

A partir daqui, cabe sublinhar que com o recurso a métodos indirectos, como metodologia alternativa no apuramento da matéria tributável dos contribuintes, o legislador pretendeu obstar que os contribuintes, por circunstâncias que lhes sejam imputáveis e que se traduzam na violação do seu dever de cooperação para com a AT, de lhe revelarem, legal e adequadamente, os elementos relevantes ao apuramento dos seus rendimentos tributáveis, se eximam ao pagamento dos impostos devidos.

Mas porque assim é e porque tal metodologia é, por natureza, meramente aproximativa da realidade acontecida, ela é apenas utilizada de forma residual, e quando não seja possível obter os valores reais por outra via ou, como doutrina o Prof. S. Sanches, a metodologia indiciária, porque «marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação, tem de se conservar como a ultima ratio fisci.».

Isto é, sempre que esteja em causa, apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas.

Ou seja, o pressuposto inultrapassável para que a AF, vinculadamente, lance mão de uma ou de outra de tais metodologias, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos, - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente -, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que «[…] em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência […] Cfr. o Prof. Castro Mendes, in “O Conceito de Prova em Processo Civil”, 1961, 176.

» , se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.

Neste domínio, e com referência à matéria dos autos, a decisão recorrida acompanhou a análise vertida no âmbito do Ac. deste Tribunal de 23-03-2011, Proc. nº 04318/10 (ainda inédito), onde se ponderou:

“…

Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AF uma vez que nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário ,-onde , há luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e , da consequente , oficiosidade de investigação e indagação das provas , não há uma particular incumbência de provar , por parte de quem quer que seja , sem embargo de , pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes não possa deixar de desfavorecer quem com ela estava onerado-, é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação , designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo , por contrapartida , “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto , quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”.
Cfr. Ac. de 02.06.18 , Rec. nº. 6.388/02

/ , sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente à maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária” , 305..

E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte.

Contudo o que se vem de dizer não esgota o tema relativo aos princípios que regem o regime jurídico da avaliação indirecta, particularmente no que concerne ao ónus que vincula a AT.

Isto porque, em sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta; Na realidade, o ónus que impende sobre a AF, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.

Na realidade e como já acima se teve oportunidade de referir, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbitos nacionais que revistam, casuísticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.

Apelando, à jurisprudência deste TribunalCfr. Ac. de 02.06.18 , Rec. nº. 6.388/02.

/ Ainda que por reporte ao aludido art.º 81.º do CPT , mas , como decorre do que acima se mencionou , com aplicabilidade ao preceituado no art.º 84.º/3 da LGT.

“... cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].

Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.

A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.” (sublinhados da nossa responsabilidade), e que, acrescentamos agora, que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.

Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.

Ora, no caso que aqui nos ocupa, não só a recorrente esgrime com quebras do produto, decorrente de factores climatéricos, como, mais do que isso, a própria AT, admite a existência de tais quebras; O que ela contesta é que, como considerou ser pretensão da impugnante, os diferenciais de quantidades de arrobas encontrados pela acção inspectiva possam ser explicados apenas com as referidas quebras.

E tanto assim é, que, desde logo, o autor do relatório, pronunciando-se sobre tal questão, em face do exercício do direito de audição, refere que lhe pareceu que, no entender da recorrente “[…] toda e qualquer diferença que a contabilidade possa reflectir estará a coberto do efeito de factores naturais, Naturalmente que não podemos aceitar esta teoria. Será que a exponente não considera relevante haver diferenças na ordem das 18.000 arrobas?”- cfr. fls. 302.

E, na mesma linha, a perita da AT, em sede de revisão, não deixou de admitir aceitar quebras, sendo que se não afigura relevante a circunstância de o ter feito na tentativa de se chegar acordo, já que não deixa de admitir a ocorrência das mesmas, não tendo, em circunstância alguma, a AF, contestado a existência de quebras no produto em causa – cortiça -, invocada pela recorrente.

