Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1593/18.1BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:03/07/2019
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:CITAÇÃO POR ANÚNCIO.
CONTRAINTERESSADOS.
Sumário:
O formalismo da citação dos contrainteressados, previsto nos números 5 e 7 do art.º 81.º do CPTA, impõe, para além da publicitação do anúncio, a entrega de uma cópia da p.i. e dos documentos que a acompanhem aos contrainteressados que, como tal, se tenham constituído nos autos.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

Nuno ………………....…………. contrainteressado, vem interpor recurso do despacho datado de 31/10/2018, que decidiu julgar improcedentes as nulidades que o ora Recorrente aponta à citação.
Alega, em síntese, que, na sequência da publicação do Anúncio de citação emitido em cumprimento dos artigos 81.º, nºs 5, 6 e 7 e 99.º, n.º 5, alíneas a) e c), ambos do CPTA, foi aos autos constituir-se como contrainteressado, mas que não foi posteriormente citado através de “carta registada com AR, nos termos do disposto nos art.s 225.º, 227.º e 228.º do CPC”, pelo que, não tendo recebido a petição inicial, ficou impedido de apresentar Contestação. Defende que a citação é nula por força do estatuído no art.º 188.º, al. c) e 191.º, ambos do CPC.
Apresentou as seguintes conclusões de recurso:
“1. O tribunal a quo decidiu que, nos termos do art. 81º n.°s 5 e 7 do CPTA, no âmbito do procedimento de massas, é possível citar um contrainteressado com a mera publicação de anúncio.
2. Sucede que, o anúncio previsto no art. 81° n.º 5 do CPTA serve apenas para “promover a citação” sendo que, depois dessa fase, e de acordo com o n.° 7 do mesmo artigo, a secretaria tem que efectuar a citação a todos os que tenham informado no processo que se constituem contrainteressados, nos termos do disposto do CPC, aplicável por força do art. 1° do CPTA.
3. O legislador nos n.°s 5 e 7 do art. 81° do CPTA não refere que os contrainteressados consideram-se citados no anúncio.
4. Se fosse correcta a interpretação do Tribunal recorrido, o legislador tinha escrito no n.° 7 do art. 81° do CPTA “na hipótese prevista no n.° 5, os contrainteressados que como tais se tenham constituido consideram-se citados...” em vez de “na hipótese prevista no n.° 5, os contrainteressados que como tais se tenham constituído são citados...”.
5. Há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital, conforme dispõe a alínea c) do art. 188° do CPC e é nula a citação quando não haja sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei, nos termos do n.° 1 do art. 191° do CPC.
6. In casu, o Recorrente não foi citado, por carta registada com AR, com a petição inicial o que impede o exercício efectivo do seu Direito de Defesa já que não é possível contestar uma acção que se desconhece.
7. A utilização do “anúncio” a considerar “automaticamente” citado o contrainteressado no termo do prazo dos 10 dias, que tinha para se constituir como contrainteressado, e a informar que tem 20 dias para contestar uma acção, sem fornecer ao Recorrente a petição inicial do autor, consubstancia um acto nulo, por violar o disposto 225°, 227°, 228° do CPC.
8. A interpretação do Tribunal recorrido viola também o nº 5 do art. 20º da CRP porque o juiz tem que cumprir o Princípio do Contraditório, nos termos do n.º 3 do art. 3.º do CPC;
9. E viola o Princípio da Confiança, previsto no art. 2° da CRP, uma vez que a confiança dos cidadãos na ordem jurídica e na actuação do Estado implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, pelo que se o n.° 7 do art. 81° do CPTA refere que os contrainteressados que como tal se tenham constituído são citados, têm que ser cumpridas as regras da citação previstas no CPC, ou seja tem que ser efectuada a citação por carta registada com AR.
10. Pelo que, o despacho recorrido encontra-se ferido de ilegalidade e inconstitucionalidade por violação dos art.s 81° n.°s 5 e 7, art.s 225°, 227°, 228° do CPC; art.s 2° e 20° n.° 5 da CRP, devendo, por essa razão, ser revogado.”.

