Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04285/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/03/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS.
NULIDADE DA SENTENÇA POR ININTELIGIBILIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO.
DIREITO DE RETENÇÃO.
CONTRATO PROMESSA.
HIPOTECA.
CASO JULGADO. EFICÁCIA.
CONCEITO DE PARTES. CONCEITO DE TERCEIROS. TERCEIROS JURIDICAMENTE DEPENDENTES. TERCEIROS JURIDICAMENTE INDIFERENTES.
Sumário:I) -Muito embora a não especificação dos fundamentos de facto da decisão constitua causa de nulidade da sentença prevista no nº 1 do artº 125º do CPPT, há que distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada pois o que a lei considera só gera nulidade a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

II) -Decorrendo do alegatório que a recorrente não invoca a falta absoluta da motivação, excluída ficou a sentença da previsão do nº 1 do artº 125º do CPT (vd. a al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC), irrelevando que ela seja deficiente ou que ocorra mesmo a falta de justificação dos fundamentos.

III) -Para que o crédito do exequente, garantido por direito de retenção, fosse graduado depois do crédito hipotecário reclamado pelo Banco, devia este ter impugnado vitoriosamente tal garantia real no apenso de reclamação de créditos, impugnação que fez, por ser esse o lugar próprio e porque, sendo o Banco um terceiro juridicamente indiferente, não estava abrangido pela força do caso julgado da sentença exequenda.

IV) -A Reforma da Acção Executiva, aderindo a um dos entendimentos firmados na doutrina e na jurisprudência, optou pela solução de facultar ao reclamante que não esteja abrangido pelo caso julgado formado em anterior acção declarativa, a invocação de qualquer fundamento, para além dos constantes dos arts. 814.º e 815.º do Código de Processo Civil, designadamente, aqueles que seria lícito deduzir em processo de declaração.

V) -Na reclamação de créditos, o credor reclamante, não abrangido pelo caso julgado, que reconheceu a terceiro um direito real que afecta juridicamente o seu direito provido também de garantia real, tem o ónus de impugnar essa garantia, sob pena de não o fazendo ela persistir incólume pelo que, tendo o recorrente impugnado tal direito de retenção, a proceder a impugnação, esse direito real cede passo em relação ao crédito hipotecário.

VI) -Uma vez que o recorrente impugnou correctamente o crédito reclamado pelo titular do invocado direito de retenção e, bem assim, a alegada garantia consubstanciada no direito de retenção, não poderia o tribunal recorrido, sem realização da fase probatória, julgar improcedente a impugnação do crédito formulada pelo recorrente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:20
Recurso nº 4285/10
Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

1. - O BANCO ……………………., SA, notificado da sentença proferida pelo Mmº Juiz do TAF de Loulé, com a qual não se conforma dela recorre para este TCA -Sul, enunciando na sua alegação as conclusões seguintes:
“1. O Tribunal recorrido entendeu, e bem, que a sentença que serviu de causa de pedir e título executivo à reclamação de créditos deduzida por Luís …………………… não é oponível ao credor reclamante B………;
2. No entanto, apesar de declarar que é o apenso de graduação de créditos o local próprio para discutir a existência do crédito impugnado pelo B..... e graduado anteriormente ao seu, conclui, de forma que não é inteligível, que a impugnação do crédito não pode proceder, reconhecendo parcialmente o crédito impugnado e reconhecendo-o também como beneficiário de garantia real de direito de retenção e graduando-o anteriormente ao crédito hipotecário registado anteriormente a um alegado contrato promessa de compra e venda.
3.nunca o Tribunal poderia chegar a esta conclusão de improcedência da impugnação de créditos deduzida pelo B....., sem se realizar fase probatória.
4.pois, o B....., nos termos do art° 866° CPC, impugnou o crédito reclamado por Luís ……………., alegadamente garantido pelo bem penhorado e impugnou também a garantia real invocada.
5. Efectivamente foram impugnados: a alegada existência de contrato promessa de aquisição da fracção penhorada, o pagamento de sinal, a tradição da fracção para o reclamante, o pagamento de imposto inerente à alegada tradição, os pagamentos de impostos interentes à posse, a alegada garantia real emergente do alegado direito de retenção;
6. E, nenhuma prova foi junta pelo credor reclamante, além da sentença que não é oponível ao ora Recorrente.
7. não se encontram provados nos autos os requisitos cumulativos previstos na alínea f) do n° 1 do art° 755° do Código Civil.
