Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2091/16.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator: VITAL LOPES
Descritores:IRS; RETENÇÃO NA FONTE; OBRIGAÇÃO DE RETENÇÃO; CESSÃO DE CRÉDITOS; DAÇÃO EM CUMPRIMENTO; ERRO DE JULGAMENTO.
Sumário:1. Se a fundamentação das correcções operadas pela AT e que determinaram as liquidações adicionais impugnadas, exprime, em termos claros, suficientes, congruentes e inteligíveis, o critério legal e a motivação das mesmas, fica cumprida a dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade de tais actos tributários e não ocorre insuficiência de fundamentação.
2. A dação em cumprimento, ainda que a prestação extintiva seja de valor superior ao do crédito extinto, não consubstancia uma operação de cessão de créditos, nos termos previstos no n.º 9 do art.º 5.º do CIRS.
Se a obrigação de retenção assenta na caracterização da situação jurídica como negócio de cessão de créditos (art.º.71/1/b) CIRS), enferma de erro nos pressupostos a subsequente liquidação da dívida tributária, por substituição tributária, na esfera do credor que se exonerou do seu crédito por dação em cumprimento
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

P(...) CARTÕES DE DESCONTO, S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS – Retenções na Fonte, Categoria E, n.ºs 201664 10000051, 201664 10000052 e 201664 10000056, dos anos de 2011, 2012 e 2013, respectivamente, no valor total de 410.407,73 euros.

A Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
1. A impugnante impugnou nos termos do artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), as liquidações de IRS, Retenções na Fonte – Categoria E, n.ºs 201664 10000051, 201664 10000052 e 20166410000056, dos anos de 2011, 2012 e 2013 respetivamente, no valor total de € 410.407,73 por considerar que as mesmas padecem de violação de lei.

2. Na douta sentença do TT de Lisboa julgou-se a ação improcedente porque sancionando o entendimento da AT considerou-se que num contrato de cessão de créditos o valor para mais em relação ao preço dos créditos cedidos, que o cessionário aufira, é um rendimento do cessionário, enquadrável na categoria E - rendimento de capitais - nos termos do n.º 1 do artigo 5º do CIRS, razão pela qual a cedente estava obrigada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 101,º e 71º do CIRS a proceder à retenção na fonte a titulo definitivo, não o tendo feito é devedora dos impostos respetivos.

3. Na douta sentença, para além do contrato de cessão de créditos, descurou-se por completo o contrato de prestação de serviços que teve na génese da obrigação e da consequente entrega por parte da impugnante, do valor dos créditos cedidos, sendo que se este tivesse sido levado em consideração, ter-se chegado a conclusão diversa, como se verá nas conclusões infra.

4. Em primeiro lugar as liquidações operadas são nulas porque, não se encontram devidamente fundamentadas, e isto porque se omitiu totalmente a razão pela qual se desconsiderou a qualificação dos rendimentos noutra categoria, e tendo sido feito a integração do rendimento por inclusão na categoria a que se refere o n.º 1 do artigo 5º do CIRS residual, a AT estaria obrigada, na fundamentação das liquidações que realizou, a justificar a razão do não enquadramento nessas outras categorias, para além da inclusão na categoria E residual, a que se refere o n.º 1 do artigo 5º do CIRS.

5. Por outro lado, não existia obrigação da impugnante em proceder a retenção na fonte nos termos do artigo 101.º do CIRS desde logo porque, na sequência do contrato de cessão de créditos, cedeu os créditos, recebeu o preço devido, e deixou de ser devedora de qualquer rendimento que tenha de pagar aos cessionários, sujeitos pessoas singulares, gerador da obrigação de retenção na fonte.

6. Apenas são sujeitos da obrigação de retenção na fonte nos termos do artigo 101º do CIRS as entidades devedoras de rendimentos e, a impugnante, no âmbito do contrato de cessão de créditos, nunca foi e não se tornou devedora de qualquer rendimento aos cessionários.

7. Não sendo o cedente responsável, a qualquer titulo, pelo crédito cedido ao cessionário, não se lhe pode assacar a natureza de devedora de rendimento, a gerar a consequente obrigação de retenção na fonte.

8. As entregas de dinheiro que a impugnante fez aos cessionários, resultam das obrigações assumidas no contrato de prestação de serviços de cobrança que foi celebrado, o qual e as quais não geram uma obrigação de retenção na fonte nos termos do artigo 101.º do CIRS.

9. A obrigação da impugnante era a mesma da que impende sobre uma outra qualquer empresa de prestação de serviços de cobrança e ou de um mandatário judicial, encarregue de proceder à cobrança de um crédito a pedido de um seu cliente, o qual não é devedor de qualquer rendimento, o que não gera a obrigação de retenção na fonte, nos termos do artigo 101.º do CIRS.

10. Por outro lado quando assim não se entendesse, sempre haverá de se considerar que os rendimentos gerados para os cessionários, resultado da diferença de preço entre o que pagaram efetivamente e o que acabaram por receber, é um preço, não um rendimento de uma operação de financiamento, que resultou de uma estratégia de lucro, o que implica que não devam ser considerados rendimentos de capitais, mas outrossim rendimentos comerciais enquadráveis na categoria B do IRS, a não gerar as liquidações realizadas pela AT.

11. As liquidações são, pois, nulas, devendo o doutamente decidido ser alterado por outra decisão que julgue a impugnação procedente por provada.

