Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1617/19.0 BELSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:07/07/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONFLITO
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: DECISÃO

I. RELATÓRIO

A Senhora Juíza do juízo social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa veio, ao abrigo do disposto no artigo 36º, nº 1, alínea t) do ETAF, requerer a este Tribunal Central Administrativo Sul a resolução do conflito negativo de competência, em razão do território, suscitado entre si a Senhora Juíza do juízo comum do Tribunal administrativo e Fiscal de Sintra (Secção Administrativa), uma vez que ambas se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da acção administrativa que P ……………., intentou no TAC de Lisboa contra a Associação ………….. (A….. da ………), na qual visava impugnar o despacho de 7.05.2019 da autoria do Comandante da A…. da A….. que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.



II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. DE FACTO

Com relevo para a decisão emergem dos autos as seguintes ocorrências processuais:

1. Pelo Juiz do TAC de Lisboa, ao qual os presentes autos foram atribuídos, foi proferida decisão em 11.09.2019 a julgar oficiosamente verificada a excepção dilatória da incompetência territorial do tribunal para conhecer da causa e ordenada a remessa dos autos, após trânsito, para o tribunal considerado competente em razão do território: o TAF de Sintra (Secção Administrativa).

2. A decisão foi notificada às partes em 12.09.2019 e, nesse mesmo dia, o autor fez chegar autos requerimento no qual declarou prescindir do prazo para interposição de recurso da decisão, a ele renunciando.

3. Em 24.09.2019, os autos foram remetidos electronicamente ao TAF de Sintra (Secção Administrativa) em cumprimento do despacho do Senhor Juiz do TAC de Lisboa, datado de 23.09.2019.

4. No TAF de Sintra, a Senhora Juíza do juízo administrativo comum, a quem os autos foram distribuídos, veio a proferir decisão em 24.02.2022 a declinar essa competência e a determinar a remessa da acção administrativa ao juízo administrativo social do TAC de Lisboa.

5. As partes foram notificadas dessa decisão em 25.02.2022 e, após trânsito, os presentes autos foram remetidos ao TAC de Lisboa, em 6.04.2022.

6. No TAC de Lisboa, a Senhora Juíza do juízo administrativo social solicitou a resolução do conflito negativo de competência.



II.2. DE DIREITO

Dispõe o artigo 105º, nº2, do CPC - o qual está inserido na Secção II (do Capítulo V, do Título IV, do Livro I), relativa à incompetência relativa, a qual abrange a infracção das regras de competência fundadas nomeadamente na divisão judicial do território (cfr. artº102º) - que “[a] decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada.”.

Ora, no caso, encontra-se assente que o Autor após notificado da decisão proferida em 11.09.2019, a julgar o TAF de Sintra territorialmente competente para apreciar e decidir a acção dos autos, veio expressamente declarar nos autos, em 12.09.2019, prescindir do prazo para interposição de recurso da sentença, a ele renunciando.

Mas tal circunstância não faz operar o trânsito em julgado da sentença, pois que esta ainda era passível de recurso. O que aquela declaração consubstanciou foi a aceitação, por parte do autor, da decisão de atribuir ao TAF de Sintra (Secção Administrativa) a competência territorial para conhecer da presente acção. Daí apenas decorrendo para o Autor, nos termos do disposto no artigo 632.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, a perda do seu direito (legitimidade) a recorrer, por a ele ter expressamente renunciado nessa ocasião (a este respeito vide, António Santos Abrantes Geraldes in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª Edição, págs. 66 e 74 ss.). E é só isso. Até porque a ré, a A …………………………., ainda estava em tempo para se pronunciar sobre a decisão e a ela se opor, caso assim o entendesse.

De facto, a decisão do Senhor Juiz do TAC de Lisboa, notificada às partes em 12.09.2019, só transitava em julgado em 3.10.2019, (vide, artigos 105º, nº2, 139 e 248º, nº 1, ambos do CPC, conjugado com o artigo 147, nº1 do CPTA), portanto em momento posterior àquele em que os presentes autos já se encontravam no TAF de Sintra (cfr. artigo 5. da fundamentação de facto)

Acontece, porém, que a segunda decisão, a proferida no TAF de Sintra em 24.02.2022, em que se declinou também a competência, em razão do território, para os termos da presente acção, transitou em julgado em 18.02.2022.

Ou seja, a decisão do juízo administrativo comum do TAF de Sintra, não obstante ser posterior, transitou – essa sim - já em julgado e, por isso, é obrigatória dentro do processo, sob pena de ofensa do caso julgado formal (artigo 620.º, n.º 1, do CPC).

Nos termos do citado n.º 2 daquele artigo 105.º do CPC, a decisão transitada quanto à competência territorial, resolve definitivamente a questão, deve ser acatada pelo tribunal ao qual aquela decisão atribuiu essa competência, não podendo este último, por isso, declarar-se incompetente em razão do território.

Como explica Miguel Teixeira de Sousa, em comentário a este artigo, “a procedência da excepção dilatória de incompetência relativa determina a remessa do processo para o tribunal competente (…). No tribunal remetido, não é possível voltar a discutir a competência relativa (n.º2), ainda que com fundamento diverso do anteriormente apreciado e mesmo que a incompetência relativa tenha sido decretada no despacho saneador (art. 104.º, n.º 3). Em suma: o disposto no art. 595.º, n.º 3, é afastado pelo disposto no n.º 2. (c) Se, ainda assim, o tribunal remetido proferir uma decisão incompatível com a anterior, é esta que prevalece (art. 625.º, n.º 2). // (a) A decisão proferida sobre a competência relativa (só) pode ser impugnada através de reclamação para o presidente da Relação com competência na circunscrição territorial do tribunal de 1.ª instância” (in CPC ONLINE, art. 59.º a 114.º, Versão 2021.04).

Assim, estando definida a decisão prevalecente, não se configura, nos autos, um real conflito negativo de competência e, por isso, não resta senão dar cumprimento à decisão transitada em julgado em primeiro lugar: a que em 24.02.2022 declarou a incompetência territorial do juízo administrativo comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para conhecer da presente acção.

Face ao exposto, e sem necessidade de outros considerandos, terá que prevalecer a segunda decisão, por ser essa a decisão que transitou em primeiro lugar e resolveu definitivamente a questão.



III. DECISÃO

Termos em que, decidindo, declara-se o TAC de Lisboa (juízo administrativo social) territorialmente competente para conhecer da presente acção, declarando-se, em consequência, inválida a decisão desse Tribunal que recusou essa competência.

Sem custas.

Notifique.

7 de Julho de 2022

O Juiz Presidente do TCA Sul

Pedro Marchão Marques