8. E é também ininteligível a fundamentação da decisão recorrida, não se compreendendo na decisão quando esta se refere aos presentes autos ou quando esta se refere a citação de jurisprudência.
9. A decisão de improcedência da impugnação deduzida pelo B..... ao crédito de Luís …………………… sem a precedência da fase de prova é pois manifestamente ininteligível e nula - art° 668° do CPC.
10. e mesmo se o Impugnado lograsse provar a existência do crédito reclamado, também este não poderia ser graduado com prioridade em relação ao do B....., em virtude de este ser beneficiário de hipoteca registada desde 30 de Março de 2000 (C- 2 Ap. …./300300 e C-3 Ap…../130701) e na sentença cuja cópia o Impugnado juntou, se referir que o alegado contrato promessa teria sido celebrado posteriormente a este registo - Março de 2002.
11. Caso assim se não entendesse, verificar-se-ia uma situação de inconstitucionalidade da alínea f) do n° 1 do art° 755° do Código Civil, por violação do princípio constitucional da protecção da confiança, da segurança jurídica emanados do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e pelo mais que V Exas. doutamente suprirão deve ser julgado procedente o presente recurso, com todas as consequências legais, revogando-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.”
Não houve contra -alegações.
O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento pelas razões a que infra se fará alusão.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*
2.- Na sentença recorrida dão-se como assentes os seguintes factos que relevantes para decisão da causa:
A) -A Administração Fiscal instaurou o processo de execução fiscal n.° ……………….. e apensos, contra a executada T……… & R…….., SOCIEDADE …………………………., LDA., pessoa colectiva n.° ………….., com sede em ………….., para cobrança coerciva de dívidas de IMI de 2003 a 2005, cfr. cópia do processo principal em apenso.
B) -Na execução foi penhorada, em 26/01/2007, a fracção autónoma a que se refere o auto de penhora de fls. 8 e 9 da cópia do processo de execução em apenso:
O bem penhorado nos autos de execução fiscal é uma fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra "A ", do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em …………..,
C) — A penhora a que se refere a alínea anterior foi registada pela AP …..de 2007/02/07, cfr. fls. 15 do apenso.
D) — Pelo Banco B....., S.A., foi reclamado um crédito garantido por hipoteca, no montante global de €96 3348,23, a que acrescem juros vincendos até efectivo e integral pagamento, cfr. fls. 4 e segs dos presentes autos.
E) — A hipoteca a que se refere a alínea anterior foi registada (fls. 13 do apenso):
«Ap……./300300 - HIPOTECA VOLUNTÁRIA. (...) garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou assumir perante o banco, provenientes de todas e quaisquer operações bancárias capital até140 000 000$00, juro anual 10%, acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora, despesas: 5 600 000$00. Montante Máximo: 204 400 000$00. Abrange 2 prédios.
Av.02—Aps.38/40/1307Ol TRANSMISSÃO — a favor do BANCO ……………….., S.A., Rua ………., ………….., P……… por efeito de transferência de património
Ap.40/130701 — HIPOTECA VOLUNTÁRIA (...) Ampliação do Capital — Capital mais 50 000 000$00, juro anual 10% acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora, despesas mais 2 000 000$00.
Montante Máximo mais 73 000 000$00. Inscrição ampliada C-2. abrange 2 prédios»
F) — Por Luís …………………., contribuinte fiscal n.°……………., foi reclamado um crédito no montante de 840.000,00€, cfr. fls. 146 e segs.
G) — O crédito a que se refere a alínea anterior encontra-se garantido por direito de retenção declarada por sentença de 02/02/2007, proferida no processo n.° ……………./06.6TBPTM do 3.° Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, cfr. fls. 149 a 152.
H) — Com interesse para a decisão resulta da sentença a que se refere a alínea anterior (cfr. fls. 232 a 236):
«Luís ………………., solteiro, portador do bilhete de identidade n.° …………., contribuinte fiscal n.°…………, residente na Urbanização ……….., Lote ….., Rés do chão, …….. ………, propôs a presente acção declarativa, condenatória, com processo comum, ordinário contra T…….. & R….., Sociedade ………………., Lda., com sede no Rua ………, N. ° 30, ……. andar, em …….. ……….., peticionando o seguinte:
- Deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e a ré condenado o pagar ao autor a quantia de €840.000,00 (oitocentos e quarenta mil euros):
- Deve ser declarado o direito de retenção do autor sobre as fracções que prometeu comprar a respeitar pelo ré até ao momento era que este seja pago da quantia peticionado.
