Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06406/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/28/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). CONCEITO E ÂMBITO DESTA NULIDADE.
NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
A FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO É QUESTÃO DIFERENTE DA NOTIFICAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO.
DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA DE QUE GOZA O ADMINISTRADO.
DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA CONSTITUI-SE EM FORMALIDADE LEGAL QUE SE DEGRADA EM IRREGULARIDADE IRRELEVANTE. PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
QUESTÕES NOVAS.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
2. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.659, nº.3, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
3. Deve fazer-se a destrinça entre a fundamentação do acto administrativo e, questão diferente, a notificação da fundamentação, realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da eventual anulabilidade do acto tributário. A mera falta de notificação da fundamentação de um acto de liquidação não gera a invalidade deste, antes dando direito ao sujeito passivo de requerer a notificação da fundamentação ou a passagem de certidão que a contenha (cfr.artº.37, do C.P.P.Tributário).
4. Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C.P.Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12.
5. O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada.
6. A omissão da audição do impugnante constitui preterição de formalidade legal conducente à anulabilidade da liquidação impugnada, só assim não acontecendo se for manifesto que tal acto tributário só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve no caso concreto. Em tal situação, sendo seguro que o exercício do direito de audiência prévia por parte do impugnante não teria qualquer relevância na estruturação da liquidação impugnada, pode concluir-se que o exercício do direito de audiência prévia se constitui em formalidade legal que se degrada em irregularidade irrelevante, assim se impondo a manutenção da decisão impugnada na ordem jurídica, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto administrativo.
7. Tendo o impugnante sido notificado do resultado da avaliação e conformando-se com o novo valor patrimonial tributário fixado ao imóvel, não tem qualquer relevo a falta de audição prévia antes da liquidação de I.M.T., por esta se consubstanciar numa sim­ples operação aritmética à qual o contribuinte nada pode acrescentar.
8. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.



O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.36 a 42 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando acto de liquidação de I.M.T. no montante de € 11.224,85.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.130 a 147 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Por Sentença de fls., decidiu o Meritíssimo Juiz: “...Termos em que julgo improcedente a impugnação...”;
2-A notificação efectuada pelo Exmo. Sr. Director-Geral, não contém os fundamentos de facto e de direito, conforme exige a lei;
3-Nem o facto desta notificação conter umas contas (?) e indicação de umas rubricas, se pode considerar fundamentada nos termos da lei;
4-A entidade impugnada teria forçosamente de indicar a fórmula de cálculo, bem como os fundamentos de direito desses cálculos;
5-Nem sequer a entidade impugnada nesta notificação, refere se porventura já antecipadamente comunicou ao contribuinte (o recorrente) o cálculo do montante da liquidação que aqui reclama, bem como a fórmula de apresentar reclamação ou impugnação;
6-A notificação enviada ao recorrente, e já junta com doc. nº.1, é nula, por violação do disposto nos artigos 58°, 59°, 60° e 67°, da Lei Geral Tributária;
7-Não pode a entidade impugnada calcular valores de impostos (?!..), neste caso liquidação adicional do municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) sem que previamente o contribuinte seja notificado dos valores, bem como do prazo para reclamar, fórmula de cálculo, etc., se assim o entender, e no caso concreto, isso não sucedeu;
8-O recorrente, não foi notificado para reclamar querendo, dos valores que lhe foram fixados, nos termos dos artigos 87° a 90° da LGT e demais legislação aplicável ao caso em apreço, nomeadamente a prevista no CIMT;
9-Daí que a notificação que foi enviada ao recorrente, seja nula e de nenhum efeito;