O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

O Tribunal “a quo” interpretou o n.º 1 do artigo 5º e o artigo 101.º ambos do CIRS no sentido de por um lado considerar que o valor para mais que num contrato de cessão de créditos o cessionário aufira em relação ao preço que pagou pelos créditos cedidos, é um rendimento enquadrável na categoria residual de rendimentos de capitais - categoria E, e por outro lado, que o cedente, deva ser considerado devedor de um rendimento e por isso sujeito à obrigação de retenção na fonte.

Ambas as normas foram mal interpretadas e aplicadas.

O rendimento auferido pelos cessionários, num contrato de cessão de créditos, que resulta da diferença de preço entre o que pagaram pelos créditos cedidos e o valor que acabaram efetivamente por receber desses mesmos créditos, não é um rendimento de capitais, enquadrável na variável residual da categoria, por ser enquadrável na categoria de rendimentos comerciais, máxime, quando, se estejam perante actos de comércio, como aqueles que resultam da existência de uma estratégia que visa o lucro por parte dos cessionários, razão pela qual, o artigo 5/1º do CIRs foi mal interpretado e aplicado.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 101 do CIRS apenas os devedores de rendimentos estão obrigados a proceder à retenção na fonte, não podendo considerar-se o cedente num contrato de cessão de créditos, cujos créditos cedidos englobam uma carteira indistinta, sem que sequer estejam identificados os seus montantes e sem que se saiba sequer qual o valor que efetivamente virá a ser auferido pelos cessionários, como um rendimento de que o cedente é devedor a fazer funcionar a correlativa obrigação de retenção na fonte, razão pela qual a norma foi mal interpretada e aplicada.

Por fim, deve, pois, o decidido ser alterado por outra decisão que julgue procedente a impugnação.

Mas como sempre V/ Ex.ªs melhor conhecendo o direito farão a já acostumada justiça.».

A Recorrida F.P. não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deve improceder, devendo a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica por não sofrer dos vícios que lhe são imputados.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão central que importa resolver reconduz-se a saber se os fluxos financeiros realizados pela impugnante em benefício dos sujeitos passivos de IRS titulares de créditos cedidos de que a impugnante era devedora, devem ser qualificados como rendimentos de capitais desses beneficiários, sujeitos a retenção na fonte por parte da entidade pagadora, sem olvidar a invocada questão da falta de fundamentação.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO

Na sentença recorrida deixou-se consignado em sede factual:
«
Considero provados, os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

A) A Impugnante P(...)CARTÕES DE DESCONTO, SA, NIF (...) exerce a atividade de “venda de cartões de desconto denominados cartão K(...), a serem usados na aquisição de bens e serviços”- cfr. Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 73 a 126 do processo administrativo tributário;

B) Para o exercício da sua atividade, a P(...) obtinha financiamento através do Banco «C(...) Crédito, SA» - cfr. Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 73 a 126 do processo administrativo tributário;

C) A P(...) tinha uma dívida para com a «C(...) Crédito, SA», no montante de € 1 710 102, 74 - cfr. Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 73 a 126 do processo administrativo tributário;

D) A instituição financeira C(...) requereu a insolvência da P(...)CARTÕES DE DESCONTO, SA, em 05-09-2008 - cfr. Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 73 a 126 do processo administrativo tributário;
E) Em 26-09-2008 foi declarada a insolvência da P(...)CARTÕES DE DESCONTO, SA, ora Impugnante – cfr. Diário da República II Série, n.º 187, de 26-09-2008 em anexo III-1 ao Relatório de Inspeção Tributária;

F) Em 13-08-2008 foi celebrado contrato promessa de cessão de créditos entre o Banco C(...) SA, na qualidade de cedente e a N(...) Investments Limited, T(...) e VICTOR (...), na qualidade de cessionário, nos termos do qual a N(...) e a T(...) pretendem adquirir à C(...) e esta ceder, nos termos deste contrato, o crédito de anulação e crédito de capital que detém sobre a sociedade P(...), COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, SA, que totaliza a quantia de € 2 496 864,86, sendo a quantia de € 816 263,31 decorrente de “anulações/resoluções/nulidades/revogações de contratos de crédito ao consumo destinados a financiar aquisições à P(...) (crédito de anulações) e a quantia de € 1680 601,55 relativa a um contrato de mútuo celebrado entre a C(...) e a P(...) (crédito de capital) – cfr. contrato de promessa de cessão de créditos de fls. 133 a 148 do processo administrativo tributário;

G) Por carta registada com aviso de receção, datada de 20-10-2008, do Banco C(...) dirigida à P(...)Cartões de Desconto, SA, com o “Assunto: Cessão de Créditos”, a ora Impugnante foi notificada que “(…) os créditos titulados pela confissão de dívida relativa a anulações, resoluções, nulidades ou revogações de contratos de crédito ao consumo identificados na listagem anexa, efectuadas até 29 de Julho de 2008 (exclusive) no valor de 816 263,31 € (…), bem como parte dos créditos do contrato de mútuo celebrado em 31 de Dezembro de 2007, no valor de 893 839,43 (…) num total de 1 710 102,74 € (…), foram por nós cedidos à N(...) INVESTMENTS LIMITED (…).
Pelo exposto, solicitamos a V. Exas. que aqueles créditos sejam liquidados directamente àquela sociedade de acordo com as instruções que a mesma vos transmita.” – cfr. fls. 128 e 129 do processo administrativo tributário;