Alegou que:
1.° Por ter sido único concorrente que acertou na chave certa do concurso do Totoloto n°……./98, ganhou um prémio de cerca de 450.000 contos, valor que, na moeda actual, perfaz aproximadamente a quantia de 2.250.000,00;
2° No início do ano de 2002, para acautelar rendimentos futuros, decidiu investir parte do dinheiro que havia ganho no Totoloto na aquisição de fracções autónomas, que tencionava arrendar para habitação permanente ou para férias;
3.º Aconselhado pelo seu irmão José, que é economista, decidiu comprar três fracções autónomas num imóvel que a sociedade ré estava a construir na Freguesia ……………;
4. ° E, no dia 6 de Março de 2002, celebrou três contratos promessa de compra e venda com a ré, através dos quais esta última lhe prometeu vender e o autor prometeu comprar, as fracções A, B e O do prédio urbano composto por sete fracções autónomas, sito na Urbanização ………….., freguesia de ………., em …………., descrito no Conservatória do Registo Predial de ……….. sob o número ………….;
5.° O preço acordado para cada uma destas três fracções foi de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), e o autor, na data em que assinou os contratos, entregou à ré um sinal de €30.000,00 (trinta mil euros) para cada uma das fracções autónomas:
6. ° Nos termos das alíneas b) e c) do artigo segundo dos três contratos, o autor, para cada uma das fracções, comprometeu-se ainda a pagar à ré a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) por mês, durante os seis meses que antecediam as escrituras de compra e venda;
7.º A escritura de compra e venda de cada uma das fracções deveria ser realizada até ao dia 6 de Março de 2003, e, nessa data, o autor deveria pagar a restante parte do preço, ou seja, o quantia de €60000,00 (sessenta mil euros) para cada fracção autónoma;
6.° A partir de 6 de Setembro de 2002, o autor, cumprindo pontualmente a que havia acordado coma ré, pagou mensalmente a quantia de €10000,00 (dez mil euros) por cada fracção, ou seja, em cada um dos meses de Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2002, e Janeiro e Fevereiro de 2003, entregou à ré, mensalmente, a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) para as três fracções.
7. ° Assim, no dia 6 de Fevereiro de 2003, o autor havia já pago à ré a quantia total de €90000,00 (noventa mil euros) por cada fracção:
17° No dia 12 de Abril de 2004, celebrou dois contratos promessa através dos quais prometeu comprar as duas fracções autónomas correspondentes ao Rés do chão direito e ao Rés do chão esquerdo, com dois lugares na garagem, do prédio urbano composto por oito fogos, sito no Urbanização …………, freguesia de …………., em Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ………….. soba número …………:
18.º Nesse mesmo dia, por cada fogo e local na garagem, a título de sinal e início de pagamento, o autor pagou à ré a quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), e entregou-lhe a quantia total de € 150.000,00:
19.° E a ré, no âmbito e por causa deste negócio, à imagem do que já havia feito com as outras três fracções, entregou-lhe os dois apartamentos que lhe prometeu vender:
20.° Nos termos dos respectivos contratos-promessa de compra venda as escrituras relativas a estas duas últimas fracções deveriam ser realizadas na prazo máximo de seis meses, a contar de 12 de Abril de 2004: (...)»
I) — Resulta do segmento decisório da sentença a que se refere a alínea anterior:
«De harmonia com o disposto no n.° 3 do citado art. 484°, remetendo para a factualidade acima narrada e aderindo à fundamentação jurídica apresentada pelo autor - cfr. a celebração dos contratos-promessa, o comportamento da ré que revela a intenção de não cumprir o prometido e o disposto nos arts. 410°, 441.°, 442°, n.° 2 e 754.° e 755°, n.°1, al. f), e 808°, todos do Código Civil -, decido, desde já julgar procedente a presente acção e, em consequência,
a) Declaro resolvidos os contratos-promessa celebrados entre o autor e o ré por incumprimento definitivo imputável a esta (trata-se de pedido implícito ao formulada na alínea a) da petição inicial - fls.5 - mas que corresponde o pressuposto lógico do mesmo pelo que expressamente se faz tal referência);
b) Condeno a ré a pagar ao autor o montante correspondente ao dobro dos quantias entregues a título de sinal, a saber, €420.000 x 2, num total de €840.000 (oitocentos e quarenta mil euros);
c) Declaro o direito de retenção do autor sobre os prédios acima identificados e que lhe foram entregues pela ré até ao momento em que a mesma proceda à entrega do dobro dos montantes entregues por conta de cada uma.»
