Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1415/09.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
REVERSÃO;
CULPA.
Sumário:1. Nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, é sobre o gerente contra quem reverteu a execução fiscal que recai o ónus de alegar e demonstrar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.
2. Esse ónus probatório só se alcança mediante prova positiva e concludente, sendo que qualquer situação de dúvida decide-se contra a parte onerada com a prova, no caso, os oponentes revertidos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por J............... e J............... à execução fiscal n.º .............. e apensos, contra eles revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “L............, Lda.” por dívidas de IVA de 2003 e IRC de 2006, perfazendo a quantia exequenda de 7.678,04 Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.248).

O Recorrente termina as alegações com as seguintes e doutas conclusões:
«
I. O presente recurso reage contra a douta decisão que julgou procedente a Oposição Judicial deduzida por J............ e J..............., no processo supra identificado, e que relativamente a eles julgou extinto o processo de execução fiscal nº .............. e aps instaurado contra a sociedade devedora originária “L………, Lda, para cobrança de dívida exequenda referente a IVA de 2003 e IRC de 2006, por entender que estes lograram provar que não foi por sua culpa que o património da sociedade se tornou insuficiente para satisfação do crédito tributário.
II. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida quando se convence julgando por provado que não foi por culpa dos ora Oponentes que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação do crédito fiscal, incorrendo em erro de julgamento, em virtude, por um lado, da residual prova realizada nos autos cujo ónus recaía sobre os Oponentes, por outro lado, da má apreciação dos elementos carreados documentais e testemunhal, mas, sobretudo da má apreciação jurídica dos factos que à luz da experiência comum suportaram a sua decisão, designadamente, da falta de culpa dos Oponentes
III. Resulta da factualidade assente que a dívida exequenda, no valor de € 7.678,04, refere-se a dívidas de IVA de 2003 e IRC de 2006
IV. Cuidava-se, pois, ao tribunal a quo determinar se os mesmos lograram ilidir a presunção de culpa que decorre da alínea b), do referido art. 24º da LGT, mediante o cumprimento do ónus que sobre os mesmos recai de provar que não foi pela sua atuação, dolosa ou negligente (irreleva para efeitos fiscais a sua intensidade), que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação do crédito fiscal.
V. Em termos documentais, foram estes os elementos carrados para os autos:
- 1 cópia do balancete do razão e do balancete de contabilidade geral, ambos referentes a 2002
- 1 cópia de contrato de factoring reportado a 1998
- 3 certidões de execuções comuns
- Ofício do solicitador de execução, com data de 13.01.2006, em sede do processo de execução comum n.º 7962/03.4TBCSC, que correu termos no 3.º Juízo Competência Cível – Execução Comum, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, interposto pela sociedade M………., S.A, tendo como valor de execução € 695.045,50.
VI. Relativamente ao período 2003/2006 não foi levado ao probatório um único elemento documental a partir do qual fosse dada a possibilidade ao tribunal a quo de fazer uma apreciação crítica sobre aquele que foi a conduta da gerência por parte dos Oponentes na defesa dos interesses da devedora originária à luz do padrão da culpa que lhes é imputável nem sobre a situação económica da devedora originária.
VII. Não foi apresentada a contabilidade fidedigna pelos Oponentes devidamente suportada nos documentos que a acompanham, que, aliás, em termos de boa prática exige pelo menos três exercícios, permitindo retirar um filme sobre aquela que foi a gestão dos seus corpos diretivos ou sobre os motivos que atentaram na saúde financeira da sociedade.
VIII. Os balancetes apresentados (que nem contemporâneos são da gerência onde a dívida tributária se produziu pois que se referem apenas a 2002), por si só, pouco ou nada nos dizem e o que dizem como iremos ver deixam no ar interrogações que no âmbito da persuasão indiciam a culpa dos Oponentes.
IX. Não se alcança da prova como foi possível dar-se por provado que os Oponentes encetaram todas as diligências (ou sequer aquelas) que entenderam possíveis para regularizar a situação da sociedade
X. Sem os extratos das contas 11 (caixa) e 12 – (bancos) pelo menos dos exercícios de 2003 a 2006 não é possível fazer um juízo que conclua pela falta de liquidez da devedora originária
