Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:178/21.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
DOMICÍLIO FISCAL – DEVER DE CONFIDENCIALIDADE
Sumário:A comunicação ao Recorrido da informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos por si instaurados, no âmbito dos poderes tributários de que dispõe, não acarreta necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar dos titulares da informação, uma vez que o Recorrido se encontra, igualmente, sujeito ao dever de sigilo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com os artigos 140.º e seguintes do CPTA, artigo 38.º do ETAF e artigo 629.º, n.º 2, al a) do CPC, ex-vi artigo 1.º do CPTA, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 22 de abril de 2021, a qual julgou procedente a intimação proposta pelo Município de Cascais contra o Ministério das Finanças, para prestação de informações, contra o Ministério das Finanças, pedindo que este seja intimado a fornecer a «informação relativa ao domicílio fiscal das pessoas singulares indicadas (…) no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados sob os n.os ....., ....., ....., ....., .....e ...... Mais, aquela sentença, fixou à causa o valor de €30.000,01 e condenou a Entidade Requerida nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
72.º
A sentença ora posta em causa ao decidir como decidiu, interpretando a redação do n.º 10 do artigo 7.º do Decreto Lei 433/99, de 26/10, como sendo, só por si, a norma habilitante para a cessação do dever de sigilo fiscal relativamente à transmissão de dado pessoal, violou de forma grosseira o espírito do legislador e a lei substantiva da proteção de dados (Regulamento Geral de Protecção de Dados) e a sua transposição para a ordem interna (Lei 58/2019 e 59/2019, ambos de 8 de Agosto).
73.º
Não se reconhece ao MC, apesar de integrar a administração tributária para aplicação das normas da LGT e CPPT, as mesmas atribuições e competências que a autorize legalmente a aceder à base de dados da AT.
74.º
A recolha de dados pessoais pela AT não tem a finalidade de identificar os cidadãos perante toda e qualquer entidade administrativa.
75.º
A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.
76.º
Conforme se defende, para a cessação do dever de confidencialidade na cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto na al. b) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT, é necessário a consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas, sendo que, o artigo 7.º do Decreto Lei 433/99, de 26/10, exige a publicação de uma Portaria que regulamente a forma de acesso e, na sua falta, por força do artigo 23.º da Lei da Proteção de Dados Pessoais, deverá ser elaborado um Protocolo entre o MC e a AT.
77.º
Não estando na disponibilidade do MC a aprovação da Portaria, estará, no entanto, a elaboração do Protocolo.
78.º
Salienta-se que existe uma outra base de dados - BDIC (Base Dados de Identificação Civil) - que tem por finalidade organizar e manter atualizada a informação necessária ao estabelecimento da identidade dos cidadãos, que contém, entre outros, o dado residência e na qual é reconhecida a possibilidade de acesso a outras entidades, aos dados nela constantes, cfr. alínea f) do artigo 5.º e alínea d) do artigo 22.º da Lei n.º 33/99, de 18 de maio, alterada por último pela Lei n.º 32/2017, de 01/06, configurando a morada, igualmente o seu domicílio fiscal.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso por a transmissão dos dados solicitado pela Recorrida configurar violação do previsto no artigo 64.º da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.º, artigo 35.º, n.º 4 e artigo 266.º, todos da Constituição da República Portuguesa, absolvendo a AT do pedido, com as legais consequências.
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O Município de Cascais, notificado, apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
“A sentença recorrida deve ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso interposto e mantendo-se a intimação ao Ministério das Finanças a prestar as informações requeridas, no prazo máximo de dez dias, como de seguida se conclui, em síntese. Vejamos:
1. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido de intimação apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal de seis contribuintes executados no âmbito dos correspondentes processos de execução fiscal por si instaurados, em razão de existir, por um lado, norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever de cooperação legal da AT com outras entidades públicas, previsto no artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da LGT e, por outro, que ainda que não existisse teria que considerar-se as autarquias locais como parte da AT quando no exercício de competências tributárias em tudo idênticas, como o são as relativas à cobrança coerciva dos tributos da sua titularidade.
2. Como resulta da sentença recorrida existe, ao contrário do que insiste em defender a Recorrente, «norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação, para efeitos da alínea b), do n.º 2, do artigo 64.º da LGT» – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 30 de setembro de 2020, proferido no processo n.º 108/20.6BEFUN.
3. A Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, procedeu à alteração do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, passando a facultar expressamente às autarquias locais o acesso à informação indispensável à realização de diligências de citação, notificação e execução no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados, prevendo, no seu n.º 6, o direito de consulta nas bases de dados da administração tributária, de informação sobre o domicílio fiscal e a identificação e a localização dos bens do executado.
4. As alterações a que o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro foi sujeito, visaram esclarecer os contornos do dever de confidencialidade, imposto pelo artigo 64.º, n.º 1 da LGT à administração tributária face às autarquias locais, tornando, simultaneamente, efetivos e praticáveis os poderes tributários relativamente aos impostos e outros tributos a cuja receita estas tenham direito, nos termos do disposto no artigo 15.º do RFALEI, os quais compreendem, nomeadamente, a possibilidade de cobrança coerciva desses mesmos impostos e tributos, como determina a alínea c) do mesmo normativo, através do processo de execução fiscal previsto e regulado no CPPT, tal como postula o artigo 12.º, n.º 2 do RGTAL e como passou igualmente a prever, de forma mais genérica, o próprio artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação inicial.
5. Com efeito, de pouco serviria a atribuição de uma competência específica no âmbito da execução coerciva dos tributos a cuja receita os municípios têm direito, se depois se vissem estes impedidos de levar a cabo as diligências necessárias, por falta de informação fidedigna relativamente ao domicílio fiscal dos executados e, bem assim, aos bens suscetíveis de penhora.