10-Pela análise da notificação, não se percebe que negócio deu causa à liquidação adicional, e quais os fundamentos legais que estiveram na causa dessa liquidação adicional;
11-Não percebe o recorrente, como ninguém percebe, mesmo que seja formado em Direito Fiscal, qual a razão da liquidação adicional, nomeadamente: Qual o negócio? Compra e venda? Hipoteca? Doação? Etc.;
12-Até hoje, o recorrente nunca foi notificado de qualquer avaliação, se essa avaliação foi feita, por quem, quando, qual a razão dessa avaliação, etc.;
13-Sendo certo que o Recorrente nas vendas que fez, recebeu apenas o que consta das escrituras públicas, pelo que a liquidação adicional, deve ter sido fixada por erro dos serviços fiscais, que ultimamente têm dado muitos erros destes - embora tenham um responsável que, e segundo é dito na praça pública, ganha mais que o Sr. Presidente da República;
14-Dúvidas não existem, de que tem a liquidação aqui impugnada ser anulada;
15-Sucede por outro lado, que a entidade impugnada, antes de proferir decisão final, estava obrigada a ouvir o recorrente, nos termos dos artigos 100 e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força da alínea c) do artigo 2° e artigo 62° da LGT, bem como artigo 60° do RCPIT;
16-Esta entidade, antes de ter decidido da forma que o fez, teria que ter enviado ao recorrente o seu "projecto" de decisão, para esta, querendo, pronunciar-se;
17-Certo é que isto não aconteceu, o que constitui desde logo uma ilegalidade insanável;
18-A liquidação impugnada, bem como os despachos que lhe deram causa, não estão fundamentados tanto de facto e de direito como exige a Lei, conforme já se disse;
19-Nem as informações e pareceres que contribuíram para a fundamentação (?) da nota de liquidação adicional e juros compensatórios, e seus despachos finais;
20-Tendo obrigatoriamente de se anular todo o processado até ao momento;
21-Quanto aos fundamentos de direito, conforme já se disse os mesmos, devem ter sido por mero erro, e quantos a outros não fazem qualquer referência, e, estavam obrigado a fazê-lo, conforme impõem os artigos 21° e 22° do Código de Processo Tributário, e demais legislação em vigor, e que tem aplicação a este caso em concreto;
22-Dúvidas não existem de que estamos perante uma ilegalidade insanável, violando-se nesta parte o disposto nas alíneas a), c) e d) do artigo 99° do CPPT, e artigo 77° da LGT;
23-Tanto mais, que a Constituição da Republica Portuguesa o não admite, assim como o CPPT, LGT, RGIT, RCPIT e demais legislação aplicável ao caso em concreto, também não;
24-Não existem fundamentos legais, para que o recorrente seja notificado para pagar os valores constantes das liquidações, conforme já acima se disse;
25-Sucede por outro lado, que a entidade impugnada, antes de emitir as liquidações, estava obrigada a ouvir o recorrente, nos termos dos artigos 100° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força da alínea c) do artigo 2° e artigo 62° da LGT, bem como artigo 60° do RCPIT;
26-Por outro lado, as liquidações impugnadas, não estão fundamentadas tanto de facto e de direito como exige a Lei, conforme já se disse;
27-A liquidação impugnada, não está fundamentada como exige as normas referidas, tendo por esse facto de ser anulada tal liquidação;
28-A fundamentação da matéria tributária (IMT) apresentada pelos serviços fiscais está destituída de qualquer razoabilidade e verdade, tanto de facto como de direito, conforme já acima se disse, para efeitos de poder fixar alteração do IRC da forma e modo como foi feito pela administração fiscal;
29-Os critérios que serviram para calcular os montantes em dívida (!?) do contribuinte, não são legais, e nem sequer estão fundamentados, conforme já acima fartamente se disse;
30-O IMT fixado ao recorrente, através da liquidação impugnada, e que deu causa a esta impugnação, é "INJUSTO" "ILEGAL e INCONSTITUCIONAL", e daí esta impugnação;
31-A entidade impugnada para efeitos de IMT atribuiu valores aos imóveis e depois não permitiu que o recorrente lançasse na sua escrita os valores desses imóveis pelo valor fixado pela própria administração fiscal;
32-No entanto a administração fiscal, cobra anualmente o IMI pelo valor que atribuiu a título de IMT aos imóveis - isto é que vai uma crise - para receber a administração fiscal fixa valores insuportáveis e sem que reflictam o valor real dos imóveis - na escrita do recorrente não aceita os próprios valores que fixou;