XI. O tribunal a quo dar por provada a existência de suprimentos feitos pelos sócios sem a documentação de suporte dessas inscrições contabilísticas e sem a contabilidade dos exercícios da dívida, pois que quem nos garante que em 2003 ou 2004 ou 2005 ou 2006 a sociedade não devolveu o montante registado a título de suprimentos em 2002 aos sócios em detrimento do pagamento à Administração Fiscal?
XII. A sociedade em Dezembro de 2002 e não obstante a alegada dificuldade de tesouraria ou os atrasos nos pagamentos dos municípios, tinha reservas acumuladas no montante de € 16.589,87. Só tem reservas quem tem lucros, pelo que, tendo em conta que a quantia exequenda referente à dívida de IVA de 2003 se situa no montante de € 6.162,53, o que impediu a gerência de a pagar?
XIII. Não foi junta qualquer tipo de prova, documental que fosse, revelando séria intenção em promover a cobrança das quantias devidas à sociedade, como sejam, interpelações aos clientes por correio registo no sentido de pagar os créditos havidos sobre estes e não foi junta qualquer tipo de prova, documental que fosse, que permitisse revelar uma intenção séria em angariar novos clientes.
XIV. A apresentação de 3 inexpressivas ações judiciais de cobrança de créditos num universo de 345 clientes registados no balancete não nos dar nenhuma ideia de que tudo foi feito em termos de comportamento no sentido de reaver os créditos junto da clientela.
XV. Perante o facto provado G que (processo no 3º Juízo Competência Cível, processo nº 7962/03.4TBCSC que correu termos uma ação de execução interposta pela sociedade M............, S.A. com um valor de execução na ordem de quase € 700.000,00, enquanto cliente, contra a devedora originária os ora Oponentes, enquanto legais representantes desta última, durante todo este período e perante o valor em causa tinham de ponderar a hipótese de levar a sociedade à insolvência protegendo-a dos credores.
XVI. Se o crédito era muitíssimo mais elevado que a dívida tributária porque não foi negociado um novo contrato de factoring no período da dívida? Não há evidência demonstrada desse facto.
XVII. Os conhecimentos que a testemunha afirma ter dos factos, se é que é possível afirmar que os tem directamente face ao modo e ao lugar em que desempenhou funções, está balizado entre 2002 e 2004. A partir de 2005, 2006 (período da dívida de IRC) e seguintes não tem sequer contacto com a devedora originária
XVIII. A testemunha afirma que houve um período, em ou a partir de 2003, em que se limitou eventualmente a assinar a escrita para efeitos de responsabilidade técnica (nem isso referiu) mas sem que a tenha elaborado ou executado a contabilidade da empresa. Se efetivamente não a elaborou obviamente não estava por dentro da sua realidade da devedora originária pois que essa tarefa cabia ao sócio, como afirmou.
XIX. Se a acordada divisão da clientela tem por objetivo precisamente permitir que cada um dos TOCs acompanhe os clientes que lhe foram destinados é absurdo depois responder que isso não o impedia de acompanhar. Se afirma que tinha um gabinete de contabilidade e se não decorre do seu depoimento que trabalhasse nas instalações da sociedade temos de concluir que - não tem conhecimento direto da sua actividade, do seu dia-a-dia, da atuação concreta e circunstanciada dos seus gerentes.
XX. A falta de predisposição dos Oponentes em termos de comportamento processual para virem juntar prova cabal é confirmada pela última tentativa dada pelo tribunal nesse particular – não aproveitada
XXI. Ainda que a culpa seja um elemento subjetivo da responsabilidade, ao douto tribunal a quo o que se exige é que decidida objetivamente em função da prova realizada
XXII. Conclui-se ainda que os elementos probatórios são em termos documentais parcos e insípidos, e se o único testemunho provém desde logo de alguém cuja razão de ciência o impede de conhecer diretamente factos pois que não presta serviço nas instalações da sociedade, se se intitula em 2003 um TOC de direito (ou seja sem acompanhamento da cliente), se em 2005 já nem exercia funções nessa qualidade, se reconhece que os factos foram-lhe transmitidos pelos gerentes, se não concretiza nem circunstancia factos no seu relato, se tem dúvidas e usa o tempo decorrido para afirmar que não se recorda dos mesmos - então temos de concluir que mais do que a falta de objetividade e credibilidade, o que há é completa ausência de conhecimento dos factos.