6. Acresce que não é diferente, no que respeita ao seu peso jurídico, o interesse da AT em conhecer o domicílio fiscal dos contribuintes no âmbito de uma execução fiscal, do interesse das autarquias locais em obter essa mesma informação para esse mesmo efeito, no domínio dos tributos por si administrados, não fazendo qualquer sentido conferir tratamento díspar à AT e às autarquias locais, permitindo à primeira o conhecimento do domicílio fiscal dos devedores e vedando essa mesma informação às segundas, tal como decidiu o Tribunal a quo (cf. pp. 16 e 17 da sentença).
7. Neste contexto, irreleva a necessidade de regulamentação, via Portaria ainda não aprovada, dos termos em que poderá decorrer a consulta informática direta àquelas bases de dados, como dispõe o n.º 8, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, pois que, o facto de a consulta informática direta às bases de dados se encontrar carecida de maiores desenvolvimentos legislativos, em nada belisca a legitimidade dos municípios no que respeita à consulta não direta, ou seja, por meio dos serviços da AT (como, de resto, vinha acontecendo, sem qualquer oposição, até outubro de 2020, conforme se deu como provado nas alíneas e) e f) do capítulo dedicado à matéria de facto da sentença recorrida).
8. Esta é a única conclusão que se coaduna com os princípios subjacentes à interpretação da Lei, vigentes no nosso ordenamento jurídico e plasmados no artigo 9.º do Código Civil: desde logo, os elementos literal e lógico favorecem o entendimento do ora Recorrido, na medida em que o termo ‘consulta’, referido no n.º 6 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro é um termo que abrange qualquer tipologia de consulta, seja ela direta informática, direta não informática, indireta informática ou indireta não informática, e na medida em que, permitindo-se o ‘fim’ consulta, necessariamente se permitem os meios necessários à sua consecução, não se restringindo os mesmos à aprovação de sistema informático próprio para o efeito – como foi igualmente decidido pelo Tribunal a quo quer na sentença recorrida (p. 20), quer no âmbito da intimação que correu termos sob o n.º 130/21.5BESNT e cuja sentença se encontra junta como doc. n.º 2 (p. 30).
9. Também os elementos sistemático e histórico validam a autonomia do direito à consulta das bases de dados da AT independentemente da instituição de um sistema informático para consulta direta, como se retira da análise do regime de consulta instituído para os agentes de execução e previsto no artigo 749.º do CPC (cuja redação é, atualmente, bastante próxima da que veio a ser conferida ao artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro), de onde resulta que a Lei já previa a possibilidade de consulta a determinadas bases de dados antes mesmo de conceber a possibilidade de a mesma ser efetuada informática e diretamente pelos agentes de execução, não tendo esse direito sido suspendido durante o tempo em que aquela não se encontrou regulamentada por Portaria.
10. O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na redação que lhe foi dada pela LOE para 2018 é claro ao afirmar que apenas a consulta informática direta – e não a consulta em termos genéricos – está dependente de operacionalização por meio de Portaria e ao estabelecer que a identificação do domicílio fiscal dos executados, por mera indicação do respetivo nome e NIF, se encontra abrangida pelo direito de consulta previsto – cfr. artigo 7.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro.
11. Não existe qualquer impedimento, de natureza legal, institucional ou procedimental, a que os municípios acedam às informações necessárias ao exercício das suas competências em matéria de cobrança coerciva dos tributos por si administrados, sendo inequívoca a legitimidade do Recorrido, decorrente dos n.ºs 6 e 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99 de 26 de outubro, bem como o seu interesse legítimo e qualificado, decorrente das suas competências em matéria de cobrança coerciva dos impostos e outros tributos por si administrados em conhecer a informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos de execução fiscal por si instaurados.
12. Acresce que o direito de consulta não pode, pois, ser ilegalmente limitado nos termos pretendidos pela Recorrente: seja pela obtenção da informação junto de outra fonte, seja pela celebração prévia de um qualquer protocolo para o efeito, a exemplo do que foi feito por outras entidades, criteriosamente enumeradas, nas alegações apresentadas: primeiramente, porque é à base de dados da AT que a Lei Fiscal confere expressamente o direito de acesso e, segundamente, porque o confere especificamente às autarquias locais e não a qualquer dessas outras entidades, razão pela qual certamente se viram as mesmas obrigadas a celebrar o protocolo a que se refere o artigo 23.º, n.º 2 da Lei da Proteção de Dados Pessoais.
13. Se assim é, ou seja, se é a própria Lei que estabelece a faculdade de acesso à base de dados da AT para efeitos da obtenção, por parte das autarquias locais, da informação relativa ao domicílio fiscal dos contribuintes, nos termos já sobejamente expostos, a existência de outras possibilidades não é nem pode ser utilizada pela AT como pretexto para se escusar de lhe dar cumprimento.
14. Conclusão diversa violaria o disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99 de 26 de outubro e, bem assim, na alínea b), do n.º 2, do artigo 64.º da LGT, que impõem a derrogação do sigilo fiscal no âmbito do dever legal de cooperação entre entidades públicas.
15. Razão pela qual andou bem o Tribunal a quo ao conceder provimento à intimação apresentada, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e mantida integralmente a sentença recorrida.
16. Em todo o caso, ainda que pudesse entender-se que o artigo 7.º, n.º 6 institui, não um direito à consulta de informações, mas, na esteira do que defende a Recorrente, um direito à ‘consulta informática direta’ sempre teria de reconhecer-se que o legislador acautelou devidamente a possibilidade de demora na operacionalização dessa faculdade, pois que, a par da consulta às bases de dados da AT, o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro também passou a prever, de forma expressa, no seu n.º 10 que «quando não seja possível o acesso eletrónico, pelo município, aos elementos sobre a identificação e a localização dos bens do executado, a AT deve fornecê-los pelo meio mais célere e no prazo de 30 dias».
17. O entendimento da Recorrente no sentido de que só em caso de “indisponibilidade do sistema informático” podem os Municípios invocar o disposto naquela norma não pode proceder, desde logo porque o que a Lei prevê como pressuposto do acesso indireto ou mediato, por meio de solicitação, às bases de dados da AT é a impossibilidade de acesso eletrónico e não a mencionada ‘indisponibilidade do sistema informático’.