J) — A Representante da Fazenda Pública veio reclamar os seguintes créditos (fls. 193 e segs.):
J-1) — A importância de € 357,12 por dívida de IMI relativa ao ano de 2005, inscrito para cobrança em 2006, à qual acrescem juros de mora devidos desde 01/05/2006 no valor de € 121,42, mais os vincendos.
J-2) — A importância de €367,84 por dívida de IMI relativa ao ano de 2006, inscrito para cobrança em 2007, à qual acrescem juros de mora devidos desde 01/05/2007 no valor de €80,92, mais os vincendos.
J-3) — A importância de €367,84 por dívida de IMI relativa ao ano de 2006, inscrito para cobrança em 2007, à qual acrescem juros de mora devidos desde 01/10/2007 no valor de €62,53, mais os vincendos.
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Ao abrigo do artº 712º do CPC e porque releva para a decisão da causa tendo em conta as conclusões do recurso, adita-se ao probatório a seguinte factualidade emergente dos documentos que se indicam:
K) O B..... impugnou a alegada existência do contrato promessa de aquisição da fracção penhorada, o pagamento de sinal, a tradição da fracção para o reclamante, o pagamento de imposto inerente à alegada tradição, os pagamentos de impostos inerentes à posse, a alegada garantia real emergente do alegado direito de retenção como resulta do documento constante de fls. 207/210, que se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
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2.2 — Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto.
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2.3 — Factos não provados: Em ordem à decisão da causa nada mais se provou.
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3. -Esquematizados os factos provados e delimitado objectivamente o recurso pelas conclusões da alegação do recorrente - artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC e al.e) do artº 2º e artº 281º, estes do CPPT-, verifica-se que as questões a decidir, consistem em saber se ocorre a nulidade de sentença por ser ininteligível a fundamentação da decisão recorrida, não se compreendendo na decisão quando esta se refere aos presentes autos ou quando esta se refere a citação de jurisprudência (conclusões 8ª e 9ª) e se a mesma padece de deficit instrutório por decisão de improcedência da impugnação deduzida pelo B..... ao crédito de ………………..ter sido proferida sem a precedência da fase de prova e/ou errou ao admitir e graduar um crédito gozando de alegado direito de retenção à frente de crédito garantido por garantia hipotecária, no entendimento de que, não obstante o caso julgado sobre o direito de retenção não ser oponível ao reclamante B....., este não impugnou o referido crédito, pois, apenas se teria limitado a discutir a questão do litisconsórcio necessário na respectiva acção.
Vejamos.
Afirma a recorrente que na sentença recorrida, não se compreende quando esta se refere aos presentes autos ou quando esta se refere a citação de jurisprudência sendo a decisão de improcedência da impugnação deduzida pelo B..... ao crédito de Luís ……………….. sem a precedência da fase de prova manifestamente ininteligível e nula - art° 668° do CPC.
Ora, limitando-se o Meritíssimo Juiz a quo a fixar os factos que entendeu relevantes para a decisão e a enunciar os meios de prova em que assentou a sua decisão, isso autoriza a afirmar a existência de deficiência e obscuridade na decisão sobre tal matéria e implica que, a sentença fique inquinada por falta de fundamentação nos termos da al. b) do nº 1 do artº 668º da CPC?
O certo é que, relativamente à matéria de facto, o Mº Juiz «a quo» considerou provada a que consta do probatório atendendo à prova documental produzida nos autos, bem como descreveu os factos tidos como provados e não provados indicando os meios de prova considerados para o efeito, o que é suficiente para sustentar e fundamentar a decisão.
Neste particular e num enquadramento que reputamos correcto salienta-se que, porque na sentença recorrida se mostra fundamentada a decisão de forma inteligível e se mostra devidamente discriminada a matéria provada e não provada, o que pode haver é erro de julgamento da matéria de facto, determinante da revogação da sentença.
Os actos dos magistrados estão subordinados ao dever geral de fundamentar a decisão consagrado no artº 158º do CPC face ao qual a omissão de fundamentação acarreta a nulidade mesmo do simples despacho nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 158º, 659º, 668º, nº 1, al. b), aplicáveis ex-vi da al. f) do artº 2º do CPT (vd. Acórdão do STA de 22/9/1974, in BMJ 239º-242).