XXIII. Sendo transversal a tudo quanto vamos afirmar infra, que não foi apresentada a contabilidade da devedora originária relativamente aos períodos que vão de 2003 a 2006, que a contabilidade referente a 2002 não veio acompanhada dos devidos elementos de suporte por forma a perceber em que medida os alegados suprimentos constituíram um ato de regulariza a situação patrimonial da devedora originária, que em momento algum foi alegado sequer provado pelos Oponentes toda uma conduta pro ativa no sentido de tudo fazer para regularizar a situação da sociedade; que a mera apresentação de 3 ações de execução sobre devedores referente a dívidas inclusivamente
anteriores ao período em causa não transmite num universo generoso da clientela (345) e de tantos outros atos de gestão que se exigia tivessem sido tomados e que não foram (interpelações, iniciativa no sentido de levar a sociedade à insolvência) não exprime toda uma conduta de defesa do interesse societário; que fica por esclarecer o motivo pelo qual existindo reservas as mesmas não foram utilizadas para pagar o crédito da Fazenda Pública, que o depoimento de 1 testemunha prestado sem a necessária razão de ciência, sem conhecimento direto dos factos e sem credibilidade, e, que o comportamento processual dos Oponentes ao longo da presente contenda sem se mostrou adverso a tomar a iniciativa de fazer prova de que não foi pela sua atuação que a sociedade deixou de ter património para pagar a dívida tributária.
XXIV. Toda a motivação de facto expendida na sentença recorrida não tem aderência aos elementos produzidos nos autos.
XXV. Não podia a sentença recorrida infirmar a ideia de que os mesmos tudo fizeram para regularizar a situação patrimonial da sociedade, o que significa desde logo que manifestamente os Oponentes não lograram driblar a presunção de culpa que sobre eles recai neste particular, nos termos do art. 24º, nº 1, alínea b), do CPPT.
XXVI. Dir-se-á ainda que cumpre
- Por um lado, afastada a prova testemunhal pelas razões já aduzidas e revelando a cópia do balancete geral que, afinal, os clientes não eram exclusivamente município e entidades públicas – suprimir o facto dado por provado em C).
- Perante o insipiente depoimento prestado pela testemunha, inexistindo uma divisão lógica sequer do que cada um dos Oponentes fez ou não naquelas funções, decorrendo do balancete geral que a conta referente ao factoring se mostra saldada, e que o que há é um contrato datado de 1998 não é possível a partir destas evidências retirar-se a conclusão de que os sócios gerentes tentaram aumentar a liquidez da empresa mediante suprimentos e contractos de factoring - suprimir o facto dado por provado em D).
XXVII. Incorreu a douta sentença recorrida nos seguintes erros de julgamento:
- ter dado por provado os factos B); C); e D) suportados, por um lado, num depoimento sem virtude probatória face ao que afirmámos no § 84º e sem prova documental bastante, por outro, que permita apurar a conduta e apreciar a responsabilidade dos seus assumidos gerentes.
- ter dado por provados factos assentes em parcos e dispersos elementos documentais assente em prova testemunhal inapta do ponto de vista probatório - colidindo com a jurisprudência vazada do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul proferida em 29-05-2007, no processo 1462/06.
- Manifesta contradição na motivação de facto pois que julga erroneamente credível e convincente um depoimento sobre o qual se desconhece as razões de ciência e que não ousa concretizar factos circunstanciados, datas e valores relativamente a uma questão que contendendo com a culpa presumida exige a enunciação e prova de elementos concretos
- Finalmente, incorreta apreciação jurídica sobre o padrão a que recorreu para aferir do juízo de censura que se presume, e, que reduzido á enunciação da inexpressiva apresentação de 3 ações judiciais, dado por provado em E), ainda assim, não permite que se infirme a ideia de uma conduta que lograsse ilidir a presunção de culpa legalmente prevista.
XXVIII. Apontados os mencionados erros de julgamento decorrentes da má valoração da prova; dos factos dados por assentes enunciados supra perante a ausência da prova produzida nos autos e de incorreta apreciação jurídica do padrão que determina o juízo de culpa, mostram-se violadas as seguintes disposições legais - art. 24º, nº 1, alínea b), do CPPT (por não ter si produzida prova que lograsse ilidir a presunção de culpa) e art. 74º, nº 1, da LGT e 352º do CC.
Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue improcedente a presente Oposição Judicial. V/Exas porém, melhor ponderando não deixarão de fazer a justiça que o caso exige.».