18. Quando o legislador estabelece que a AT deve facultar a consulta às informações a que os municípios têm direito por consulta direta, por qualquer outro meio ‘quando não seja possível o acesso eletrónico’, refere-se, na falta de menção em contrário, a qualquer impossibilidade no acesso eletrónico e não a uma impossibilidade específica e temporária derivada de uma qualquer falha de funcionamento de um sistema informático que a ser criado no âmbito de uma Portaria que não existe ainda.
19. A diferença entre mencionar, por um lado, a possibilidade do recurso aos serviços da AT, quando não seja possível o ‘acesso eletrónico’ e, por outro, a ‘indisponibilidade do sistema informático’, torna-se, neste ponto, evidente: é que, enquanto a falta de um sistema informático apropriado à consulta direta consubstancia a impossibilidade de acesso eletrónico por excelência, já a indisponibilidade do sistema informático pressupõe a existência de um, como condição prévia de acesso à informação.
20. Perante a redação da Lei, apenas há que questionar se à data em que foi solicitada à AT prestação das informações sub judice era possível o acesso eletrónico direto às suas bases de dados por parte da Requerente, devendo a AT, em caso de resposta negativa – como sucede in casu – facultar a consulta aos dados solicitados pelo Recorrido, no prazo de 30 dias, conforme decorre do n.º 10, do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro.
21. Neste ponto, valem igualmente as considerações já tecidas a propósito dos princípios da interpretação da Lei, mormente no que respeita aos elementos sistemático e histórico, por paralelismo com o regime aplicável aos agentes de execução, para quem a Lei sempre previu o direito à consulta, em variadas bases de dados, dos elementos identificativos dos executados e dos bens suscetíveis de penhora e respetiva localização e, bem assim, um prazo para que o produto dessa consulta lhes fosse disponibilizado pelas entidades competentes – cfr. artigo 833.º, n.º 1 e n.º 3 do CPC, entretanto revogado (hoje artigo 749.º do CPC).
22. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, que substituiu o artigo 833.º pelo artigo 833.º-A, passou, então a prever-se o mesmo direito de consulta, desta feita por meio preferencial de consulta direta informática, nunca se tendo questionado que o direito à consulta em si mesmo se manteve intacto durante o tempo que mediou esta alteração e a aprovação da portaria que regulamentou aquela consulta direta informática.
23. Sendo factual que não lhe é, presentemente, possível o acesso eletrónico às bases de dados da AT, é inequívoca a sua obrigação em facultar ao Recorrido as informações oportunamente solicitadas, ao abrigo do n.º 10, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, conclusão a que chegou igualmente o Tribunal a quo na sentença recorrida, mas também no âmbito da intimação que correu termos sob o n.º 130/21.5BESNT, entre as mesmas partes e versando sobre a mesma questão, em cuja sentença se lê que «a impossibilidade de acesso eletrónico, sujeita a regulamentação ou à celebração de protocolos direcionados para o efeito, não pode condicionar o acesso à informação, pelo que o direito de consulta deve ser assegurado por qualquer outra via, designadamente, como se passa no caso dos autos, mediante a apresentação de um pedido, devidamente circunstanciado, com a indicação da finalidade a que se destina e do processo de execução fiscal em causa.» – cfr. pp. 20 da sentença recorrida e 30 da sentença junta como doc. n.º 2.
24. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao ter intimado o Ministério das Finanças a prestar essas mesmas informações, conforme dispõe o artigo 108.º, n.º 1 do CPTA, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e confirmada a sentença recorrida.
25. Finalmente, como decorre do disposto no artigo 1.º, n.º 3 da LGT e como concluiu o Tribunal a quo, no âmbito da intimação n.º 130/21.5BESNT, sempre se dirá que as autarquias locais «integram a administração tributária, não se justificando uma diferença de tratamento entre entidades que detêm, nos termos da lei, os mesmos poderes tributários, in casu, a Autoridade Tributária e as autarquias locais.» – p. 24 da sentença junta como doc. n.º 2.
26. Já no âmbito do enquadramento legislativo anterior à LOE para 2018, devia entender-se que o sigilo fiscal previsto no artigo 64.º, n.º 1 da LGT não é aplicável entre os órgãos da AT stricto sensu e as demais entidades integrantes da Administração Tributária para efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 3 da LGT.
27. Quer a AT e o Recorrido são, para efeitos daquela norma, entidades similares, dotadas dos mesmos poderes tributários, sendo que a comunicação ao Recorrido dos dados recolhidos pela AT nesse âmbito não desvirtua a finalidade da dita recolha.
28. Adicionalmente, do artigo 64.º, n.º 3 da LGT resulta que o dever de sigilo, previsto no n.º 1 do mesmo artigo se comunica a quem quer que obtenha da Autoridade Tributária os elementos protegidos pelo dever de confidencialidade, nos mesmos termos em que esta está sujeita e obrigada a tal dever.
29. Nestes termos, «a derrogação do sigilo comporta uma extensão do dever de confidencialidade às entidades e agentes a favor de quem tal derrogação opera» – cfr. p. 15 da sentença junta como doc. n.º 1, proferida no âmbito da intimação n.º 955/20.9BESNT.
30. Concluindo-se, na esteira do que se deixou plasmado no Parecer n.º 496/2015, proferido no âmbito do processo n.º 745/2015 pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que a comunicação ao Recorrido da informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos por si instaurados, no âmbito dos poderes tributários de que dispõe, não acarreta necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar dos titulares da informação, uma vez que o Recorrido se encontra, igualmente, sujeito ao dever de sigilo.
31. Com as alterações legislativas operadas pela LOE para 2018, o legislador mais não fez do que tornar expressa uma interpretação que, na verdade, já resultava da Lei fiscal: a de que, por via dos poderes tributários que lhe são conferidos por Lei, nomeadamente em matéria de cobrança coerciva dos tributos por si administrados, as autarquias locais têm legitimidade de acesso às informações necessárias à realização das diligências de execução cabíveis, no âmbito dos processos por si instaurados, em pé de igualdade com a AT.
32. Em conclusão, mesmo que fosse possível entender o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro como uma norma ‘incompleta’ para efeitos da derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do disposto no artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da LGT, sempre se diria que ela não era necessária para fundamentar a partilhas das informações nos termos requeridos.
33. Tudo razões para que seja negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a sentença recorrida.