H) Em 28-12-2009 eram credores da Impugnante, no montante total de € 1 710 102,79:
-N(...) Investments Limited credora do montante de € 569 464,19
-Vítor (...) credor do montante de € 285 159,65
-Luís (...) credor do montante de € 285 159,65
-Manuel (...) credor do montante de € 570 319,30 – cfr. Acordo de Pagamento de Créditos celebrado entre a Impugnante e os quatro credores indicados, a fls. 150 a 155 do processo administrativo tributário;

I) Em 28-12-2009, os credores referidos na alínea precedente celebraram com a P(...)– COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, SA, um Acordo para Pagamento de Créditos, dívida de € 1 710 102,79, destacando o seguinte teor do Acordo, com interesse à decisão:
“(…) Considerando que (…) 2. A Primeira Contraente (P(...)– COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, SA) pretende liquidar os Créditos;
3. As Partes pretendem celebrar o presente Acordo com vista à definição dos termos e condições de liquidação dos Créditos; (…)
CLÁUSULA PRIMEIRA (Objecto)
Pelo presente Acordo a Primeira Contraente (P(...)– COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, SA,) paga os créditos aos Credores (N(...) Investments Limited, Vítor (...), Luís (...) e Manuel (...)), que aceitam, com cessão dos créditos que detém, na presente data, sobre os seus clientes, melhor identificados no Anexo I
CLÁUSULA SEGUNDA (Serviços de Cobrança)
1. De forma a garantir a efectiva cobrança dos créditos sobre os clientes da Primeira Contraente (P(...)– COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, SA,), a Primeira Contraente obriga-se a prestar aos Credores (N(...) Investments Limited, Vítor (...), Luís (...) e Manuel (...)), os serviços de cobrança desses créditos.
2. Como contrapartida pela prestação dos serviços de cobrança, a Primeira Contraente poderá deduzir aos montantes efectivamente cobrados, as despesas incorridas na prestação dos serviços de cobrança, nomeadamente com salários dos trabalhadores afectos a essa prestação, com comunicações e serviços administrativos, bem como os
valores necessários para fazer face às suas obrigações de pagamento a credores no âmbito do processo de insolvência em curso.
3. As Partes obrigam-se a fixar, anualmente, os montantes máximos que poderão ser deduzidos, pela Primeira Contraente, aos montantes efectivamente cobrados, fixando-se, para o ano em curso, os montantes constantes do Anexo II.
CLÁUSULA TERCEIRA (Pagamentos)
1. Os Credores acordam que os montantes cobrados pela Primeira Contraente serão distribuídos da seguinte forma:
a. Até ser liquidado o montante de € 1 000 000,00 (um milhão de euros), cada um dos Credores terá direito a receber parte desse valor de acordo com as seguintes proporções:
i. A Segunda Contraente (N(...)) terá direito a receber o montante equivalente a 33,3%;
ii. O Terceiro Contraente (Vitor (…)) terá direito a receber o montante equivalente a 16,675%;
iii. O Quarto Contraente (Luís (…)) terá direito a receber o montante equivalente a 16,675%;
iv. O Quinto Contraente (Miguel (…)) terá direito a receber o montante equivalente a 33,35%;
b. Após liquidação do montante de € 1 000 000,00 (um milhão de euros), cada um dos credores terá direito a receber os valores adicionais de acordo com a seguintes proporções:
i. A Segunda Contraente (N(...)) terá direito a receber o montante equivalente a 15%;
ii. O Terceiro Contraente (Vitor (…)) terá direito a receber o montante equivalente a 21,25%;
iii. O Quarto Contraente (Luís (…)) terá direito a receber o montante equivalente a 21,25%;

iv. O Quinto Contraente (Miguel (…)) terá direito a receber o montante equivalente a 42,5%;
2. Os valores cobrados serão pagos por cheque ou por transferência para a conta bancária a indicar por cada um dos Credores.

CLÁUSULA QUARTA (Garantia da Primeira Contraente)
A Primeira Contraente garante que até liquidação dos Créditos irá manter a sua actividade, obrigando-se a gerir a mesma de forma diligente e zelosa de acordo com as melhores práticas da gestão de empresas. (…) – cfr. Acordo de Pagamento de Credores a fls. 151 a 155 do processo administrativo tributário;

J) Em 28-12-2009, os credores referidos em H celebraram com a P(...)– COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, SA, um Acordo de Prestação de Serviços, nos termos do qual a P(...) desenvolveria diligências de cobrança, mediante as contrapartidas, mencionadas no número 2 da cláusula 2.ª e cláusula 5.ª do Acordo de Pagamento de Créditos a fls. 151 a 155 do processo administrativo tributário;

K) A Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção, tendo sido elaborado, em 15-12-2015, relatório final de inspeção tributária, da Direção de Finanças de Lisboa, do qual destaco o seguinte teor, com interesse à decisão dos presentes autos:

“II – OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA
II-1.- CREDENCIAL E PERIODO EM QUE DECORREU A AÇÃO
A presente ação inspetiva à empresa «P(...)CARTÕES DE DESCONTO, SA – EM LIQUIDAÇÃO», doravante também designada «Palme» (…) NIPC (...), decorreu no cumprimento das ordens de serviço n.ºs OI201301302 e OI201301303, relativamente aos anos de 2010 e 2011 respetivamente, com Despacho de 15/03/2013 e das ordens de serviço n.ºs OI201403205 e OI201403206, com Despacho de 11/07/2014, da Chefe da Divisão III, do Departamento B, da área da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa.
(…) II-3. OUTRAS SITUAÇÕES
II-3.1.- Caraterização do sujeito passivo
A empresa foi constituída em 1995, e actualmente tem a sua sede em Campo Grande, n.º 28 – 3.º andar letra C, em Lisboa, área do serviço de Finanças de Lisboa 8.
(…) Encontra-se desde 05/09/2008 em fase de insolvência.
A sociedade iniciou a atividade em 1995, tendo como objeto social a «Representação e comercialização de cartões de desconto em bens e serviços.»
(…)
III – 3 – IRS – RETENÇÕES NA FONTE
Como foi referido a sociedade P(...)Cartões de Desconto, SA – em Liquidação, desenvolvia a atividade de venda de cartões de desconto com a finalidade dos seus clientes obterem descontos na aquisição de bens e serviços.
Para o desenvolvimento da sua atividade a «P(...)» foi obtendo financiamentos através do Banco «C(...) – Instituição Financeira de Crédito, SA», que em face de incumprimento daquela no que respeita a obrigações de pagamento vem requerer a insolvência da sociedade «Palme».
Os créditos que o Banco C(...) detinha sobre a sociedade Palme, no montante de 1 710 102,74 € foram por este cedidos à empresa «N(...) Investments, Lda», NIPC (...), que por sua vez os cedeu parcialmente a V. M. C. C. S. – NIF (…); Luis (...) – NIF (...); Miguel (...) – NIF (...).
Desta forma ficou o crédito cedido, repartido da seguinte forma:
- N(...) 569 464,19 €
- Vitor (...)285 159,65 €
- Luis (...) 285 159,65 €
- Miguel (...) 570 319,30 €
Total 1 710 102,79 €
Posteriormente à cessão, em 28/12/2009, a empresa «N(...)» e os adquirentes do crédito celebraram com a P(...) um acordo para pagamento da dívida através do qual esta entidade cedia àqueles os créditos que detinha sobre terceiros até à data do acordo.
Esta dação em cumprimento implica que os adquirentes do crédito têm direito a receber a totalidade dos créditos que a P(...) detinha sobre as pessoas singulares identificadas no anexo I do «Acordo de pagamento de créditos».
No âmbito do cumprimento deste acordo os cessionários receberam regularmente durante os anos de 2010 a 2013 (anos objeto de inspeção) diversos montantes em quantias variáveis pagas mensalmente.
Os montantes pagos pela P(...) constituem rendimentos dos beneficiários supra mencionados, cujo enquadramento à luz do código do IRS se qualifica como rendimentos da categoria E.
Dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares o seguinte:
1- Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

No caso vertente temos que os sujeitos passivos de IRS limitam-se a receber sem qualquer outra intervenção no processo de recuperação do crédito, os montantes que vão sendo disponibilizados pela P(...), por via da cobrança dos créditos cedidos em dação em cumprimento. Pelo que, estamos assim perante um rendimento tributável em sede de categoria E – rendimentos de capitais, enquadrados nos termos conjugados do n.º 9, da alínea a) do n.º 2 e do n.º 1 do art. 5.º do CIRS.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 71.º do CIRS, na redação em vigor para os anos de 2011, 2012 e 2013, estes rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo por aplicação da taxa liberatória em vigor à data dos respetivos pagamentos, podendo ser objeto de englobamento por parte dos seus titulares nos termos do n.º 6 do art. 71.º do CIRS (o que não se verificou), ficando a «P(...)» obrigada a proceder à referida retenção nos termos do n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º do CIRS.
No caso concreto temos ainda que a cessão dos créditos tem ainda a virtualidade de fixar através do preço de compra os montantes considerados investidos pelos sujeitos passivos e que servirão para determinar a base de incidência do imposto.
Desta forma serão considerados rendimentos sujeitos a tributação os montantes que foram recebidos pelos sujeitos passivos de IRS que excedam o valor pago pela cessão de créditos, porquanto a norma de incidência da categoria E, determina que o imposto incide sobre «frutos e demais vantagens económicas».
Estando estes rendimentos sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória, a respetiva retenção compete à sociedade P(...), nos termos do disposto no n.ºs 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º do CIVA, conjugado com os artigos 20.º e 28.º da Lei Geral Tributária e 103.º do CIRS – Substituição Tributária.
Indicam-se de seguida os valores pagos pela P(...) aos sujeitos passivos de IRS, ao abrigo do acordo de pagamento de créditos e os montantes a partir dos quais ficam sujeitos a retenção na fonte, assim como as respetivas retenções (Anexo 26 – 137 fls.):
ANO de 2010
MesesSP 1)SP 2)SP 3)TotalTaxaRetenção

IRS

Data

Pag0

1
2
3
4=1+2+3
5
6=4x5
7
Julho100 020,0050 010,0050 010,00
Agosto
Setembro66 680,0033 340,0033 340,00
Outubro33 340,0016 670,0016 670,00
Novembro33 340,0016 670,0016 670,00
Dezembro50 005,0025 000,0025 000,00
1) Miguel (...) - (...)
2) Vitor (...) - (...)
3) Luis (...) - (...)