Começaremos por referir que na disciplina processual e porque à fundamentação fáctica a mesma se refere, se é certo que «...a não especificação dos fundamentos de facto...da decisão...» constitui causa de nulidade da sentença prevista no nº 1 do artº 125º do CPPT, há no entanto que distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. É o que se considera nos Acórdãos da Rel. De Lisboa de 17/1/91 publicado na CJ, XVI, tomo 1º, pág. 122 em que se expende que «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade». No mesmo sentido veja-se os Acórdãos deste Tribunal de 1 de Outubro de 1997, tirado no recurso nº 64201.
Ora, o certo é que a sentença recorrida tem probatório contendo os factos com base nos quais decidiu, o que não configura a falta absoluta de motivação que o recorrente lhe assacou pelo que se encontra fundamentada quer quanto à matéria de facto quer de direito.
Doutro modo, a sentença é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.
Cremos que o caso «sub judicio» se integra na primeira hipótese já que o que a recorrente FªPª pretende é que os factos admitidos na sentença não se verificaram (erro de julgamento da matéria de facto).
A sentença deu como provada e não provada a factualidade alegada com interesse para a decisão, e, como se expende no Ac. STJ de 6.1.77, in BMJ 263º-187, «O que é necessário para a perfeição meramente formal da sentença ou acórdão, é que se decida e se diga porquê».
Nesse sentido, veja-se ainda o Acórdão do STA de 13.12.2000, tirado no recurso nº 25061, em que se doutrina que a não discriminação entre factos provados e não provados não constitui nulidade, quer à face do artº 144º do CPT (hoje 125º do CPPT) quer do artº 668º do CPC.
Destarte, não assiste qualquer razão à recorrente porquanto no probatório da sentença se vê que o Mº Juiz «a quo» julgou com base nos autos e a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ, Ano XVIII, T. IV), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese.
Como se vê, essa indagação não foi feita pelo MºJuiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova com base nas normas que regulam nesta jurisdição o direito probatório material.
Ora, a nosso ver, tudo isto foi respeitado na sentença recorrida em que se ponderaram todos os elementos de prova pelo que a sentença não está afectada na sua validade jurídica por falta ou insuficiência de fundamentação ou omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Cremos, pois, que o caso «sub judicio» se integra na hipótese de erro de julgamento já que o que a recorrente na realidade pretende é que os factos admitidos na sentença não se verificaram (erro de julgamento da matéria de facto) ou que ela errou na aplicação do direito (erro de julgamento da matéria de direito).
Saber se os factos que a Recorrente considera relevantes e a provar mediante a produção de prova testemunhal e/ou documental, deviam ou não ter sido objecto de prova e apreciação na sentença, designadamente para serem julgados provados ou não provados, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada a factualidade – provada e não provada - referida pela Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença.
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Vejamos, então se ocorre o aventado erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito segundo as conclusões recursórias.
A sentença recorrida admitiu e graduou crédito gozando de alegado direito de retenção à frente de crédito garantido por garantia hipotecária, no entendimento de que não obstante o caso julgado sobre o direito de retenção não ser oponível ao reclamante B..... este não impugnou o referido crédito, pois, apenas se teria limitado a discutir a questão do litisconsórcio necessário na respectiva acção.
Todavia o Banco recorrente veio impugnar a alegada existência do contrato promessa de aquisição da fracção penhorada, o pagamento de sinal, a tradição da fracção para o reclamante, o pagamento de imposto inerente à alegada tradição, os pagamentos de impostos inerentes à posse, a alegada garantia real emergente do alegado direito de retenção como resulta do documento constante de fls. 207/210, que se dá por reproduzido para todos os legais efeitos, aí referindo expressamente que, detendo sobre a fracção em causa uma hipoteca, é terceiro judicialmente interessado e, visto que não era parte da invocada acção judicial a mesma não constitui caso julgado quanto a si (credor hipotecário do bem penhorado na presente execução fiscal), não lhe sendo oponível aquela decisão que lhe causaria um prejuízo jurídico (vide artigos 2º e 14º do petitório).
Vejamos, na senda do Acórdão do STJ de 07-10-2010, no Recurso nº 9333/07.4TBVNG.P1.S1 e do STA de 22-09-1999, no Recurso nº 023434 cuja fundamentação, data venia, iremos seguir de perto adaptando-o ao caso concreto.