III. DO PEDIDO

Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se integralmente a douta sentença proferida pelo proficiente Tribunal a quo e intimando-se, em consequência, o Ministério das Finanças a facultar a informação relativa ao domicílio fiscal dos executados no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs ....., ....., ....., ....., ..... e ....., instaurados e a correr termos na Câmara Municipal de Cascais, com as necessárias consequências legais, pois,
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido de se julgar “verificada a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, nos termos das disposições combinadas dos art. 280º nº 1 do C.P.P.T., 26º, al. a) do E.T.A.F. e 96º al. a), 97º nº 1, 98º, 99º nº 2, 576º nº 1 e 2, 577º, al. a), e 578º do C.P.C., estes aplicáveis por força do disposto no art. 2º, al. e), do C.P.P.T.”.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no julgamento ao julgar procedente o pedido de intimação para prestação de informações referente aos domicílios fiscais das pessoas singulares indicadas, alvo de processos de execução fiscal instaurados pelo Município de Cascais.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

a) No dia 06-11-2020, o Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais requereu ao «Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes» da AT informações sobre o domicílio fiscal de F...., de A....., de A....., de A....., de A..... e de A....., podendo ler-se, nos respetivos requerimentos, o seguinte:
«As autarquias locais exercem poderes tributários nos termos consagrados por lei, os quais compreendem as competências relativas à cobrança coerciva dos tributos que administram, enquanto administração tributária, conforme resulta do n°. 3, do artigo 1º, da Lei Geral Tributária.
Tais competências são exercidas com recurso ao processo de execução fiscal, nos termos decorrentes do artigo 12°, n°. 2, da Lei n°. 53-E/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e da alínea c) do artigo 15°, da Lei n°. 73/2013, de 3 de setembro, que aprovou o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais.
Ao abrigo das mencionadas disposições legais e tendo em vista a instrução do processo de execução fiscal identificado em epigrafe, a Responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais, da Câmara Municipal de Cascais, considerando a existência de um dever geral de cooperação das entidades públicas com a Administração Tributária, consagrado no artigo 49°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda, a obrigação decorrente dos n°s. 7 e 10, do artigo 7°, do Decreto-lei n°. 433/99, de 26 de outubro que aprova o Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação dada pela Lei n° 114/2017, de 29 de dezembro, que aprova o Orçamento de Estado para o ano de 2018, nos termos dos quais a informação relativa ao domicílio fiscal do executado deverá ser fornecida pela Autoridade Tributária no prazo de 30 dias, vem solicitar informação relativa ao domicilio fiscal do(a) executado(a) supra identificado(a).» (provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial);
b) Nesses requerimentos, o Requerente identificou os processos de execução fiscal que instaurou contra F....., correndo termos sob o n.º ....., de A....., correndo termos sob o n.º ....., de A....., correndo termos sob o n.º ....., de A....., correndo termos sob o n.º ....., de A....., correndo termos sob o n.º ....., e de A....., correndo termos sob o n.º ..... (provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial);
c) Através de ofícios do serviço de finanças de Cascais 2, datados de 18-11-2020, o Requerente foi notificado dos despachos, proferidos pela Subdiretora-Geral para a área da Justiça Tributária e Aduaneira, no sentido do indeferimento dos pedidos de informação sobre o domicilio fiscal de A....., de A....., de A....., de F....., de A..... e de A....., com os seguintes fundamentos:
«2. O n°. 1 do artigo 64°. da Lei Geral Tributária (LGT), que se refere ao dever de confidencialidade, determina que os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.
Tal dever de sigilo poderá, no entanto, cessar nas situações tipificadas no n.º 2 do art.º 64.º da LGT, de que se destaca na alínea b) a cooperação legal da administração tributária com outras ENTIDADES PÚBLICAS, na medida dos seus poderes.
Contudo, esta não é uma norma de aplicação direta, mas de REMISSÃO para os preceitos legais que, no caso, afastem o dever de sigilo. E a derrogação do sigilo fiscal com fundamento na alínea b) do n°. 2 do mesmo artigo, dependerá ainda da existência de uma NORMA ESPECÍFICA que atribua à ENTIDADE PÚBLICA que solicita os elementos, poderes de acesso à informação protegida.
(…)
3. Neste contexto, as questões que importam aqui esclarecer, serão as de saber:
• Se o DOMICÍLIO FISCAL (…), é (ou não) um dado abrangido pelo dever de sigilo, nos termos do nº. 1 do artigo 64°. da LGT.
• Em caso afirmativo, se estão (ou não) verificados os pressupostos para que possa ocorrer a cessação do dever de sigilo e a prestação da informação protegida, no âmbito da cooperação legal da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com outras entidades públicas, designadamente com a CM de Cascais, nos termos da alínea b) do n°. 2 do mesmo artigo 64°. da LGT.
3.1. Vejamos então, em primeiro lugar, se o DOMICILIO (…), é (ou não) um dado abrangido pelo dever de sigilo, nos termos do n°. 1 do artigo 64°. da LGT.
Na parte que aqui releva, o ponto 1) do artigo 4º. do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril, define DADOS PESSOAIS nos seguintes termos:
• "Informação relativa a uma PESSOA SINGULAR identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um IDENTIFICADADOR como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular."
E assim sendo, isto é, por ser uma informação relativa a uma pessoa singular, "in casu”, identificada através do respetivo Nome e NIF, teremos de concluir que, caso exista na base de dados da AT, o DOMICÍLIO FISCAL (…) é um DADO PESSOAL desse mesmo contribuinte.
E, por esse motivo, está abrangido pelo dever de sigilo, nos termos do n°. 1 do artigo 64°. Da LGT.
3.2. Importa, portanto, averiguar se existe alguma NORMA ESPECÍFICA que, derrogando o dever de sigilo, atribua à CM de Cascais o acesso à informação protegida, no âmbito da cooperação legal da AT com outras Entidades Públicas, nos termos da alínea b) do n°. 2 do artigo 64°. da LGT.
O que se fará de seguida:
(…)
3.2.2. Ora, o que se encontra estabelecido nos citados n°s 6, 7, 8 e 9 do artigo 7º. Do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, é a CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT, e portanto, através do sistema informático (acesso eletrónico), pelos próprios MUNICÍPIOS, designadamente pelos seus "trabalhadores e titulares de órgãos municipais”, com vista à obtenção de informações sobre o "DOMICÍLIO FISCAL" e sobre a "identificação e localização de bens" dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar pelos mesmos Municípios.