Cumpre, assim, decidir se o despacho recorrido sofre do erro de direito que lhe é imputado e se é de determinar a citação do Recorrente nos termos por ele defendidos.
*

Fundamentação.
De facto.
Com interesse para a decisão do recurso, provam os autos que:
a) Em 07/09/2018, foi elaborado Anúncio de citação, em que, entre o mais, se refere:
“(…)
FAZ SABER que, nos autos de Contencioso dos Procedimentos de Massa, pendentes na 1ª Unidade Orgânica deste Tribunal, sob o n.º 1593/18.1 BELSB, em que é Autor Eduardo .................................. e Entidade Demandada o Ministério da Justiça, são os interessados abaixo indicados CITADOS, nos termos dos art.ºs 81.º, n.ºs 5, 6 e 7, e 99.º, n.º 5, alíneas a) e c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), para, no prazo de 10 (dez) DIAS, se constituírem como contra-interessados no processo acima identificado, cujos pedidos consistem no seguinte:
(…)
Expirado o prazo de 10 dias acima referido, os contra-interessados que como tais se tenham constituído, consideram-se CITADOS para, no prazo de 20 DIAS, contestarem a acção acima referenciada, pelos fundamentos constantes da petição inicial, nos termos do artigo 81.º, n.º 7, aplicável ex vi artigo 97.º, n.º 1, alínea b), e artigo 99.º, n.º 5, alínea a), do CPTA. (…)” – cfr. fls. 2;
b) Em 01/10/2018, o Recorrente apresentou requerimento a constituir-se como contrainteressado nos autos – cfr. fls. 4;
c) Em 19/10/2018 o Recorrente foi aos autos arguir a nulidade da citação, alegando, em síntese, que ficou impossibilitado de contestar a acção por não lhe ter sido remetida a P.I. através de “carta registada com AR, nos termos do disposto nos art.s 225.º, 227.º e 228.º do CPC” – cfr. fls. 8;
d) Em 31/10/2018 foi proferido despacho que julgou improcedente a nulidade deduzida, nos seguintes termos;
“(…)
Antes de mais, cumpre referir que estamos no âmbito do contencioso dos procedimentos de massa, regulado nos artigos 97º e 99º do CPTA, que tem como especificidade o facto de ter mais de 50 participantes no procedimento.
(…)
Como bem explicitam Aroso de Almeida/Fernandes Cadilha (in Cometário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª edição, Almedina, págs. 597 a 599): “A citação por anúncio (…) é uma concretização do princípio de agilização processual. O objectivo é evitar a demora que poderia derivar dos incidentes processuais que a citação pessoal poderia suscitar, e, em especial, dar resposta aos casos em que se verifique (…) impossibilidade prática de efectuar a citação por via postal, por se tratar de processos em que haja um grande número de interessados com direito de intervenção.”
Em especial, sobre o referido nº 5, acrescentam: “A citação pela forma prevista neste preceito acarreta como consequência imediata a obrigação, por parte do citando, de vir declarar ao processo (…) que pretende intervir como contra-interessado. Por sua vez, o prazo para contestar (…), começa a correr simultaneamente, para todos os contra-interessados que tenham manifestado tal intenção, a partir do termo daquele prazo (nº 7). Ao contrário do que sucede na situação similar prevista no CPC para a citação edital por incerteza de lugar ou das pessoas (cfr. artigos 240º a 243º do CPC), este artigo 82º não fixa qualquer dilação, pelo que a citação considera-se feita, com as consequências anteriormente expostas, no dia em que for publicado o anúncio”.
Resulta, desde logo, do exposto que a publicação do anúncio consubstancia e efectiva a citação dos contra-interessados, tanto para se constituírem como tal nos autos, como para contestarem.
Tal constatação obriga a concluir, desde já, que não tem razão o Contra-interessado quando refere que no CPTA não está prevista a forma de citação dos contra-interessados e que teria que ser citado nos termos previstos no CPC (por registo postal).
De facto, é o próprio CPTA que determina a forma de citação aplicável nestes casos, ou seja, mediante anúncio, com todas as virtualidades que lhe são reconhecidas (maxime economia de recursos, agilização processual, concessão de prazo simultâneo para contestar). Não se verifica, pois, qualquer necessidade de recurso ao CPC, para determinar a forma de citação em causa.
Por conseguinte, incorre igualmente em erro o Contra-interessado quando considera que foi indevidamente empregue a citação edital, arguindo a falta de citação ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 188º do CPC.
In casu, não foi (nem poderia ter sido) empregue a “citação edital”, prevista no CPC, mas apenas e só – tal como foi ordenada – a citação por publicação de anúncio, especificamente regulada nos nº 5 a 7 do artigo 81º do CPTA.
Como resulta das anotações supra, trata-se de uma situação similar à citação edital, mas que com ela não se confunde (já que as finalidades, o regime, os efeitos, a contagem de prazos são diferentes).
Assim, não se tratando de uma citação edital, não é possível concluir que a mesma tenha sido indevidamente empregue.
Dúvidas não restam de que o anúncio publicado nos autos é a forma legal de citação dos contra-interessados (incluindo para contestarem), especificamente prevista no artigo 81º do CPTA, não se suscitando sequer a possibilidade de convocação do CPC para determinar qualquer outra forma de citação.
Não resulta, portanto, comprovada a falta de citação invocada.
Relativamente à invocada violação do artigo 227º do CPC (sob a epígrafe “elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando”) – através do qual vem arguida nulidade ao abrigo do artigo 191º do mesmo diploma –, também não assiste razão ao Contra-interessado.
Como resulta do já exposto, a citação por anúncio encontra o seu regime específico no CPTA (que acresce e não se confunde com as formas de citação previstas no CPC).
Quanto muito, e para efeitos de integração de lacunas, a citação em causa é assimilada à citação edital prevista no CPC (como se conclui, aliás, na anotação supra), donde, os elementos a transmitir ao citando se encontram previstos no artigo 241º do CPC, e não no invocado artigo 227º.
Em anotação ao artigo 241º, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (in Código Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 472) esclarecem: “O nº1 adapta a norma do artigo 227º às exigências decorrentes da forma de citação edital, que não se compadece com a entrega do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a tenham acompanhado, os quais ficarão à disposição do citando na secretaria judicial”.
Com efeito, não tinha o Contra-interessado que ser citado nem por via postal, nem tinha que lhe ser remetida a petição inicial e documentos, os quais, em todo o caso, estavam à sua disposição (e dos demais contra-interessados) na secretaria deste Tribunal.
Não se demonstram, portanto, preteridas quaisquer formalidades, nem tão pouco violadas as normas legais invocadas pelo Contra-interessado, por não terem aplicação ao caso.
Ora, verificando-se que o anúncio publicado nos presentes autos (registo nº 007729460 no SITAF):
-Procedeu, além da advertência para a constituição dos contra-interessados, à respectiva citação para contestar, nos termos do artigo 81º, nºs 5 e 7, do CPTA;