Antes, o que se afigura ter de concluir do afirmado no citado local do relatório (fls. 302), é que, sendo um factor a considerar as quebras do produto, o qual, no entanto, não foi tido em conta pela acção inspectiva, ainda assim o seu autor pretende suprimir tal omissão com o facto de as arrobas tributadas terem ascendido a 11.714, ou seja, uma quantidade manifestamente inferior àquela a que chegou no novo cálculo a que procedeu do primeiro cenário postulado para aferir do teste de coerência das quantidades vendidas, na quantidade de 17.809 arrobas, ou, como melhor decorre das suas próprias palavras, “[Nessa linha de pensamento] pode a exponente considerar que a Administração Tributária ao tributar 11.714 das 18.557 arrobas, já está a assumir uma eventual quebra de stock”.

Ora tem-se por manifestamente ilegítimo este tipo de entendimento, porque o mesmo não deixa de consubstanciar, na realidade, a não ponderação, na correcção operada, do factor referente a quebras do produto, importando, forçosamente, a conclusão de que matéria colectável presumida não repousa, como devido, em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, como se dá conta naquele citado aresto deste tribunal, o que não deixa, por isso e também, de se traduzir num erro nos pressupostos de facto na quantificação que veio a ser concretizada pela AT.

E tanto basta para se concluir pela ilegalidade dos actos tributários finais de liquidação de imposto o que, por si só, acarreta, forçosamente, a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios igualmente sindicadas. …”.

Ora, o que aqui vem transcrito aplica-se integralmente à liquidação adicional de IRC (e juros compensatórios), na medida em que a mesma decorre da aplicação de métodos indirectos. Aqui, como ali, há que concluir pela ilegalidade da liquidação com recurso à avaliação indirecta, importando não esquecer que, como já dissemos, quer o IVA de 2001, quer o IRC do exercício de 2002, decorrem de situações enquadradas no âmbito da mesma inspecção, o que significa que a situação em apreço apresenta o mesmo quadro fáctico de referência em termos essenciais, não podendo acolher-se a proposta de análise apresentada pela Recorrente com referência à situação descrita nos autos. Significa isto, portanto, que a sentença recorrida procedeu a uma correcta aplicação do direito à factualidade apurada, impondo-se a sua confirmação.

Por conseguinte, e quanto à questão que vínhamos analisando, há que concluir pela improcedência das conclusões (1ª a 7ª) da alegação de recurso, mantendo-se a sentença recorrida na medida em que aí se decidiu pela ilegalidade da liquidação de imposto e juros compensatórios, em resultado da não verificação dos pressupostos legais que permitiam à AT lançar mão de métodos indirectos.


*

Passemos, seguidamente, à segunda questão que nos ocupa, a saber: se as correcções técnicas efectuadas se mostram conforme ao artigo 23º do CIRC; a Recorrente entende que os custos desconsiderados não se mostram imprescindíveis para a realização dos proveitos. Com efeito, defende a Fazenda Pública que “no que respeita às correções técnicas efetuadas ao abrigo do disposto no Artigo 63.º, n.º 8, alínea c) do CIRC e atendendo a que parte substancial das despesas ali inerentes tem como origem documentos emitidos em nome de terceiros, não se encontra preenchido o ónus de prova da sua conexão e imprescindibilidade com a realização dos proveitos, motivo pelo qual não foram aceites como custos fiscais para efeitos do disposto no Artigo 23.º do CIRC”.

Vejamos.

Na p.i de impugnação judicial, a impugnante suscitava três questões que, em rigor, foram inicialmente autonomizadas na sentença recorrida: a ilegalidade da aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria colectável (i); a ilegalidade das correcções técnicas (ii); a falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios (iii).

A primeira questão foi apreciada e decidida nos termos que ficaram supra transcritos, ou seja, o TAF de Beja decidiu que era ilegal a liquidação (de imposto e juros) baseada na avaliação indirecta.