Para esse efeito, conforme resulta do disposto nos n°s 8 e 9 da mesma norma legal, será ainda necessária a DEFINIÇÃO e regulamentação através de PORTARIA, dos termos em que se irá processar aquela CONSULTA DIRETA. Diploma que, entre outras matérias deverá especificar:
• os utilizadores credenciados (trabalhadores e titulares e órgãos municipais), que poderão efetuar a consulta direta das bases de dados da AT;
• os dados ou categorias de dados, que serão disponibilizados para consulta pelos Municípios.
3.2.3. Assim sendo, quando em conformidade com o estabelecido nos n°s 6, 7, 8 e 9 do artigo 7º. do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro, bem como, com o que vier a ser definido na referida Portaria, estiver implementada a FUNCIONALIDADE que permitirá o ACESSO ELETRÓNICO (através de meios informáticos), às bases de dados da AT, serão os próprios Municípios, designadamente os seus "trabalhadores e titulares de órgãos municipais” (credenciados para o efeito), que terão LEGITIMIDADE para proceder à CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT e à pesquisa de informação sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar pelos mesmos Municípios.
Só EXCECIONALMENTE, quando por “indisponibilidade do sistema informático” não for possível o ACESSO ELETRÓNICO, e consequentemente, a CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT, pelos próprios Municípios, será possível aos municípios invocarem o disposto no nº. 10 do artigo 7°., para solicitarem DIRETAMENTE aos Serviços de Finanças, informações sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados.
Sendo que, nesse caso, porque a LEI assim o prevê, os Serviços de Finanças já poderão prestar-lhes as informações solicitadas, nos mesmos termos em que esta informação estaria acessível "por consulta direta", se não tivesse ocorrido a impossibilidade de acesso eletrónico.
À contrário, isto é, por falta de DISPOSIÇÃO LEGAL expressa nesse sentido, nas restantes situações, que serão todas aquelas que não integram a previsão do n.º 10 do artigo 7º. Do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro os Serviços da AT, NÃO têm LEGITIMIDADE para, em resposta aos pedidos que lhes sejam dirigidos – diretamente – pelos Municípios, efetuarem pesquisas nas bases de dados da AT e prestarem informações sobre o DOMICÍLIO FISCAL dos executados, nos PEF's instaurados e a tramitar nos Municípios.
3.2.4. Não tendo ainda sido publicada a Portaria a que se referem os nºs 8 e 9 do artigo 7º. Do Decreto-Lei n°. 433/99, de 26 de outubro e, em conformidade, implementada a FUNCIONALIDADE que permitirá a CONSULTA DIRETA das bases de dados da AT, pelos trabalhadores dos Municípios e pelos titulares de Órgãos Municipais (credenciados para esse efeito), teremos de concluir:
• Na presente data, não pode ter ocorrido qualquer situação de impossibilidade de “acesso eletrónico" às bases de dados da AT, de modo a fundamentar a aplicação do nº. 10 do mesmo artigo 7º. do referido diploma legal.
Sendo que, conforme já aqui foi referido, por falta de disposição legal expressa nesse sentido, nas restantes situações (que serão todas aquelas que não integram a previsão do referido n.º 10 do artigo 7°.), os serviços da AT NÃO têm LEGITIMIDADE para, em resposta aos pedidos que lhes sejam dirigidos - diretamente - pelos Municípios, efetuarem pesquisas nas bases de dados da AT, e prestarem informações sobre o “domicílio fiscal” dos executados, nos PEF’s instaurados e a tramitar pelos Municípios.
• Pese embora o alegado pela CM de Cascais, o pedido que efetuou não integra a previsão do n°. 10 do artigo 7º. do mesmo diploma legal.
E, consequentemente, esta disposição legal não pode fundamentar a cessação do dever de sigilo, e a prestação pelo SF (…) ou pela DSRC – diretamente – à CM de Cascais, da informação que solicitou sobre o DOMICÍLIO FISCAL (…), no âmbito da cooperação legal da AT com outras entidades públicas, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 64º. Da LGT.
4. Finalmente, importa ainda referir, que o artigo 49°. do CPPT, também invocado pela CM de Cascais, apenas consagra um DEVER GERAL de COOPERAÇÃO ou de AUXÍLIO, entre Entidades Públicas.
Pelo que, não tendo a caraterística de Norma Específica, também não pode fundamentar a cessação do dever de sigilo, e a prestação da informação solicitada pela CM de Cascais, no âmbito da cooperação legal da AT com outras entidades publicas, nos n°. 2 do artigo 64°. Da LGT.»
(provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial e por documentos, registados no SITAF com os n.os 006324349, 006324350 e 006324351);
d) Na sequência das decisões identificadas na alínea anterior, o Requerente apresentou recurso hierárquico, pedindo, a final, a sua anulação e emissão de novos atos que reconheçam a existência de norma específica que determina a cessação do dever de sigilo e o direito do mesmo à informação sobre o domicílio fiscal solicitado (provado pelo documento n.º 7 junto à petição inicial);
e) Entre janeiro de 2018 até meados de março de 2020, a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes da AT enviou à Câmara Municipal de Cascais elementos relativos à situação cadastral de contribuintes, dos quais constam, além dos mais, o respetivo domicílio fiscal (factos não controvertidos, alegados no artigo 10.º da petição inicial e nos artigos 61.º a 63.º da contestação, e confirmado pelos documentos n.os 3 e 4 juntos à petição inicial);
f) Em 24-08-2020, a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes informou a Câmara Municipal de Cascais de que passassem a ser submetidos, via e-balcão do Portal das Finanças, os pedidos com «questões e dúvidas relacionadas com as áreas de Identificação e de Atividade (por exemplo: questões relacionadas com a alteração de morada de pessoas singulares e com a representação fiscal; pedidos referentes à entrega da declaração de início de atividade, alterações, etc.)» (provado pelo documento n.º 5 junto à petição inicial).”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.”
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Em matéria de motivação, consta da decisão recorrida o seguinte:
“Os factos assentes foram selecionados de acordo com a sua relevância para o exame e decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de Direito.
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada, assim como pelas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados.”
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II.2. De Direito

