Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:968/12.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:TAXA PELO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE FORNECEDOR DE REDES E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I. A taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas tem natureza de contribuição financeira.

II. As normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de novembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Autoridade Nacional de Comunicações (doravante Recorrente ou ANACOM) veio recorrer da sentença proferida a 10.02.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada pela Z..., S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, referente ao ano de 2011.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1.ª Deverão ser aditados ao n.° 17 do probatório os factos indicados sob os n°s 17-A) a 17-K) do n.° 31 das presentes alegações, relativos à determinação dos rendimentos relevantes diretamente relacionados com o exercício da atividade de oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas;

2.ª Deverão ser aditados ao n.° 17 do probatório os factos indicados sob os n°s 17-L) a 17- O) do n.° 32 das presentes alegações, quanto à caracterização da atividade dos operadores "over-the-top" (OTT);

3.ª Deverão ser aditados ao n.° 21 do probatório os factos indicados sob os n°s 21-A) a 21-C) do n.° 33 das presentes alegações, relativos aos custos de regulação e ao financiamento da ANACOM.

4.ª Deverão ser aditados ao n.° 46 do probatório os factos indicados sob os n°s 46-A) e 46-B) do n.° 34 das presentes alegações, relativos ao tratamento das provisões como gasto/custo administrativo de regulação;

5.ª Deverão ser aditados ao n.° 46 probatório, os factos indicados sob os n°s 46-C) a 46-J) do n.° 35 das presentes alegações, respeitantes aos benefícios da atividade de regulação económica desenvolvida pela ANACOM;

6.ª Não existe qualquer substrato material que possa suportar, no plano da regulação do setor das comunicações eletrónicas, da regulação dos serviços da sociedade da informação ou da regulação da comunicação social, a distinção feita pelo Tribunal a quo, para efeitos de delimitação dos serviços de comunicações eletrónicas entre (i) serviços de comunicações eletrónicas que transmitem sinais de televisão e (ii) serviços de comercialização de conteúdos através de redes de comunicações eletrónicas, que não seriam serviços de comunicações eletrónicas;

7.ª Um "serviço de fornecimento de conteúdos através da rede", que apenas poderá corresponder às ofertas de empresas OTT, nunca poderá corresponder à oferta agregada de uma empresa de comunicações eletrónicas, como é o caso da Impugnante, sob pena de ter que se considerar a distribuição de programas de televisão através de operadores de rede um serviço da sociedade de informação e nem sequer um serviço do setor da comunicação social regulado pela ERC;

8.ª A qualificação do serviço de distribuição de sinais de televisão como um serviço de comunicações eletrónicas, ao abrigo da definição constante do artigo 3.°, alínea ff) da LCE tem vindo a ser feita, quer pelas próprias empresas, quer pela ANACOM, que tem vindo a associar tais ofertas ao teor da inscrição dessas empresas no registo;

9.ª Também no plano estatístico, o serviço de distribuição do sinal de televisão é considerado um serviço de comunicações eletrónicas;

10.ª No plano da tutela dos direitos dos consumidores tem sido assumido o entendimento de que o serviço de distribuição do sinal de televisão por subscrição é um serviço de comunicações eletrónicas;

11.ª Para efeitos de aplicação do direito da concorrência, os mercados de media e conteúdos não se confundem com os mercados relacionados com a transmissão por radiodifusão (por cabo ou analógica) para a entrega de conteúdos a utilizadores finais;

12.ª A circunstância de se considerar, como fez o Tribunal a quo, que um operador de distribuição não presta um serviço de comunicações eletrónicas, limitando-se a comercializar/disponibilizar/fornecer conteúdos, deixaria essa atividade fora do âmbito da regulação e supervisão da ANACOM, com consequências no plano da proteção dos consumidores e no próprio plano da proteção dos interesses da Impugnante, já que, não estando em causa uma atividade de comunicações eletrónicas, a Impugnante não poderia beneficiar da regulação económica exercida pela ANACOM, nomeadamente quando esta institui ofertas grossistas reguladas e garante o funcionamento de mercado em condições de concorrência;

13.ª Para efeitos da regulação das atividades de comunicação social a NOS é um operador de distribuição, estando sujeita à supervisão e intervenção do Conselho Regulador da ERC e às taxas de regulação e supervisão aplicáveis, porque disponibiliza ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, serviços de programas de televisão, na medida em que tem a responsabilidade sobre a sua seleção e agregação e apenas nessa medida;

14.ª Porém, daí não decorre que essa sua atividade de disponibilização ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, de conteúdos ou programas de televisão, não esteja igualmente sujeita à regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento da ANACOM, enquanto serviço de comunicações eletrónicas, na medida em que consiste na transmissão de sinais através de redes de comunicações eletrónicas;

15.ª De acordo com a jurisprudência do TJUE «o artigo 2.°, alínea c), da diretiva-quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em proporcionar um pacote de base acessível por cabo e cuja faturação engloba os custos de transmissão bem como a remuneração dos organismos de radiotelevisão e os direitos pagos aos organismos de gestão coletiva dos direitos de autor, a título da difusão do conteúdo das obras, é abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» e, portanto, pelo âmbito de aplicação material tanto desta diretiva como das diretivas específicas que constituem o NQR, aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, desde que esse serviço compreenda principalmente a transmissão dos conteúdos televisivos mediante a rede de teledistribuição por cabo até ao terminal de receção do utilizador final» (Acórdão de 7 de novembro de 2013, processo n.° C-518/11, UPC Nederland BV c. Gemeente Hilversum, cons. 47 e n.° 1 da parte dispositiva);

16.ª Esta jurisprudência foi confirmada por acórdão de 30 de abril de 2014, tendo o TJUE afirmado que «o artigo 2.°, alínea c), da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva-quadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em oferecer, a título oneroso, um acesso condicional a um pacote, transmitido por satélite, que contém serviços de radiodifusão radiofónica e de televisão está abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» na aceção da referida disposição» e que «o operador que oferece um serviço, como o que está em causa no processo principal, deve ser considerado um prestador de serviços de comunicações eletrónicas à luz da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140»( Acórdão de 30 de abril de 2014, processo n.° C-475/12, UPC DTH c Nemzeti Média cons. 58 e n.° 1 da parte dispositiva);

17.ª O considerando 20 da Diretiva Autorização não visou tomar posição quanto ao conceito de serviço de comunicações eletrónicas, nem quanto à respetiva delimitação, positiva ou negativa, até porque, para efeitos da Diretiva Autorização, aplicam-se as definições constantes do artigo 2.° da Diretiva-Quadro (cf. artigo 2.°, n.° 1 da Diretiva Autorização);

18.ª A NOS Comunicações, exercendo uma atividade de comunicações eletrónicas ao abrigo da autorização geral e beneficiando do enquadramento regulamentar aplicável ao setor das comunicações eletrónicas (regulamentação da transmissão), desenvolve também, por oferecer pacotes de programas de televisão através de uma rede de comunicações eletrónicas, uma atividade regulada no âmbito da comunicação social, devendo, nesse plano, observar os critérios próprios da regulação desse setor, que se situam no plano da regulamentação de conteúdos, de modo a assegurar os objetivos da regulação a que se refere o artigo 7.° dos Estatutos da ERC;

19.ª O facto de a NOS Comunicações estar sujeita à supervisão e intervenção do Conselho Regulador da ERC não a desqualifica enquanto empresa fornecedora de redes e serviços e comunicações eletrónicas;

20.ª Não existe qualquer fundamento no direito europeu ou nacional, que possa suportar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, no sentido de que, está «excluído do conceito de serviço de comunicações eletrónicas o de fornecimento de conteúdos» (p. 35 da sentença recorrida) daí retirando a conclusão - errada - de que houve erro na quantificação do tributo;

21.ª A sentença recorrida violou o disposto no artigo 2.°, alínea c) da Diretiva-Quadro e o disposto nos artigos 2.°, n.° 1, alínea b) e 3.°, alíneas dd) e ff) da LCE;

22.ª Ao não considerar a interpretação das normas de direito europeu, nos termos fixados pelo TJUE nos acórdãos proferidos nos processos n°s C-518/11 e C-475/12, a sentença recorrida pôs em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da união europeia, in casu, a interpretação e aplicação do disposto no artigo 2.°, alínea c) da Diretiva-Quadro;

23.ª As questões de interpretação de direito da união suscitadas pela sentença recorrida encontram-se resolvidas de forma consistente pelos acórdãos do TJUE proferidos nos processos n°s C-518/11 e C-475/12, e em termos contrários ao decidido pelo Tribunal a quo, pelo que não se justifica colocar ao TJUE nova questão prejudicial sobre a mesma matéria;

24.ª Não sendo esse o entendimento do Tribunal ad quem, a ANACOM, ora Recorrente, está disponível para, ao abrigo do princípio da colaboração processual, contribuir para a formulação de uma eventual questão prejudicial;

25.ª Aderindo o Tribunal ad quem ao entendimento de que as questões de interpretação de direito da União suscitadas pela sentença recorrida se encontram resolvidas pelos acórdãos proferidos nos processos n°s C-518/11 e C-475/12, deverá aplicar ao caso o artigo 2.°, alínea c) da Diretiva-Quadro, e bem assim os artigos 2.°, n.° 1, alínea b) e 3.°, alíneas dd) e ff) da LCE, de acordo com o dispositivo dos referidos acórdãos do TJUE, considerando que o serviço de televisão por subscrição [STS] (por cabo e satélite, incluindo o vídeo on demand [VoD] e a subscrição de canais premium) e as receitas que lhe estão associadas (incluindo as relativas a instalações, ativações, aluguer de equipamentos [Set Top Boxes (STB)] e outros serviços de STS), constituem serviços de comunicações eletrónicas, encontrando-se abrangidos pelo âmbito material da regulação a cargo da ANACOM, nos termos do artigo 5.° da LCE, pelo que não ocorreu in casu qualquer erro na quantificação do tributo, por terem sido considerados rendimentos relevantes para efeitos da liquidação impugnada, os provenientes da prestação desses serviços;

26.ª As provisões têm um tratamento contabilístico autónomo e distinto dos fornecimentos e serviços externos (e não dos fornecedores), pois todas as naturezas de gastos são discerníveis entre si, com regras contabilísticas diferentes;

27.ª No caso das provisões, o seu registo contabilístico obedece a regras próprias, devidamente explicitadas na Norma Contabilística de Relato Financeiro 21 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes ("NCRF 21");

28.ª O Tribunal a quo confundiu (i) a questão do reconhecimento contabilístico das provisões para processos judiciais relacionados com a atividade de regulação do setor das comunicações eletrónicas como gasto ou custo administrativo da ANACOM, com (ii) a questão da sua elegibilidade para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas;

29.ª Ao contrário do afirmado a págs. 39-40 da sentença recorrida, por referência aos critérios da NCRF 21 relativos ao reconhecimento e ao registo de provisões, as provisões, uma vez reconhecidas e registadas, são gastos como quaisquer outros, afetando os resultados do exercício, conforme é suportado pelos dois pareceres juntos pela Recorrente como documentos n°s 1 e 2 com as suas alegações pré- sentenciais;

30.ª Embora uma provisão seja, por definição, constituída para salvaguardar riscos futuros e assente num juízo de probabilidade quanto a um eventual exfluxo de recursos baseada numa estimativa fiável da quantia da obrigação (cf. Norma Contabilística e de Relato Financeiro [NCRF21, §13]) não deixa de ser um gasto, com impacto nas demonstrações financeiras da entidade, sendo fiscalmente dedutível e afetando os resultados do exercício;