O Recorrido J............ apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
Cumpre, pois, concluir:
1. Resulta da matéria de facto provada, que na base das dificuldades financeiras da sociedade devedora originária estão os longos atrasos no pagamento das facturas que as clientes daquela – Autarquias Locais e Juntas de Freguesia.
2. A devedora originária, através do Recorrido lutava, ano após ano, para pagar as dívidas já vencidas, imputando assim os valores que iam sendo recebidos, a pouco e pouco, ao pagamento das dívidas – nomeadamente fiscais e de segurança social – de períodos anteriores, relativamente às quais não tinha sido possível à devedora originária pagar em tempo, por falta de liquidez decorrente da não cobrança da maior parte das facturas.
3. As dificuldades financeiras da devedora originária coincidiram com o aumento gradual dos períodos de mora por parte das autarquias locais, os quais no ano de 2002 assumiam já proporções insuportáveis para aquela.
4. Sendo que muitos dos valores em causa nunca chegaram a ser recebidos pela devedora originária, o que demonstra que alguns dos créditos sobre as suas clientes persistem ainda nos dias de hoje no activo daquela sociedade.
5. Não pode ser desconsiderado – para efeitos de valoração do elemento subjectivo (Culpa) dos ora Oponentes - todos os esforços efectuados pelos mesmos para o cumprimento das dívidas fiscais da devedora originária enquanto o circunstancialismo imposto pela crescente mora dos clientes da sociedade arguida ia “sufocando” a capacidade financeira desta.
6. Tendo em conta as referidas dificuldades de subsistência financeira da devedora originária – devida aos recorrentes atrasos de pagamento das facturas vencidas por parte das autarquias locais - desde sempre os ora Oponentes, na qualidade de gerentes da devedora originária aderiram a diversos Planos de regularização de dívidas junto da Administração Fiscal, nomeadamente, a título de exemplo, o «Plano Mateus».
7. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o Recorrente alegou e provou factos concretos de onde se pode inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas.
8. O Recorrido provou que encetou todas as diligências que entendeu possíveis para regularizar a situação da sociedade, quer através de recurso a mecanismos de aumento de liquidez, mediante suprimentos e contratos de factoring, quer quanto a diligências de cobrança do alto valor de créditos junto de clientes, na sua maioria entidades públicas, através de contactos pessoas e até mesmo de acções judiciais.
9. O Recorrido demonstrou, ainda, que os seus principais clientes eram entidades públicas, na sua maioria municípios, que pagavam muito tarde, com prazos de pagamento muito dilatados, factor que condicionava fortemente a tesouraria da empresa.
10. O Recorrido alegou e demonstrou que não há qualquer nexo de causalidade entre o incumprimento verificado, a insuficiência da devedora originária e a sua actuação, antes pelo contrário, que face a esse comportamento dos seus clientes, entidades públicas (repete-se Autarquias Locais e Juntas de Freguesia), que colocaram em risco a sua actividade e sobre o qual detinha um crédito muitíssimo mais elevado que o valor em dívida, recorreram a Tribunal no sentido de o recuperar, o que, em diversos casos não foi possível alcançar.
11. O Recorrente provou, não obstante as dificuldades de provar um facto negativo, que não foi por acção ou omissão do cumprimento dos seus deveres funcionais, tal como plasmados no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que a devedora originária ficou numa situação de insuficiência patrimonial.
12. Nada mais era possível exigir ao Recorrente que colocou todos os seus esforços, e afectou todo o património social e património pessoal (!) no sentido de tentar fazer face às contingências fiscais.
13. O Recorrente demonstrou ter feito TODAS as diligências que estavam ao seu alcance para regularizar a situação tributária da devedora originária, tendo afectado inclusive o seu património pessoal à regularização das dívidas da devedora originária.
14. Presumem-se verdadeiras e de boa-fé os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sendo que o Recorrente sempre actuou pró-activamente com a AT no sentido de regularizar a situação tributária da devedora originária, conforme demonstram as inúmeras tentativas do Recorrido de ceder os créditos que a devedora originária detinha sobre autoridades públicas a favor da AT.
15. É manifestamente ofensivo e atentatório da boa-fé processual, a tentativa que a AT faz no sentido de colocar em causa a fidedignidade e presunção de boa-fé da contabilidade da devedora originária.
16. A douta sentença recorrida, ao ter julgado a acção procedente, fez uma correcta análise da prova produzida e aplicou correctamente o Direito aos factos provados.
Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirmada a douta sentença recorrida.»