33-Obviamente que está errada a forma de proceder da entidade impugnada, e daí que tenham as liquidações de serem anuladas, tanto assim é, que basta analisar artigo 64° do CIRC, com a alteração introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro;
34-Por outro lado, consta da informação vinculativa emitida pela Direcção Geral dos Impostos - na denominada ficha doutrinária - processo n° 1068/05 -publicada no site da DGI, a interpretação e aplicação do disposto no artigo 58°-A do CIRC, que hoje está regulada no artigo 64° do mesmo Código, conforme acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
35-O artigo 58°-A do CIRC dispõe que sempre que o valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo desses imóveis, deverá ser este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável;
36-Este entendimento veio a ser confirmado através de uma informação vinculativa, com despacho concordante do Director-Geral dos Impostos de 3 de Junho de 2005 (Processo n° 1068/05), a qual se encontra disponível no site da Direcção Geral dos Impostos, conforme transcrição acima feita no artigo 3°; um Despacho da Direcção-Geral dos Impostos proferido em resposta a carta da Direcção da CTOC ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 21 de Abril de 2005 - Interpretação do art.° 58.°- A do CIRC o qual se encontra disponível para consulta no Manual do ROC nas anotações ao artigo 58.°- A do CIRC constante da secção Codlnfo;
37-Por seu turno, a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) pronunciou-se sobre esta matéria, em resposta de 10 de Novembro de 2004 a uma consulta que lhe foi formulada, a qual está disponível no site desta Comissão a qual conclui que "um imóvel não pode ser registado pelo seu valor patrimonial tributário", afastando ainda a possibilidade de invocação da Directriz Contabilística n° 16, por não estarem assegurados os pressupostos por ela exigidos (designadamente a necessidade de avaliação por perito);
38-Tendo em conta as informações vinculativas acima transcritas, dúvidas não existem de que o projecto do relatório de inspecção que deu causa a esta resposta, terá de ser alterado e equacionado;
39-Pelo que dúvidas não existem de que as liquidações impugnadas têm se ser anuladas bem como os juros, estornos, custas, etc.;
40-Com a fixação dos valores ao recorrente a título de IMT, o recorrente vai entrar na insolvência, pois não tem capacidade económica para pagar tais valores;
41-É impossível que o recorrente pague a quantia que foi liquidada ilegalmente e a que a sentença recorrida manteve, por vários motivos: não deve essa quantia; não tem capacidade económica ou financeira de poder pagar tal quantia; não obteve rendimentos suficientes para pagar tal quantia; não pode a entidade impugnada fixar valores sem ter em conta a lei, como fez neste caso; etc.;
42-O recorrente não tem capacidade económica para pagar tais valores fixados, e que a manterem-se, será levada à insolvência, assim como os seus gerentes;
43-A entidade impugnada interpretou e aplicou deficientemente as normas legais que têm aplicação ao caso em concreto;
44-O recorrente tem interesse directo nesta impugnação, porque está muito prejudicada com a decisão de terem sido emitidas as liquidações que deram causa a esta impugnação;
45-Por último sempre se diz, que nos termos do artigo 45° da Lei Geral Tributária, mesmo que por mera hipótese existisse a possibilidade de ao recorrente ser fixado o valor de IMT qualquer, que não aquele que consta da decisão sob impugnação, tal direito de liquidar os respectivos tributos, já havia caducado nos termos das normas indicadas;
46-Dado que, segundo a parte final do n° 2 do artigo 45° da L.G.T., "o prazo de caducidade é de três anos";
47-Como a liquidações se referem ao ano de 2006;
48-E, estamos em Fevereiro de 2013. Portanto já há muito caducou tal direito;
49-Caducidade esta, que aqui se invoca para todos os efeitos legais, e que deverá ser apreciada previamente;
50-Mesmo assim, caso não tenha aplicação o disposto no n° 2, tem aplicação o disposto no n° 1, da mesma norma legal - artigo 45° da LGT - neste caso em concreto a notificação foi levada a efeito ao recorrente no dia 22/05/2011 - portanto passados mais de 4 anos;
51-O Tribunal “a quo” deveria ter julgado totalmente procedente por provada a impugnação apresentada pelo recorrente;
52-A sentença recorrida, na parte que se recorre, interpretou deficientemente todas as normas legais que indica nessa sentença, e como tal impõe-se a revogação de tal sentença;