Ora, na sentença recorrida, para além daquele trecho que supra se deixou transcrito (repete-se, relativo à aplicação de métodos indirectos), diz-se apenas o que se segue (sem prejuízo da análise quanto ao direito a juros indemnizatórios, apreciação que neste momento não nos ocupa):

“Deste modo fica precludido desde já a necessidade de uma decisão que tenha em conta o motivo limite desta impugnação, i. é, se seriam admissíveis as correcções técnicas no sentido do apuramento da matéria tributável, não vai, no entanto sem se dizer que também sobre esse ponto de vista a Impugnante poderia ter razão, em face do sincretismo do relatório.

Interpretando o parágrafo que deixámos transcrito, pode dizer-se que, não obstante lacónico, ele reflecte um julgamento do Tribunal a quo relativamente às demais questões que se colocavam na impugnação judicial, para além, claro está, da que se reportava à aplicação de métodos indirectos. E tal julgamento (certo ou errado, para o caso não releva) consiste no entendimento segundo o qual, em face do decidido quanto à avaliação indirecta, ficava precludida a apreciação das restantes questões. Isto mesmo se retira do emprego da expressão fica precludido desde já a necessidade de uma decisão que tenha em conta o motivo limite desta impugnação, i. é, se seriam admissíveis as correcções técnicas e, bem assim, do facto de o parágrafo reproduzido se apresentar formulado no condicional (poderia) – não vai, no entanto sem se dizer que também sobre esse ponto de vista a Impugnante poderia ter razão, em face do sincretismo do relatório - daí resultando a ideia de que se Tribunal tivesse que decidir as questões reconheceria razão à Impugnante (o que, no caso, não teve que apreciar, face precisamente à circunstância de ter sido entendido que o conhecimento das mesmas ficava prejudicado).

Isto dito, vejamos.

Lido o teor integral do recurso jurisdicional, constata-se que não há, por parte da Recorrente, um ataque a este juízo de preclusão, ou seja, não foi apontado qualquer erro de julgamento ao assim decidido pelo Tribunal a quo. Tal significa, como veremos seguidamente, que, nesta parte, o recurso está condenado ao insucesso.

Com efeito, como diz ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, pág. 357., no recurso o recorrente está obrigado “a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância com o julgado, ou melhor os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecia”. Daí que nas alegações e respectivas conclusões o recorrente deva especificar os fundamentos por que discorda da decisão recorrida e pretende a revogação do que ficou decidido; é, aliás, o que resulta do (anterior) artigo 685º-A, do CPC.

Por conseguinte, se a Recorrente se limitou, como ocorre, a reproduzir os fundamentos das correcções efectuadas, tal como constam do relatório de inspecção, há que concluir que não ataca a sentença recorrida (concretamente aquele juízo de preclusão do conhecimento das demais questões colocadas ao Tribunal), mas apenas a pretensão inicialmente formulada pela impugnante (que, de resto, não foi contestada em 1ª instância).

A entender-se assim, a conclusão vinda de analisar terá necessariamente de improceder.


*

E o raciocínio e conclusão a que chegámos nos parágrafos precedentes vale integralmente para responder às conclusões 9ª e 10ª, pois que aquele raciocínio de preclusão do conhecimento não pode deixar de incluir a questão dos juros compensatórios, pois que a ilegalidade destes surge como consequência da ilegalidade do imposto liquidado cujo atraso (na liquidação) os juros visam compensar. Note-se que a sentença recorrida, a final, julgou a impugnação procedente e anulou a liquidação impugnada (o que corresponde ao adicionalmente liquidado de imposto e juros compensatórios).

Termos em que, reiterando o que atrás foi dito e sem necessidade de outras considerações, improcedem as conclusões 9ª e 10ª da alegação de recurso.

Em face do exposto, e julgando totalmente improcedentes as conclusões das alegações do recurso interposto pela Recorrente, negar-se-á se provimento ao mesmo, mantendo-se a sentença recorrida.


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3 – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18 de Junho de 2015


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Anabela Russo)