31.ª O conceito contabilístico ou fiscal de gasto (ou custo) não exige um exfluxo financeiro atual ou presente de fundos (pagamento). Considere-se, a título de exemplo, o caso das depreciações e amortizações dos bens do ativo fixo, tangível e intangível;

32.ª De um ponto de visa contabilístico e fiscal, não são apenas gastos [custos] aqueles que envolvam um exfluxo financeiro atual ou presente, isto é, aqueles que correspondam a despesas efetivamente incorridas, por importarem a mobilização de recursos financeiros;

33.ª De um ponto de vista contabilístico e fiscal, as provisões são um custo efetivo, ainda que assentem em gastos estimados. E são um custo real, porque o seu reconhecimento tem impacto financeiro nas contas da entidade que as constitui, afetando os resultados do exercício;

34.ª Uma vez identificado o risco de exfluxo de recursos, as normas contabilísticas obrigam à constituição de provisões;

35.ª Não foi a alteração efetuada pela Portaria n.° 296-A/2013 ao n.° 1 do anexo II da Portaria n.° 1473-B/2008 que veio determinar a inclusão das provisões para processos judiciais em curso nos custos administrativos cobertos pela taxa de regulação, uma vez que estes custos administrativos sempre incluíram as provisões nos termos do estudo "Modelo de Taxas do ICP-ANACOM, Maio 2008", da metodologia de apuramento dos custos de regulação, do referencial contabilístico aplicável à ANACOM e da utilização da respetiva contabilidade para efeitos de apuramento dos gastos [custos] administrativos de regulação do setor das comunicações eletrónicas;

36.ª A alteração introduzida pela Portaria n.° 296-A/2013 foi apenas no sentido de deixar de se ter em conta o orçamento dos custos administrativos e provisões para processos judiciais respeitante ao ano em causa para calcular o total de custos administrativos da ANACOM cobertos pela taxa de regulação;

37.ª Tanto o "Estudo" como a "Metodologia" assentam na utilização da contabilidade analítica da ANACOM como forma de identificar os custos associados ao desenvolvimento das diferentes atividades inerentes ao exercício das atribuições da ANACOM, distinguindo aquelas que dizem respeito à regulação das comunicações eletrónicas, daquelas que dizem respeito ao setor postal, à assessoria ao Governo e a outras atividades;

38.ª Do universo de gastos administrativos da ANACOM, apenas são considerados para efeitos do lançamento e liquidação da taxa impugnada os gastos afetos à regulação das Comunicações eletrónicas, excluindo os gastos afetos a outras atividades;

39.ª Não se coloca o problema de estarem a ser financiados através da taxa de regulação das comunicações eletrónicas outros gastos administrativos da ANACOM;

40.ª O TJUE já se pronunciou por duas vezes sobre a interpretação do artigo 12.° da Diretiva Autorização e, embora afirme a natureza limitada dos custos administrativos suscetíveis de cobertura pelas taxas de regulação (cf. considerandos 22, 23 e 27 do acórdão Telefónica proferido em 21 de julho de 2011 no processo C-284/10 e considerandos 36 e 38 a 42 do acórdão Vodafone Omnitel de 18 de julho de 2013, proferido nos processos apensos n°s C-228/12 a C-232/12 e C-254/12 a C-258/12) nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorizações gerais;

41.ª O TJUE afirmou claramente que os custos elegíveis para efeitos de financiamento através dos encargos administrativos a que se refere aquele artigo 12.° compreendem a totalidade dos custos resultantes das atividades mencionadas na alínea a) do n.° 1 daquela disposição de direito da União Europeia e não apenas uma parte (cf. considerandos 38, 41, 42 e 43 do acórdão de 18 de julho de 2013);

42.ª Mais recentemente o TJUE teve oportunidade de confirmar que os custos com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação do regime de autorização geral, bem como com as atividades de gestão, de controlo e de aplicação das obrigações específicas, incluindo as obrigações que podem ser impostas aos fornecedores designados para prestar o serviço universal, podem ser cobertos pelos encargos administrativos a que se refere o artigo 12.°, n.° 1, alínea a) da Diretiva Autorização (cf. considerandos 39 e 40 do Despacho de 29 de abril de 2020, proferido no processo n. ° C-399/19);

43.ª Se todas as atividades de regulação são suscetíveis de controlo jurisdicional (cf. artigo 4.° da Diretiva-Quadro e artigo 13.° da LCE) seria manifestamente absurdo considerar tais atividades elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando as mesmas se desenvolvem de modo normal, e já não as considerar elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando se desenvolvem de modo patológico, maxime se e quando a ANACOM fosse condenada a pagar indemnizações a terceiros por atos de regulação ilegais, sustentando que, nesses casos, deve ser a generalidade dos contribuintes a suportar tais custos;

44.ª Uma das finalidades da reforma do modelo de taxas da ANACOM, foi, justamente, a de pôr termo ao financiamento dos custos administrativos da regulação através das taxas de utilização do espetro radioelétrico, internalizando no setor os custos com a respetiva regulação;

45.ª Caso a ANACOM não possa repercutir nas taxas de regulação das comunicações eletrónicas os custos com a constituição de provisões ligadas à regulação do setor, o efeito financeiro daí adveniente projetar-se-ia nos resultados que podem ser transferidos para o Estado;

46.ª Os resultados da ANACOM são uma consequência dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico (que são uma receita devida pela utilização do domínio público radioelétrico que se encontra consignada à ANACOM e cujo excedente é entregue ao Estado);

47.ª A utilização dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico para financiar a constituição de provisões ligadas à atividade de regulação, equivaleria a transferir para outras fontes de financiamento custos que devem ser internalizados no âmbito da atividade de regulação (artigo 12.° da Diretiva Autorização e artigo 105.°, n.° 4 da LCE), implicando o regresso ao sistema anterior à Portaria n.° 1473-B/2008, em que a regulação era financiada pelo produto das taxas de utilização do espetro radioelétrico;

48.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação - como foi decidido pelo Tribunal a quo - não assegura uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, pondo em causa o princípio da orientação para os custos, uma vez que todos os custos decorrentes de situações patológicas não seriam internalizados pelo setor, ficando a cargo do Estado, isto é, da generalidade dos contribuintes, quer através da mobilização das receitas da taxa de utilização do espetro radioelétrico, quer através de dotações orçamentais específicas;

49.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação não proporcionaria uma recuperação integral de todos os custos suportados com a regulação do setor, incluindo os custos decorrentes da impugnação de decisões da ANACOM ligadas à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral;

50.ª A inclusão das provisões na base dos gastos administrativos de regulação é inerente aos objetivos e à teleologia dos encargos a que se refere o artigo 12.° da Diretiva Autorização, sob pena de não existir uma correspondência integral entre receitas e custos, os quais não podem resumir-se às situações normais de regulação, tendo ainda que abranger as situações patológicas que envolvem a constituição de provisões;

51.ª Os custos administrativos diretamente relacionados com a atividade de regulação do setor das comunicações eletrónicas incluem, inequivocamente, os custos suportados com a constituição de provisões, os quais são elegíveis para efeitos de distribuição pelos prestadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, sendo a sua consideração absolutamente essencial para assegurar a coerência e o equilíbrio do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.° da Diretiva Autorização e no artigo 105.°, n.° 4 da LCE;

52.ª Ao instituir um sistema de partilha dos custos da regulação, o artigo 12.°, n.° 1, alínea a) da diretiva autorização e o artigo 105.°, n.° 1, alínea b) e n°s 4 e 5 da Lei das Comunicações Eletrónicas, não pretende, seguramente, que seja a generalidade dos contribuintes a suportar os custos com indemnizações fundadas em responsabilidade civil por atos ou omissões de regulação imputáveis à ARN, nem se vê que tal solução seja compatível com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que vincula o legislador, nas suas opções de afetação de meios financeiros à satisfação de necessidades coletivas, ao respeito pelos modos de legitimação da tributação consentâneos com as utilidades geradas pela despesa pública;

53.ª Nestes termos e ao contrário do entendimento formulado pelo Tribunal a quo, a elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.° da Diretiva Autorização e no artigo 105.°, n.° 4 da LCE, da necessidade de assegurar uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, bem como do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos;

54.ª É totalmente improcedente o alegado erro de quantificação do tributo com fundamento na integração do valor das provisões nos gastos administrativos relacionados com a atividade de regulação da ANACOM;

55.ª A sentença recorrida violou o disposto no artigo 12.°, n.° 1, alínea a) da Diretiva Autorização e o disposto no artigo 105.°, n.° 4 da LCE;

56.ª Da garantia constitucional do acesso à justiça e da garantia da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas não decorre qualquer exigência em termos de financiamento, nomeadamente a exigência de um modelo de financiamento de base orçamental, suportado pela generalidade dos contribuintes, que exclua a internalização dos custos de regulação, incluindo os custos com a constituição de provisões, pelo que se consideram destituídas de fundamento as considerações apresentadas a este propósito na sentença recorrida;

57.ª Existe erro de julgamento na parte dispositiva da sentença, a qual deveria ter determinado a anulação parcial da liquidação e não a anulação total, com consequências em sede de execução de sentença, uma vez que não haveria lugar à devolução do tributo pago, na sua totalidade, mas à revisão da liquidação da taxa de regulação de 2011;

58.ª A sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à condenação em juros indemnizatórios porque o alegado vício considerado procedente apenas abrange alguns pressupostos da liquidação (os relativos aos rendimentos provenientes da prestação do STS e os relativos aos gastos com provisões) e não envolve os valores devolvidos devido à substituição de valores de orçamento por valores de execução orçamental e devido à correção do valor dos rendimentos relevantes indicados pela Optimus e pela PTC, estes últimos relativos à prestação do serviço universal, pelo que, em relação a estes, não decorre da lei a obrigação de pagamento de quaisquer juros indemnizatórios;

59.ª Os erros de julgamento invocados nas duas conclusões anteriores, apenas deverão ser apreciados pelo Tribunal ad quem, na hipótese, que não se de admite, de improcedência do presente recurso;

60.ª Nos termos dos n°s 2 e 3 do artigo 665.° do CPC, aplicável ex vi artigo 281.° do CPPT, e na procedência do presente recurso, deverá o Tribunal ad quem conhecer as demais questões suscitadas pelas partes e substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão da causa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto e revogada a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 2.°, alínea c) da Diretiva-Quadro e do disposto nos artigos 2.°, n.° 1, alínea b) e 3.°, alíneas dd) e ff) da LCE, pondo em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da união europeia, in casu, a interpretação e aplicação do disposto no artigo 2.°, alínea c) da Diretiva-Quadro, e por violação do disposto no artigo 12.°, n.° 1, alínea a) da Diretiva Autorização e do disposto no artigo 105.°, n.° 4 da LCE.

Na procedência do presente recurso e ouvidas as partes, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare improcedente a impugnação do ato de liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, relativa ao ano de 2011, no valor de € 3.580.490,47, assim se fazendo Justiça!

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

I. Na presente ação peticiona-se a declaração de nulidade ou anulação do ato de liquidação pela ANACOM da quantia paga pela Impugnante a título de “Taxa Anual pela Actividade de Fornecedor Redes e Serviços Comunicações Electrónicas”, respeitante ao ano de 2011 - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 1 e 2;

II. O presente recurso é interposto pela ANACOM contra a douta Sentença, de 10.02.2021, que julgou procedente o vício do erro sobre os pressupostos, com base em dois dos fundamentos invocados na P.I., e, consequentemente, anulou o ato impugnado - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 1 e 2;

III. Em síntese, os referidos dois fundamentos apreciados e decididos na douta Sentença recorrida, respeitam

- à circunstância de no cálculo da “taxa” em causa a ANACOM considerar a totalidade (100%) das receitas da então Z... na sua atividade de oferta de conteúdos (televisão e vídeo), que nada tem que ver com o âmbito regulatório da ANACOM (v. págs. 28 e segs. da douta Sentença recorrida);

e, por outro lado,

- à circunstância de no cálculo da “taxa” em causa a ANACOM contabilizar as provisões constituídas pela ANACOM relativas a processos judiciais contra si intentados em que é peticionada a condenação da ANACOM no pagamento de indemnizações ou restituição de quantias em virtude de atos (alegadamente) ilegais dos seus órgãos ou agentes, assim imputando diretamente à Impugnante os valores dessas provisões e aos demais sujeitos passivos do Escalão 2 desta “taxa” (v. penúltimo parágrafo da págs. 38 e segs. da douta Sentença recorrida);

cfr. texto das presentes Alegações n.°s 1 e 2;

IV. A douta Sentença recorrida é irrepreensível, sendo patente o respetivo rigor e acerto, quer na fixação dos factos provados, quer na aplicação do Direito, quer mesmo, como veremos, na Justiça que está subjacente ao decidido e que deve ser o fim último de qualquer processo judicial - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 5 e segs.;

V. Para além do apreciado na douta Sentença recorrida foram invocados pela Impugnante, ora Recorrida, diversos outros fundamentos para a declaração de nulidade ou anulação do ato sub judice, cujo conhecimento foi considerado prejudicado na douta Sentença recorrida - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 2 a 12;

VI. Assim, caso o presente recurso da ANACOM seja julgado procedente - o que não se concede minimamente -, deve o processo baixar à primeira instância para apreciação e decisão das referidas questões, cujo conhecimento foi considerado prejudicado na douta Sentença recorrida, ou, deve ser seguido o disposto no art. 665.°/2 e 3 do CPC, ex vi art. 2.°/e) do CPPT, conhecendo esse douto Tribunal daquelas questões em substituição do Tribunal recorrido, após prévia notificação às Partes, nos termos do n.° 3 do referido art. 665.° do CPC - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 11 a 12;

VII. Feito este enquadramento, também em sede de Conclusões, cumpre formular as Conclusões para as questões que se colocam face ao recurso da ANACOM;

-DOS FACTOS

VIII. A ANACOM, ora Recorrente, não impugna os factos considerados provados na douta Sentença recorrida e reconhece, indiretamente, que os mesmos são suficientes para o decidido (v. n.° 33 a pág. 12 das Alegações da ANACOM), apesar de, depois, fazer referência à modificação da decisão de facto, com aditamento de alegados "factos”, com referências à prova gravada - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 13 a 17;

- Factos a aditar

IX. Não obstante os Factos considerados provados na douta Sentença recorrida serem suficientes e suportarem plenamente o decidido, requer-se, a título subsidiário, nos termos do art. 636.°/2 do CPC, ex vi art. 2.°/e) do CPPT, o aditamento dos Factos indicados supra, nos n.°s 18 a 21 das presentes Alegações - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 18 e 21;

- “Factos” que a ANACOM pretende ver aditados

X. Conforme demonstrado acima no texto das presentes Contra-Alegações, relativamente aos alegados “factos” que a ANACOM pretende aditar, os mesmos, ou (i) não são verdadeiramente factos (mas sim matéria de direito ou conclusões de factos não provados); ou (ii) são irrelevantes para a decisão da causa (aliás a ANACOM não os refere na posterior análise do Direito); ou (iii) não foram antes alegados; ou (iv) não se podem considerar provados, maxime face à prova produzida (nomeadamente a gravada), sendo, assim, totalmente improcedente o referido pela ANACOM quanto a pretensos factos a aditar - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 22 a 24;

- DO DIREITO

- Do acerto do decidido quanto aos erros na determinação dos “proveitos relevantes

XI. O que está em causa quanto à questão dos “proveitos relevantes” (erradamente) considerados pela ANACOM é o facto de a ANACOM ter considerado a totalidade (100%) dos rendimentos da então Z... na sua atividade de oferta de conteúdos / televisão por subscrição desenvolvida pela então Z... (incluindo o “Video on Demand’) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 25 e segs.;

XII. Não estão aqui em causa os serviços de Internet e telefone (nos quais não há qualquer componente de conteúdos ou em que os conteúdos advém de terceiros), englobados nos 168.497.329,00€voluntariamente” declarados pela Impugnante como “proveitos relevantes” para efeitos de cálculo da “taxa” em causa - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 28 e segs.;

XIII. É manifesto o acerto do decidido na douta Sentença recorrida, não enfermando de qualquer erro de julgamento - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 28 e segs.;

XIV. Em primeiro lugar, ao incidir a respetiva “taxa contributiva’’ sobre a totalidade das receitas da NOS provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS), como se verifica in casu, a ANACOM está a tributar atividades que não regula (conteúdos televisivos) - cfr. texto das presentes Alegações n.° 31;

XV. A este respeito sublinhe-se que na interpretação das normas aplicáveis não pode deixar de ser tomado em consideração que está (supostamente) a ser liquidada uma “taxa”, a qual, necessariamente, pressupõe algum nexo sinalagmático (mesmo que difuso, para os que o admitem) - cfr. texto das presentes Alegações n.° 31;

XVI. Em segundo lugar, como bem referido na douta Sentença recorrida (págs. 34 e 35), e não é colocado em causa pela ANACOM, no que respeita à oferta de conteúdos pela então Z..., a mesma encontrava-se (e encontra-se) sujeita à regulação e supervisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 32 a 35;

XVII. Ora, além de estar em causa uma atividade que não está integrada no âmbito regulatório da ANACOM, o cômputo da totalidade das receitas da então Z... no Serviço de Televisão por Subscrição (que incluem também o Serviço “Vídeo on Demand”), determina, desde logo, a existência de uma dupla tributação, pois a ANACOM está a tributar atividades que são alheias ao seu objecto regulatório e que são tributadas pela ERC - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 32 a 35;

XVIII. Em terceiro lugar, o disposto na Portaria 1473-B/2008, relativa à “taxa” em causa, a que também se alude na sua pág. 27 da douta Sentença recorrida para fundamentar o decidido, também determina que não possam ser considerados a totalidade (100%) dos rendimentos da Impugnante na atividade de oferta de conteúdos, como fez a ANACOM - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 35 a 37;

XIX. Em quarto lugar, na sequência do já acima referido quanto à ANACOM estar a tributar atividades que não regula e quanto ao âmbito regulatório da ERC, sublinhe-se não cabe nas competências da ANACOM (mas sim da ERC, como vimos), fiscalizar e/ou regular os conteúdos difundidos pela então Z... (hoje N…), no quadro da sua atividade de televisão por subscrição - cfr. texto das presentes Alegações n.° 37;

XX. Em quinto lugar, cabia às entidades que criaram a “taxa” em causa (e não à Z.../N..) “construir’ um modelo que não englobasse receitas que manifestamente não se enquadram no âmbito regulatório da ANACOM, sendo que é a ANACOM que envia à Impugnante a Declaração para preenchimento (v. Processo Instrutor) - cfr. texto das presentes Alegações n.° 38;

XXI. Em sexto lugar, face ao alegado pela ANACOM, cumpre sublinhar que na decisão a douta Sentença recorrida aplica o Direito Português - maxime a Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas); a Portaria 1473-B/2008, de 17 de dezembro (relativa à “taxa” em apreço); e a Lei 53/2005, de 8 de novembro, e DL 103/2006, de 7 de junho, na redação dada pelo DL 70/209, de 31 de maio (relativos à ERC e respetivas “taxas”) -, não se justificando in casu a forma como a ANACOM pretende centrar a questão ao nível do Direito Comunitário - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 39 e 40;

XXII. As referências que na douta Sentença são feitas relativamente a Diretivas Comunitárias (já transpostas) - referências essas que aqui se dão integralmente por reproduzidas -, são efetuadas a título de mero auxiliar interpretativo - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 39 e 40;

XXIII. Aliás, nas suas Alegações, a ANACOM não atendeu ao que é dito na própria Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), que junta com as mesmas - É que, como se refere no Acórdão do TJUE, de 07.11.2013, junto com as Alegações da ANACOM: “38. (...) o NQR [novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas] não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas ...” - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 39 e 40;

XXIV. No demais, o apreciado e decidido naquela Jurisprudência do TJUE (que nem sequer respeita a taxas), não é aqui aplicável, pois o que estava em causa naqueles processos era se determinadas entidades prestavam um serviço de comunicações eletrónicas e estavam sujeitas ao respetivo quadro regulatório e não se a totalidade (100%) das receitas provenientes dos conteúdos disponibilizados pode ser considerada para efeitos de cálculo de uma “taxa” a favor de uma entidade reguladora, que não regula conteúdos, como é o caso da ANACOM (que é o que está aqui em causa) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 39 e 40;

XXV. Verifica-se, assim, que o alegado nas Alegações da ANACOM a propósito do Direito Comunitário e Jurisprudência Comunitária que junta não é aqui aplicável, conforme já esclarecido nas págs. 37 e 38 da douta Sentença recorrida - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 39 e 40;

XXVI. Note-se, aliás, que os fundamentos da decisão na douta Sentença recorrida não correspondem ao que é referido nas Alegações da ANACOM, que, com o devido respeito, deturpa o decidido na tentativa de aplicar a sua tese de Jurisprudência da UE (que não é aqui aplicável) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 39 e 40;

XXVII. Sem prejuízo de tudo o acima exposto, a não exclusão pela ANACOM das receitas do aluguer e instalação de equipamentos também enferma de ilegalidade - cfr. texto das presentes Alegações n.° 41;

XXVIII. Face ao exposto, o presente recurso é totalmente improcedente, não enfermando a douta Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento ao anular o ato de liquidação da “taxa anual” em análise, o qual viola, além do mais, os n.°s 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, bem como o art. 105.°/1/b) e 4, da Lei 5/2004, ao considerar como “proveitos relevantes”, sobre os quais incidiu a “percentagem contributiva”, a totalidade das receitas da então Z... provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) - cfr. texto das presentes Alegações n.° 42;

XXIX. Face a tudo o acima referido, não se afigura necessário qualquer reenvio prejudicial para o TJUE, desde logo porque a questão nos presentes autos não carece de tal reenvio, podendo ser decidida com base nas disposições internas do ordenamento jurídico Português, sendo a decisão de reenvio da exclusiva responsabilidade do Tribunal Nacional (cfr. Ac. STJ, de 06.06.2000, Proc. 1269/98, disponível em www.dgsi.pt) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 43 a 46;

XXX. Analisado o primeiro dos fundamentos da douta Sentença recorrida, a págs. 29 a 38 da mesma, relativo à consideração pela ANACOM do valor integral das receitas da então Z... na disponibilização de conteúdos (televisão e vídeo), cumpre agora analisar o segundo fundamento (penúltimo parágrafo da pág. 38 e segs. da douta Sentença recorrida), relativo à consideração pela ANACOM, no cálculo da “taxa” em causa, do valor das provisões das provisões constituídas pela ANACOM relativas a processos judiciais contra si intentados - cfr. texto das presentes Alegações n.° 46;

XXXI. Também aqui é manifesta a improcedência do recurso da ANACOM;

- Do acerto do decidido quanto à errónea inclusão do valor das provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais

XXXII. No cálculo da taxa em causa foram consideradas pela ANACOM “provisões para processos judiciais em curso” - i.e. provisões constituídas pela ANACOM para o caso de vir a ser condenado pelos Tribunais a pagar indemnizações a terceiros, por atos ilícitos da própria ANACOM, mais concretamente, por atos ilícitos praticados por titulares de órgãos, funcionários e agentes da ANACOM - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 47 e segs.;

XXXIII. Contrariamente ao que parece entender a ANACOM, o que está em causa não é o tratamento contabilístico que é feito pela ANACOM relativamente às provisões, nem o tratamento contabilístico das provisões em geral, o que está em causa nos presentes autos é a ilegalidade do tributo sub judice, maxime da consideração pela ANACOM de provisões para processos judiciais no cálculo do mesmo - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 47 e segs.;

XXXIV. Em primeiro lugar, a consideração destas “provisões” no cálculo da “taxasub judice não respeita (e viola) o disposto no n.° 4 do art. 105.° da LCE - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 52 e segs.;

XXXV. Em segundo luga, as “provisões para processos judiciais em curso" claramente não são “custos administrativos”, pelo que é violado o n.° 4 do art. 105.° da LCE - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 53 e 54;

XXXVI. Em terceiro lugar, sem prejuízo do acima exposto, que, por si só, determina a ilegalidade do procedimento adotado pela ANACOM, a liquidação sub judice viola ainda o disposto na parte final do n.° 4 do art. 105.° da LCE, que, além do mais, estabelece que as “taxas” em causa devem ser impostas de forma objetiva e transparente, que minimize os custos adicionais e os encargos conexos - cfr. texto das presentes Alegações n.° 55;

XXXVII. Em quarto lugar, sem prejuízo do acima exposto - que determina, por si só, a ilegalidade do ato sub judice -, o procedimento de considerar provisões para processos judiciais no cálculo da “taxa” em causa - como é o caso -, gera situações absurdas o que também é revelador da respetiva ilegalidade, pois, por um lado, há situações em que, através da presente “taxa”, a ANACOM está a repercutir nos próprios autores das ações o valor peticionado nas mesmas, e, por outro lado, repercutindo a ANACOM nos operadores as indemnizações contra si peticionadas, conforme resulta da contabilização das provisões em causa na “taxa” liquidada e cobrada, verificar-se-á uma de duas situações: i) se a ANACOM for condenada pelos Tribunais, quem paga as respetivas indemnizações são os operadores que viram o valor das mesmas ser repercutido nas respetivas “taxas”; ii) se os processos terminarem com uma absolvição da ANACOM ou com uma condenação em valor inferior ao provisionado, a ANACOM restitui aos sujeitos passivos da “taxa” valores cobrados com referência a esse processo ou ficará com os mesmos, sendo que os restitui muitos anos depois e em singelo, verificando-se, assim, além do mais, um enriquecimento sem causa (pelo período que teve as quantias liquidadas e cobradas), à custa dos operadores - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 58 e 54;

XXXVIII. Em quinto lugar, o art. 105.° da LCE interpretado no sentido de a “taxa” em causa poder ser fixada em função de provisões constituídas pela ANACOM relativas a processos judiciais contra si intentados sempre seria inconstitucional, por violação, além do mais, dos princípios do Estado de direito democrático, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e da responsabilidade das entidades públicas, consagrado nos arts. 1.°, 20.° e 22.° da CRP - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 61 e 62;

XXXIX. Com efeito, através deste procedimento da ANACOM são unilateralmente repercutidos nos operadores, pelo pagamento desta “taxa”, os montantes de indemnizações em que pode vir a ser condenada, por atos ilegais praticados pelos titulares dos seus órgãos, funcionários os agentes, não só desresponsabilizando estes, mas procurando evitar o acesso à Justiça, dado que o operador que o faça é ele próprio que paga a indemnização que peticiona, através desta “taxa” - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 61 e 62;

XL. E assim criado um tributo que, como veremos, é um verdadeiro imposto, com uma finalidade extrafiscal que nunca poderia constituir uma finalidade pública, uma vez que eliminaria qualquer incentivo a uma boa e sã gestão da ANACOM, já que quaisquer montantes indemnizatórios a cujo pagamento fosse condenado (pelo menos, os provisionados), sempre serão cobertos pelas taxas pagas pelos operadores - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 61 e 62;

XLI. Face ao exposto, é manifesta a improcedência do presente recurso, não enfermando a douta Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento, sendo inquestionável a ilegalidade da liquidação sub judice, maxime ao considerar no cálculo da "taxa” as provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais, o que não tem qualquer suporte e viola o art. 105.° da LCE e a Diretiva Autorização e sempre violaria os princípios do Estado de direito democrático, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e da responsabilidade das entidades públicas, consagrados nos arts. 1.°, 20.° e 22.° da CRP, pelo que o art. 105.° da LCE seria inconstitucional. - cfr. texto das presentes Alegações n.° 63;

XLII. Sem prejuízo do acima referido, a ilegalidade da consideração das provisões para processos judiciais no cálculo da “taxa” resulta ainda do facto de ser violada a própria Portaria 1473-B/2008, na redação aplicável (a da Portaria 291-A/2011) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 64 e segs.;

XLIII. Por um lado, nas redações inicial e de 2011 da Portaria 1473-B/2008 - aqui aplicável -, nada se referia quanto à contabilização no cálculo destas “taxas” das “provisões” constituídas pela ANACOM relativas a processos judiciais contra si intentados - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 65 e segs.;

XLIV. Com efeito, apenas com a alteração efetuada pela Portaria 296-A/2013, de 2 de outubro, do Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2014 (ou seja, muito posterior à presente impugnação e outras em que também se contesta a contabilização destas “provisões”), passou a constar no quadro do n.° 1 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, a referência às “provisões para processos judicias” no âmbito do cálculo dos “custos” da ANACOM (aliás, em reação às impugnações que foram sendo intentadas pela generalidade dos operadores que eram sujeitos a este procedimento da ANACOM) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 65 e segs.;

XLV. Além disso, nunca se poderia concluir que a possibilidade de consideração das provisões para processos judiciais no cálculo do tributo em apreço já estaria compreendida na redação inicial da Portaria 1473-B/2008, pois, por um lado, se assim fosse, o Governo não teria feito essa referência na alteração efetuada pela Portaria 296-A/2013, acima referida, e, por outro lado, à Portaria 1473-B/2008 apenas caberia executar o previsto no art. 105.°/4 da Lei 5/2004, que, como acima referido, não compreende a consideração de provisões para processos judiciais no cálculo das "taxas” em causa - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 66 e segs.;

XLVI. De resto, o n.° 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na posterior redação da Portaria 296-A/2013, em que se passou a fazer referência às provisões para processos judiciais, além de ser inaplicável in casu (por posterior ao ato sub judice), sempre seria ilegal por violação do art. 105.° da Lei 5/2004, bem como inconstitucional por violação do art. 112.°/1/2/5/6 e 7 da CRP - cfr. texto das presentes Alegações n.° 68;

XLVII. Além disso, o referido n.° 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na sua redação inicial e de 2011 - aqui aplicável -, também enfermaria das mesmas ilegalidades e inconstitucionalidades se interpretado no sentido de já permitir a consideração das provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais no cálculo das "taxas” em causa - cfr. texto das presentes Alegações n.° 68;

XLVIII. Na mesma linha, o n.° 2 do art. 105.° da Lei 5/2004 também seria inconstitucional, se interpretado no sentido de permitir a respetiva regulamentação por uma portaria com o âmbito e alcance da Portaria 1473- B/2008, na interpretação acima referida (maxime quanto às provisões relativas a processos judiciais), por violação dos mesmos n.°s 1, 2, 5, 5 e 7 do art. 112.° da CRP - cfr. texto das presentes Alegações n.° 68 e segs.;

XLIX. Face a tudo o exposto, não se verifica qualquer erro de julgamento na anulação da liquidação sub judice, sendo o presente recurso totalmente improcedente - cfr. texto das presentes Alegações n.° 68;

- Da improcedência do alegado pela ANACOM quanto à Anulação Parcial

L. Em primeiro lugar, nunca antes a ANACOM carreou para o processo qualquer elemento que pudesse suportar essa anulação apenas parcial do ato de liquidação (e também não o faz nas presentes Alegações) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 69 e segs.;

LI. Em segundo lugar e mais relevante, é manifesto que os fundamentos da anulação determinam a anulação integral do ato de liquidação sub judice e não apenas parcial, pois, por um lado, estão em causa os “proveitos relevantes” considerados pela ANACOM para o cálculo da percentagem contributiva e sobre os quais incidiu essa percentagem contributiva, e, por outro lado, no que respeita à errada consideração de provisões da ANACOM para processos judicias estão em causa os pretensos “custos” para o cálculo da percentagem contributiva utilizada para calcular a “taxa”, o que inquina integralmente a liquidação - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 69 e segs.;

LII. É, assim, manifesto que, contrariamente ao pretendido pela ANACOM, a liquidação sub judice tinha que ser integralmente anulada e, consequentemente, o tributo pago (ainda não devolvido) integralmente devolvido à Impugnante, não existindo qualquer fundamento para uma anulação apenas parcial - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 69 e segs.;

- Da improcedência do alegado pela ANACOM quanto aos juros

LIII. A ANACOM não contesta que a Impugnante, ora Recorrida, tem direito ao pagamento de juros, mas invoca que, relativamente a quantias anteriormente devolvidas não haveria lugar ao pagamento de juros - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 72 e segs.;

LIV. Note-se que o que está em causa, relativamente àquelas quantias, é o pagamento de juros entre a data em que as mesmas foram pagas pela Impugnante e a sua devolução e não o pagamento de juros sobre as mesmas após aquela devolução - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 72 e segs.;

LV. Assim sendo, é totalmente improcedente o invocado pela ANACOM, que (mais uma vez) é verdadeiramente surpreendente - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 72 e segs.;

LVI. Seguindo-se a tese da ANACOM, se a alguém fosse ilegalmente liquidada uma “taxa” de 10.000€, em 2000, e em 2019 lhe fossem devolvidos 9.000€ não teria direito ao pagamento de quaisquer juros sobre esses 9.000€, o que seria totalmente inaceitável - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 72 e segs.;

LVII. Como a ora Recorrida referiu antes, maxime nas alegações que antecederam a douta Sentença recorrida, conforme requerimentos apresentados pela ANACOM e pela Impugnante, aquela efetuou diversas devoluções de pequenas partes das quantias pagas, em regra decorrentes da eliminação de algumas provisões (pelo termo dos respetivos processos judiciais), tendo a NOS, na sequência e em conformidade com essas devoluções e em honra do princípio da colaboração, reduzido o valor do pedido de restituição, abatendo, para efeitos do cálculo dos juros, as devoluções efetuadas (cfr. pág. 5 da douta Sentença recorrida) - cfr. texto das presentes Alegações n.°s 72 e segs.;

LVIII. Ou seja, cada vez que foi devolvida uma quantia pela ANACOM “parou-se” a contagem dos juros e reiniciou-se a contagem já deduzida do que foi devolvido (cfr. pág. 5 da douta Sentença recorrida), sendo que, se não existisse o pagamento de juros pelo período que a ANACOM teve as quantias na sua posse, estaríamos perante manifesto enriquecimento sem causa_- cfr. texto das presentes Alegações n.°s 72 e segs.;

LIX. Assim sendo, também quanto aos Juros improcede o Recurso da ANACOM.

Termos em que deve o Recurso da ANACOM ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida.

Em qualquer dos casos, requer-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça no presente recurso (como já se fez na douta Sentença de 1.a Instância), por estarem reunidos os pressupostos para o efeito”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante exerce a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas - admissão por acordo;

2. Em 11.07.2008, foi submetido a parecer do Conselho Consultivo do ICP- ANACOM o “Modelo de Taxas do ICP-ANACOM, Maio 2008”, do qual consta, entre o mais:

B.2 Taxas referentes ao exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas

30. Para o calculo deste tipo de taxas determinam-se os custos totais administrativos que o ICP-ANACOM suporta com a actividade de regulação do mercado, sendo posteriormente aplicada uma metodologia para a distribuição de tais custos pelas entidades que os originaram.

33. [sic] Considerando os princípios da previsibilidade e da transparência, entende-se que os custos totais a distribuir devem ser obtidos através da média dos custos verificados nos dois últimos anos e do orçamento do ano em curso, a preços correntes, evitando-se dessa forma flutuações excessivas de taxas por via de eventuais alterações da base de custos. No caso das provisões para fazer face a pedidos de indemnização decorrentes de actos regulatórios, entende-se que se deve usar a média de cinco anos (4 reais e um de orçamento), dada a maior probabilidade de variações nesta rubrica.

32. Os custos com a regulação das actividades de comunicações electrónicas são resultado da aplicação do modelo de custeio do ICP-ANACOM (apresentado no Anexo 1), o qual retira aos custos administrativos totais do ICP-ANACOM os seguintes custos:

a) Custos não relacionados com a actividade reguladora, os quais comportam essencialmente custos associados à actividade de assessoria ao Governo prevista nos estatutos do ICP-ANACOM;

b) Custos administrativos associados ao sector postal;

c) Outros custos administrativos associados à missão do regulador, mas não enquadráveis neste tipo de taxas definidas no âmbito da LCE, os quais respeitam a áreas não previstas nesta Lei, como sejam, Serviços de Audiotexto, ITED, Serviços da sociedade de informação, Serviço Rádio Amador e Serviço Rádio Pessoal (Banda do Cidadão);

d) Custos associados à atribuição de direitos de utilização de frequências;

e) Custos associados à atribuição de direitos de utilização de números e a sua reserva.

[...] no que respeita às provisões para fazer face a pedidos de indemnização decorrentes de actos regulatórios, sempre que estas sejam anuladas, deve o respectivo resultado extraordinário ser contabilizado para efeitos de cálculo dos custos de regulação, com o inerente efeito positivo.

[.] 33. O passo seguinte na determinação das taxas em causa, é definir a forma de afectação desses custos às entidades que oferecem redes e ou prestam serviços de comunicações electrónicas. De acordo com os princípios definidos, tal afectação deve ser feita com base em informação disponível e confirmável, garantindo um nexo de causalidade com os custos gerados. E fundamental que se obtenha um equilíbrio adequado entre uma afectação de custos obtida com base na responsabilidade causal — identificando os responsáveis pelos custos de regulação e afectando-lhes os respectivos custos na forma de taxas administrativas - e os custos de gestão do modelo necessário a tal afectação, nomeadamente em termos de produção de informação, tendo em conta, entre outros aspectos, as “externalidades” associadas à quase generalidade das decisões de regulação.

34. Tendo em consideração esta abordagem, e o objectivo das taxas em questão — é a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas que está sujeita a taxa - parece natural que a afectação de custos seja feita com base no nível de actividade das entidades que oferecem as redes e prestam os serviços objecto de taxação, o que funcionará como a melhor proxy dos efectivos custos de regulação associados a cada um dos fornecedores presentes no mercado.

35. Tal actividade poderia ser medida com base em vários indicadores de natureza física, como por exemplo o número de assinantes ou quilómetros de fibra óptica. No entanto, considerando os princípios da transparência e da simplicidade, entende-se que o recurso a indicadores financeiros será mais adequado para alcançar o objectivo de distribuir, de forma objectiva, transparente e proporcional, os custos pelas diversas entidades em questão. Trata-se de indicadores que são objecto de auditoria específica em sede de apresentação de contas, permitem comparar actividades distintas do ponto de vista físico e são compatíveis com um nível de agregação elevado dos custos administrativos do ICP-ANACOM.

36. Sublinhe-se que a Directiva Autorização refere, no seu considerando 31 que “como exemplo de uma alternativa justa, simples e transparente para os critérios de atribuição de encargos poder-se-ia recorrer a uma chave de repartição baseada no volume de negócios”.

37. Entende-se que a informação que melhor se qualifica dentro dos princípios definidos para a determinação das taxas é a referente aos proveitos relevantes das entidades que exercem a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas. Refira-se a este propósito que este indicador é compatível com o facto de a afectação dos custos de regulação dever ter em consideração os custos originados pelas entidades directamente objecto de regulação, bem como os benefícios que as restantes empresas retiram ao actuarem num sector regulado.

[...] os proveitos relevantes das entidades que actuam no mercado são muito díspares entre si, indo de valores muito baixos, próprios de entidades que estão no início da sua actividade ou que operam a uma escala muito reduzida, até valores muito elevados, próprios das maiores empresas presentes no tecido empresarial português.

40. Esta realidade desaconselha a distribuição dos custos com base na simples aplicação da percentagem dos proveitos de cada entidade no total dos proveitos. Isto porque existem custos mínimos associados à actividade de regulação do ICP-ANACOM, que se verificam independentemente do nível de actividade da entidade que opera no mercado, o que é válido, por exemplo, para os custos associados à recolha de informação estatística e à fiscalização. Este facto aconselha que seja aplicada uma taxa fixa a entidades com níveis de proveitos operacionais abaixo de um determinado patamar. Esta abordagem não impede no entanto que se aplique taxa zero a empresas com volume de negócios muito baixos, numa lógica de promover a entrada de empresas no mercado e de evitar que algumas dessas empresas, com baixos recursos, tenham incentivos a exercer a sua actividade de forma ilegal, com o inerente aumento dos custos de fiscalização.

41. Com base na distribuição dos proveitos relevantes das entidades fornecedoras de redes e serviços de comunicações electrónicas, definem-se os escalões de taxas administrativas constantes da figura 12, que traduzem a seguinte abordagem:

a) A taxa do escalão 0 é nula, de forma a eliminar barreiras à entrada no mercado de empresas de pequena dimensão, que de outra forma poderiam ter incentivos a manterem-se à margem do regime de autorização;

b) A taxa do escalão 1 corresponde ao custo mínimo de regulação de uma entidade que exerce a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, calculado a partir do produto do tempo médio associado ao mínimo de regulação (50 horas) e o custo hora do ICP-ANACOM, tal como calculado na Figura 30;

c) A taxa do escalão 2 é calculada repartindo os custos administrativos identificados na Figura 10, deduzidos das receitas geradas pela aplicação das taxas definidas para o escalão 1, pelas entidades cujos proveitos se inserem neste escalão.

Figura 12: Taxas referentes ao exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de CE (em função dos proveitos relevantes)

Escalões
De... euros
...a euros
Taxa
Escalão 0
0
100.000
0
Escalão 1
100.001
1.500.000
2500 euras
Escalão 2
1.500.001
0.4335%
42. Em cada ano o ICP-ANACOM procederá ao cálculo e à divulgação das taxas a aplicar, com base na formulação exposta, tendo em conta os custos verificados nos termos atrás referidos, bem como o número e os proveitos relevantes das entidades que exercem a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas. ” - cfr. docs. 1 e 2, juntos aos autos com a contestação;

3. À data dos factos, a Impugnante fornecia serviços de televisão por subscrição (STS), por cabo e por satélite, de video on demand (VoD), consubstanciado no serviço de venda ou aluguer de filmes ou séries, de acesso à internet e de telefone fixo - admissão por acordo;

4. Para prestação dos serviços de televisão por subscrição e de video on demand, a Impugnante usava a mesma rede utilizada pela impugnante no fornecimento dos serviços de acesso à Internet e de telefone fixo - admissão por acordo;

5. À data dos factos, a Impugnante, no exercício da prestação de serviços de televisão por subscrição, construía pacotes com caraterísticas diversas, designadamente em termos de composição dos canais que os integravam - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

6. Para efeitos de construção dos pacotes mencionados no número anterior, a impugnante procedeu à seleção de canais e conteúdos e sua agregação, para tanto adquirindo conteúdos, a título oneroso, a outras entidades produtoras de conteúdos - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

7. Em alguns daqueles conteúdos adquiridos, designadamente filmes e séries, a legendagem era feita pela impugnante - depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

8. Alguns dos pacotes construídos incluíam canais exclusivamente disponibilizados pela impugnante e/ou canais premium (v.g. Sport TV, Benfica TV) - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

9. No serviço de televisão por subscrição estava incluído o VoD - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

10. O preço cobrado ao cliente final no STS dependia dos conteúdos em concreto de cada um dos pacotes, aumentando em função da complexidade do pacote - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

11. Quando um cliente contratava o STS, era instalado pela impugnante um equipamento designado de set top box - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

12. Para os serviços premium e VoD era necessário o equipamento mencionado no número anterior - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

13. As boxes eram geralmente alugadas, pois, na prática, a venda era encarada como uma barreira à adesão dos clientes e ainda por questões de segurança - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

14. Aquele equipamento era alugado ou vendido apenas pela impugnante - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

15. O preço pago por um cliente que subscrevesse um serviço de televisão com a impugnante abrangia um valor relativo à assinatura, pacote, canais premium, aluguer da set top box e VoD - cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante;

16. Em 28.06.2011, a Impugnante pagou à ERC Entidade Reguladora para a Comunicação Social o valor € 21 522,00, a título de Taxa de Regulação e Supervisão, na categoria de Distribuição de Serviços de Programas, Regulação Alta - 1a Prestação, referente ao ano de 2011 - cfr. docs. juntos aos autos pela Impugnante a fls. 2138 a 2158 dos autos, reportando à tramitação eletrónica;

17. Em 31.01.2012, a Impugnante pagou à ERC Entidade Reguladora para a Comunicação Social o valor € 21 522,00, a título de Taxa de Regulação e Supervisão, na categoria de Distribuição de Serviços de Programas, Regulação Alta - 2a Prestação, referente ao ano de 2011 - cfr. docs. juntos aos autos pela Impugnante a fls. 2138 a 2158 dos autos, reportando à tramitação eletrónica;

18. Por ofício datado de 1.06.2011, o ICP-ANACOM solicitou à Impugnante o preenchimento e envio de declaração com a comunicação do montante dos rendimentos relevantes relacionados diretamente com o exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, no ano civil anterior - cfr. doc. 3, junto aos autos com a p.i., e fls.1 e 2 do PA;

19. Em 30.06.2011, a Impugnante respondeu ao ofício identificado no número anterior indicando o montante global de rendimentos relevantes de € 168.497.329,00, excluindo, como prestação de serviços provenientes de atividades não relacionadas com fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, o valor de € 478.584.362, referente a receitas provenientes de assinatura do serviço de televisão por subscrição (STS) - cabo, de € 338.481.058, a receitas provenientes de assinatura do serviço de televisão por subscrição (STS) - satélite, de 120.157.802, e a receitas provenientes de programação, publicidade e imobiliário, de 19.945.502 - cfr. doc. 4, junto aos autos com a p.i., e fls. 3 a 18 do PA;

20. Por deliberação de 7.07.2011, o Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações, aprovou a proposta de deliberação 1832011, da qual consta, entre o mais:

A) Nota justificativa da proposta

1. Enquadramento

De acordo a alínea b) do n° 1 do artigo 105oda Lei n° 5/2004, de 10 de Fevereiro, o valor da taxa anual devida pelo exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público é calculado - nos termos do n° 1 do Anexo II da Portaria n° 1473-B/2008, de 17 de Dezembro - com base nos custos administrativos do ICPANCOM e no valor dos rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de comunicações eletrónicas relativos ao ano anterior aquele em que é efetuada a liquidação da taxa, com base em 3 escalões: T0, T1 e T2;

2. Custos de regulação

Nos termos do n° 2 ao Anexo à Portaria n° 1473-B/2008, o ICPANACOM deve, anualmente, proceder ao apuramento e divulgação dos custos administrativos referentes à alínea b) do n° 1 do artigo 105°da Lei n° 5/2004;

Este apuramento de custos, relativamente às taxas a liquidar em 2011, foi devidamente efectuado, conforme documento, anexo 3.

3. Rendimentos relevantes

Em conformidade com o artigo 3° da Portaria n° 1473-B/2008, para efeitos de liquidação da taxa anual devida pelo exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, os respectivos fornecedores devem remeter ao ICP-ANACOM, até 30 de Junho de cada ano civil, declaração assinada por entidade com poderes para vincular a pessoa colectiva, com indicação do montante dos rendimentos relevantes relacionados diretamente com o exercício de actividade obtidos no ano civil anterior.

Assim, com o objetivo de uniformizar a recolha dessa informação foi enviado em 1.06.2011, um ofício circular a todas as empresas (anexo 4).

[...] Face ao que precede, o Conselho de Administração delibera:

a) Aprovar o cálculo do montante dos custos de regulação da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, respeitante às taxas a liquidar em 2011, que é de 29.872.072 bem como a publicação no sítio da Internet do ICP-ANACOM do documento constante do anexo 3;

b) Aprovar o lançamento de uma consulta para a realização de auditoria aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas que em 2010 apresentaram rendimentos relevantes e variações (face ao ano civil de 2009) de valores mais significativos.

Esta consulta será por ajuste directo - regime geral - nos termos da alínea a) do n° 1 do art.° 20° do CCP, e será dirigida à B... Portugal, Auditores e Consultores;”

- cfr. fls. 19 a 22 do PA;

21. Do anexo 3 à deliberação identificada no número anterior, consta, entre os custos totais do ICP-ANACOM, no total de € 29.872.072, incluindo o valor de € 5.135.981, referente a provisões para processos judiciais em curso de regulação, resultante da média dos 5 anos anteriores - cfr. doc. 5, junto aos autos com a p.i., e fls. fls. 26 do PA;

22. Por ofício de 19.07.2011, o ICP-ANACOM comunicou à Impugnante que “no

decurso do processo de emissão da facturação, detectou o ICP-ANACOM indícios de aplicação não uniforme do conceito de proveitos relevantes por parte das entidades que exercem a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas'’” - cfr. doc. 6, junto aos autos com a p.i;

23. Por deliberação de 7.10.2011, o Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações, aprovou a proposta de deliberação 2772011, da qual consta, entre o mais:

A) Nota justificativa da proposta

[...] foi autorizada a realização de uma auditoria aos proveitos relevantes [...] As conclusões mencionadas no Relatório de Auditoria da B... poderão traduzir-se na revisão do valor dos proveitos relevantes que servem de base para a liquidação das taxas devidas ao ICP-ANACOM, pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público “ - cfr. fls. 26 do PA, junto a fls. 906 a 1068 do suporte físico;

24. Do anexo II à deliberação identificada no número anterior, consta, entre o mais:

Examinámos a Declaração de Rendimentos Relevantes (“Declaração”) da Z..., S.A, (“Empresa”) para o exercício findo em 31 de Dezembro de 2010, a qual evidencia um total de rendimentos relevantes de 168.497.600Euros. [...]

Reserva

5. A Declaração exclui prestações de serviços relativas a assinaturas TV, Video On Demand, instalação TV, aluguer de TV e aluguer DTH, no montante total de 458.167.823 Euros (423.920.513 Euros, 3.306.731 Euros, 743.145 Euros, 22.632.616 Euros e 7.564.818 Euros, respectivamente) que, de acordo com a Portaria n° 1473-B/2008, são consideradas relevantesf...] Consequentemente, os rendimentos relevantes declarados encontram-se subvalorizados em 458.119.563 Euros.

Em resultado do nosso trabalho, concluímos que o total de rendimentos relevantes ajustado é de 626.617.163 Euros." - cfr. fls. 56 a 63 do PA;

25. Por ofício de 10-10-2011, foi comunicado à Impugnante a intenção de proceder à revisão dos proveitos relevantes declarados, resultando em € 626.617.163, nos termos e com os fundamentos constantes do relatório da B... em anexo - cfr. doc. 7, junto aos autos com a p.i, e fls. 64 a 72 do PA;

26. Por ofício de 25-10-2011, a Impugnante pronunciou-se sobre a intenção de proceder à revisão dos proveitos relevantes declarados, requerendo a aceitação do valor de € 168.449.340, nos termos constantes do doc. 8, junto aos autos com a p.i., e de fls. 73 a 78 do PA;

27. Por deliberação de 10.11.2011, o Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações, aprovou a proposta de deliberação 3382011, da qual consta, entre o mais:

“a) aprovar o Relatório da B... PG ASSOCIADOS - SROC, S.A. e o Relatório de Audição Prévia das empresas auditadas, conforme anexos 1 e 2;

b) Aprovar os valores dos Proveitos Relevantes revistos, conforme mapa anexo 3;

- cfr. fls. 80 a 83 do PA;

28. Do relatório de audição prévia anexo à deliberação identificada no número anterior consta, entre o mais:

“A Z... manifestou a sua discordância com o projecto de decisão no sentido de rever o valor dos proveitos relevantes por si reportados relativos ao ano de 2010, por entender que as receitas provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) por cabo e por satélite, Vídeo on Demand, instalação de TV, aluguer de TV e aluguer de DTH, no montante total de € 458.167.823, não correspondem á actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas. Segundo a Z..., tais receitas decorrem da actividade de “operador de distribuição" descrita no artigo 2°, n.° 1, alínea I) da Lei da Televisão (Lei n.° 27/2007, de 30 de Julho, alterada pela Lei n.° 8/2011, de 11 de Abril). De acordo com a sua pronúncia, o «núcleo económico» da actividade de televisão por subscrição desenvolvida pela Z... situar-se-ia «fora do quadro da operação de redes e prestação de serviços de comunicações electrónicas, integrando essencialmente a actividade de televisão (distribuição de conteúdos)». Em síntese, segundo a Z..., as receitas do STS servem, na sua parte maioritária, para adquirir conteúdos e criar «pacotes de canais televisivos a disponibilizar aos clientes» e não para o «envio de sinais através de redes de comunicações electrónicas». Nesta conformidade, a Z... conclui a sua pronúncia em sede de audição prévia, dizendo que as receitas do STS não podem ser consideradas proveitos relevantes para efeitos de apuramento da taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, «uma vez que se destinam a remunerar essencialmente a actividade de televisão (distribuição televisiva) da Z..., que é uma oferta de um serviço de conteúdos de televisão por subscrição». Na sua pronúncia a Z... menciona ainda as impugnações judiciais que deduziu contra os actos de liquidação da taxa nos anos de 2009 e 2010 e as ilegalidades por si invocadas nesse contexto.

No entanto, a Z... concorda com a correcção ao montante declarado quanto a prestações de serviços efectuadas a entidades do grupo e quanto à correcção de um erro de preenchimento da declaração

[...] III-PONDERAÇÃO

Atendendo aos comentários recebidos em sede de audição prévia importa proceder à sua ponderação na decisão final quanto à revisão dos proveitos relevantes.

[...] Quanto aos comentários apresentados pela Z... os mesmos situam-se numa linha de análise expressa em diversa correspondência trocada com o ICP- ANACOM e nos litígios pendentes em Tribunal, em que esta empresa manifesta a sua discordância quanto ao novo modelo de taxas do ICP-ANACOM. No entanto e tal como esta Autoridade Reguladora demonstrou na contestação aos diversos processos de impugnação judicial que a Z... menciona na sua pronúncia em sede de audição prévia, não se pode aceitar que este operador pretenda descaracterizar a sua actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, com o objectivo de não participar no esquema de partilha dos custos de regulação subjacente à taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.

Com efeito, a circunstância de se encontrar a coberto das normas de incidência da taxa de regulação e supervisão devida à ERC (na medida em que lhe cabe decidir sobre a selecção e agregação de programas de rádio ou de televisão) em nada afecta a circunstância de disponibilizar ao público, através de redes de comunicações electrónicas, serviços de televisão e de, por essa razão, se encontrar sujeita à taxa anual devida ao ICP-ANACOM pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.

Na verdade, ao definir «serviço de comunicações electrónicas», o artigo 3.°, alínea ee), da Lei das Comunicações Electrónicas refere-se especificamente ao «serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, sem prejuízo da exclusão referida nas alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 2.°». A exclusão referida nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 2. ° diz respeito aos «serviços da sociedade da informação» e aos «serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de áudio-texto» (ênfase aditada).

Ora, as receitas provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) por cabo e por satélite, de aluguer de set top boxes, de video- on-demand e de instalações, activações e outros serviços do STS, correspondem a actividades de fornecimento de redes e serviços de comunicações electrónicas e não a serviços da sociedade da informação ou à oferta de conteúdos ou à actividade de edição de conteúdos, as quais estão completamente fora do âmbito de actuação da Z....

Aliás, basta compulsar a Lei da Televisão invocada pela Z... para ver que esta distingue o «operador de distribuição» («a pessoa colectiva responsável pela selecção e agregação de serviços de programas televisivos e pela sua disponibilização ao público, através de redes de comunicações electrónicas») do «operador de televisão», esse sim «responsável pela organização de serviços de programas televisivos» os quais são definidos como «o conjunto sequencial e unitário dos elementos da programação fornecido por um operador de televisão» e não por um operador de distribuição.

Em síntese, o quadro regulamentar aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas não abrange os conteúdos, assentando numa rigorosa separação entre a regulamentação da transmissão e a regulamentação dos conteúdos. A linha de fronteira entre (i) a oferta de conteúdos ou a actividade de conteúdos e (ii) a disponibilização de serviços de comunicações electrónicas reside, precisamente, no controlo editorial sobre os conteúdos, porque a sua transmissão, difusão ou distribuição através de redes de comunicações electrónicas é um serviço de comunicações electrónicas.

Por isso, a utilização da rede de comunicações electrónicas da Z... para a disponibilização, distribuição ou difusão de conteúdos de rádio e televisão, mesmo que corresponda a uma actividade relevante para efeitos de regulação da comunicação social, não deixa de constituir uma actividade de comunicações electrónicas, pois corresponde à prestação de um serviço de comunicações electrónicas que se traduz na transmissão, difusão ou distribuição de programas de rádio e televisão através de uma rede de comunicações electrónicas.

Termos em que se conclui que a Z... actua indevidamente quando exclui dos seus proveitos relevantes as receitas provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) por cabo e por satélite, Video on Demand, instalação de TV, aluguer de TV e aluguer de DTH, no valor de € 458.167.823, as quais, devem considerar-se integradas nos seus proveitos relevantes, tal como consta do relatório de auditoria.“ - cfr. doc. 9, junto aos autos com a p.i., e fls. 92 a 113 do PA;

29. Por ofício de 29.11.2011, o ICP-ANACOM transmitiu à Impugnante a deliberação do Conselho de Administração de aprovar o relatório de auditoria e o relatório de audição prévia, enviando cópias - cfr. doc. 9, junto aos autos com a p.i., e fls. 113 a 114 do PA;

30. Em 25.11.2011, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM deliberou aprovar o relatório de auditoria da B..., os valores dos rendimentos relevantes revistos, a percentagem contributiva t2 de 0,5714% e os valores da liquidação da taxa anual, de acordo com a fórmula para o escalão 2, nos termos do Anexo II à Portaria n° 1473-B/2008- cfr. fls. 114 a 119 do PA;

31. Em 30.11.2011, foi publicado na página de internet do ICP-ANACOM documento relativo ao “cálculo das taxas devidas pelo exercício de actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 105° da Lei n° 5/2004, de 10 de Fevereiro, no ano de 2011", do qual consta, entre o mais:

“Nos termos dos n°s 1 e 2 do Anexo II à Portaria n.° 1473-B/2008, de 17 de Dezembro alterada e republicada pela Portaria n.0 291-A/2011, dá-se público conhecimento do valor da percentagem contributiva 12, resultante da aplicação da respectiva fórmula, assim obtido:

Fórmula: t2 = (C-T1n1)/P2;

C= Total de custos de regulação da actividade dos fornecedores de redes e serviços de comunicações electrónicas, valor correspondente às taxas devidas ao ICP-ANACOMno ano de 2011 = 29.872.072€;

T1 = Taxa a pagar pelas entidades do escalão 1 (Rendimentos relevantes < = 1.500.000€) = 2.500€;

n1 = Número de entidades do escalão 1=17;

P1 = Valor total de Rendimentos relevantes de entidades do escalão 1, no ano de 2010= 10.526.040 €;

P2 = Valor total de Rendimentos Relevantes de entidades do escalão 2, no ano de 2010 = 5.220.747.277 €;

T1n1= 2.600€x 17 =42.500 €;

t2 = Percentagem contributiva a pagar pelas entidades do escalão 2 (Rendimentos relevantes > 1.500.000 €)

(29.872.072 € - 42.500 €) / 5.220.747.277 € = 0,5714%;

Os valores dos Proveitos Relevantes de alguns fornecedores de redes e serviços de comunicações electrónicas foram objecto de revisão, na sequência de uma Auditoria efectuada por decisão do Conselho de Administração do ICP- ANACOM, tendo também sido efectuada a respectiva audição prévia. “ - cfr. doc. 10, junto aos autos com a p.i., e fls. 114 a 116 do PA;

32. Em 29.11. 2011, foi emitida a Fatura/Nota de Liquidação/Recibo n° F211000125, no montante de € 3.580.490,47, respeitante à taxa anual de atividade de fornecedor redes/serviços do período de 2011/01 a 2011/12, indicando no campo “Discriminação do Serviço” o valor de € 626.617.163, com data limite de pagamento de 29.12.2011 - cfr. doc. 1, junto aos autos com a p.i.;

33. Em 28.12.2011, a Impugnante pagou a fatura mencionada no número anterior - cfr. doc. 2, junto aos autos com a p.i;

34. Em 28.03.2012., a p.i. da presente impugnação foi apresentada neste Tribunal - cfr. fls. 2 dos autos, no suporte físico;

35. Em 27.04.2012, o ICP-ANACOM aprovou o relatório do exercício de 2011 relativo aos custos administrativos e ao montante resultante da cobrança de taxas no ano de 2011 e a consequente devolução ao conjunto dos operadores da diferença apurada - cfr. docs. 12 e 13, juntos aos autos com a contestação, e fls. 137 a 159 do PA;

36. Em consequência, em 14.05.2012, foi devolvida à Impugnante a quantia de € 127.829,90 relativa à taxa paga em 2011, através da Nota de Crédito n.° C 72000041 e do cheque n° 91515507, emitido sobre o Banco BPI - cfr. docs. 14 e 15, juntos aos autos com a contestação, e fls. 162 a 164 do PA;

37. Em 11.07.2013, o ICP-ANACOM aprovou relatório do qual decorre a correção dos rendimentos relevantes da Optimus com impacto no valor do t2 em 2011, e a consequente devolução ao conjunto dos operadores da diferença apurada - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 2.08.2013, a fls. 1071 a 1076 do suporte físico;

38. Em consequência, em 15.07.2013, foi devolvida à Impugnante a quantia de € 3.133,09, relativa à taxa paga em 2011, através da Nota de Crédito n.° C72000058 e do cheque n° 91516933, emitido sobre o Banco BPI - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 2.08.2013, a fls. 1071 a 1076 do suporte físico;

39. Em 31.10.2013, o ICP-ANACOM aprovou deliberação da qual decorre a correção dos rendimentos relevantes da PT Comunicações e a consequente revisão da taxa devida relativamente ao ano de 2011 e a devolução ao conjunto dos operadores da diferença apurada - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 23.01.2014, a fls. 1107 a 1116 do suporte físico;

40. Em consequência, em 16.12.2013, foi devolvida à Impugnante a quantia de € 209.916,75, relativa à taxa paga em 2011, através da Nota de Crédito n.° C 72000270 e do cheque n° 91517438, emitido sobre o Banco BPI - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 23.01.2014, a fls. 1107 a 1116 do suporte físico;

41. Em 12.06.2014, o ICP-ANACOM aprovou o relatório do exercício de 2013, do qual decorre a anulação de provisões constituídas nos anos de 2009 a 2012, com as consequentes redução global dos custos relativos ao ano de 2011, revisão das taxas liquidadas e devolução ao conjunto dos operadores da diferença apurada - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 1.08.2014, a fls. 1147 a 1156 dos autos;

42. Em consequência, em 24.06.2014, foi devolvida à Impugnante a quantia de € 465.576,55, relativa à taxa paga em 2011, através da Nota de Crédito n.° C 72000118 e do cheque n° …, emitido sobre o Millennium bcp - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 1.08.2014, a fls. 1147 a 1156 dos autos;

43. Em 20.11.2014 e 23.01.2015, o ICP-ANACOM aprovou a correção dos rendimentos relevantes da PT Comunicações, a consequente revisão da taxa devida relativamente ao ano de 2011 e a devolução ao conjunto dos operadores da diferença apurada - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 01.10.2015, a fls. 1236 a 1253 dos autos;

44. Em consequência, em 25.03.2015, foi devolvida à Impugnante a quantia de € 1.879,85, relativa à taxa paga em 2011, através da Nota de Crédito n.° C 72000024 e do cheque n° 3891519014, emitido sobre o Banco BPI - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 01.10.2015, a fls. 1236 a 1253 dos autos;

45. Em 28.05.2015, o ICP-ANACOM aprovou o relatório do exercício de 2014, do qual decorre a anulação de provisões, a consequente revisão da taxa devida relativamente ao ano de 2011 e a devolução ao conjunto dos operadores da diferença apurada - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 01.10.2015, a fls. 1236 a 1253 dos autos;

46. Em consequência, em 12.06.2015, foi devolvida à Impugnante a quantia de € 39.476,88, relativa à taxa paga em 2011, através da Nota de Crédito n.° C 72000117 e do cheque n° 7391519161, emitido sobre o Banco BPI - cfr. docs. juntos aos autos pela Entidade Impugnada em 01.10.2015, a fls. 1236 a 1253 dos autos.”

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Matéria de facto não provada:

Inexistem factos com relevância para a decisão da causa que importe destacar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada e não provada formou- se com base na análise crítica conjugada do processo administrativo, junto a fls. 906 a 1068 do suporte físico, dos documentos juntos pelas partes com os seus articulados, não impugnados e que se dão por integralmente reproduzidos, nas posições assumidas pelas partes no procedimento administrativo e no processo judicial, bem como nos depoimentos prestados no âmbito do proc. 567/13.3BELRS, cujo aproveitamento foi decidido, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, as quais, demonstrando conhecimento direto dos factos, depuseram de forma clara, segura e coerente”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da inconstitucionalidade orgânica

Nos termos do art.º 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

Assim, as questões de inconstitucionalidade são de conhecimento oficioso, sendo ainda pertinente sublinhar que, com a alteração feita ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), pela Lei n.º 9/2019, de 01 de fevereiro, a sua verificação passou a sustentar o direito ao pagamento a juros indemnizatórios [cfr. a alínea d) do seu n.º 3].

Na sua petição inicial, já a Impugnante alegara a inconstitucionalidade do tributo em causa, designadamente do ponto de vista da violação do princípio da legalidade nas suas duas vertentes (tipicidade e reserva de lei parlamentar).

Assim, e não obstante tal questão não tenha sido conhecida pelo Tribunal a quo, porque julgada prejudicada, atenta a circunstância de a mesma ser de conhecimento oficioso e considerando que foi assegurado às partes o exercício do direito ao contraditório, por força do cumprimento do disposto no art.º 665.º, n.º 3, do CPC, passar-se-á à sua apreciação em primeira linha.

Enquadrando.

A Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro [Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), entretanto revogada pela Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto, com efeitos a partir de 14 de novembro de 2022], veio estabelecer o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações eletrónicas e aos recursos e serviços conexos, definindo ainda as competências da entidade reguladora neste âmbito.

A mesma surge como reflexo de transposição de diretivas comunitárias, concretamente das diretivas 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março, e 2002/77/CE, da Comissão, de 16 de setembro.

O quadro comunitário relativo às comunicações eletrónicas surgiu num contexto de necessidade de acompanhamento da abertura do mercado das telecomunicações à concorrência (transição de mercados monopolistas para mercados de plena concorrência).

Como tal, foi aprovado um pacote de diretivas, onde se incluem as já referidas.

Centrando-nos especificamente na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva quadro”), como resulta do seu considerando (5), verificou-se a necessidade de “… separar a regulação da transmissão, da regulamentação dos conteúdos. Assim, este quadro não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas, como sejam conteúdos radiodifundidos, serviços financeiros, ou determinados serviços da sociedade da informação”.

Esta diretiva consagra um quadro harmonizado para a regulamentação das redes de comunicações eletrónicas [definidas no seu art.º 2.º, al. a)], abarcando os serviços de comunicações eletrónicas [definidos no art.º 2.º, al. c)].

Por outro lado, a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (“diretiva autorização”), consagra um regime de autorização geral, conforme refletido designadamente no seu art.º 3.º.

Voltando à LCE e atento o quadro comunitário mencionado, deste diploma é desde logo de chamar à colação o seu título VII, com a epígrafe “Taxas, supervisão e fiscalização”.

Assim, o art.º 105.º, n.º 1, al. b), consagra que o “exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas” está sujeito a taxas de periodicidade anual.

O n.º 2 da mesma disposição legal remete para Portaria do membro do governo responsável pela área das comunicações a definição, entre outros, do montante da taxa referida.

Por seu turno, o n.º 4 do mesmo art.º 105.º refere que os montantes são determinados em função dos custos administrativos, nos seguintes termos:

“Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28.º, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objetiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos”.

Assim, é de chamar à colação a Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro (na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de novembro, que a republicou), que aprova as taxas devidas pela emissão das declarações comprovativas dos direitos, pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pela atribuição de direitos de utilização de frequências e de números, pela utilização do espectro radioelétrico e demais taxas devidas à Anacom.

Atento o respetivo Anexo II (na redação vigente à época), resulta que, para o cálculo do tributo ora em apreciação:

¾ É tido desde logo em conta o valor dos “proveitos [atualmente rendimentos] relevantes” diretamente conexos com a atividade de comunicações eletrónicas relativa ao ano anterior àquele em que é efetuada a liquidação do tributo, sendo cada entidade enquadrada em um dos três escalões definidos, de acordo com tais valores;

¾ São ainda considerados os custos administrativos, previstos no art.º 105.º, n.º 1, al. b), da LCE.

A taxa T0 é de 0,00 Eur. e a taxa T1 é de 2.500,00 Eur.

Já a taxa T2, aplicável a entidades como a Impugnante, enquadradas no escalão 2 [cfr. facto 37], é uma taxa variável, calculada nos seguintes termos:

t2 (Ano n) = [C (Ano n) — ÓT1n1(Ano n)] / ÓP2 (Ano n-1) [percentagem contributiva (%) das empresas do escalão 2 no Ano n].

T2 (Ano n) = t2 (Ano n) × P2 (Ano n-1).

Assim, num primeiro momento, é obtido o valor t2, que corresponde à relação entre, de um lado, a diferença entre o total de custos administrativos do ICP-Anacom referentes à al. b) do n.º 1 do art.º 105.º da LCE, a publicar nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, a considerar para o Ano n [C (Ano n)] e o somatório da taxas do escalão 1 multiplicadas pelo número de entidades do escalão 1 [ÓT1n1(Ano n)], e, de outro, o somatório dos proveitos relevantes das entidades do escalão 2 no ano -1 [ÓP2 (Ano n-1)].

Desta forma, obtém-se a percentagem contributiva (%) das empresas do escalão 2 no Ano n.

Calculada a t2, é calculada a T2, correspondente ao produto de t2 pelos proveitos relevantes das entidades do escalão 2 no ano -1.

Todos estes elementos constam, como referimos, do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro.

Feito este enquadramento, há que atentar na conformidade constitucional desta disciplina.

Cumpre, assim e antes de mais, considerar a tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português.

Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas.

Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo.

Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, os tributos têm uma natureza tripartida:

a) Impostos;

b) Taxas; e

c) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da LGT.

Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias.

Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico.

No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico.

A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas.

Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015:

“[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…).

Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos).

Nas palavras de Sérgio Vasques (1):

“O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”.

Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras.

Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes.

Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance.

Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais.

Assim, reconhece-se ao Governo uma competência concorrente em matéria de criação de contribuições financeiras individualizadas.

Chama-se a este respeito, a título exemplificativo, à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20 de outubro, onde se refere:

“A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras. E a aprovação desse regime geral não surge como ato-condição ou pressuposto necessário da criação individualizada desses tributos (Cf. Blanco de Morais, em “Curso de direito constitucional”, Tomo I, pág. 273, nota 400, ed. 2008, da Coimbra Editora), não havendo razões para que se considere que a atribuição reservada daquela competência pelo legislador constitucional tenha procurado refletir uma aplicação mais rarefeita do princípio matriz do parlamentarismo “no taxation without repre­sentation”.

A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa.

Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar.

Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, “na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legislador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral” (In “Comentário à IV Revisão Constitucional, pág. 417, ed. de 1999, da AAFDL).

O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue.

Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais”.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro:

“A jurisprudência constitucional em matéria de tributos comutativos e paracomutativos tem seguido uma orientação com dois traços fundamentais: a criação desses tributos pode fazer-se através de decreto-lei simples e a concretização do respetivo regime, desde que este conste essencialmente de um ato legislativo, pode ser objeto de portaria (…)

[O] Tribunal tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no Acórdão n.º 539/2015 − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais». Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por ato legislativo do Parlamento ou do Governo”.

Feito este enquadramento, cumpre, então, passar à concreta situação.

Sobre a mesma, já este TCAS teve a oportunidade de se pronunciar, no Acórdão de 29.09.2022 (Processo: 21/13.3 BELRS), no qual a ora Relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta.

Ali se escreveu:

“Percorrido o regime normativo nos aspectos que relevam para os autos, começaremos por dizer que, não obstante o tributo impugnado tenha a designação legal de “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, propendemos para a sua caracterização como contribuição financeira.

Com efeito, estão reunidas as principais notas características desta categoria tributária: é uma prestação pecuniária (i), coactiva (ii), cujas receitas são consignadas subjectiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusa – visando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v) – vd. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 268/2021, de 29/04/2021.

Tratam-se, de acordo com a caracterização da doutrina, de contribuições especiais parafiscais, que financiam entidades públicas de base não territorial cuja actividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários.

Como refere Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal – Lições”, Almedina, 2015, a pág.67, “No quadro da parafiscalidade, são de destacar as novas taxas de regulação económica. Elas têm vindo a proliferar e podemos considerá-las essenciais para financiar as despesas e garantir a independência das entidades reguladoras em relação aos governos emanados das maiorias parlamentares. A mais recente doutrina defende a sua autonomização face aos impostos”.

Concluindo-se que a designada “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, tem natureza de contribuição financeira – realçando-se que a querela em torno da qualificação jurídica do tributo impugnado como taxa ou contribuição financeira não assume particular relevância para a decisão a proferir, daí a desnecessidade de mais extensas considerações de ordem dogmática – impõe-se a este Tribunal de apelação, nos termos do art.º 204.º da CRP [“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”], apreciar e decidir da questão prejudicial imprópria de inconstitucionalidade (vd. Jorge Miranda, “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal”), arguida na impugnação da liquidação do tributo (cf. ponto VII da douta P.I.) e cujo conhecimento a sentença deu por prejudicado em vista da solução dada ao litígio (art.º 665/2 do CPC), na medida em que se constata existir um nexo incindível entre ela e a questão principal objecto do recurso, ou seja, entre a alegada interpretação não conforme à Constituição que foi feita das normas previstas na alínea b) do art.º 1.º da Portaria n.º 1473-B/2008 e das normas previstas nos n.ºs 1, 4 e 5, do seu Anexo II, em que assenta a liquidação do tributo, e o feito submetido a julgamento, qual o de indagar se os custos administrativos de regulação, que o tributo liquidado visa compensar, poderão incluir as provisões constituídas para processos judiciais pendentes.

E passando ao conhecimento da questão de constitucionalidade, em causa está a dimensão normativa dos identificados preceitos da Portaria n.º 1473-B/2008 na parte em que determinam a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços enquadrados no “escalão 2”, bem como a isenção prevista para certos operadores de comunicações.

Como se sabe, na ausência do enquadramento legislativo geral a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, a jurisprudência constitucional tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no seu Acórdão n.º 539/2015, de 20/10/2015 (cf. ponto 2 da fundamentação do acórdão, “Da alegada inconstitucionalidade orgânica”) − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais».

Como se refere no recente Ac. do TC n.º 152/2022, de 17/02/2022, que se debruçou sobre questão idêntica à destes autos, mas em que discutia a conformidade constitucional do acto de liquidação da “taxa anual de prestação de serviços postais” relativa ao ano de 2016, «Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por acto legislativo do Parlamento ou do Governo. Com efeito, ao determinar que o regime geral das contribuições financeiras integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, a Constituição atribui, pelo menos de modo implícito, natureza legislativa a toda a matéria das contribuições na ausência de um regime geral. Esta exigência de que a matéria seja regulada por acto legislativo é da maior relevância, pois não obstante o mesmo órgão − o Governo − ter simultaneamente competência legislativa e regulamentar, há diferenças significativas entre o regime constitucional dos decretos-leis e dos regulamentos, seja qual for a forma que estes revistam. Como se explica no Acórdão n.º 474/2021, a propósito da distinção entre decretos-leis e decretos regulamentares:

«A Constituição impõe que os regulamentos independentes revistam a forma de decreto regulamentar (n.º 6 do artigo 112.º), tal se devendo ao facto, não apenas de estes serem assinados pelo Primeiro-Ministro (n.º 3 do artigo 201.º) − ao contrário das portarias ou dos despachos dos membros do Governo –, como ainda − ao contrário do que sucede também com as resoluções do Conselho de Ministros com conteúdo normativo − de carecerem da promulgação do Presidente da República (alínea b) do artigo 134.º) e implicarem recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional em caso de recusa de aplicação de norma (n.º 3 do artigo 280.º). Estes traços de regime aproximam os decretos regulamentares, em boa medida, do regime constitucional dos decretos-leis; mas há certas qualidades procedimentais, relevantes do ponto de vista da legitimidade democrática e da separação de poderes, que só estes possuem. Com efeito, ao contrário dos decretos regulamentares, os decretos-leis, mormente em matéria de competência legislativa concorrencial, devem ser aprovados em Conselho Ministros (alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º), estão sujeitos a apreciação parlamentar (artigo 169.º) e podem ser objeto de fiscalização preventiva da constitucionalidade (alínea g) do artigo 134.º)» (fim de cit.).

Ora, continuando a acompanhar, com as devidas adaptações, o raciocínio do douto Tribunal, constata-se que as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 aqui em apreço regulamentam, é certo, a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mas em termos que, face à delimitação da incidência subjectiva e objectiva que resulta dos n.ºs 1 alínea b), 2 e 4 do art.º 105.º deste diploma, não podem deixar de ser considerados substancialmente inovatórios. No que respeita, em especial, à parte em que é determinada a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas, enquadrados no «escalão 2», que é o caso da impugnante e ora recorrida, é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes directamente conexos com a actividade de serviços de comunicações electrónicas, apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada aos operadores enquadrados neste escalão.

Assim, forçoso é reconhecer que certos elementos da impugnada taxa de regulação, determinantes da quantificação do tributo, foram objecto de normação primária por via regulamentar, ou seja, através do exercício da função administrativa.

Acontece que esses elementos, no entendimento do Tribunal Constitucional, que aqui acompanhamos e acolhemos, «integram a reserva de função legislativa, reserva essa, cujo desiderato, na ausência de um regime geral das contribuições financeiras constante de lei parlamentar ou decreto-lei devidamente autorizado, é o de assegurar um certo nível de coerência, transparência, equidade e legitimidade na criação desses tributos. Claro está que, se a matéria em causa integra o domínio da competência legislativa concorrencial da Assembleia da República e do Governo, não está em causa simplesmente a violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, cujo alcance é o de delimitar o domínio reservado ao legislador parlamentar em matéria tributária. Em causa está antes a invasão pelo poder administrativo de um domínio que a ordem constitucional reserva ao poder legislativo, ou seja, em que esta não é indiferente a que a regulação da matéria – os elementos essenciais das contribuições financeiras − conste de decreto-lei ou de mero regulamento. O problema essencial, como é bom de ver, prende-se com a legalidade da Administração Pública, relevando do inciso inicial do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, não na dimensão de preferência de lei – que, por ser uma questão de legalidade, em que o parâmetro imediato de controlo é a lei ordinária, extravasa os poderes de cognição da jurisdição constitucional −, mas na dimensão de reserva de lei – que, por dizer respeito a saber se as normas regulamentares invadem um domínio que a Constituição reserva ao legislador, consubstancia uma questão de constitucionalidade» (fim de cit.).

Ora, as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, ao regularem de forma inovatória elementos essenciais da taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas enquadrados no «escalão 2», violam essa reserva de função legislativa que se pode extrair das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”.

Consideramos, pois, tal como no aresto citado, que estamos perante uma contribuição financeira, cujas normas, designadamente de incidência objetiva e taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, concretamente do escalão 2, aqui em causa, constam não de ato legislativo (cfr. art.º 112.º, n.º 1, da CRP), mas de diploma regulamentar, infra legislativo.

Como se refere no já citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, de 17 de fevereiro, “é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada” (no mesmo sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 754/2022, de 9 de novembro).

Assim sendo, recusando este Tribunal aplicar as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de novembro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2”, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º e do n.º 2 do art.º 266.º da CRP, fica sem suporte normativo a liquidação impugnada, o que determina a sua anulação.

Como tal, fica prejudicado o conhecimento das demais questões, incluindo as questões objeto do recurso.

Assim, é de negar provimento ao recurso, embora com a presente fundamentação.

Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC).

Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, tendo em conta a circunstância de a questão apreciada já ter sido objeto de conhecimento por este TCAS, sustentando-se em situações similares apreciadas pelo Tribunal Constitucional, e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de novembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 223.