Ano de 2011
MesesSP 1)SP 2)SP 3)TotalTaxaRetenção

IRS

Data

Pag°

1
2
3
4=1+2+3
5
6=4x5
7


Janeiro0,00
Fevereiro33 340,0016 670,0016 670,00
Março80 420,0040 210,0040 210,00
Abril0,00
Maio42 500,0021 250,0021 250,00
Junho42 500,0021 250,0021 250,00
Julho42 500,0021 250,0021 250,00
Agosto42 500,0021 250,0021 250,00
Setembro3 174,301 589,651 589,65
570 319,30285 159,65285 159,65
Setembro39 325,7019 660,3519 660,3578 646,4021,50%16 908,9820-10

2011

Outubro42 500,0036 750,0036 750,00116 000,0021,50%24 940,0020-11

2011

Novembro42 500,0021 250,0021 250,0085 000,0021,50%18 275,0020-12

2011

Dezembro42 500,0021 250,0021 250,0085 000,0021,50%18 275,0020-01

2012

Total166 825,7098 910,3598 910,35364 646,4078 398,98
1) Miguel (...) - (...)
2) Vitor (...) - (...)
3) Luis (...) - (...)

Ano 2012
MesesSP 1)SP 2)SP 3)TotalTaxaRetenção

IRS

Data

Pag-0

1
2
3
4=1+2+3
5
6=4x5
7
Janeiro242 500,0021 250,0021 250,00285 000,0025%71 250,0020-02-2012
Fevereiro85 000,0042 500,00142 500,00270 000,0025%67 500,0020-03-2012
Março25 000,00107 500,002 500,00135 000,0025%33 750,0020-04-2012
Abril25 000,004 000,0011 500,0040 500,0025%10 125,0020-05-2012
Maio25 000,0029 000,0026 500,0080 500,0025%20 125,0020-06-2012
Junho65 000,0012 500,0014 318,0091 818,0025%22 954,5020-07-2012
Julho25 000,000,000,0025 000,0025%6 250,0020-08-2012
Agosto0,000,000,000,0025%0,0020-09-2012
Setembro50 000,000,000,0050 000,0025%12 500,0020-10-2012
Outubro25 000,000,000,0025 000,0025%6 250,0020-11-2012
Novembro0,0010 000,000,0010 000,0026,5%2 650,0020-12-2012
Dezembro0,007 729,000,007 729,0026,5%2 048,1920-01-2013
Total567 500,00234 479,00218 568,00
1 020 547,00
255 402,69
1) Miguel (...) - (...)
2) Vitor (...) - (...)
3) Luis (...) - (...)

Ano 2013

MesesSP 1)SP 2)SP 3)TotalTaxaRetenção

IRS

Dta

Pag°

1
2
3
4=1+2+3
5
6=4x5
7
Janeiro0,0013 000,007 500,0020 500,0028%5 740,0020-02-2013
Fevereiro0,0012 446,000,0012 446,0028%3 484,8820-03-2013
Março0,002 500,002 500,005 000,0028%1 400,0020-04-2013
Abril0,002 500,000,002 500,0028%700,0020-05-2013
Maio0,002 500,002 500,005 000,0028%1 400,0020-06-2013
Junho0,002 500,000,002 500,0028%700,0020-07-2013
Julho0,002 500,0010 000,0012 500,0028%3 500,0020-08-2013
Agosto0,002 500,0010 000,0012 500,0028%3 500,0020-09-2013
Setembro0,002 500,003 700,446 200,4428%1 736,1220-10-2013
Outubro0,002 500,000,002 500,0028%700,0020-11-2013
Novembro0,002 500,000,002 500,0028%700,0020-12-2013
Dezembro0,002 500,000,002 500,0028%700,0020-01-2014
Total0,0050 446,0036 200,4486 646,44
24 261,00

Miguel (...) - (...)

Vitor (...) - (...)

Luis (...) - (...)

III- 4 - RESUMO DAS CORREÇÕES (...) IRS - RETENÇÕES NA FONTE CATEGORIA E

IRS
2011
2012
2013
Janeiro0,0071 250,005 740,00
Fevereiro0,0067 500,003 484,88
Março0,0033 750,001 400,00
Abril0,0010 125,00700,00
Maio0,0020 125,001 400,00
Junho0,0022 954,50700,00
Julho0,006 250,003 500,00
Agosto0,000,003 500,00
Setembro16 908,9812 500,001 736,12
Outubro24 940,006 250,00700,00
Novembro18 275,002 650,00700,00
Dezembro18 275,002 048,19700,00
Total78 398,98255 402,6924 261,00

(...) - cfr. Re
atório de Inspeçãotributária a fls. 73a 126 do processo


administrativo tributário;

L) Na sequência das correções efetuadas em ação de inspeção foram emitidas, em nome da ora Impugnante, as seguintes liquidações de IRS, Retenções na Fonte – Categoria E, no valor total de € 470 407,73:

- n.º 201664 10000051, do ano de 2011, no valor de € 91 098,79;
- n.º 201664 10000052, do ano de 2012, no valor de € 292 619,94;
- n.º 20166410000056, do ano de 2013, no valor total de € 26 689,00 – cfr. documentos 1 a 3 juntos com a petição de impugnação;