Questão prévia – Da incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia

Tendo sido suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso, por o presente recurso versar apenas matéria de direito, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do CPPT e 13.º do CPTA.

Na verdade, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria (cfr. artigo 13.º do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT).

A incompetência absoluta é uma excepção dilatória – artigo 577.º, alínea a), do CPC – de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º, n.º 2, do CPPT).
A infracção às regras da competência em razão da hierarquia, da matéria (e da nacionalidade) determina a incompetência absoluta do tribunal (cfr. artigo 16.º, n.º 1, do CPPT).

Nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Por outro lado, é sabido que, nos termos do artigo 641.º, n.º 5 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida da incompetência deste Tribunal Central Administrativo “ad quem” em razão da hierarquia.

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que para determinação da competência hierárquica, em face do preceituado nos artigos 26,°, alínea b), e 38°, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e no artigo 280°, n°1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é relevante saber se o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscita qualquer questão de facto ou invoca, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida, concluindo-se que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito se, nas conclusões das alegações, se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.

A identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.

Como se doutrinou no acórdão deste TCAS, de 06.04.2017, proferido no âmbito do processo nº283/12.3BECTB “ O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.art°12, n°5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do art°38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.»

Ora, no presente caso, estamos perante uma intimação para prestação de informações relativas ao domícilio fiscal das pessoas singulares indicadas pela requerente no âmbito dos processos de execução fiscal por si instaurados sob os nºs ....., ....., ....., ....., ..... e ......

Deste modo, havendo também apelo a factos materiais ou ocorrências da vida real, independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso, terá de improceder a invocada incompetência deste TCAS, em razão da hierarquia.


***
Aqui chegados, iremos apreciar do mérito do recurso.

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente acção procedente e, em consequência, determinou a intimação da Entidade Requerida a prestar ao Requerente, no prazo de 10 (dez) dias, a informação actualizada do domícilio fiscal de A....., A....., A....., de F....., A..... e A......

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando [conclusão de recurso 72º] que A sentença ora posta em causa ao decidir como decidiu, interpretando a redação do n.º 10 do artigo 7.º do Decreto Lei 433/99, de 26/10, como sendo, só por si, a norma habilitante para a cessação do dever de sigilo fiscal relativamente à transmissão de dado pessoal, violou de forma grosseira o espírito do legislador e a lei substantiva da proteção de dados (Regulamento Geral de Protecção de Dados) e a sua transposição para a ordem interna (Lei 58/2019 e 59/2019, ambos de 8 de Agosto).
A questão invocada nos presentes autos, trazida a este Tribunal pelas mesmas partes, já foi decidida neste TCAS, em vários acórdãos recentes, em sentido desfavorável à pretensão da recorrente, a título de exemplo, vejam-se os Acórdãos proferidos nos Processos nºs 78/21.3BESNT, de 27/05/2021, 130/21.5BESNT, de 13/05/2021 e 955/20.9BESNT, de 27/05/2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Uma vez que, quer as alegações, quer as contra-alegações, são idênticas às que foram apresentadas no presente recurso, porque as partes são as mesmas, e porque não vislumbramos qualquer motivo para divergir de tão recente Jurisprudência, na resolução do presente recurso iremos seguir o já referido Acórdão proferido no Proc. 955/20.9BESNT, em 27/05/2021, disponível em www.dgsi.pt.:

«Nos presentes autos recursivos, interposto pela ATA , da decisão pelo Tribunal de 1ª Instância , que julgou procedente o pedido formulado pela entidade requerida, o Município de Cascais, relativa a informação sobre o domicílio fiscal de determinadas pessoas singulares formulado em sede de execução fiscal por dívidas de tributos autárquicos, importa então abordar as questões postas pela recorrente:

Quanto ao erro na aplicação e interpretação do artº 7º, do Dec. -Lei nº 433/99, de 26.10, por o mesmo não habilitar à predita cessação do dever de confidencialidade, tal como ela é desenhada na alínea b), do nº2, do artº 64º, da LGT , importa dizer o seguinte:

Em matéria de tributos administrados pelas autarquias locais, a atribuição de poderes tributários aos municípios ao abrigo da autonomia local, tem a máxima expressão, no que respeita ao património e finanças próprias , no disposto no artº 238º, a C.R.P. (cujo ratio visa a arrecadação de receitas e realização de despesas).- cfr Lei de Finanças Locais ( Lei nº 73/2013, de 03.09.), criando tributos próprios na sua titularidade ( Cfr Titulo II, da L.F.L.), cuja disciplina encontra-se vertida no artº 15º, da mesma lei, assim como do regime de taxas locais (Lei nº 53-E/2006, de 29.12), o que determina o estabelecimento de relações jurídicas tributárias entre os municípios e os contribuintes ( cfr nº2, do artº 1º, da LGT). – e nessa medida a RTL determina que, a tais relações jurídicas tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais, se aplica subsidiariamente a LGT ( cfr alínea b), do artº 2º, daquele diploma legal). Dai que,

As regras relativas à relação jurídica tributária vertido no Titulo II, da LGT, são “… em larga medida aplicáveis “ às relações jurídico- tributárias geradoras de obrigação de pagamento às autarquias locais”, em tudo em que não tenha sido especificamente regulado no próprio RTL, nas palavras do Ilte Professor da F.D.U.L., Dr. Sérgio Vasques, in “Regime das Taxas Locais”- Cadernos IDEF nº 8, Almedina, 2008, pags 78 e segs.

Já no âmbito do procedimento tributário, vertido no Titulo III, da LGT e Título II, do CPPT igualmente acolhido na alínea e), do referido artº 2º, daquele R.T.L., não tem a administração local competências próprias para proceder, nos mesmos termos que a Adm. Central, a actos procedimentais, designadamente os actos inspectivos , ou os procedimentos de avaliação directa e indirecta da matéria tributável ou do V.P. tributário dos tributos sobre o património. E nos mesmos termos quanto ao acesso à informação obtida legalmente quanto aos elementos de identificação e domicilio fiscal ( cfr artº 19º, da LGT).

Actuando as autarquias, em qualquer caso, no âmbito de criação de tributos públicos ( cfr artº 3º, nº1, da LGT), tal significa que tais edilidades e , especificamente os seus órgãos com competência para o efeito, integram a Administração Tributária quanto às ditas relações jurídicas tributárias a si acometidas- cfr nº3, do artº 1º da LGT, “in fine”.

Isto dito, tal não significa que os municípios detêm o direito de exigir, designadamente, o cumprimento do dever que impende sobre os contribuintes, de comunicar o respectivo domicílio fiscal, ou a designação de representante fiscal, muito menos de rectificar oficiosamente o domicilio fiscal , ou considerar como ineficaz a mudança de domicilio enquanto não comunicada à Adm. tributária, a que se referem os nºs 3 a 11, do artº 19º, da LGT. Ora,

Todos esses dados obtidos apenas pela pessoa colectiva pública estadual são, naturalmente sigilosos, quer os mesmos respeitem à situação tributária dos contribuintes, quer se trate de elementos pessoais a que tenham acesso- cfr nº1, do artº 64º, da LGT: Assim,

Tal dever de confidencialidade dos elementos obtidos em qualquer procedimento tributário, deverá ceder apenas na medida em que exista um dever de colaboração e de comunicação, no âmbito da cooperação daquela entidade estadual com outras entidades públicas, e na medida dos seus poderes- cfr alínea b), do nº 2, do artº 64º, da LGT.

Importa então responder à questão de saber se, no âmbito das competências atribuídas às autarquias locais em matéria de execução fiscal e aos órgãos periféricos locais, quanto aos tributos por si administrados, e a que se refere expressamente o nº1, do artº 7º do Dec.-Lei nº 433/99, na redacção dada pela Lei nº 100/2017, de 29.08., e especialmente no que tange à realização de penhoras e demais apreensões de bens aos executados, e demais diligências tendentes à identificação e localização de bens penhoráveis , em que medida podem obter tais elementos através da consulta nas bases de dados da Adm. Central, assim como sobre a identificação do executado, a qual apenas se refere ao domicílio fiscal, e apenas mediante indicação à ATA, do número de identificação fiscal ( cfr nºs 6 e 7, do artº 7º, do Dec.-Lei nº 433/99, de 26.10, na redacção dada pela Lei nº 114/2017, de 29.12.