53-Daí a necessidade também, de se considerar nulo todo o processado pela administração fiscal, nesta matéria e até ao momento, incluindo o decidido na sentença recorrida, na parte que se recorre, pelo facto de embora ter sido alegada esta matéria, a mesma não foi sequer conhecida - omissão de pronúncia;
54-Não há dúvidas que assiste razão à Recorrente e que não pode a administração fiscal calcular outros valores, sem antes no tribunal competente conseguir uma "decisão judicial que declare a sua nulidade";
55-Na sentença recorrida, na parte que se recorre, esta questão foi deficientemente apreciada, pelo que se impõe a sua revogação;
56-Nem sequer está fundamentada a sentença recorrida nesta parte, limita-se apenas a dizer que está correcto, sem se fundamentar o porquê dessa correcção;
57-Tem a sentença recorrida ser revogada, na parte que se recorre, com todas as consequências legais daí resultantes;
58-O Meritíssimo Juiz "a quo", não fundamentou de facto e de direito a Sentença recorrida, pois não basta "ditar" normas e dizer "coisas", é preciso que a fundamentação e argumentação tenha sentido - princípio, meio e fim - e esteja de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso, inclusivamente com a maioria da jurisprudência;
59-A sentença recorrida, na parte que se recorre violou:
a)Artigos 124° e 125°, do Código do Procedimento Administrativo;
b)Artigo 1° - a) do Decreto-lei n.° 256-A/77de 17 de Junho;
c)Artigos 20°, 13°, 205°, 207°, 208°, 266°, e n°s 3, 4 e 5, do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa;
d)As alíneas b), c) e d) do artigo 668° da C. P. C. , aplicáveis por força do disposto no artigo 1° do Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho;
e)O artigo 16°, e alínea a) do Artigo 17° do Código de Processo Tributário e artigos 7°, 8°, 9°, 56°, 57°, 58°, 59° e 60°, da LGT;
60-Termos em que, se requer a V. Exas. a revogação da sentença recorrida, na parte que se recorre, por ser de Lei, Direito e JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.159 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza das questões a decidir (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil), vem o processo à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.36 a 38 dos autos):
1-No dia 28/7/2005, foi apresentado no Serviço de Finanças de Alpiarça a declaração para inscrição ou actualização de prédios inscritos na matriz junta a fls.20 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido;
2-A inscrição refere-se ao artigo U-6612/Alpiarça e foi apresentada em nome do impugnante;
3-Efectuada a avaliação em 2/10/2005, a que corresponde a ficha nº.681157, foi fixado o VT do prédio em € 183.940,00, com base nos seguintes critérios:
Vc (Valor base dos prédios edificados)- € 612,50;
A (área bruta de construção mais a área excedente à área de implanta­ção)- 1.500,000;
Cl (Coeficiente de localização)- 0,91;
Ca (Coeficiente de afectação)- 1,00;
Cq (Coeficiente de qualidade e conforto)- 1,00;
(tudo como consta de fls.28 e 29 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzi­do);
4-O resultado da avaliação foi notificado ao impugnante através de carta registada com a.r. e registo nº.RY039879727PT (cfr.documento junto a fls.32 do processo administrativo apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido);
5-O qual não requereu segunda avaliação;
6-Efectuada a liquidação, foi esta notificada ao impugnante, através da nota de cobrança junta aos autos e cujo conteúdo se dá por reproduzido (cfr.documento junto a fls.15 dos presentes autos);
7-A nota de cobrança contem, entre outros, os seguintes dizeres:

Valor patrimonial tributário resultante da avaliação
Taxa
Parcela a abater
Colecta devida
Colecta anterior
Valor
apurado
183.940,00 6,50 0,00 11.956,10 731,25 11.224,85

8-A nota de liquidação contém ainda, entre outras menções, a seguinte:
“Fica notificado(a), nos termos do nº. 4 do art. 31° do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e do artº. 36° do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da liquidação adicional do Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) efectuada em resultado de avaliação do prédio (n.° 2 do art. 31° do CIMT), com fundamento no n.°1 do art. 12 do CIMT e alínea a) do n.º1 do art. 27° do Decreto-Lei287/2003 de 12/11, relativo à transmissão abaixo descrita...”;
9-Mais abaixo diz-se:
“Da liquidação do IMT, poderá reclamar no prazo de 120 dias (art. 70° do CPPT) ou impugnar no prazo de 90 dias (art. 102° do CPPT), com os fundamentos referidos no art. 99° do CPPT” (tudo como consta do documento junto a fls.15 cujo conteúdo se dá por reproduzido);
10-Não foi facultado ao contribuinte o direito de audição antes da liquidação.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-Na p.i. que originou o presente processo, o impugnante, A..., com o n.i.f. 192 356 313, estruturou os seguintes alicerces (cfr.documento junto a fls.3 a 14 dos presentes autos):
a)Falta de fundamentação do acto de notificação da liquidação de I.M.T. identificada nos nºs.7 a 9 do probatório;
b)Falta de audição prévia do impugnante;
c)Falta de fundamentação da liquidação impugnada;
d)Violação, por parte dos serviços da A. Fiscal, dos princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do insucesso dos fundamentos da mesma.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida não conheceu da matéria da caducidade do direito à liquidação, pelo que se verifica o vício de omissão de pronúncia (cfr.conclusões 45 a 53 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, se bem percebemos, consubstanciar a existência de nulidade da decisão objecto do presente recurso.
Examinemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.d), do C. P. Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A. Sul, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A. Sul, 3/5/2011, proc.4629/11).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.660, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.494 e 495, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.912 a 914).
No caso “sub judice”, o que o recorrente pretende é que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a alegada caducidade do direito à liquidação, matéria que não se consubstancia como causa de pedir na p.i. que originou o presente processo (cfr.nº.11 do probatório), assim não tendo sido tal questão submetida à apreciação do Tribunal “a quo” e, por consequência, não podendo constituir-se como vector gerador de eventual nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia sobre qualquer questão suscitada, não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade e, nestes termos, julgando-se improcedente este fundamento do recurso.
Clama, igualmente, o recorrente que o Meritíssimo Juiz "a quo", não fundamentou de facto e de direito a sentença recorrida, pois não basta “ditar" normas e dizer “coisas”, é preciso que a fundamentação e argumentação tenha sentido - princípio, meio e fim - e esteja de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso (cfr.conclusões 56 e 58 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, a eventual existência de outra nulidade da sentença recorrida devido a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C. P. Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.659, nº.3, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.906 a 910; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul, 15/11/2011, proc.2430/08).
No caso “sub judice”, não entrevemos que a sentença recorrida padeça da nulidade em análise. Pelo contrário, a fundamentação fáctica e de direito da sentença existe, assim não vislumbrando este Tribunal que tal vício possa proceder.
Mais alega o recorrente que se verifica a falta de fundamentação do acto de notificação da liquidação de I.M.T. objecto dos presentes autos, visto que não contém os fundamentos de facto e de direito, conforme exige a lei (cfr.conclusões 2 a 11 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, a eventual existência de erro de julgamento da matéria de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C. P. Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G. Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Ainda, deve fazer-se a destrinça entre a fundamentação do acto administrativo e, questão diferente, a notificação da fundamentação, realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da eventual anulabilidade do acto tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/9/99, rec.23773; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.889/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.4966/11).
A mera falta de notificação da fundamentação de um acto de liquidação não gera a invalidade deste, antes dando direito ao sujeito passivo de requerer a notificação da fundamentação ou a passagem de certidão que a contenha (cfr.artº.37, do C.P.P. Tributário).