Pretende a reclamante, que, não tendo intervindo na acção declarativa onde se decidiu que o recorrido Luís ………….. gozava do direito de retenção sobre a fracção predial de que era promitente-comprador, por mor do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda por parte do promitente-vendedor, que essa sentença por não fazer quanto a si caso julgado não a vincula, devendo outra decisão – no caso a sentença proferida na reclamação de créditos – decidir pela prevalência do seu crédito hipotecário sobre aquele direito de retenção.
Constitui regra que o caso julgado tem eficácia inter-partes, já que na acção declarativa a decisão visa, em princípio, regular o conflito de interesses entre quem intervém como parte, daí que o conceito de legitimidade activa e passiva tenha implícita essa consideração – arts. 26º e 27º do Código de Processo Civil.
Após a reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, o caso julgado deixou de ser excepção peremptória para passar a ser excepção dilatória – art. 494º, i) do Código de Processo Civil.
O art. 497º, nº1, do citado Código afirma existir caso julgado, quando uma causa se repete, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Nos termos do nº2 do citado normativo, quer a excepção da litispendência, quer a do caso julgado, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
O art. 498º do Código de Processo Civil – Requisitos da litispendência e do caso julgado – estatui:
“1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
“A excepção do caso julgado consiste na alegação de que a acção proposta é idêntica a outra – ou é a repetição de outra – já decidida por sentença com trânsito em julgado” – Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 3.°-91.
Ensinava o eminente jurista [obra citada, vol. II, pp. 92/93], que o caso julgado exerce duas funções:
“a) Uma função positiva; e b) uma função negativa.
Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.
A função positiva tem a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade...a função negativa exerce-se através da excepção de caso julgado.
Mas quer se trate da função positiva, quer da função negativa, são sempre necessárias as três identidades”.
“Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por deci­são de mérito que não admite recurso ordinário” – (Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. -307).
É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação pro­cessual.
Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação pro­cessual dentro do mesmo processo (ob. cit., 308).
Ambos pressupõem o trânsito em julgado da decisão anterior”.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.2.1998, in www.dgsi.pt., pode ler-se:
“O instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva: como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.
O caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para a apreciação do objecto processual posterior”.
Mas além de tal figura, importa ponderar o instituto da autoridade do caso julgado.
Miguel Teixeira de Sousa, in “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, in BMJ- 325, páginas 171, 176 e 179, ensina:
“ […] Quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção do caso julgado no processo posterior, ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalente um efeito vinculativo, a autoridade do caso julgado material, e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a excepção do caso julgado material”.
[…]“A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (…), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica.
“Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a “repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente”.
No mesmo sentido o ensino de Manuel de Andrade, in “Noções Elementares do Processo Civil”, 1979, págs. 320 e 321:
“O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento de excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença…
“Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a excepção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta figura, as três identidades do artigo 498º”.
Porque no caso em apreço, não se verifica a tríplice identidade a que alude o art.498º do Código de Processo Civil, a conclusão a extrair é que, na verdade, a sentença invocada como título executivo não constitui caso julgado em relação ao recorrente, nem directamente o vincula – artigos 497º, nº 1, 498º, nºs 1 e 2, 671º, nº1, do Código de Processo Civil.
Todavia, esta consideração não esgota o enquadramento jurídico que o recurso postula, porque, pese embora o facto da recorrente não ser parte, [por via de regra o caso julgado apenas tem efeitos inter-partes, repete-se], outros, titulares de relações jurídicas que contendem com decisões onde não intervieram, podem ser afectados jurídica ou economicamente, pelo que importa ponderar outro conceito, o de terceiro.
Conceitos diversos são os de parte e de terceiro.
Partes são os titulares dos direitos pleiteados que intervêm em acção ou execução judiciais e que ficam vinculados à decisão judicial transitada em julgado, e terceiros são quaisquer outros estranhos a esse conflito.
O caso julgado pode afectar terceiros, sendo então de fazer a destrinça entre terceiros juridicamente dependentes e terceiros juridicamente indiferentes.
Como refere António Júlio Cunha, in “Limites Subjectivos do Caso Julgado e a Intervenção de Terceiros” – Fevereiro 2010 – pág. 109:
“ […] Os direitos devem ter-se como dependentes sempre que, entre ambos, se verifique uma relação de prejudicialidade, ou seja desde que um direito (ou a relação que o tem por objecto imediato) se configure como elemento constitutivo, modificativo, ou extintivo de outro (ou outra).