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deverá improceder, devendo manter-se o julgado, por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe são imputados.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que os oponentes lograram provar que não lhes é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
III.1. DE FACTO
Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal encontram-se
assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:
A) . A 07.10.1998 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a constituição da sociedade “L............, LDA.”, nipc ........... tendo como gerente, entre outros [não controvertido, ver despacho de reversão].
B) . Nos anos de 2002 e seguinte a sociedade devedora originária apresentava no balancete no seu activo valores elevados de créditos sobre clientes, com saldo a 31.12.2002 de €1.042.646,40 [cf. cópia do balancete do razão a fls. 30 dos autos, corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal].
C) . Os clientes identificados no ponto anterior eram, quase exclusivamente, municípios e entidades públicas [cf. cópia do balancete de contabilidade geral a fls. 32 a 40 dos autos, corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal].
D) . Os sócios gerentes da devedora originária tentaram aumentar a liquidez da empresa
mediante suprimentos e contratos de factoring [cf. cópia do balancete de contabilidade geral a fls. 32 a 40 dos autos, e cópia de contrato de factoring a fls. 52 a 60 corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal].
E) . Pela sociedade devedora originária foram interpostas acções judiciais com vista à execução de quantias em divida pelos clientes [cf. certidões de execuções comuns a fls.,
160 a 162 dos autos].
F) . Ao longo dos anos de 2005 e 2006 foi pela AT efectuadas diligências no sentido de
penhorar créditos que a sociedade devedora originária detinha junto de Municípios, tendo o valor penhorado sido aplicado em diversos processos de execução fiscal, que não o dos presentes autos [cf. informação prestada pelo órgão de execução fiscal a fls. 153vv e 154 dos autos].
G) . Com data de 13.01.2006, em sede do processo n.º 7962/03.4TBCSC, que correu termos no 3.º Juízo Competência Cível – Execução Comum, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, foi por solicitador de execução remetida citação dirigida à Autoridade Tributária e Aduaneira, para que reclamasse créditos em processo de execução comum interposta pela sociedade M..........., S.A, pelo valor de €406.432,88 [cf. cópia do ofício a fls. 49 dos autos].
H) . Em sede do processo de execução identificado no ponto anterior foi possível recuperar créditos no valor de €284.198,57, referentes a clientes de diversas Camaras Municipais [cf. certidão a fls. 163 a 171 dos autos].
I) . A 23.06.2007 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ..............,
contra a sociedade “L............, LDA.”, nipc ..........., ao qual foram
apensados os seguintes processos:
i) n.º ..........., no valor de €6.162,53, referente a dívida de IVA do ano
de 2003;
ii) n.º ..........., no valor de €1.515,51, referente a dívida de IRC do ano
de 2006.
[cf. capa e certidões de dívidas dos PEFs mencionados].
J) . Através dos ofícios do Serviço de Finanças de Cascais 2, de 11.03.2009, foram os Oponentes notificados para o exercício de audição prévia, em sede de preparação do processo de execução fiscal n.º .............. e apensos para reversão [cf. cópia dos ofícios a fls. 110 a 119 do PEF em apenso].
K) . A 02.04.2009 foi o Oponente J............... citado, por reversão, em sede do processo de execução fiscal n.º .............. e apensos, pelo valor de €7.678,04, e acrescido, constando do mesmo a seguinte menção: “[f]undamentação da reversão: Pelos factos constantes no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT, art.º 23.º e 24.º da LGT, certidões de divida e certidão da CRC” [cf. cópia do ofício e aviso de recepção assinado constante de fls. 125 a 129 do PEF em apenso].
L) . A 06.04.2009 foi o Oponente J............ citado, por reversão, em sede do processo de execução fiscal n.º .............. e apensos, pelo valor de
€7.678,04, e acrescido, constando do mesmo a seguinte menção: “[f]undamentação da reversão: Pelos factos constantes no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT, art.º 23.º e 24.º da LGT, certidões de divida e certidão da CRC” [cf. cópia do ofício e aviso de recepção assinado constante de fls. 120 a 124 do PEF em apenso].
M) . A 04.05.2009 foi pelos Oponente remetida via postal a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. informação dos CTT a fls. 82 do PEF em apenso].
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
*
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes
autos e no processo instrutor, não impugnados, bem como da prova testemunhal produzida, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Pelo tribunal foram ouvidas a testemunha A..........., técnico oficial de contas da sociedade devedora originária à data dos factos, que prestou depoimento convincente e credível, demonstrando ter conhecimento directo dos factos relativamente aos quais depôs, identificados nas alíneas do probatório.».

Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC, alteram-se os seguintes pontos de facto, por ser o que evidencia a prova, a propósito indicada:
A) A 07.10.1998 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a constituição da sociedade “L............, LDA.”, nipc ........... tendo como gerentes, entre outros, os oponentes [não controvertido, ver despacho de reversão].

C) Os clientes identificados no antecedente ponto B) eram, na sua maioria, autarquias locais e entidades públicas [cf. cópia do balancete de contabilidade geral a fls. 32 a 40 dos autos, corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal].
D) Os sócios gerentes da devedora originária fizeram suprimentos à sociedade – reflectidos no balancete do razão, referenciado à data de 31/12/2002, pelo montante de 67.187,69€ – e celebraram contrato de factoring, em 09/11/1998 (cf. fls.30/31 e 52, respectivamente, balancete do razão e contrato);
E) Pela devedora originária foram interpostas três acções executivas com vista à recuperação de créditos no período de 2003 a 2005 visando a recuperação de créditos nos montantes respectivos de 12.199,95€, 631,99€ e 45.942,78€, conforme certidões judiciais a fls.161, 162 e 163 dos autos.
G) Com data de 13.01.2006, em sede do processo n.º 7962/03.4TBCSC, que correu termos no 3.º Juízo Competência Cível – Execução Comum, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, foi por solicitador de execução remetida citação dirigida à Autoridade Tributária e Aduaneira, para que reclamasse créditos em processo de execução comum interposto pela sociedade M..........., S.A, para cobrança da quantia de 695.045,50€, mais informando da penhora, nessa execução, de créditos no valor de €406.432,88 [cf. cópia do ofício a fls. 49 dos autos].
H) Em sede do processo de execução comum identificado no anterior ponto G) foram dados à penhora e recuperados créditos no valor de 406.432,88€, nos quais se incluem penhoras de créditos da executada (L..........., Lda.) sobre diversas Câmaras Municipais, suas clientes, no valor de 284.198,57€ [cf. certidões judiciais a fls. 163 a 171 dos autos].