M) Na informação n.º 1931/15 de 30-09-2015, com despacho concordante da Sra. Subdiretor-Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS) destaco o seguinte teor:
No âmbito do cumprimento dos acordos supra referidos, os cessionários receberam, durante os anos de 2010 e 2011, os seguintes montantes:
- N(...) 516 098,20 €
- Vitor (...) 462 245,16 €
- Luis (...) 462 245,16 €
- Miguel (...) 891 677,28 €
Total 2 332 265,80 €
(…)
“ – Em relação ao acordo de pagamento, estamos perante um contrato misto que sob a denominação de acordo de pagamento envolve uma cessão de créditos e uma dação em cumprimento;
- ora no caso concreto temos que os rendimentos em apreço não são enquadráveis em qualquer outra categoria …Acresce que a norma de incidência da categoria E é definida de uma forma abrangente por forma a integrar todos os rendimentos que provenham da mera aplicação de capitais, ou seja que cujos ganhos não resultem de um exercício de uma actividade pelo próprio, mas sim em resultado de exercício de uma actividade por parte de um terceiro.
- no caso vertente temos que os sujeitos passivos de IRS não aparentam dispor de condições materiais para o desenvolvimento da actividade mutuária, tendo-se limitado a adquirir um crédito…já foi efectuada pela entidade financeira no âmbito do exercício da sua actividade e, mais importante, por via de acordo de pagamento celebrado com a impugnante (P(...)) por via de cobrança dos créditos cedidos em dação em cumprimento. Pelo que estamos assim perante um rendimento tributável em sede de categoria E – rendimentos de capitais, conforme defende a inspecção tributária.
- Acresce que o IRS se encontra baseado no princípio do rendimento acréscimo. Ora os sujeitos passivos de IRS despenderam os montantes supra indicados na cessão de créditos será de considerar, como fez a inspecção tributária, que deverão ser considerados tributáveis…logo que ultrapassados os montantes dos valores pagos na aquisição de crédito.
PROPOSTA
Coloca-se, à consideração superior, informar a inspecção tributária de que os rendimentos auferidos pelos Sujeitos Passivos devem ser tributados na categoria E, devendo ser tributados como rendimentos todos os montantes recebidos em excesso dos montantes pagos para a aquisição do crédito” – cfr. informação da DSIRS constante a fls. 168 a 173 do processo administrativo tributário.
*
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.
*
Considero provados os factos atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.


III. B) DE DIREITO

A Recorrente, no seu inconformismo com a sentença recorrida, começa por alegar falta de fundamentação das liquidações impugnadas na medida em que a Administração tributária omitiu totalmente a razão pela qual desconsiderou a qualificação dos rendimentos noutras categorias e, tendo sido feita a integração do rendimento por inclusão na categoria residual a que se refere o n.º 1 do art.º 5.º do Código do IRS, sempre a AT estaria obrigada, na fundamentação das liquidações, a justificar a razão do não enquadramento dos rendimentos nessas outras categorias.

Vejamos.

É sabido que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, estando o respectivo princípio constitucional densificado nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo e nos artigos 77.º nºs. 1 e 2 da Lei Geral Tributária.

E como já se exarou em diversos arestos do Supremo Tribunal Administrativo, destacadamente, no ac. de 14/3/2018, tirado no proc. nº 0512/17, cujo texto passaremos a seguir, «este dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05). Daí que essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Ou seja, a fundamentação formal do acto tributário é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico. Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13). De referir, porém, que para a suficiência da fundamentação de direito da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real (cf. acórdão do STA, de 17/11/2010, proc. nº 1051/09 e jurisprudência nele citada). Não devendo, ainda, esquecer-se que as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico. É que, neste domínio da fundamentação do acto, é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto. Sendo que, no ensinamento de Vieira de Andrade, (“O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, p. 231.) o dever formal cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (fim de citação).

Ora, no caso em apreciação, o relatório de inspecção tributária não deixa de enunciar, de modo expresso, as razões factuais e jurídicas na base das correcções que originaram as liquidações impugnadas.

Como naquele documento se refere, «no caso vertente, temos que os sujeitos passivos de IRS, limitam-se a receber sem qualquer outra intervenção no processo de recuperação do crédito os montantes que vão sendo disponibilizados pela P(...) por via da cobrança dos créditos cedidos em dação em cumprimento. Pelo que estamos, assim, perante um rendimento tributável em sede de categoria E – rendimentos de capitais, enquadrados nos termos conjugados do n.º 9, da alínea a) do n.º 2 e do n.º 1 do art.º 5.º do CIRS».

É certo que o n.º 1 daquele art.º 5.º do CIRS, na redacção então vigente, dispunha: «Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias».

Este último segmento da norma (“com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias”) não impõe, como parte da fundamentação formal, a enunciação das concretas razões por que os fluxos financeiros realizados pela impugnante em benefício de sujeitos passivos de IRS não são tributados, ou tributáveis, noutras categorias de rendimentos, pois o eventual erro de qualificação jurídica daqueles fluxos financeiros como rendimentos de capitais dos beneficiários sujeitos a IRS, apenas interessa à discussão da fundamentação material e essa discussão pode ser feita, esclarecidamente, com base na fundamentação externada.

Improcede este segmento das doutas conclusões.