Os denominados terceiros juridicamente indiferentes, são abrangidos nesta categoria os terceiros investidos em situações jurídicas (autónomas e não incompatíveis) em relação às quais o direito objecto da lide pode dar causa a um mero prejuízo de facto.”
No caso em apreço, a sentença de 02/02/2007, proferida no processo n.° …………/06.6TBPTM do 3.° Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, processo onde o recorrente não interveio, reconheceu ao Autor/exequente Luís ……………….., o direito de retenção sobre a fracção predial prometida vender, que veio a ser penhorada, e sobre a qual a recorrente dispõe de hipoteca voluntária para garantia do seu crédito, contende com a consistência jurídica da posição de credor privilegiado daquele, desde logo, porque nos termos dos arts. 442º, 755º, nº1, f) e 759º, nº2, do Código Civil o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido registada anteriormente.
Enfatize-se que o art.755º,nº1, do Código Civil consagra casos especiais de direito de retenção, reconhecendo-o na al. f) ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º. Ou seja, o direito de retenção como direito real de garantia, é invocável pelo promitente-comprador que obteve a traditio, visando o crédito pelo dobro do sinal prestado – art. 442º, nº4, do Código Civil, em caso de incumprimento definitivo do contrato pelo promitente-vendedor – cfr. Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, 11ª, 2006, 176.
Ora, uma vez que a sentença não põe em causa – nem podia, sob pena de nulidade – o direito do Banco recorrente, enquanto credor hipotecário, direito que nem sequer foi discutido na acção declarativa, o certo é que tal sentença não pode ser indiferente à recorrente do ponto em que a graduação afecta a consistência jurídica da sua garantia real em confronto com aqueloutra mais forte que é o direito de retenção conferido ao promitente – comprador - exequente, pela sentença exequenda.
No ponto, cabe evocar o regime da acção executiva, onde o recorrente foi credor reclamante por dispor de garantia real sobre o bem penhorado (1), e sobre o qual incide hipoteca registada a seu favor como garantia de mútuos que concedeu.
O certo é que ao reclamar o seu crédito o Banco recorrente impugnou a existência do direito de retenção como lho impunha os art. 866º, nºs 2, 3, e 4º do Código de Processo Civil, na redacção do DL.38/2003, de 8 de Março, e, sobretudo, nos termos do art. 816º, nº5, a contrario.
A este propósito, o Conselheiro Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 2007, 10ª edição, págs. 330/331, escreve:
“Também dentro do prazo de 15 dias, a contar da respectiva notificação podem os restantes credores impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado igualmente qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas quer pelo exequente, quer pelos outros credores (art. 866.°,n° 3). […].
[…] Face ao que se dispõe nos nºs 4 e 5 do art. 866.°, os fundamentos da impugnação, tal como acontece com os fundamentos da oposição à execução, dependem do título executivo que suporta a pretensão do reclamante: se for sentença, apenas os mencionados nos arts. 814.°ou 815.°[…].
[…] A Reforma do Processo Civil de 2003, pondo termo a controvérsia existente na doutrina e na jurisprudência, esclareceu que, tratando-se de crédito reconhecido por sentença, o impugnante não abrangido pela força do caso julgado pode defender-se nos termos amplos do art. 816.° (art. 866. °, n. ° 5, a contrario) […].
A falta de impugnação implica o reconhecimento dos créditos e das respectivas garantias, sem prejuízo das excepções ao efeito cominatório da revelia vigentes em processo declarativo, ou do conhecimento das questões que, a ser admitido despacho liminar, permitiriam a rejeição liminar da reclamação (art. 868. °, nº4).
Aquelas excepções são as previstas no art. 485. ° e estas questões são as enunciadas no n.°2 do art. 812.°, para efeitos do indeferimento liminar do requerimento executivo e ainda a inexistência ou a invalidade da garantia real invocada”.
Ora, sucede que a recorrente não se limitou a invocar o seu crédito, impugnando, outrossim, a existência do direito de retenção conferido pela sentença exequenda e invocado no requerimento executivo (cfr. item 2) dos factos provados), que a ele aludia expressamente; assim sendo, tendo impugnado o crédito de Luís …………, haveria lugar a produção de prova, tendo a sentença recorrida errado ao considerar que, por falta de impugnação, essa omissão tem como consequência o reconhecimento do direito real de retenção, nos termos do art. 868º, nºs 2 e 4, do Código de Processo Civil na redacção aplicável.