Quanto à questão então posta de que tal regime supra exposto, não legitima o acesso do referido município à referida base de dados da ATA, sempre se impondo o cumprimento do disposto no nº8, do mesmo preceito legal relativo à necessária publicação de Portaria que regulamente tal forma de acesso e a que se refere o artº 23º, da LPDP ( Lei nº 58/2019, de 08.08), dir-se-á que, independentemente do carácter cumulativo ou disjuntivo das referidas regras apostas nos nºs 6 a 8, do mencionado artº 7º, daquele decreto-lei, o que, no entendimento deste Tribunal importa considerar é que, da interpretação conjugada do artº 1º, nº3, com o nº2, alínea b), do artº 64º, da LGT, o que resulta singelamente é que, integrando-se os municípios, no âmbito dos poderes tributários a si conferidos, na Adm. Tributária “lato sensu”, o carácter sigiloso dos elementos de natureza pessoal dos s.p. , obtidos legalmente pela mesma entidade pública ainda que estadual, deverão ser facultados aos municípios por estes integrarem também a administração tributária , desde que formalizado tal pedido à 1ª , não carecendo de qualquer densificação de tal poder de acesso, o que não se confunde com a dita regulamentação de acesso directo e automático à base de dados, essa sim submetida á necessária regulamentação que defina o respectivo “modus operandi” da sua obtenção pelo município , nos termos referidos nos ditos nºs 6 a 8, do dito preceito legal.

Diga-se ainda que a tal conclusão não contende com o mencionado regulamento de acesso de dados pessoais ínsito no artº 23º, nº 2, da Lei nº 58/2019, de 08.08.2019., já que o mesmo respeita às condicionantes na transmissão de dados entre entidades públicas, quando a mesma se destinar a finalidades diferentes da determinada legalmente para recolha e tratamento de tais dados, no caso vertente atribuída no âmbito estadual, o que no presente caso não se verifica já que, finalisticamente a mesma se destina ao exercício do poder tributário conferido por lei às autarquias locais. Assim sendo,

Entende-se que não impende qualquer necessidade de se protocolar tal transmissibilidade e tratamento de tais dados pessoais , sendo que no âmbito do “Regime de Acesso à Informação Administrativa e Ambiental e de Reutilização dos Documentos Administrativos”, introduzida pela Lei nº 26/2016, de 22.08. , quanto ao acesso à informação abrangida pelo segredo fiscal , e a que se refere a alínea d), do nº4, do seu artº 1º, no sentido de tal regime não derrogar “…a aplicação do disposto em legislação especifica …”, a que alude o corpo da dita norma, é precisamente o caso presente, atento o regulado no referido artº 1º, nº 3, “in fine”, daquela lei geral.

Como bem refere o recente Acórdão deste TCA, proferido em 13.05.2021, proferido no Proc. Nº 130/ 21, o que se pretende indagar não é das condicionantes impostas por lei ( no referido artº 7º), para efeitos de acesso directo à base de dados da ATA, porquanto se acolhe aqui a susceptibilidade de consulta de tais dados pessoais a pedido da autarquia em causa nos autos. De facto, do dito acórdão consta o seguinte quanto a tal questão: “…Ora, a própria Recorrente não põe em causa que o Município integra a administração tributária (cf. conclusão 58°), discorda, isso sim, que tenha as mesmas atribuições e competências que o autorizem legalmente a aceder à base de dados da AT.

Todavia, não está aqui em causa o acesso direito ou consulta direta pelo Município Requerente, ora Recorrido, às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo certo, como se decidiu, que os funcionários do Município estão sujeitos aos mesmos deveres de reserva e confidencialidade que recaem sobre os trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira.”.

Quanto ainda à possibilidade legal do município consultar outra base de dados que lhe é igualmente facultada, não contende, na perspectiva deste Tribunal, da necessidade estritamente tributária de obter a referida residência fiscal, independentemente da constante do registo civil, como também refere o Douto Acórdão supra citado, de que se respiga o seguinte §:

“Acrescente-se ainda que os processos de execução fiscal foram já instaurados, e foram devidamente identificados pelo número no pedido de informações, sendo que os próprios contribuintes têm a expetativa de ser notificados/citados para o seu domicílio fiscal e não no local da sua residência habitual.

Com efeito, apesar de o domicílio fiscal e o local de residência habitual serem, em regra coincidentes, os contribuintes podem aderir ao sistema de notificações eletrónicas, indicando, nesse caso, um endereço eletrónico ou ter nomeado representante fiscal, informações estas que constariam do cadastro.”

De resto,

Como bem refere o recorrido nas suas contra-alegações, o que aqui se subscreve, tal entendimento não resulta contrariado pelo Parecer nº 496/2015, da CADA, na medida em que considerou que tal comunicação à referida edilidade local, daquela informação pertinente ao domicilio fiscal dos devedores dos tributos autárquicos, não significa a violação de tal dever de confidencialidade . De facto no ponto 30 das contra-alegações ficou exarado o seguinte:

“… Concluindo-se, na esteira do que se deixou plasmado no Parecer n.º 496/2015, proferido no âmbito do processo n.º 745/2015 pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que a comunicação ao Recorrido da informação relativa ao domicílio fiscal dos executados nos processos por si instaurados, no âmbito dos poderes tributários de que dispõe, não acarreta necessariamente a violação do dever de confidencialidade ou do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar dos titulares da informação, uma vez que o Recorrido se encontra, igualmente, sujeito ao dever de sigilo.”


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Assim e em conclusão entende-se que se encontra legitimado o acesso aos dados pessoais dos devedores dos tributos coercivamente cobrados nos autos de execução fiscal em causa nos autos, apenas quanto ao respectivo domicilio fiscal dos executados, ainda que com os presentes fundamentos, decisão a que se procede na parte dispositiva do presente Acórdão.»

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Junho de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]