-Integra, mutatis mutandis, os elementos necessários e previstos no artigo 241º do CPC;

- Cumpriu a sua finalidade, (…)”. – fls. 17 do SITAF.

**

Direito
A interpretação da lei obedece aos critérios gerais que constam do art.º 9.º do CC.
Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1995, a págs. 189 e 190 ensina, a propósito da interpretação da lei, que:
A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso". Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar.
III - Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do art. 9.º, 3, o intérprete presumirá que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo.
IV - Desde logo, o mesmo n.º 3 destaca outra presunção: "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas".
Este n.º 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagra as soluções mais acertadas (mais correctas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correcta. Este modelo reveste-se claramente de características objectivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorrecto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstracto: sábio, previdente, racional e justo. Só que não convém exagerar a tónica objectivista, pois já vimos ser ponto assente que a nossa lei não tomou partido entre as duas correntes (a subjectivista e a objectivista).


Menezes Cordeiro, no “Tratado de Direito Civil I”, Almedina, 4ª ed. reformulada e atualizada, a págs. 698 e segs., refere que “o intérprete-aplicador não pode afastar-se da letra da lei sem ter razões bastantes: tal o sentido do art.º 9.º/3, in fine, quando diz que o intérprete deve presumir que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; o intérprete, ao desviar-se da letra da lei, não pode ir tão longe que chegue a um resultado (artigo 9.º/2) (…) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”. No mesmo sentido, veja-se ainda Oliveira Ascensão, in “O Direito Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 3ª ed., pág. 312.

Estatui o art.º 81.º do CPTA, nos seus números 5 e 7, na actual redacção, que lhe foi atribuída pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro:
“(…)
5 - Nos processos em que haja contrainteressados em número superior a 10, o juiz, sem prejuízo de outros meios de publicitação, pode promover a respetiva citação mediante a publicação de anúncio, com a advertência de que os interessados dispõem do prazo de 15 dias para se constituírem como contrainteressados no processo.
(…)
7 - Na hipótese prevista no n.º 5, os contrainteressados que como tais se tenham constituído são citados para contestarem no prazo previsto no artigo seguinte.”

De acordo com o elemento literal da interpretação, há que concluir que o formalismo da citação por Anúncio previsto nos números 5 e 7 do art.º 81.º do CPTA, impõe que, num primeiro momento, se proceda à publicitação do Anúncio e, posteriormente, se “citem” os contrainteressados que, como tal, se tenham constituído nos autos, o que significa que e de acordo com o disposto no art.º 227.º do CPC, aplicável por força do art.º 1.º do CPTA, deve entregar-se-lhes uma cópia da p.i. e dos documentos que a acompanhem.
É esse o sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico no suposto (…) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”- cfr. Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1995, págs. 182.