I) . A 23.06.2007 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ..............,
contra a sociedade “L............, LDA.”, nipc ..........., ao qual foram apensados os seguintes processos:
i) n.º ..........., no valor de €6.162,53, referente a dívida de IVA do ano de 2003, com prazo de pagamento voluntário até 31/01/2008;
ii) n.º ..........., no valor de €1.515,51, referente a dívida de IRC do ano de 2006, com prazo de pagamento voluntário até 03/07/2008.
[cf. capas do PEF e certidões de dívidas, a fls.93 a 104 e 108/109 do PEF].

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende o recorrente que deveriam ser eliminados os pontos C) e D) da matéria assente.

No entanto, tais pontos de facto já foram alterados pelo tribunal no sentido propugnado pelo recorrente, em resultado da reapreciação da globalidade da prova produzida.

É, pois, com o alterado probatório que prosseguimos na apreciação das demais questões do recurso, que se reconduz a indagar se a factualidade dos autos suporta a conclusão de que os oponentes, ora recorridos, lograram demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias não resulta de culpa sua, no quadro do ónus da prova a que estão legalmente obrigados.

Em cobrança estão dívidas provenientes de IVA/2003 e IRC/2006.

À responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos, aplica-se o regime decorrente do artigo 24.º da LGT, por ser este o regime que vigorava à data de constituição das dívidas – nesse sentido pode ver-se o acórdão do STA de 29/06/2011, tirado no proc.º0368/11: «A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos».

O artigo 24.º da LGT estabelece o seguinte:

«1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, no regime em causa, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, facto este que no caso em apreço não é controvertido.

A alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação, que é a dos autos, em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança.

E, nestes casos, e como resulta da expressão “quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores, ou seja, como se refere no acórdão do STA de 29/09/2009, proferido no proc.º0498/10, «…no caso da alínea b), constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente ou administrador, não sendo aquela satisfeita, cabe àqueles provar que a falta de pagamento não lhes é imputável, podendo, nomeadamente, provar que os gerentes ou administradores que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida praticaram actos lesivos do património da executada que impedem o pagamento por falta das verbas necessárias».

Ou seja, quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. “Esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art. 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (cf. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” – nesse sentido pode ver-se o acórdão deste TCAN, de 29/10/2009, tirado no proc.º 00228/07.2.BEBRG.

Como se escreveu no Ac. deste tribunal de 11/04/2019, tirado no proc.º2259/12.1BELRS, «A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).» (fim de citação).

Tendo em conta o regime legal aplicável e os considerandos feitos, importa agora apurar se os gerentes/oponentes e ora Recorridos lograram demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias não lhes é imputável.

Na sentença recorrida, ponderou-se, nomeadamente e, a propósito, o seguinte:

«Pelos Oponentes foi provado que encetaram todas as diligências que entenderam possíveis para regularizar a situação da sociedade, quer através de recurso a mecanismos de aumento de liquidez, mediante suprimentos e contratos de factoring, quer quanto a diligências de cobrança do alto valor de créditos junto de clientes, na sua maioria entidades públicas, através de contactos pessoas e até mesmo de acções judiciais [cf. alíneas C), D), E) dos factos assentes].
Pelos Oponentes foi igualmente demonstrado que os seus principais clientes eram entidades públicas, na sua maioria municípios, que pagavam muito tarde, com prazos de pagamento muito dilatados, factor que condicionava fortemente a tesouraria da empresa.
Ou seja, os Oponentes alegaram e demonstraram que não há qualquer nexo de causalidade entre o incumprimento verificado, a insuficiência da devedora originária e a sua actuação, antes pelo contrário, que face a esse comportamento dos seus clientes, entidades públicas, que colocaram em risco a sua actividade e sobre o qual detinha um crédito muitíssimo mais elevado que o valor em dívida, recorreram a Tribunal no sentido de o recuperar, o que, em diversos casos não foi possível alcançar.
Por conseguinte, importa concluir que os Oponentes lograram provar que não foi por acção ou omissão do cumprimento dos seus deveres funcionais, tal como plasmados no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que a devedora originária ficou numa situação de insuficiência patrimonial, razão pela qual deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada a argumentação invocada pelos Oponentes quanto à sua ilegitimidade enquanto responsáveis subsidiários, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.».