O âmbito de aplicação do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário, restringe-se ao procedimento tributário, não abrangendo o processo judicial tributário, como se infere da referência feita na norma à “decisão em matéria tributária”. Permite este preceito a sanação de deficiências dos actos de notificação, prevendo-se, aparentemente, a possibilidade de tal sanação ocorrer em relação a quaisquer requisitos do acto de notificação. Ao abrigo da norma em exame o destinatário pode requerer a notificação da fundamentação que não lhe foi comunicada, ou a passagem de certidão nesse sentido (a qual está isenta de custas), pois esta aplica-se sempre que a comunicação da decisão “não contiver a fundamentação legalmente exigida”, seja por o acto notificado não a ter, seja por a notificação ser deficiente.
Se a Administração Tributária não passar a certidão requerida nem efectuar a notificação dos requisitos omitidos, o acto notificado permanecerá ineficaz em relação ao sujeito passivo, não se iniciando o prazo para uso do meio de impugnação administrativa ou contenciosa que pretender utilizar (cfr.nº.2, do artº.37, do C.P.P.Tributário; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.348 e seg.; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.188).
No caso “sub judice”, o acto tributário objecto do presente processo encontra-se devidamente fundamentado, tendo sido levado ao conhecimento do impugnante as razões da sua estruturação (cfr.nºs.7 a 9 da matéria de facto provada).
Mais, se acaso não se considerava devidamente esclarecido da fundamentação do acto tributário objecto do presente processo, deveria ter feito uso do examinado dispositivo constante do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente igualmente este fundamento do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida neste segmento.
Aduz o apelante, também, que a liquidação impugnada, bem como os despachos que lhe deram causa, não estão fundamentados tanto de facto e de direito como exige a Lei, nem as informações e pareceres que contribuíram para a fundamentação da nota de liquidação adicional e juros compensatórios (cfr.conclusões 18 a 21 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Segundo percebemos, defende o recorrente que a liquidação de I.M.T. objecto do presente processo não se encontra devidamente fundamentada.
Antes de mais, se dirá que não é objecto do presente processo qualquer liquidação de juros compensatórios, assim não havendo que examinar a fundamentação da mesma.
Quanto à fundamentação da liquidação de I.M.T. identificada nos nºs.6 e 7 do probatório supra exarado, desde logo se remete o recorrente para os considerandos tecidos acima sobre a necessidade de fundamentação do acto tributário.
“In casu”, a avaliação do imóvel foi determinada em consequência da apresentação do modelo para inscrição/actualização da matriz, em nome do próprio impugnante/recorrente, em consequência da aquisição que efectuara (cfr.nºs.1 e 2 do probatório).
A transmissão operada, por força do disposto no artº.27, nº.1, al.a), do dec.lei 287/2003, de 12/11, implicou a avaliação do prédio, como resulta expressamente do texto da nota de cobrança (cfr.nº.8 da factualidade provada).
Sabe-se que o valor resultante da avaliação foi de € 183.940,00 o qual, à taxa de 6,50, resulta numa colecta de € 11.956,10. Como a colecta anterior foi de € 731,25, a colecta devida é assim de € 11.224,85 = (€ 11.956,10 - € 731,25).
Não consta da nota de cobrança os critérios que presidiram à avaliação e que culminaram no V.P.T. apurado (€ 183.940,00). Mas esses critérios e valores foram notificados ao contribuinte, que não requereu segunda avaliação (cfr.nºs.3 a 5 do probatório). Assim, pese embora não constarem da nota de cobrança, tais elementos foram levados ao conhecimento do contribuinte. E recorde-se que o recorrente não impugna a factualidade provada pelo Tribunal “a quo” (cfr.artº.685-B, do C.P.Civil, aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.).
Atento o referido, deve concluir-se pela devida fundamentação do acto tributário objecto do presente processo, o qual não padece deste vício de forma alegado pelo recorrente.