Vejamos agora se a sentença incorreu em erro de julgamento ao sancionar as correcções da Administração tributária, as quais, na óptica da Recorrente resultam de manifesto erro na interpretação e aplicação das normas dos artigos 5.º e 101.º, ambas do Código do IRS, não recaindo sobre a impugnante qualquer obrigação de retenção relativamente aos fluxos financeiros realizados em benefício de sujeitos passivos singulares de IRS.

Para melhor compreensão do que está em causa, comecemos por fazer uma sinopse dos factos que se colhem dos autos e do probatório.

Para o desenvolvimento da sua actividade comercial, a impugnante/ recorrente recorreu a financiamento obtido do Banco “C(...) – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”.

No seguimento de incumprimento, o C(...) requereu a insolvência da impugnante.

Os créditos que o C(...) detinha sobre a impugnante, no montante de 1.710.102,74 euros, foram cedidos à empresa “N(...) Investments, Ltd.”. Esta, por sua vez, veio a ceder parcialmente os créditos, que passaram a ficar assim repartidos:
N(...) ……………………………………………. 569.464,19 euros;
Vítor (...)…………………………….……………….285.159,65 euros;
Luís (...)………………………………………..…285.159,65 euros;
Miguel (...)………………………………………..570.319,30 euros;
Total ……………………………………………….1.710.102,79 euros.

Posteriormente à cessão, em 28 de Dezembro de 2009, os identificados cessionários celebraram com a impugnante um designado “Acordo de Pagamento de Créditos”, mediante o qual a impugnante, com aceitação dos mencionados credores, liquidou os créditos que detinham sobre si nos indicados montantes através de cessão dos créditos que detinha, na data do acordo, sobre clientes.

Em cumprimento do referido “Acordo de Pagamento de Créditos” e ao que agora importa para os autos, foram realizados pela impugnante fluxos financeiros periódicos e de montante variável, em benefício dos identificados credores Vítor (...), Luís (...) e Miguel (...), em montante superior ao valor do crédito por eles adquirido à N(...) no referido negócio de cessão parcial.

Pretende a AT que está sujeita a tributação em IRS (Cat. E) a diferença positiva entre o que aqueles sujeitos passivos singulares de IRS receberam da impugnante em cumprimento do “Acordo de Pagamento de Créditos” e o valor dos créditos que cada um deles adquiriu à N(...) no negócio de cessão parcial.

Como relata a AT, estamos perante um rendimento tributável na esfera jurídica daqueles sujeitos passivos de IRS em sede de Categoria E – rendimentos de capitais, “enquadrados nos termos conjugados do n.º 9, da alínea a) do n.º 2 e do n.º 1 do art.º 5.º do CIRS”.

E, prossegue o relatório, “Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS, na redacção em vigor para os anos de 2011, 2012 e 2013, estes rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo por aplicação da taxa liberatória em vigor à data dos respectivos pagamentos, podendo ser objecto de englobamento por parte dos seus titulares nos termos do n.º 6 do art.º 71.º do CIRS (o que não se verificou), ficando a P(...) obrigada a proceder à referida retenção nos termos do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do art.º 101.º do CIRS” (vd. pág.51 do RIT, fls.121 do apenso instrutor).

Que dizer?

Comecemos por ver a redacção das normas legais em que a AT ancorou, de direito, a sua decisão correctiva:
«Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

a) Os juros e outras formas de remuneração decorrentes de contratos de mútuo, abertura de crédito, reporte e outros que proporcionem, a título oneroso, a disponibilidade temporária de dinheiro ou outras coisas fungíveis;
(…)

9 - No caso de cessões de crédito previstas na alínea a) do n.º 2, o rendimento sujeito a imposto é constituído pela diferença positiva entre o valor da cessão e o valor nominal do crédito».
«Artigo 71.º
Taxas liberatórias
1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, os seguintes rendimentos obtidos em território português:

a) Os juros de depósitos à ordem ou a prazo, incluindo os dos certificados de depósito;

b) Os rendimentos de títulos de dívida, nominativos ou ao portador, bem como os rendimentos de operações de reporte, cessões de crédito, contas de títulos com garantia de preço ou de outras operações similares ou afins;
(…)

6 - Os rendimentos a que se referem os n.os 1 e 2 podem ser englobados para efeitos da sua tributação, por opção dos respectivos titulares, residentes em território nacional, desde que obtidos fora do âmbito do exercício de actividades empresariais e profissionais. (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)

7 - Feita a opção a que se refere o número anterior, a retenção que tiver sido efectuada tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
(…)».
Artigo 101.º
Retenção sobre rendimentos de outras categorias
1 - As entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto, mediante a aplicação, aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras e sem prejuízo do disposto nos números seguintes, das seguintes taxas:

a) (…).

2 - Tratando-se de rendimentos referidos no artigo 71.º, a retenção na fonte nele prevista cabe:

a) Às entidades devedoras dos rendimentos referidos nos n.ºs 1, 4 e 14 do artigo 71.º;
b) Às entidades que paguem ou coloquem à disposição os rendimentos referidos nos n.ºs 2 e 13 do artigo 71.º

3- (…)».

Sendo essas as disposições legais aplicadas pela AT, vejamos se os pressupostos nelas previstos correspondem à situação factual e jurídica descrita dos autos.

E na interpretação que fazemos, a resposta é negativa.

