Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:123/09.0BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:06/19/2019
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:NULIDADES DA SENTENÇA;
PRESCRIÇÃO- CONHECIMENTO DO LESADO;
INTERRUPÇÃO- ATO ADEQUADO À PRODUÇÃO DO EFEITO INTERRUPTIVO.
Sumário:I- Apenas a falta absoluta de fundamentação deve ser conducente à nulidade da sentença, não sendo de aplicar esta sanção aos casos de “eventual erro ou discordância quanto à fundamentação de facto e de direito” contida na sentença e desde que esta se mostre dotada de um mínimo de suficiência e explicitação dos factos e das regras jurídicas.

II- A eventual mediocridade de uma decisão prolatada em 1.ª Instância, conquanto seja de lamentar, não é bastante para fundar a nulidade da mesma. Realmente, só ocorre nulidade de tal sentença se estiverem preenchidas as condições descritas no art.º 668.º, n.º 1 do CPC, sem prejuízo, claro, da ocorrência de erro de julgamento.

III- A “oposição” a que faz referência o normativo contido na al. c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC concretiza-se na antinomia, incoerência, ou desarmonia lógica entre as razões de facto e de direito elencadas na decisão judicial e a consequência decisória final extraída dessas mesmas razões fundamentadoras, no sentido de que estas razões fundamentadoras determinam, racional e logicamente, uma decisão final diversa da que está contida no dispositivo da sentença.

IV- No que respeita à “obscuridade” e “ambiguidade” da sentença, interessa estabelecer que estas disfunções apenas inquinam de nulidade a decisão judicial quando a tornam ininteligível.

V- A não ponderação ou apreciação, por banda do Tribunal a quo, da totalidade do elenco argumentativo apresentado pelas partes é conducente, quando muito, ao erro de julgamento, mas não à nulidade da decisão. E tal sucede porque o Tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade dos argumentos oferecidos pelas partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes.

VI- o prazo de prescrição de três anos, previsto no art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil, inicia a sua contagem a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e o pôde exercer.

VII- Tendo o lesado- agora Recorrente, apresentado, em 11/01/2006, requerimento no qual já exprime claramente a vontade de demandar os Recorridos por prejuízos que- afirma- “está a sofrer e ainda vai sofrendo até à decisão final que vier a ser proferida no processo, pelo facto de ter dado ordem à emissão dos ofícios que deram causa às penhoras, sem que existam fundamentos para tal”, este é o momento relevante para efeitos de inicio da contagem do prazo prescricional, já que o lesado, nesse requerimento, demonstrou ter a noção de estar a sofrer prejuízos por atos não devidos, manifestando a intenção de exercer uma adequada pretensão indemnizatória.

VIII- Assim, a apresentação do requerimento em 11/01/2006 é demonstrativa de que o lesado tinha, nesse exato momento, conhecimento do direito que lhe compete, pelo que, em bom rigor, o prazo prescricional dever-se-á contabilizar a partir dessa mesma data.

IX- O benefício instituído no n.º 2 do art.º 323.º, quanto aos cinco dias, supõe, obrigatoriamente, que no momento da propositura da ação ainda não se verifique o decurso completo do prazo prescricional, assegurando, pois, que eventuais dilações na realização da citação ou notificação para além dos cinco dias, não imputáveis ao demandante, não o possam prejudicar mesmo que, entretanto, se complete o prazo prescricional já após a propositura da devida ação.

X- O requerimento apresentado pelo lesado no Serviço de Finanças, em 11/01/2006- muito embora contenha a menção da sua intenção de usar de meio judicial para ressarcir-se dos seus prejuízos- constitui um mero documento administrativo, não consubstanciando uma citação ou uma notificação judicial.

XI- O efeito interruptivo da prescrição apenas pode ser espoletado pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (cfr. art.º 323.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que o aludido requerimento não preenche, nem reúne, as condições para ser qualificado como citação, ou como notificação judicial. Significa tal, portanto, que o requerimento apresentado pelo lesado no Serviço de Finanças em 11/01/2006 não possui qualquer aptidão interruptiva do efeito prescritivo do decurso do tempo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
Manuel ............ (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra em 08/01/2012, que julgou improcedente a ação administrativa comum proposta contra o Estado Português, bem como contra Fernando ............ e Paulo ............ (Recorridos).
Inconformado, o Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo, clamando pela de nulidade do saneador-sentença, e pela subsistência de erro de julgamento que, no seu entendimento, ditarão a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a revogação da decisão em crise.

As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
1) Por sentença de fls., considera o Tribunal “a quo” que se encontra prescrito o direito do Recorrente em demandar os Recorridos;
2) O prazo de prescrição começa a contar a partir da data em que o Autor teve conhecimento do seu direito e o pode exercer, sendo só a partir dessa data é que o Recorrente tem fundamento para poder demandar os Réus por danos da função jurisdicional;
3) O prazo estabelecido no art. 498.°-1 do CC. conta-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e o pode exercer;
4) O lesado, aqui Autor, teve conhecimento do direito que lhe compete, ou seja, do alegado direito à indemnização pelos prejuízos causados pela penhora das contas bancárias, aquando a decisão do levantamento efectivo das penhoras bancárias.
5) A acção foi proposta dentro dos prazos estabelecidos para o exercício do direito à indemnização;
6) Se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias - vide n° 2 do artigo 323° do C.C;
7) Daí não se entender a Sentença de fls., pois, ocorreu a interrupção da prescrição arguida pelo 1° Réu;
8) Isto porque no Requerimento dirigido processo n° ............ e Apensos, que correu termos no …° Serviço de Finanças da Amadora, o Autor exprimiu a intenção de exercer o direito à indemnização por se ver privado, ilicitamente, dos bens que lhe pertencia;
9) Tem de considerar-se interrompido o prazo prescricional a partir do momento em que no Requerimento dirigido ao processo acima referido, o Autor exprimiu a intenção de exercer o direito à indemnização pelo privação, ilícita, das constas bancárias;
10) Em termos práticos isto significa que, quando a presente acção de indemnização foi instaurada, ou seja, em 06.02.2009, o prazo prescricional ainda não havia ocorrido;
11) A menção de que se pretendia exercer o direito de pedir indemnização aos Réus, estava expressa no Requerimento dirigido ao Serviço de Finanças da Amadora, pelo que o conhecimento dado aos Réus dessa intenção fora feito, portanto, através de meio idóneo;
12) Verifica-se assim que na Sentença recorrida não se procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, bem como se efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;
13) Sofrendo a Sentença recorrida de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d) do n.° 1 do artigo 668° do CPC;
14) Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão do alegante;
15) A Meritíssimo Juiz, limitou-se apenas e tão só, a emitir uma sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta os elementos constantes no processo;
16) A Sentença recorrida viola:
a) Artigos 158°, alíneas b), c) e d) do artigo 668° e 712° do Código do Processo Civil;
b) Artigos 323°, n°s 1, 2 e 4 e 326°, n° 1 e 327, n° 1 e 498, n° 1 do C.C;
c) Artigos 13°, 20°, 202°, 204°, 205° da C. R. P.
Termos em que, e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, se requer a REVOGAÇÃO da Sentença recorrida, por ser de: LEI, DIREITO E JUSTIÇA”

O Recorrido Estado Português apresentou contra-alegações, que findou com as seguintes conclusões:
EM CONCLUSÃO:
1º- O recorrente vem interpor recurso da douta sentença na qual a Ma. Juíza, declarou procedente a excepção peremptória de prescrição absolveu os RR. do pedido, por considerar que o direito de indemnização invocado pelo A. se encontrava prescrito, nos termos do artg0. 498° do CC.
- Conforme consta da douta sentença e tendo em conta os factos dados como provados, “... a comunicação de 16/1/2006 marca o início do prazo a que alude o artg°. 498° n° 1 do CC, por a partir de então o Autor ter conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil do lesante/ Réu, ainda, como diz a lei, sem conhecimento da extensão integral dos danos. ”
3o- Acrescentando-se ainda que; “... o direito de indemnização invocado pelo Autor na presente acção, entrada em juízo no dia 6/2/2009, encontrava-se prescrito, desde 18/1/2009 -sendo o dia 17/1/2006 o da notijicação/conhecimento do oficio e o dia 18/1/2006 o Iodia a seguir à notificação”.
4º- Entende no entanto o recorrente que apenas teve conhecimento do direito à indemnização aquando da decisão do levantamento efectivo das penhoras bancárias pelo que quando a acção foi proposta ainda não se encontrava prescrito o seu direito, uma vez que foi proposta cinco dias antes do termo do prazo.
5º- E ainda que, no caso, se verifícou-se situação de interrupção da prescrição tendo em conta que no requerimento dirigido ao proc. n° ............, que correu termos nas Finanças da Amadora exprimiu a intenção de exercer o direito à indemnização por se ver privado, ilicitamente, dos bens que lhe pertenciam.
6º- Acrescentando ainda que a sentença recorrida não procedeu a uma correcta interpretação dos elementos dos autos, bem como efectuou uma incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis, verificando-se a nulidade prevista nas al. c) e d) do n° 1 do artg°. 668° do CPC.
7º- Invoca ainda a violação de disposições constitucionais, designadamente artgs°. 204°, 13° e 20° da CRP, por entender que a decisão recorrida não assegurou os direitos do alegante.
8º- Não lhe assiste no entanto razão nos argumentos que invoca, desde logo, quanto ao conhecimento do efectivo levantamento das penhoras bancárias, como se alcança do probatório o recorrente teve-o, justamente através do oficio de 16/1/2009, que lhe foi remetido pela Direcção Geral de Impostos, sendo que as mesmas como igualmente ficou provado foram dadas sem efeito, na sequencia de registo informático interno, respectivamente em 24/1/2006 e 25/1/2009, v. alíneas Q), T) e U) dos factos provados.
9º- Pelo que só por manifesto lapso na contagem do prazo (cujas datas não indica) o A. poderá afirmar que propôs a acção nos cinco dias antes do termo do prazo.
10º- Aliás como se alcança quer da p.i. quer das alegações formuladas pelo A. o mesmo não avança com qualquer outra data, sendo que não impugnou a matéria fáctica dada como provada.
11º- Acrescente-se que mesmo que se considerasse que o inicio da contagem do prazo de só se iniciaria com o levantamento das penhoras, tendo o mesmo ocorrido em 24/1/2006 e 25/1/2006, cf. alíneas T) e U) dos factos provados, e tendo sido a acção proposta em 6/2/2009, igualmente se encontrava à data da propositura prescrito o direito de indemnização, que o autor pretende fazer valer.
12º- Quanto à eventual interrupção da prescrição decorrente da apresentação do requerimento no processo de execução que correu termos no Serviço de Finanças da Amadora, v. alínea P) do probatório, verifica-se que o requerimento em causa foi apresentado em 11/1/2006, e efectivamente no mesmo o A. afirmava que não deixaria de peticionar no Tribunal competente todos os prejuízos decorrentes da situação.
13º- Sucede no entanto que, o requerimento efectuado junto do processo de execução fiscal que corria nos Serviços de Finanças da Amadora não tem a virtualidade de interromper o prazo da prescricional, pois é opinião unânime, que só se verifica interrupção da prescrição quando a afirmação do exercício do direito seja levada ao conhecimento do obrigado por via judicial, sendo certo que para interromper a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo onde se procura exercer o direito, mas terá de ser no âmbito de processo judicial, o que não é seguramente o caso dos autos, artgs. 323°n 1 e n° 4 do CC.
14º- Terá assim de concluir-se que, tal como consta da douta sentença, a comunicação de 16/1/2006, marca o início do prazo a que alude o artg°. 498° n° 1 do CC, por a partir de então o A. ter conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil do lesante/Réu, pelo que tendo sido a presente acção proposta apenas em 6/2/2009, já se encontrava nessa data prescrito o direito reclamado pelo A.
15º- Quanto aos alegados vícios da sentença verifica-se que o recorrente não fundamenta o alagado erro na apreciação dos elementos de facto limitando-se a mera afirmação pelo que neste aspecto não deu cumprimento ao disposto no artg°. 685VA, n° 1 do CPC.
16º- O que igualmente sucede quanto à invocação do vicio de contradição entre os fundamentos e a decisão, artg°. 668o- n° 1- c) do CPC, verificando-se que o mesmo não ocorre dado que os fundamentos da decisão se encontram em completa coerência com o decidido, ou seja com a declaração de procedência da excepção invocada por se ter verificado prescrição do direito de indemnização.
17º- O mesmo se afirma quanto à alegada omissão de pronúncia, artg°. 668° - n° 1- d) e prevista no artg°. 660°, ambos do CPC, dado que o tribunal se pronunciou sobre as questões que lhe eram colocadas e pela ordem imposta no artg°. 660 do mesmo código, nada havendo assim a censurar ao decidido.
18º- Não se mostra igualmente violada qualquer norma constitucional, sendo que a violação das normas invocadas não tem, na presente acção, qualquer cabimento, inexistindo igualmente da parte do A. omissão de fundamentos do alegado.
19º- Conclui-se assim que o recorrente não alega no que respeita à analise da matéria de facto qualquer fundamento que tome inválida a fixação e apreciação da mesma por parte da tribunal recorrido, sendo que e no que toca á apreciação e subsunção jurídica dos factos ao direito a sentença não merece igualmente qualquer censura pelo que se deve manter nos seus preciosos termos.
Termos em que o recurso, interposto pelo A., deverá ser julgado improcedente.
Va. Exas. porém farão a devida JUSTIÇA.”

Também o Recorrido Paulo ............ apresentou contra-alegações, pugnando, em suma, pela manutenção do julgado na Instância a quo.

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Foram colhidos os vistos dos Venerandos Adjuntos.
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Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se o acórdão a quo padece:
A) de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão final, bem como por omissão de pronúncia;
B) de erro de julgamento no que concerne à apreciação que foi realizada quanto à prescrição do direito clamado pelo Recorrente, especificamente, art.ºs 323.º, n.ºs 1, 2 e 4, 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1 e 498.º, n.º 1 do Código Civil.

II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra assentou a seguinte factualidade, que entendeu provada, a qual se reproduz ipsis verbis, uma vez que não foi objeto de qualquer impugnação:
A) Com data de 3.1.1992, no âmbito do processo n° 267/80, de isenção de imposto de sisa, foi lavrada uma informação da qual constava que o Autor, que tinha adquirido por escritura pública celebrada em 30.4.1980, um prédio urbano, sito na Buraca, ao abrigo do regime de isenção de sisa, previsto no art 11°, n° 21 do Código da Sisa, tinha vendido o mesmo em 5.5.1982, sem que tivesse decorrido o prazo de 6 anos constante do art 16°A, al b), deixando por via disso de beneficiar da referida isenção a partir da data da venda - ver doc n° 2, fls 54, junto com a contestação do Ministério Público.
B) Em consequência e por despacho de 3.1.1992, do Adjunto do Chefe de Finanças, foi determinado que se procedesse à liquidação do imposto de sisa em dívida, bem como dos juros compensatórios que se mostrassem devidos - ver doc n° 2, fls 53 v., junto com a contestação do Ministério Público.
C) Após tentativa infrutífera postal para pagamento da divida do imposto, foi determinada a notificação edital do Autor em 15.4.1994 (afixados em 28.4.1994), para pagamento do imposto devido, no valor de 110.074$00, no prazo de 180 dias, acrescidos da dilação da notificação de 30 dias - ver doc n° 2, fls 55, junto com a contestação do Ministério Público.
D) Em 7.2.1995, os Serviços de Finanças competentes procederam à liquidação do imposto em divida na qual foi determinado o valor de €: 110.074$00 de dívida de imposto acrescido de 241.579$00 de juros de mora tudo no valor global de 351.653$00 - ver doc n° 2, fls 53, junto com a contestação do Ministério Público.
E) Não tendo sido pago o imposto devido, no prazo indicado na notificação edital foi lavrada certidão de relaxe em 12.4.1995, para efeitos de procedimento executivo, que deu origem aos autos de execução fiscal n° ............, autuados em 11.5.1995, contra o Autor no valor indicado na liquidação e respectivos juros de mora - ver doc n° 2, fls 3, junto com a contestação do Ministério Público.
F) Em 2.10.1995 foi expedida carta registada com A/R para a residência conhecida para citação do Autor, como determina o disposto no art 191° do CPPT, tendo em conta o valor, sendo certo que a mesma veio a ser devolvida em 26.10.1995, constando da mesma que não tinha sido reclamada - ver doc n° 2, fls 4, junto com a contestação do Ministério Público.
G) Pelo que e em conformidade, com o disposto no art 193°, n° 1 do CPPT, em 30.11.2005, tendo em conta as contas bancárias conhecidas do Autor, os Serviços de Finanças, procederam ao registo interno dos pedidos de penhora por via electrónica na aplicação informática do Ministério das Finanças SIPA (Sistema Informático de Penhoras Automáticas) entretanto entrado em funcionamento e com consagração legal estabelecida no art 215°, n° 2 do CPPT - ver doc n° 2, fls 59, junto com a contestação do Ministério Público.
H) A tais pedidos de penhora foram atribuídos os n° electrónicos, ............, respeitante ao B............, ............, respeitante ao Banco ............, e ............, respeitante do Banco ............ - ver doc n° 2, fls 59, 8, 12 e 25, junto com a contestação do Ministério Público.
I) Em 16.12.2005, o Chefe de Finanças competente do Serviço de Finanças da Amadora confirmou o registo da penhora efectuada em relação a cada uma das contas bancárias indicadas sob registo electrónico - ver doc n° 2, fls 59, junto com a contestação do Ministério Público.
J) Em 16.12.2005, em função da divida fiscal existente, foram emitidas por via electrónica e carta registada com A/R as respectivas notificações para penhora das contas bancárias do Autor junto do Banco ............, Banco ............ e Banco ............ - ver doc n° 2, fls 59, junto com a contestação do Ministério Público.
K) Verificando-se que em 27.12.2005 o Banco ............ e Banco ............ receberam a notificação para penhora das contas bancárias do Autor por via electrónica e o Banco ............ em 28.12.2005, como se alcança da folha de registo informático emitida pela DGF/SIPA - ver doc n° 1 junto com a contestação do Ministério Público.
L) E por via postal com A/R, o Banco ............ e B… em 27.12.2005, como se alcança da data de recebimento aposta nos A/R, não tendo sido aposta a data no A/R quanto ao B… - ver doc n° 2, fls 14, 10, 6, junto com a contestação do Ministério Público.
M) A partir dessas datas o montante das contas bancárias ficou penhorado à ordem do Serviço de Finanças, tal como consta dos ofícios, de 2.1.2006 (do B…) e de 30.12.2005 (do B… e Banco ............) que o confirmam - ver doc n° 2, fls 8, 12, 15, junto com a contestação do Ministério Público.
N) Em 27.12.2005 foi expedida citação pessoal do Autor, após a penhora, que resultou infrutífera - ver doc n° 2, fls 59, junto com a contestação do Ministério Público.
O) O Autor foi notificado, nos dias 30.12.2005, pelo Banco ............ e B…, e 2.1.2006, pelo Banco B…, de que as suas contas foram penhoradas, à ordem da Direcção-Geral de Impostos - ver docs n° 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e doc n° 2, fls 19, 20 e 21, junto com a contestação do Ministério Público.
P) No dia 11.1.2006 o Autor enviou um requerimento ao 2° Réu onde dizia e requeria o seguinte:
Processo n° ............ e apensos (seporventura existirem) ou outros
Exmo Sr. Chefe do
…° Serviço de Finanças da Amadora
Manuel ............ (...) vem, em virtude das notificações que recebeu, nomeadamente: 1) Banco ............ - doc n° 1 - 2) Banco B… - doc n° 2 - 3) Banco ............ - doc n° 3, solicitar a V Exa. que informe urgentemente - de imediato - qual a proveniência da dívida, que deu causa à penhora das contas bancárias e acções pertencentes ao reclamante nas Instituições bancárias acima mencionadas.
Requer também que lhe seja enviada a fotocópia dos ofícios que foram enviados instituições bancárias mencionadas, que deram causa à penhora.
O reclamante nada deve nesse serviço de Finanças nem noutro qualquer Serviço da mesma natureza.
O reclamante não deixará de peticionar no Tribunal competente todos os prejuízos que está a sofrer e ainda vai sofrendo até à decisão final que vier a ser proferida no processo, pelo facto de ter dado ordem à emissão dos ofícios que deram causa às penhoras, sem que existam fundamentos para tal.
Mais requer a V Exa. que seja também de imediato comunicado às instituições bancárias acima mencionadas a decisão que vier a ser proferida depois de uma análise ao processo por parte de VExa., levantando as penhoras de imediato.
Termos em que, e com os fundamentos acima expostos, se requer a V Exa. o envio de imediato das informações requeridas podendo as mesmas serem enviadas através de fax para o escritório do subscritor deste requerimento, comunicando-se também às instituições bancárias a decisão com o fim das penhoras serem levantadas de imediato - ver doc n° 4 junto com a petição inicial e doc n° 2, fls 17 a 42, junto com a contestação do Ministério Público.
Q) Em 16.1.2006 os Serviços de Finanças vieram a constatar que a dívida fiscal pela qual prosseguia a execução fiscal se encontrava prescrita, pelo que nesse mesmo dia procederam ao registo informático interno do pedido de levantamento das penhoras efectuadas - ver doc n° 2, fls 59, junto com a contestação do Ministério Público.
R) O que foi confirmado pelo Chefe de Finanças competente no dia 17.1.2006 e, nesse mesmo dia, através do sistema SIPA - ver doc n° 2, fls 59, junto com a contestação do Ministério Público.
S) Por ofício expedido em 16.1.2006, a Direcção Geral de Impostos deu conhecimento ao mandatário do Autor da existência, origem e fundamento da dívida fiscal de que decorriam as penhoras efectuadas, bem como da prescrição da dívida e consequente comunicação às entidades bancárias para levantamento das penhoras - ver doc n° 2, fls 52, junto com a contestação do Ministério Público.
T) No dia 17.1.2006 foi solicitado, por via electrónica, o levantamento das penhoras em causa junto das entidades bancárias que os recepcionaram, em 24.1.2006, os Bancos ............ e B…, e em 25.1.2006, o B… - ver registo informático emitido pela DGF/SIPA constante do doc n° 1 junto com a contestação do Ministério Público.
U) E simultaneamente remetido aviso com A/R que foi recepcionado em 24.1.2006, pelo B…, e em 25.1.2006, pelo B…, não se tendo verificado a devolução do A/R por parte do Banco ............ - ver doc n° 2, fls 7 e 11, junto com a contestação do Ministério Público.
V) Em Dezembro de 2005 e em Janeiro de 2006 o 2° Réu era o Chefe do Serviço de Finanças de Amadora … - ver docs juntos aos autos.
W) O 3° Réu, nessas datas, era o Director-geral da Direcção-geral de Impostos - ver docs juntos aos autos.
X) A acção entrou em juízo no dia 6.2.2009 - ver petição inicial.
Y) O Réu Estado Português foi citado para os termos da presente acção em 12.2.2009 - ver fls 58 dos autos.
Z) Em 9.6.2009 foi citado Paulo ............ - ver AR assinado nos autos.
AA) Em 4.3.2011 foi citado editalmente Fernando ............ para os termos da acção - ver anúncios e edital de citação insertos nos autos.”



III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
O Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra a presente ação administrativa comum contra o Estado Português, bem como contra Fernando ............- na qualidade de Chefe do Serviço de Finanças de Amadora …- e, finalmente, contra Paulo ............- na qualidade de Diretor-Geral da Direção-Geral de Impostos-, peticionando a “condenação solidária dos Réus a pagarem (…) a quantia de 15.000,00 € (…), a título de indemnização, pelos prejuízos que sofreu, com a penhora das contas bancárias e de todos os comportamentos dos Réus (…)”.
Na contestação oferecida pelo Recorrido Estado Português, este, para além da defesa impugnatória oferecida, invocou a prescrição do direito de indemnização do Recorrente.
Em 08/01/2012, o Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra proferiu despacho saneador, nos termos do qual julgou procedente a prescrição do direito à indemnização peticionada pelo Recorrente, absolvendo os Recorridos do pedido.
Discorda o Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe nulidades e erros de julgamento.
Debrucemo-nos, então, sobre decisão judicial objeto do vertente recurso jurisdicional.


A) Quanto à nulidade
O Recorrente esgrime, em primeiro lugar, que o saneador-sentença a quo padece de nulidades, consonantemente com o disposto no art.º 668.º, n.º 1, al.s b) c) e d) do CPC, em virtude de contradição de fundamentos e a decisão final e de omissão de pronúncia. E concretiza esta impetração nas conclusões 13), 14), 15) e 16) do seu recurso jurisdicional.
Ademais, e para melhor compreensão e clarificação das patologias que são apontadas pelo Recorrente, importa transcrever o trecho do corpo das alegações em que as nulidades são assacadas à decisão agora sob recurso:
“(…)
Sofrendo a Sentença recorrida de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d) do n.° 1 do artigo 668° do CPC.
Nulidade que aqui se invoca com todos os efeitos legais.
Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão do alegante.
Acresce que, a decisão recorrida, viola o disposto no artigo 205° da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei".
Ora, decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada.
E, a decisão recorrida, viola o disposto no artigo 204° da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “osprincípios nela consignados”.
Na verdade a decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13° e 20°.
O artigo 13° da C.R.P. dispõe:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. E, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 202° da C.R.P., nomeadamente o n.° 2, uma vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.
Ora, nesta caso essa circunstância não se verifica.
Isto é, o (Tribunal) com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos do Alegante, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto.
A Meritíssimo Juiz, limitou-se apenas e tão só, a emitir uma sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta:
- Os elementos constantes no processo.
Deixando a Meritíssima Juiz de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas.
Cometeu pois uma nulidade.”

Bem examinado o discurso espraiado pelo Recorrente no seu recurso, por forma a clarificar o teor das mencionadas conclusões incluídas na mesma peça, emerge de imediato a perceção de que o Recorrente confunde a nulidade da decisão judicial por contradição entre os fundamentos e a decisão final (al. c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC) com a nulidade derivada da ausência de fundamentação, inscrita na alínea b) do mesmo art.º 668.º, n.º 1 do CPC.
Seja como for, grassa à evidência que nem uma, nem outra, ocorrem no caso agora sob apreciação.
Vejamos porquê.
*
O art.º 668.º, n.º 1, al. b) do CPC, aplicável ao contencioso administrativo por força da consagração contida no art.º 140.º do CPTA, estipula que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Esta sanção é dimanante da violação do dever de fundamentação das decisões, dever este imposto, entre o mais, pelo art.º 158.º do CPC, que estatui que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, sendo que a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
No caso da sentença, o legislador processual optou por reforçar as exigências de fundamentação no art.º 659.º do CPC, concretamente, nos respetivos n.ºs 3 e 4 que, no que concerne aos “fundamentos”, determina a discriminação dos factos considerados provados pelo Juiz, bem como a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Note-se, de resto, que a legislação processual administrativa acolheu a mesma exigência com intensidade similar, visto que o art.º 94.º, n.º 2 do CPTA estatui, precisamente, que a sentença deve discriminar os factos provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
A imposição do dever de fundamentação da sentença visa, além do mais, possibilitar quer a compreensão do julgado, quer o escrutínio jurídico do mesmo, traduzindo um relevantíssimo instrumento de legitimação do poder judicial, bem como um fator credibilizante do funcionamento da justiça. Assim, a ausência, deficiência, vaguidão, obscuridade ou contradição dos fundamentos- sejam os de facto, sejam os de direito- utilizados pelo julgador em esteio da decisão final é reprimida com o desvalor mais elevado da sentença, ou seja, com a nulidade da mesma.
A questão que importa agora clarificar, é a de saber em que consiste a “não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Ora, a Jurisprudência tem trabalhado proficuamente no sentido da interpretação e aclaração da causa de nulidade agora em apreciação. Com efeito, o Colendo Supremo Tribunal Administrativo, no recentíssimo Acórdão proferido em 22/11/2018 no processo 0153/14.8BEPRT, explicitou que “os «fundamentos» justificativos da decisão são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a mesma se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem”. Ademais, a mesma Suprema Instância, no Acórdão emitido em 12/07/2017 no processo 0865/15, entendeu que apenas a falta absoluta de fundamentação deve ser conducente à nulidade da sentença, não sendo de aplicar esta sanção aos casos de “eventual erro ou discordância quanto à fundamentação de facto e de direito” contida na sentença e desde que esta se mostre dotada de um mínimo de suficiência e explicitação dos factos e das regras jurídicas. Aliás, esta linha de entendimento tem sido a selecionada no tratamento da imputação às decisões recorridas da nulidade descrita na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. Ilustrativamente, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/09/2017, tirado no processo 0552/17, em que foi exarado, além do mais, o seguinte:
“(…)
XI. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - ou por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 615.º do CPC.
XII. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não conste com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
XIII. Tal como tem vindo a ser afirmado, de forma reiterada, a propósito deste fundamento de nulidade não deve confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão, termos em que a nulidade só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida.
(…)”.
Munidos destes considerandos, regressemos ao caso concreto.
Examinado o saneador-sentença recorrido, verifica-se que o mesmo elencou factos, essencialmente todos invocados pelo Recorrente, bem como espraiou uma diversidade de considerandos jurídicos, atinentes à primeira questão essencial colocada nos autos, e que é a de saber se o direito de indemnização que o Recorrente peticiona encontra-se, ou não, prescrito, nos termos previstos no art.º 498.º, n.º 1, 323.º, 326.º e 327.º do Código Civil.
Do que vem de se dizer ressuma, imediatamente, que a decisão recorrida está dotada de fundamentação suficiente, seja quanto aos factos, seja quanto ao direito aplicável, estando muito longe da necessária falta absoluta de fundamentação, condição imprescindível para a verificação positiva da nulidade descrita na al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, pois que “a nulidade só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida”.
O Recorrente alude ainda à circunstância da fundamentação consagrada na decisão em crise o ser «”economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas questões», inculcando a convicção da ausência de decisão ponderante do concreto circunstancialismo do caso posto. Contudo, a verdade é que nada obsta a que a sentença adote uma fundamentação jurídica sintética, até enunciada sobre a forma de considerandos, bem como por remissão para outro caso similar. Diga-se, aliás, que essas possibilidades têm acolhimento expresso no domínio do contencioso administrativo, no art.º 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA.
Finalmente, refira-se que mesmo a eventual mediocridade de uma decisão prolatada em 1.ª Instância, conquanto seja de lamentar, não é bastante para fundar a nulidade da mesma. Realmente, só ocorre nulidade de tal sentença se estiverem preenchidas as condições descritas no art.º 668.º, n.º 1 do CPC, sem prejuízo, claro, da ocorrência de erro de julgamento.
Sendo assim, improcede, claramente, o alegado pelo Recorrente nas conclusões 13, 14, 15 e 16 do recurso no que concerne à imputação da nulidade descrita na al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC.
*
No que concerne à nulidade consagrada no art.º 668.º, n.º 1, al. c) do CPC, explicite-se que a mesma é aplicável ao contencioso administrativo por força da consagração contida no art.º 140.º do CPTA, estipula que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. A prescrição desta sanção, para a sentença que patenteie uma contradição entre o sentido do dispositivo final e os fundamentos de facto e de direito donde decorre aquele dispositivo, configura um relevante mecanismo de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes processuais, revelando a intolerância e a inadmissibilidade de decisões judiciais incompreensíveis, em termos lógico-jurídicos, para os seus destinatários. De igual modo, e pelas mesmíssimas razões, é punida com a respetiva nulidade a sentença que apresente ambiguidade ou obscuridade que a tornem ininteligível. Ou seja, pretende-se asseverar a clareza e a racionalidade das decisões judiciais, enquanto instrumentos de tutela jurisdicional e, em última instância, de realização da Justiça.
A dificuldade que se coloca nesta sede é, em primeiro lugar, a de identificar as situações em que “os fundamentos estejam em oposição com a decisão” e, em segundo lugar, descortinar o que deve entender-se por “ambiguidade” e “obscuridade” para efeitos de causa de nulidade da sentença.
No que concerne à oposição entre o sentido da decisão final e os respetivos fundamentos fáctico-jurídicos, salienta-se o afirmado pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 14/02/2019, no processo 08/18.0BCLSB:
“(…) De acordo com o art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC é nula a decisão quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (no que agora interessa).
É jurisprudência uniforme que esta nulidade da sentença ou acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, por a argumentação desenvolvida no acórdão apontar num determinado sentido e, apesar disso, a decisão ser em sentido contrário ou oposto. Contradição lógica, esta, que não se confunde com erro de julgamento, isto é, a errada interpretação ou aplicação do direito. (sublinhado nosso).
E já no Acórdão prolatado no processo 0865/15, em 12/07/2017, a Colenda Instância teve ocasião para consagrar (em sumário do aludido Acórdão) que “Não ocorre a nulidade inserta na al. c) do mesmo preceito [art.º 615.º, n.º 1 do CPC] se analisada a estrutura global da decisão judicial impugnada a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a motivação fáctico-jurídica nela desenvolvida, estando fora do âmbito da nulidade em análise pretensas situações de erro ou deficiente julgamento de facto e sua motivação/fundamentação.”
Quer isto significar que a “oposição” a que faz referência o normativo contido na al. c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC concretiza-se na antinomia, incoerência, ou desarmonia lógica entre as razões de facto e de direito elencadas na decisão judicial e a consequência decisória final extraída dessas mesmas razões fundamentadoras, no sentido de que estas razões fundamentadoras determinam, racional e logicamente, uma decisão final diversa da que está contida no dispositivo da sentença.
No que respeita à “obscuridade” e “ambiguidade” da sentença, interessa estabelecer que estas disfunções apenas inquinam de nulidade a decisão judicial quando a tornam ininteligível, consonantemente com o esclarecido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/09/2017, tirado no processo 01274/16 (sumário):
“I - Os «fundamentos» justificativos da decisão são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a mesma se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem;
II - É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende;
III - É «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes;
IV - Não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível.”
Aliás, a compreensão do que consiste o erro lógico perpetrado ao longo do iter fundamentador e decisório da sentença, bem como do que consubstancia “obscuridade” ou “ambiguidade” relevantes, emerge, entre outros, do Acórdão tirado em 08/11/2018 no processo 0149/18.3BALSB, em que a mesma Suprema Instância explicita, além do mais, o seguinte:
“(…)
A nulidade do acórdão, por «contradição entre os fundamentos e a decisão», que é prevista na alínea c), do n.º1, do artigo 615.º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os «fundamentos» invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a «decisão» tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso. Trata-se de doutrina pacífica e recorrente na jurisprudência dos Tribunais Superiores.
A mesma alínea do n.º1 do artigo 615.º do CPC sanciona com a nulidade, ainda, o acórdão em que «ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Como se sabe, é «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível».
(…)
O acórdão, porque desnecessariamente longo, torna-se «confuso», mas não ao ponto de ser obscuro ou ambíguo de modo a tornar a decisão ininteligível. Aliás, a sua linha de desenvolvimento de apreciação factual e jurídica consegue, como já o fizemos acima, ser detectada por um jurista.
E dessa confusão resultam algumas afirmações aparentemente «contraditórias», de modo que a recorrente as invocou como fundamento de nulidade. De facto, afirmar-se [folha 8 do acórdão, e folha 222 dos autos] que «o acto que visou executar o julgado apreciou todas as provas apresentadas pela interessada, incluindo as que apresentou aquando do pedido de execução do julgado», parece, numa primeira análise, impor a decisão extraída pela 1ª instância, de julgamento de improcedência do pedido de execução. E não foi isso que aconteceu, mas antes o contrário. Porém, note-se, logo de seguida o acórdão deslocou a questão [folha 8 do acórdão, e folha 222 dos autos] para «o acerto da apreciação da prova produzida e para o incumprimento do princípio do inquisitório por parte da entidade demandada, designadamente por não ter ouvido as testemunhas indicadas pela interessada, cuja relevância parece resultar dos termos em que foi apreciada aquela prova». E foi a apreciação desta questão que conduziu a outra conclusão extraída no acórdão, segundo a qual «é manifesto que os autos revelam, claramente, que não foi dado cumprimento ao julgado anulatório em causa, com inobservância do caso julgado pelo novo acto praticado pela entidade demandada […] o que acarreta a nulidade do novo acto que renovou a recusa da inscrição» [folhas 28 e 29 do acórdão e 242 e 243 dos autos]. O que justificou - obviamente - a revogação da sentença aí recorrida. O restante conteúdo da decisão da 2ª instância pertence, já, a um conhecimento em substituição, e resulta de o acórdão ter considerado preenchidos os requisitos necessários à inscrição da recorrente como TOC [folhas 35 do acórdão e 249 dos autos, entre outras].
Constata-se, assim, que a afirmação invocada não pode ser isolada do contexto total do acórdão recorrido, e que, tendo este em conta, a decisão não entra em «oposição» com os seus fundamentos, o que significa que a nulidade invocada e prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC [ex vi artigo 1º e 140º CPTA] também não se verifica.
(…)”.
Postas estas considerações, regressemos ao caso versado.
Perscrutada a decisão a quo em discussão, verifica-se que, em primeiro lugar, o discurso fundamentador contido na mesma é harmonioso com o dispositivo final. Realmente, o saneador-sentença julga a ação improcedente e absolve os Recorridos do pedido por entender que ocorre prescrição do direito à indemnização que o Recorrente veio acionar nos presentes autos.
Apoia-se o saneador-sentença em três linhas de argumentos no intuito de concluir pela subsistência da exceção perentória em causa.
Primo, a comunicação efetivada em 16/01/2006 constitui o marco para efeitos do início da contagem do prazo de prescrição, por o Recorrente ter conhecimento dos pressupostos da responsabilidade a partir desse momento. Pelo que, na data em que foi proposta a presente ação- em 06/02/2009-, já tinha decorrido o prazo de três anos previsto no art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil.
Secundo, porque o Recorrente, na sua petição inicial, não peticionou a citação urgente dos Recorridos, nos termos do preceituado no art.º 478.º do CPC.
E, tertio, porque não ocorre qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição, de acordo com o estabelecido nos art.ºs 323.º e 318.º do Código Civil.
Ora, não se vislumbra, neste percurso fundamentador trilhado pela decisão em crise, qualquer antinomia entre a decisão final de improcedência da ação e os fundamentos factuais e jurídicos que lhe servem de esteio.
Refira-se, ainda, que o Recorrente não ataca a seleção da factualidade vertida no probatório, bem como a valoração da prova documental e respetivo enquadramento jurídico da citada factualidade.
Sendo assim, não se identifica, pois, qualquer oposição ou contradição.
Finalmente, e em segundo lugar, não ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade na decisão a quo, uma vez que, em bom rigor, o alegado pelo Recorrente nas conclusões 13, 14, 15 e 16 do recurso consubstanciam a enunciação de uma mera discordância relativamente ao juízo jurídico-conclusivo patenteado no saneador-sentença recorrido e não, propriamente, a enunciação de um aspeto ininteligível, incompreensível ou de interpretação ambivalente.
Assim sendo, não se verificando a oposição entre o dispositivo da decisão recorrida e os respetivos fundamentos, bem como inexistindo obscuridade ou ambiguidade na mesma, improcede o vertente recurso no que tange ao alegado nas aludidas conclusões 13, 14, 15 e 16 do recurso.
*
Por último, o Recorrente suscita, também nas mesmas conclusões 13, 14, 15 e 16 do recurso, a nulidade do saneador-sentença por omissão de pronúncia.
Mas não lhe assiste razão.
O art.º 95.º, n.º 1 do CPTA prescreve que a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. Esta disposição transpõe para o contencioso administrativo o que é um princípio processual de longa tradição, vertido no art.º 660.º, n.º 2 do CPC e que estabelece que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O desrespeito deste dever imposto ao Juiz contamina a sentença com uma patologia genética, conducente ao mais grave desvalor, ou seja, à nulidade, nos termos que se encontram plasmados no art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, por força do estatuído no art.º 140.º do CPTA. Assim, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC). A nulidade consubstancia, pois, a sanção da infração ao dever que impende sobre o Tribunal de, em decorrência do princípio da disponibilidade objetiva, resolver todas as pretensões/questões que as partes tinham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estivesse ou ficasse prejudicada pela solução dada a outras ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado. Daí que a nulidade da decisão judicial ocorra no âmbito da respetiva validade formal, e pressuponha que o concreto ato jurisdicional tenha desrespeitado as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou violado o conteúdo e limites do poder à sombra da qual foi decretado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/09/2018, no processo 01411/16).
O problema que se coloca neste contexto é o de, em determinadas situações, destrinçar as questões dos argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas a ausência de apreciação e julgamento das primeiras é suscetível de inquinar de nulidade a decisão objeto de recurso. Realmente, a não ponderação ou apreciação, por banda do tribunal, da totalidade do elenco argumentativo apresentado pelas partes é conducente, quando muito, ao erro de julgamento, mas não à nulidade da decisão. E tal sucede porque o tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade dos argumentos oferecidos pelas partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes.
Deste modo, deve entender-se que questões são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes. “Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, (…) sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/12/2018 no processo 930/12.7BALSB).
Do que vem de se exprimir decorre, portanto, que somente existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art.º 660.º, n.º 2, do CPC, “proferir uma decisão de fundabilidade ou infundabilidade das exceções e da pretensão [causa de pedir/pedido] sem apreciar os problemas/questões fundamentais objeto do litígio” (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26/04/2018 no processo 01002/16, de 30/05/2018, no processo 0986/14, de 20/06/2018 no processo 0209/14, de 14/11/2018 no processo 0829/12.7BELRA e de 20/12/2018 no processo 0229/17.2BELSB e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/11/2018 no processo 942/14.6BELLE).
Realizado este périplo jurisprudencial, importa reverter ao caso versado.
O escrutínio do articulado inicial do Recorrente, especialmente, o exame do petitório final, permite assumir que, efetivamente, o Recorrente deduziu um pedido indemnizatório, abarcando danos patrimoniais e morais, fundado na prática de atos ilegais por parte da administração tributária.
Em contestação, o Recorrido Estado Português invocou a prescrição do direito de indemnização do Recorrente.
Ora, examinada a decisão a quo, verifica-se que a mesma, efetivamente, não se debruça sobre a ilegalidade dos atos em causa. Mas a verdade é que não tinha de o fazer.
É que a presente ação soçobrou em momento lógico-racionalmente anterior à apreciação e julgamento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o que implicou que o julgamento quanto à verificação dos mencionados pressupostos tenha ficado prejudicado.
Expliquemos melhor.
Como dimana do saneador-sentença a quo, os Recorridos foram absolvidos do pedido indemnizatório por, de acordo com a fundamentação daquela decisão, ocorrer a prescrição daquele direito indemnizatório.
Quer isto significar que, já em sede de apreciação do mérito da causa, o Tribunal a quo procedeu prioritariamente, como se impunha, ao escrutínio da defesa excetiva espraiada pelo Recorrido Estado Português, o que determinou a improcedência total do pedido formulado pelo Recorrente, pois que a prescrição configura uma causa extintiva do direito invocado pelo demandante, em conformidade com o que decorre do disposto nos art.ºs 487.º e 493.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, aplicáveis ao caso posto por força do preceituado no art.º 1.º do CPTA.
Sendo assim, e por apelo ao disposto no art.º 660.º, n.º 2 do CPC, impera assumir que, no caso que agora se decide, não foi violado o princípio da disponibilidade objetiva, até porque, o conhecimento e julgamento da exceção perentória da prescrição precede obrigatoriamente o julgamento dos requisitos de que depende a constituição do direito indemnizatório reclamado pelo Recorrente.
Resta mencionar que, no que se refere a esta temática, a Jurisprudência é profícua e sólida no sentido que vem de se relatar, destacando-se, entre muitos outros, o Acórdão promanado pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo em 06/12/2018, no processo 0930/12.7BALSB, no qual se exarou, para o que agora interessa, o seguinte discurso:
“(…)
27. Ora na situação vertente temos que, desde logo, a pronúncia contida na decisão objeto da presente reclamação não padece de qualquer omissão em face do que constituíam as questões suscitadas (…), já que, pese embora figurassem no elenco das questões suscitadas em sede recursiva, tal enunciação mostra-se sempre feita no pressuposto de que o seu conhecimento não venha, entretanto, a ficar ou a tornar-se prejudicado ou precludido com julgamento que haja recaído sobre antecedente questão objeto de julgamento.
28. E foi o que in casu ocorreu, já que mercê da procedência da exceção de falta superveniente de objeto ao recurso contencioso fundada na ocorrência de ratificação-sanação e que implicou a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide [cfr. art. 287.º, al. e), do CPC ex vi do art. 01.º da LPTA], o julgamento e conhecimento de todas as demais questões e do objeto do recurso jurisdicional sub specie ficou prejudicado pela solução que havia sido dada àquela anterior questão, inexistindo, assim, qualquer nulidade por omissão de pronúncia [cfr. arts. 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC].
29. Para além disso, não se vislumbra procedência na demais argumentação expendida pelos reclamantes em sede de nulidade por omissão de pronúncia já que a discordância dos mesmos quanto ao juízo de procedência firmado em sede de análise da referida exceção e daquilo que seja o alcance e suas consequências processuais quanto aos poderes e âmbito de pronúncia não integram questão subsumível na previsão de nulidade de decisão em análise, mas antes uma questão de erro no juízo ou na pronúncia que foi proferido.
30. Refira-se, ainda, que lida devidamente a decisão reclamada não procedem as críticas de omissão que se lhe mostram apontadas, pois a mesma apreciou as questões que tinha que decidir com estrito respeito e observância do pedido, objeto e pretensão impugnatória formulada e daí extraiu aquilo que, no seu juízo, eram as consequências para o objeto do processo que advinham, num plano meramente processual e adjetivo, da procedência da defesa por exceção deduzida, juízo esse que, por impossibilidade lógica, não envolve ou implica um qualquer juízo substantivo de mérito ou de demérito das posições em confronto.
31. Se os termos e fundamentos em que a decisão judicial impugnada se estriba no juízo firmado são ou não os corretos, e se os reclamantes discordam de tal juízo, tal envolverá eventual erro de julgamento, mas nunca nulidade de decisão por omissão de pronúncia.
(…)”.
Em concomitância, anote-se que este Tribunal Central Administrativo já cristalizou entendimento quanto à mesma temática, mormente- e a título ilustrativo- no Acórdão proferido em 16/03/2017, no processo 107/14.7BEBJA, em que se sumariou, além do mais, o que se segue:
“(…)
IV) Daí, também, que a sentença não sofra de omissão de pronúncia por não ter apreciado as questões postas na petição já que, declarado o erro na forma do processo, bem como a impossibilidade de convolação por extemporaneidade, ficou prejudicada a apreciação dos pedidos formulados na petição e, consequentemente de todos os fundamentos justificativos dos mesmos, incluindo a alegada incompetência do autor do acto. Dito de outro modo: inexistia instância válida para conhecer de toda e qualquer questão, pelo que não é sequer concebível o vício decisório da nulidade por omissão de pronúncia.
(…)”.
Finalmente, este mesmo Tribunal teve o ensejo de afirmar, no Acórdão proferido em 28/09/2017, no processo 1418/17.5BELRS, que “Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.
Deste modo, e face ao exposto, é manifesto que não existe omissão de pronúncia, assomando a procedência do vertente recurso jurisdicional, nesta parte, como totalmente inviável.
Em suma, improcede em absoluto o alegado pelo Recorrente nas conclusões 13, 14, 15 e 16 das alegações e, bem assim, improcede o presente recurso jurisdicional no que concerne à imputação de nulidade à decisão a quo.


B) Quanto ao erro de julgamento
O Recorrente expressa, ainda, o seu clamor de que o saneador-sentença a quo padece de erro de julgamento no que concerne à apreciação e julgamento realizado à prescrição do direito de indemnização, especificamente, por referência à interpretação e aplicação ao caso versado dos art.ºs 323.º, n.ºs 1, 2 e 4, 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1 e 498.º, n.º 1 do Código Civil.
A primeira linha de discordância apresentada refere-se ao momento em que o Recorrente teve conhecimento do seu direito e o pôde exercer, visto que, em consonância com o art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil, o prazo de prescrição de três anos inicia a sua contagem a partir desse momento.
Realmente, o Recorrente defende que “teve conhecimento do direito que lhe compete, ou seja, do alegado direito à indemnização pelos prejuízos causados pela penhora das contas bancárias, aquando da decisão do levantamento efectivo das penhoras bancárias” (conclusão 4). Porém, como se verá, mesmo contabilizado o prazo nos termos pretendido pelo Recorrente, sempre se impõe a conclusão da ocorrência da prescrição.
Com efeito, nos termos do que decorre do probatório- e que, saliente-se, não foi impugnado pelo Recorrente-, o levantamento das penhoras bancárias foi efetivado em 24 e 25 de janeiro de 2006. O que quer dizer que, tendo a vertente ação sido proposta em 06/02/2009, grassa à evidência que no momento em que foi proposta já tinha decorrido completamente o prazo de três anos previsto no art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil.
Seja como for, refira-se que esta tese do Recorrente não merece qualquer aceitação, uma vez que, como é evidente, o prejuízo sentido pelo Recorrente não deriva do levantamento das penhoras bancárias, mas sim da efetivação das penhoras bancárias. Aliás, é o próprio Recorrente que afirma que foi a indisponibilidade do dinheiro que impossibilitou o cumprimento de compromissos financeiros assumidos e, por isso, lhe provocaram preocupação, angústia, humilhação e vergonha.
Ora, emerge do ponto O) do probatório que o Recorrente teve conhecimento da efetivação das penhoras bancárias em 30/12/2005 e 02/01/2006. E, conforme decorre do ponto P) do mesmo probatório, em 11/01/2006, o Recorrente já exprime claramente a vontade de demandar os Recorridos por prejuízos que- afirma- “está a sofrer e ainda vai sofrendo até à decisão final que vier a ser proferida no processo, pelo facto de ter dado ordem à emissão dos ofícios que deram causa às penhoras, sem que existam fundamentos para tal”. Quer isto significar, portanto, que mesmo antes da data considerada pelo Tribunal a quo no saneador-sentença recorrido, como a relevante para efeitos de inicio da contagem do prazo prescricional- 16/01/2006-, já o Recorrente demonstrava ter a noção de estar a sofrer prejuízos por atos não devidos, manifestando a intenção de exercer uma adequada pretensão indemnizatória.
Assim sendo, impera assumir que a apresentação do requerimento em 11/01/2006 é demonstrativa de que o Recorrente tinha, nesse exato momento, conhecimento do direito que lhe compete. Pelo que, em bom rigor, o prazo prescricional dever-se-ía contabilizar a partir dessa mesma data.
Seja como for, o Tribunal a quo assumiu uma visão mais benévola, assentando a data de 16/01/2006 como a que marca o início da contagem do prazo prescricional, dado que, nesta data, o Recorrente foi notificado de que tinha sido produzida decisão de levantamento da penhora, por lhe assistir razão.
Seja como for, a verdade é que qualquer dos momentos considerandos, mesmo o erigido pelo Recorrente como relevante, conduz a que a contabilização do prazo prescricional de três anos já tenha findado em momento bem anterior àquele em que a presente ação foi proposta.
E esta conclusão não é abalada pelo disposto no art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil, pois que, no caso versado, não cabe a sua aplicação.
Na verdade, como decorre do excurso espraiado antecedentemente, no momento em que o Recorrente propôs a presente ação, já tinha decorrido totalmente o prazo de três anos, estipulado no n.º 1 do mencionado art.º 498.º. O que quer dizer que o benefício instituído no n.º 2 do art.º 323.º, quanto aos cinco dias, já não tem qualquer cabimento, visto que este normativo supõe, obrigatoriamente, que no momento da propositura da ação ainda não se verifique o decurso completo do prazo prescricional, assegurando, pois, que eventuais dilações na realização da citação ou notificação para além dos cinco dias, não imputáveis ao demandante, não o possam prejudicar mesmo que, entretanto, se complete o prazo prescricional já após a propositura da devida ação.
Adicionalmente, ressalte-se que o Recorrente não peticionou, na petição inicial, que a citação se realizasse com urgência para os efeitos descritos no art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil. Pelo que, mesmo que a ação tivesse sido proposta em data anterior àquela em que se completaria o prazo prescricional, não poderia o Recorrente usufruir do benefício instituído pelo indicado normativo.
Por conseguinte, e em suma, ressuma claramente que, no caso concreto, na data da propositura da vertente ação já tinha decorrido totalmente o prazo de três anos para efeitos de prescrição do direito de indemnização do Recorrente.
Por estes motivos, o alegado pelo Recorrente nas conclusões 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do recurso não merece acoito algum.
A segunda linha de impetração do saneador-sentença em crise prende-se, nos termos apresentados pelo Recorrente, com a existência de uma causa de interrupção do prazo prescricional, causa esta que não foi explorada, nem atendida, na decisão agora sob escrutínio.
Efetivamente, argumenta o Recorrente, nas conclusões 8, 9, 10, 11 e 12 do seu recurso que, no requerimento dirigido ao processo no Serviço de Finanças da Amadora 3, “exprimiu a intenção de exercer o direito à indemnização por se ver privado, ilicitamente, dos bens que lhe pertencia”, sendo que, por essa razão, “tem de considerar-se interrompido o prazo prescricional a partir do momento em que no requerimento (…) exprimiu a intenção de exercer o direito à indemnização pelo privação, ilícita, das constas bancárias”. Defende o Recorrente, portanto, que na data em que propôs a presente ação- 06/02/2009- ainda não havia decorrido a totalidade do prazo prescricional.
Ora, o simples exame dos factos possibilita o rechaçamento absoluto desta linha argumentativa apresentada pelo Recorrente, sucedendo que, aliás, que a impretação agora em análise revela-se inócua, pois que, mesmo a conceder que se verifica uma causa interruptiva do prazo prescricional, sempre teria de concluir-se pela ocorrência da aludida exceção perentória.
Vejamos porquê.
Regressando ao probatório, e concatenando o mesmo com a petição inicial, constata-se que o requerimento a que o Recorrente alude é o que apresentou em 11/01/2006 no Serviço de Finanças da Amadora e que está descrito no ponto P) do probatório reunido.
Este requerimento foi apresentado pelo Recorrente no referenciado Serviço de Finanças, servindo, fundamentalmente, o intuito de obter informações e cópia de documentos por forma a percecionar a origem da dívida que motivou a penhora das contas bancárias do Recorrente.
Sucede, todavia, que muito embora o Recorrente mencione, nesse requerimento, a sua intenção de usar de meio judicial para ressarcir-se dos seus prejuízos, a verdade é que tal requerimento constitui um mero documento administrativo, não consubstanciando uma citação ou uma notificação judicial.
Realmente, o efeito interruptivo da prescrição apenas pode ser espoletado pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (cfr. art.º 323.º, n.º 1 do Código Civil). Ora, o requerimento a que o Recorrente alude não preenche, nem reúne, as condições para ser qualificado como citação, ou como notificação judicial, uma vez que, como claramente foi intenção do legislador, tais atos correspondem a conceitos dogmaticamente ocupados, de natureza processual, e que se enxertam na previsão normativa dos art.ºs 228.º, 229.º, 229.º-A, 233.º, 235.º, entre outros, bem como art.ºs 253.º, 254.º, 255.º, 256.º e 261.º, todos do CPC (na versão aplicável à data dos factos).
Significa tal, portanto, que o requerimento apresentado pelo Recorrente no Serviço de Finanças da Amadora em 11/01/2006 não possui qualquer aptidão interruptiva do efeito prescritivo do decurso do tempo.
E, sendo assim, mantém-se a conclusão de que, na data em que a presente ação foi proposta- 06/02/2009- já havia prescrito o direito de indemnização do Recorrente.
Mas ainda que, porventura, se sufragasse um entendimento consonante com o argumento do Recorrente, a verdade é que a conclusão não poderia ser diversa. É que, ainda que se entenda que o prazo prescricional foi interrompido com a apresentação do requerimento em 11/01/2006, a contabilização do novo prazo prescricional de três anos tem início a partir da data do ato interruptivo, ou seja, a partir de 11/01/2006, de acordo com o previsto no art.º 326.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil. O que, evidentemente, conduz à clara conclusão de que, em 06/02/2009, já tinha decorrido totalmente o novo prazo prescricional.
E, mesmo que se considerasse, numa perspetiva de maior favor para o Recorrente, a aplicação ao caso posto do preceituado no art.º 327.º, n.º 1 do Código Civil, entendendo que subsiste uma causa duradoura de interrupção da prescrição, sempre se impunha que tal causa cessasse com o levantamento efetivo das penhoras bancárias, levantamento este que ocorreu em 24/01/2006 e 25/01/2006. Pelo que, iniciando a contabilização de um novo prazo de prescrição a partir da última das datas mencionadas, impõe-se concluir, uma vez mais, que na data em que a ação foi proposta já tinha decorrido a totalidade do novo prazo de prescrição de três anos.
Deste modo, improcede, igualmente, a impetração aduzida pelo Recorrente nas conclusões 8, 9, 10, 11 e 12 do seu recurso.



Destarte, em face do exposto, o saneador-sentença recorrido não merece censura, por não padecer das nulidades nem dos erros de julgamento imputados, impondo-se, por isso, negar provimento ao presente recurso e confirmar a decisão a quo.



IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, confirmar o saneador-sentença recorrido.
Custas a cargo do Recorrente.



Lisboa, 19 de junho de 2019,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Cristina dos Santos