Alega o Recorrente que o juízo formulado na sentença quanto à ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias se apoia em factos que se devidamente contextualizados levariam a extrair diferente conclusão.

Aponta o Recorrente que o contrato de factoring – cuja finalidade é converter créditos em liquidez – foi celebrado em 1998, não podendo dizer-se que foi uma actuação de resposta à situação financeira da sociedade à data das dívidas (2003 e 2006); e fica por explicar por que não foi possível recorrer ao factoring como modo de converter em liquidez, no todo ou em parte, os créditos no valor de €1.042.646,40 reflectidos no balancete do razão reportado à data de 31/12/2002 (cf. ponto B) do probatório).

Mais, não resultam especificadas que diligências extrajudiciais foram empreendidas visando a recuperação dos créditos da sociedade e apenas se demonstra que foi tentada judicialmente a recuperação de créditos em três únicos casos e por valores pouco expressivos: 12.199,95€, 631,99€ e 45.942,78€.

Por outro lado, o balancete do razão não é um indicador de liquidez e, nessa medida, ignora-se a posição da tesouraria à data do pagamento das dívidas, como também não se sabe se os alegados suprimentos teriam sido entretanto, à data das dívidas tributárias, restituídos aos sócios.

Acresce que se a sociedade acumulava créditos de clientes, também ia acumulando dívidas a fornecedores e prestadores, como o demonstra a acção executiva contra si movida em 2003 pela “M..........., S.A.”, para cobrança da quantia de € 695.045,50, sendo que foram penhorados na execução comum créditos da sociedade devedora originária insuficientes para o pagamento.

Estas chamadas de atenção do recorrente para a fragilidade dos factos, que ressuma do probatório numa leitura contextualizada e que não foram adequadamente valorados na sentença recorrida, não são de molde a poder afirmar-se o afastamento da culpa dos oponentes na falta de pagamento ou entrega dos impostos e que a situação é imputável unicamente a atrasos reiterados nos pagamentos por parte de entidades públicas, que eram os principais, mas não exclusivos, clientes da sociedade devedora originária.

Até porque correspondendo o atraso nos pagamentos por parte de entidade públicas a uma situação reiterada e sendo esses os seus principais clientes, caberia aos gerentes da sociedade devedora originária acautelar e assegurar o equilíbrio da tesouraria, de modo a prevenir o incumprimento de dívidas ao Fisco e a fornecedores e prestadores, não se sabendo o que de concreto e decisivo fizeram os oponentes a esse respeito, para mais se tratando (o atraso nos pagamentos dos clientes públicos) de uma situação calculável, não fortuita ou inesperada, logo susceptível de ser perspectivada e adequadamente gerida.

Mas, o que sobremaneira se revela decisivo na apreciação da prova, é que os elementos factuais apresentados pelos oponentes [relatos financeiros da sociedade devedora originária (2002), suprimentos dos sócios à mesma ali reflectidos, o contrato de factoring (1998), diligências judiciais para cobrança de dívidas de clientes (2003/2004/2005), Acção Executiva Comum intentada contra a devedora originária (2003)], se reportam todos a datas muito anteriores à do pagamento voluntário das dívidas exequendas de IVA e IRC, respectivamente, 31/01/2008 e 03/07/2008, como se alcança das certidões de dívida referidas no ponto I) do alterado probatório.

Ou seja, os factos constantes do probatório não são suficientes para se poder afirmar que os oponentes lograram ilidir a presunção legal de culpa na falta de pagamento das dívidas que sobre si impende, mediante prova positiva e concludente, sendo que resultando dos factos uma situação de dúvida decide-se contra a parte onerada com a prova, no caso os revertidos oponentes.

A sentença incorreu em erro de julgamento ao valorar diferentemente os factos e concluir pela ilegitimidade substantiva dos oponentes para a execução, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição improcedente.

Condena-se os Recorridos em custas (só o recorrido J............ contra-alegou).

Lisboa, 03 de Dezembro de 2020

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina Flora].

Vital Lopes