Com efeito, a norma do citado n.º 9 do art.º 5.º do CIRS aplica-se às situações em que a o preço da cessão não corresponde, por excesso ou por defeito, ao valor nominal dos créditos cedidos, tributando-se a diferença positiva ora na esfera do cedente, ora na esfera do cessionário, ou seja, na esfera do sujeito que vê aumentada a sua capacidade contributiva.

A figura da cessão de créditos está prevista no art.º 577.º do Código Civil, cujo n.º 1 estabelece: «O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor».

A cessão é o contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor (devedor cedido), a totalidade ou uma parte do seu crédito – vd. “Cód. Civil – Anotado”, Abílio Neto, 13.ª ed. (2001), pág.652.

Ora, se bem vemos, os sujeitos passivos singulares de IRS – Vítor (...), Luís (...) e Miguel (...) – a quem a “N(...) Investments, Ltd.” cedeu parcialmente os créditos sobre a impugnante anteriormente adquiridos por cessão do credor originário, “C(...) – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, têm nesse negócio a posição de cessionários, que através do designado “Acordo de Pagamento de Créditos” viram os seus créditos sobre a impugnante (adquiridos por cessão) extintos por dação em cumprimento dos créditos da impugnante (devedor cedido) sobre terceiros.

«A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento» - art.º 837.º do Código Civil.

Na dação em cumprimento (datio in solutum) que é uma das formas possíveis de satisfação do direito do credor (cf. art.º 523.º do Código Civil), o devedor pretende, com a prestação diversa da devida, extinguir imediatamente a obrigação – vd. “Código Civil – Anotado”, Pires de Lima e Antunes Varela, vol. II, pág.124; cf. al. I) do probatório.

Pois bem, o que se constata é que a dação em cumprimento consistiu numa prestação (cessão de créditos) de valor superior ao dos créditos extintos, tendo resultado dessa diferença positiva o aumento da capacidade contributiva dos sujeitos passivos singulares de IRS acima indicados que a AT justamente pretende tributar, mas que, a nosso ver, não encontra suporte normativo no apelado n.º 9 do art.º 5.º do CIRS (em que directamente assentou a quantificação do facto tributário).

Só haveria lugar à aplicabilidade daquela norma caso resultasse dos autos e integrasse a fundamentação dos actos impugnados que a cessão dos créditos que a impugnante tinha sobre terceiros tinha sido efectuada por valor inferior ao nominal dos créditos cedidos (tributando-se como rendimento a diferença positiva). Todavia, tudo o que se apreende dos autos e da fundamentação dos actos é que a impugnante (devedor) se exonerou da dívida através de uma prestação de valor superior, que entregou aos credores periodicamente e em montante variável, cumprindo salientar que a cessão pode ter por objecto créditos vencidos e não vencidos.

A dação em cumprimento, que teve por objecto a cessão de créditos que o devedor cedido (impugnante) tinha sobre terceiros, extinguiu imediatamente a obrigação, fim esse, aliás, visado no citado “Acordo de Pagamento de Créditos” (vd. ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/27/1997, exarado no proc.º 97B731, “A dação em cumprimento pode ter por objecto a transmissão de um crédito que o devedor tenha sobre um terceiro”).

Neste modo de ver, não se questionando embora que os identificados cessionários sujeitos passivos singulares de IRS viram aumentada a sua capacidade contributiva por via da prestação objecto da dação em cumprimento, a verdade é que tal situação jurídica não se confunde com “operações de cessão de crédito” (cf. art.º 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária), nos termos e para efeitos do disposto no art.º 71.º, n.º 1 alínea b) do CIRS e, como assim, falecem os pressupostos de que depende a obrigação de retenção, prevista no n.ºs 1 e 2 alíneas a) ou b), do art.º 101.º do Código do IRS.

“A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte” e efectiva-se “através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido” – art.º 20.º, da LGT.

Não se verificando os pressupostos da obrigação de retenção, não pode a impugnante, ora recorrente, ser responsabilizada pela dívida tributária que está na origem das liquidações de IRS impugnadas.

A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.
*

Da dispensa do remanescente da taxa de justiça.

O valor atribuído ao processo é de 410.407,73 euros.

Como é sabido, a dispensa do pagamento de taxa de justiça, prevista no artigo 6.º, n.º 7 do RCP - nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento – pode ser determinada a pedido das partes ou oficiosamente decidida pelo Tribunal.

Considerando o que ficou exposto, entende-se que no caso concreto essa dispensa deve ser determinada, uma vez que as questões apreciadas pelo Tribunal não se revestiram de especial complexidade que justifique a imposição do remanescente da taxa de justiça, havendo ainda que ponderar reforçadamente a lisura da conduta processual das partes.

Em suma, sem prejuízo da natureza excepcional que a dispensa do remanescente da taxa de justiça possui, justificar-se-á a sua concessão sempre que a causa não apresente especial complexidade e a conduta processual das partes seja isenta de reparo.

Donde, não apresentando a questão apreciada nos autos especial complexidade e não sendo censurável a intervenção processual das partes, entende-se que o valor do remanescente da taxa de justiça é desproporcionado em face do serviço prestado, considerando-se adequado dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou seja, no excedente sobre o valor tributário de 275.000 Euros.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente.

Vencida a recorrida, é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo da dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça concedida.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha