Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:380/17.9BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:10/11/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCIDENTE DE NULIDADE DE ACÓRDÃO.
FUNDAMENTOS.
FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
O TRIBUNAL É LIVRE DE CONHECER DOS ASPECTOS JURÍDICOS DA CAUSA (CFR.ARTº.5, Nº.3, DO C.P.CIVIL).
INCIDENTE DE REFORMA DE ACÓRDÃO.
FUNDAMENTOS.
Sumário:1. A possibilidade de dedução do incidente de nulidade da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12.
2. Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artº.666, nº.1, e 667, do C.P.Civil).
3. Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 ("ex vi" do artº.666, nº.1, do C.P.Civil), é nulo o acórdão, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que o acórdão padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal do acórdão, sujeitando-o ao risco de ser revogado, havendo recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação.
4. Entre os possíveis fundamentos da nulidade de um acórdão vamos encontrar o excesso de pronúncia previsto no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, o qual se verifica quando o Tribunal conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
5. O Tribunal é livre de conhecer dos aspectos jurídicos da causa (interpretação e aplicação das regras de direito), com independência das razões invocadas pelas partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil).
6. No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador (a partir da reforma do C. P. Civil introduzida pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12) que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos das disposições combinadas dos artºs.616, nº.2, als.a) e b), e 666, do C.P.Civil (aplicáveis ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr.artº.371, do C.Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
7. O artº.616, nº.2, do C.P.Civil, procura especificar, com maior precisão, os poderes de alteração da decisão judicial, os quais podem fundar-se, não propriamente numa omissão, mas antes num activo erro de julgamento. Na alínea a), da norma, aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito, o qual pressupõe, obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e virtualmente incontroverso, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adoptar (v.g.aplicou-se norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da revogação). Por sua vez, na alínea b) aparece, essencialmente, previsto o erro manifesto na apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão diversa da proferida (v.g.o juiz omitiu a consideração de um documento, constante dos autos e dotado de força probatória plena, que só por si era bastante para deitar por terra a decisão proferida). Em ambas as situações o legislador dá prevalência ao princípio da justiça material em detrimento do princípio da imutabilidade das decisões judiciais.
8. Por outras palavras, a reforma de acórdão somente pode ter lugar quando se verifique um lapso notório do Tribunal na determinação da norma aplicável ao caso sob apreciação ou na qualificação jurídica dos factos, tal como a existência de erro manifesto na apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão diversa da proferida em consequência do que se deve concluir que a decisão judicial foi proferida com violação de lei expressa. Nestes termos, não é viável, através deste incidente processual, alterar as posições jurídicas assumidas no acórdão com base nos elementos existentes no processo, isto é, não poderão corrigir-se eventuais erros de julgamento que não derivem do dito lapso notório derivado de violação de lei expressa.


Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, notificado do acórdão datado de 19/07/2018 e exarado a fls.280 a 293 do processo físico, deduziu incidentes de nulidade/reforma de acórdão (cfr.fls.306 e seg. e fls.317 e seg. do processo físico), alegando, em síntese:
1-Que o acórdão objecto do presente incidente padece da nulidade devido a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, prevista no artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil;
2-Nulidade esta que se consubstancia em ter concluído, com base na factualidade constante do nº.3 do respectivo probatório, que o crédito objecto de penhora revestia carácter litigioso, quando de tal número da matéria de facto somente se retira que a sociedade recorrente não reconhece a obrigação, em virtude da inexistência de créditos naquela data;
3-Por outro lado, também o acórdão exarado no presente processo padece de nulidade devido a excesso de pronúncia, consagrada no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil;
4-Tal excesso de pronúncia deriva do Tribunal ter concluído pelo carácter litigioso do crédito, quando tal matéria não tinha sido alegada por qualquer das partes no processo;
5-Por outro lado, o acórdão objecto do presente incidente deve ser objecto de reforma, dado que existem no processo elementos documentais, com cariz de prova plena, os quais implicam decisão em sentido diverso da proferida, ainda no que diz respeito ao alegado cariz litigioso do crédito penhorado;
6-Sendo que a própria sociedade recorrente apenas reconhece que inexistiam créditos à data da penhora e não que os mesmos fossem litigiosos;
7-Termina pugnando pela procedência das nulidades arguidas ou, caso assim não se entenda, seja o acórdão reformado com as legais consequências.
X
Notificado dos requerimentos a suscitar os incidentes sob exame, a sociedade recorrente pugna pelo indeferimento dos mesmos (cfr.fls.325 a 328 e 331 a 334 dos autos).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência dos incidentes suscitados pela Fazenda Pública (cfr.fls.338 e 339 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artºs.657, nº.4, e 666, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A possibilidade de dedução do incidente de nulidade da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec.497/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/4/2013, proc.3013/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc. 5594/12; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.321 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artº.666, nº.1, e 667, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc. 5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/06/2014, proc.7094/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e 134; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.59 e seg.).
“In casu”, o requerente alega, além do mais, que o acórdão exarado nos presentes autos padece da nulidade de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, prevista no artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, a qual se consubstancia em ter concluído, com base na factualidade constante do nº.3 do respectivo probatório, que o crédito objecto de penhora revestia carácter litigioso, quando de tal número da matéria de facto somente se retira que a sociedade recorrente não reconhece a obrigação, em virtude da inexistência de créditos naquela data.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).
Revertendo ao caso dos autos, antes de mais, deve mencionar-se o conteúdo do citado nº.3 do probatório, constante do acórdão objecto do presente incidente:

“3-Em 17.05.2016, a sociedade aqui reclamante respondeu à notificação referida no número antecedente, tendo o resultado da resposta sido registado no Sistema de base de dados da AT como “Não reconhece a obrigação” (cfr.documentos juntos a fls.35 e 36 do processo de execução fiscal apenso);”

Ora, não compreende o Tribunal, qual a relação entre o conteúdo do citado nº.3 da factualidade provada e a eventual nulidade do acórdão devido a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, nulidade esta que, conforme aludido supra, necessário se torna que a falta de fundamentação seja absoluta, situação que não se verifica no caso concreto.
Concluindo, não se vislumbra qualquer nulidade, devido a eventual falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, de que padeça o acórdão exarado nestes autos a fls.280 a 293 do processo.
Aduz, igualmente, a entidade requerente que o acórdão padece de nulidade devido a excesso de pronúncia (consagrada no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil), sendo que tal excesso de pronúncia deriva do Tribunal ter concluído pelo carácter litigioso do crédito, quando tal matéria não tinha sido alegada por qualquer das partes no processo.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença (acórdão) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de “ultra petita”), como causa de nulidade da sentença (acórdão), está este previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.6817/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6832/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).
No processo vertente, o acórdão objecto do presente incidente, não padece, manifestamente, de qualquer vício de excesso de pronúncia, não consubstanciando tal, a conclusão a que chega do carácter litigioso do crédito penhorado.
E deve recordar-se que o Tribunal é livre de conhecer dos aspectos jurídicos da causa (interpretação e aplicação das regras de direito), com independência das razões invocadas pelas partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.5917/12).
Arrematando, não se vislumbra qualquer nulidade, devido a eventual excesso de pronúncia, de que padeça o acórdão exarado nestes autos a fls.280 a 293 do processo físico.
Por último, defende a entidade requerente que deve o acórdão exarado no processo ser reformado, dado que existem nos autos elementos documentais, com cariz de prova plena, os quais implicam decisão em sentido diverso da proferida, ainda no que diz respeito ao alegado cariz litigioso do crédito penhorado.
No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador (a partir da reforma do C.P.Civil introduzida pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12) que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos das disposições combinadas dos artºs.616, nº.2, als.a) e b) e 666, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicáveis ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr.artº.371, do C.Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
O artº.616, nº.2, do C.P.Civil, procura especificar, com maior precisão, os poderes de alteração da decisão judicial, os quais podem fundar-se, não propriamente numa omissão, mas antes num activo erro de julgamento. Na alínea a), da norma, aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito, o qual pressupõe, obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e virtualmente incontroverso, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adoptar (v.g.aplicou-se norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da revogação). Por sua vez, na alínea b) aparece, essencialmente, previsto o erro manifesto na apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão diversa da proferida (v.g.o juiz omitiu a consideração de um documento, constante dos autos e dotado de força probatória plena que, só por si, era bastante para deitar por terra a decisão proferida). Em ambas as situações o legislador dá prevalência ao princípio da justiça material em detrimento do princípio da imutabilidade das decisões judiciais (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/06/2014, proc.7094/13; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao C.P.Civil, I, Almedina, 2004, pág.559; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.65 e seg.).
Por outras palavras, a reforma de acórdão somente pode ter lugar quando se verifique um lapso notório do Tribunal na determinação da norma aplicável ao caso sob apreciação ou na qualificação jurídica dos factos, em consequência do que se deve concluir que a decisão judicial foi proferida com violação de lei expressa. Nestes termos, não é viável, através deste incidente processual, alterar as posições jurídicas assumidas no acórdão com base nos elementos existentes no processo, isto é, não poderão corrigir-se eventuais erros de julgamento que não derivem do dito lapso notório derivado de violação de lei expressa (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 19/11/2008, rec.914/07; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 2/12/2009, rec.468/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/2/2012, proc.3504/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6579/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/06/2014, proc.7094/13).
No processo vertente o requerente faz menção da existência de elementos documentais, com cariz de prova plena, os quais implicam decisão em sentido diverso da proferida, embora não identifique, concretamente, qual o documento que a tal conclusão levaria. Este Tribunal também não consegue identificar/situar tal prova documental.
Por outro lado, da leitura do acórdão reformando não se extrai que tenham sido cometidos erros do tipo dos aludidos supra (erro manifesto na determinação da norma aplicável ao caso sob apreciação ou na qualificação jurídica dos factos). Razão porque a pretensão do peticionário não pode proceder.
O que sucede é que o requerente não concorda com o entendimento deste Tribunal vertido no acórdão exarado a fls.280 a 293 dos autos e incidente sobre a decisão do recurso deduzido. Ora, decerto que esta discordância da Fazenda Pública para com o entendimento do Tribunal merece todo o respeito, mas, num Estado de Direito, os Tribunais Tributários, como órgãos independentes a quem incumbe administrar a justiça dirimindo os litígios emergentes das relações administrativo-tributárias (cfr.artºs.202, nº.1, e 212, nº.3, da C.R.Portuguesa), têm de decidir segundo o seu próprio entendimento sobre a solução das questões jurídicas que lhes incumbe resolver e não adoptar aquele que uma das partes teria se fosse ela, e não o Tribunal, a entidade a que a lei atribui o poder de julgar. Está-se assim, manifestamente, perante uma situação em que não é viável a reforma de acórdão ao abrigo do artº.616, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julgam-se totalmente improcedentes os incidentes de nulidade/reforma de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em INDEFERIR AS REQUERIDAS NULIDADE/REFORMA DO ACÓRDÃO exarado a fls.280 a 293 do processo físico.
X
Condena-se o requerente em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) U.C. (cfr.artº.7 e Tabela II, do R.C.Processuais).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 11 de Outubro de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)

(Paulo Pereira Gouveia - 1º. Adjunto)

(Ana Celeste Carvalho - 2º. Adjunto)