Essa solução decorre, a contrario, dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.9.2006 – Proc. 06A2136, in www.dgsi.pt, segundo o qual “Para que o crédito do exequente, garantido por direito de retenção, fosse graduado depois do crédito hipotecário reclamado pelo Banco, devia este ter impugnado vitoriosamente tal garantia real no apenso de reclamação de créditos, impugnação que podia ter feito, por ser esse o lugar próprio e porque, sendo o Banco um terceiro juridicamente indiferente, não estava abrangido pela força do caso julgado da sentença exequenda”;
De 14.9.2006 – Proc. 06B2468 – in www.dgsi.pt do qual dimana a seguinte doutrina:
- “À luz do artigo 866º, nº 5, do Código de Processo Civil – interpretativo do regime anterior – o credor hipotecário pode impugnar o crédito e o direito de retenção invocados pelo exequente com fundamentos diversos dos previstos no artigo 813º daquele diploma, versão anterior… A sentença que reconheça a algum credor o direito de retenção sobre uma fracção predial onerada com direito de hipoteca não põe em causa a existência e a validade deste último direito, mas não se limita, dado o disposto no nº 2 do artigo 759º do Código Civil, a afectar a sua consistência prática, porque afecta também a sua consistência jurídica.”.
De 20.5.2010 – Proc. 13465/06.8YYPRT-A.P1.S1 – in www.dgsi.pt. Donde flui a seguinte doutrina:
– “A Reforma da Acção Executiva, aderindo a um dos entendimentos firmados na doutrina e na jurisprudência, optou pela solução de facultar ao reclamante que não esteja abrangido pelo caso julgado formado em anterior acção declarativa, a invocação de qualquer fundamento, para além dos constantes dos arts. 814.º e 815.º do Código de Processo Civil, designadamente, aqueles que seria lícito deduzir em processo de declaração. Não tendo o reclamante, não abrangido pela eficácia do caso julgado formado na acção declarativa anterior, impugnado o crédito do exequente garantido pelo direito real de retenção, dever-se-á este último ter como reconhecido, nos termos do disposto pelo art. 868.º, nºs 2 e 4, do Código de Processo Civil.”
Conferindo o direito de retenção, que não está sujeito a registo, ao seu titular o direito de preferência que se sobrepõe, até, ao credor hipotecário, a penhora não afectando tal garantia, assegura ao credor/retentor o poder reclamar os seus créditos em sede executiva para poder receber o seu crédito pelo produto da venda – cfr., Miguel Teixeira de Sousa, “A Penhora de Bens na Posse de Terceiros”, in ROA, Ano 51º, Abril de 1991, pág. 83; Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 2.ª edição, Almedina, 2000, pág. 212; e Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto”, Almedina, 2000, pág. 322 e 331.
Em suma: -na reclamação de créditos, o credor reclamante, não abrangido pelo caso julgado, que reconheceu a terceiro um direito real que afecta juridicamente o seu direito provido também de garantia real, tem o ónus de impugnar essa garantia, sob pena de não o fazendo ela persistir incólume pelo que, tendo o recorrente impugnado tal direito de retenção, a proceder a impugnação, esse direito real cede passo em relação ao crédito hipotecário, merecendo censura a decisão recorrida que em contrário sentenciou.
Assim e como bem refere o EPGA, uma vez que o recorrente impugnou correctamente o crédito reclamado por Luís ………. e, bem assim, a alegada garantia consubstanciada no direito de retenção, não poderia o tribunal recorrido, sem realização da fase probatória, julgar improcedente a impugnação do crédito formulada pelo recorrente.
Procede, pois, o recurso, o que importa a revogação da sentença para que sejam apreciados os fundamentos da impugnação do direito de retenção que implicam a produção de prova, adrede compulsando o princípio do inquisitório ao agasalho dos artigos 13º do CPPT e 99º da LGT.
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4. - Nestes termos concede-se provimento ao recurso e revoga-se a sentença recorrida para que seja produzida a prova pertinente à apreciação e decisão sobre os fundamentos da impugnação do direito de retenção nos termos supra definidos.
Custas pelo recorrido.
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Lisboa, 03 de Novembro de 2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Lucas Martins)
(1) - Nos termos do nº 1 do artigo 686º do Código Civil – “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”