O elemento histórico da interpretação também aponta no mesmo sentido.
O art.º 82.º do CPTA, na redacção anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, estatuía nos seus números 1 e 4 o seguinte:
1 - Quando os contra-interessados sejam em número superior a 20, o tribunal pode promover a respectiva citação mediante a publicação de anúncio, com a advertência de que os interessados dispõem do prazo de 15 dias para se constituírem como contra-interessados no processo.
(...)
4 - Uma vez expirado o prazo previsto no n.º 1, os contra-interessados que como tais se tenham constituído consideram-se citados para contestar no prazo de 30 dias.”

Ou seja, à luz destas normas, os contrainteressados que se tivessem constituído como tais no processo, consideravam-se citados assim que decorresse o prazo de 15 dias previsto no n.º 1.
Donde se conclui que houve uma alteração do formalismo legalmente previsto para a citação por Anúncio, pois, como se viu, o n.º 7 do art.º 81.º do CPTA, na redacção actualmente em vigor, passou a determinar que os contrainteressados que, na sequência da publicação do Anúncio, se tiverem constituído como tais nos autos, devem ser “…citados para contestarem…”.

Quanto ao elemento teleológico da interpretação e conforme é referido no douto despacho recorrido, citando Aroso de Almeida/Fernandes Cadilha (in Cometário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª edição, Almedina, págs. 597 a 599), o objectivo da citação por anúncio (…) é uma concretização do princípio de agilização processual. O objectivo é evitar a demora que poderia derivar dos incidentes processuais que a citação pessoal poderia suscitar, e, em especial, dar resposta aos casos em que se verifique (…) impossibilidade prática de efectuar a citação por via postal, por se tratar de processos em que haja um grande número de interessados com direito de intervenção.”
É certo que a tutela dos interesses de agilização e celeridade processuais saí reforçada no âmbito de um regime de citação que, como o consagrado anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, considerava que os contrainteressados se tinham por citados assim que tivesse decorrido o prazo de quinze dias para se constituírem nessa qualidade no processo.
No entanto, tais interesses, não deixam de ser prosseguidos no âmbito do regime de citação actualmente em vigor, em que se impõe, para além da publicitação do Anúncio (em que se procede à citação de todos os contrainteressados para se virem constituir como tais nos autos), o posteriormente envio da petição inicial e dos documentos que a acompanhem aos contrainteressados que tenham vindo aos autos.
Em tal situação, o tribunal conhece já o concreto universo das pessoas que se constituíram como contrainteressadas e tem os elementos necessários (e actualizados) para proceder ao envio da p.i., sendo certo que o pode fazer na mesma data, potenciando, assim, a possibilidade de apenas vir a existir um prazo de contestação.
Por último, há que considerar que é através da citação que se faculta o exercício do contraditório, pelo que a interpretação das normas que a disciplinam não pode deixar de considerar o sentido que, no âmbito do sistema jurídico, melhor satisfaça aquela função e que é o que impõe a entrega da p.i. e dos documentos que a acompanham aos contrainteressados que, como tal, se tenham constituído no processo.
Em face do exposto e porque o intérprete deve presumir que o legislador “(…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º/3 do CC) e ainda que, ao desviar-se da letra da lei, não pode ir tão longe que chegue a um resultado “(…) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9.º/2 do CC), há que concluir que, por força do estatuído nos números 5 e 7 do art.º 81.º do CPTA, a citação por anúncio exige, para além da publicitação deste, um acto posterior que a complemente, em que se remeta aos contrainteressados que, como tal, se tenham constituído nos autos, uma cópia da p.i. e dos documentos que a acompanham (art.º 227.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA).
No presente caso foi publicado o Anúncio de citação dos contrainteressados, mas não se procedeu à remessa da p.i. e dos documentos que a acompanham ao Recorrente, nem sequer se advertiram os contrainteressados de que os duplicados da P.I. se encontravam à sua disposição na Secretaria judicial, pelo que a citação do Recorrente é nula, nos termos do estatuído no n.º 1 do art.º 191.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
A nulidade do indicado acto de citação implica a repetição do mesmo. Assim, deve-se proceder à citação do Recorrente, remetendo ao mesmo a cópia da P.I. e dos documentos que a acompanhem, a fim deste, querendo e no prazo legal, apresentar a respectiva Contestação, anulando-se os actos subsequentes que dependam em absoluto da citação ora declarada nula, nos termos do art.º 195 do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.

Decisão
Face ao exposto, julga-se procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida e determina-se a repetição da citação, nos termos do acima decidido.

Sem custas, por nenhuma das partes ter ficado vencida – art.º 527.º do CPC.

Lisboa, 7 de Março de 2019



____________________________

Jorge Pelicano

____________________________

Cristina dos Santos

___________________________
Sofia David