O apelante dissente do decidido sustentando, ainda e como supra se alude, que a entidade impugnada, antes de proferir decisão final e emitir a liquidação, estava obrigada a ouvir o recorrente, nos termos do artº.100, do Código do Procedimento Administrativo, para que este, querendo, se pronunciar (cfr.conclusões 15, 16 e 25 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, segundo supomos, mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12.
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/7/2003, rec.684/03; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro de Escrita, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515).
Somente nos casos previstos no artº.60, nº.2, da Lei Geral Tributária, é possível dispensar a audição prévia do contribuinte, mais exactamente nos casos em que a liquidação se basear na declaração apresentada pelo contribuinte, tal como nos casos em que a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
A omissão da audição do impugnante constitui preterição de formalidade legal conducente à anulabilidade da liquidação impugnada, só assim não acontecendo se for manifesto que tal acto tributário só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve no caso concreto. Em tal situação, sendo seguro que o exercício do direito de audiência prévia por parte do impugnante não teria qualquer relevância na estruturação da liquidação ora impugnada, pode concluir-se que o exercício do direito de audiência prévia se constitui em formalidade legal que se degrada em irregularidade irrelevante, assim se impondo a manutenção da decisão impugnada na ordem jurídica, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto administrativo (cfr.ac.S.T.A.-1ª. Secção, 10/5/2006, rec.1035/04; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 30/10/2002, rec.780/02; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 12/4/2005, proc. 3434/00).
“In casu”, será que se pode considerar que a liquidação impugnada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve no caso concreto, assim sendo seguro que o exercício do direito de audiência prévia por parte do impugnante não teria qualquer relevância na estruturação do mesmo acto tributário ? Pensamos que sim.
De acordo com o probatório, o recorrente foi notificado do resultado da primeira avaliação, e com ela se conformou. Ora, fixado o V.P.T., o imposto resulta da aplicação da taxa prevista na lei, no caso 6,5% (cfr.artº.17, nº.2, C.I.M.T.).
Ou seja, tendo o impugnante sido notificado do resultado da avaliação e conformando-se com o novo valor patrimonial tributário fixado ao imóvel, não tem qualquer relevo a falta de audição prévia antes da liquidação, por esta se consubstanciar numa sim­ples operação aritmética à qual o contribuinte nada pode acrescentar (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/6/2010, rec.1240/09; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro de Escrita, 2012, pág.528).
Valor patrimonial este que, aliás, não pode ser questionado na eventual impugnação judicial deduzida contra a liquidação de I.M.T. consequente, já que é fixado em procedimento próprio autónomo que culminou com um acto também impugnável autonomamente (cfr.artº.134, nº.1, do C.P.P.T.).
Em conclusão, também este fundamento do recurso se julga improcedente, mais se confirmando a decisão recorrida nesta secção.
Ainda, aduz o recorrente que se verifica a caducidade do direito à liquidação de I.M.T. nos termos do artº.45, da Lei Geral Tributária (cfr.conclusões 45 a 50 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/8/2012, proc.5857/12). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.272, do C.P.Civil), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.495, do C.P.Civil), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P.Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
No caso “sub judice”, deve concluir-se que o fundamento de recurso ora sob apreciação (a alegada caducidade do direito à liquidação nos termos do artº.45, da L.G.T.), constitui questão que não foi invocada na petição inicial (cfr.nº.11 do probatório). Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente sendo matéria que não é de conhecimento oficioso.
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dela se não conhece.
Finalmente, quanto à violação dos princípios constitucionais e legais (princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade), tal como se refere na decisão recorrida, e as alegações apresentadas nada acrescentam, o recorrente não concretiza minimamente essas violações, sendo que já se afirmou que a decisão recorrida está fundamentada, não se vislumbrando em que termos foram colocados em crise os princípios descritos, a não ser com referência ao facto de a decisão recorrida lhe ter sido desfavorável. De modo que, adoptando esta linha de análise do recorrente, em função do facto de se ter entendido que a sentença recorrida não pode ser posta em crise em relação aos elementos já assinalados, então também ao nível dos princípios apontados, o presente recurso está condenado ao insucesso.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a fundamentação constante do presente acórdão.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 28 de Maio de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)