Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3377/16.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RCO;
DECISÃO POR SIMPLES DESPACHO;
NULIDADE.
Sumário:Estando a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial, por simples despacho, absolutamente dependente da não oposição do arguido e do Ministério Público a essa forma de decidir, a omissão da audição do arguido e do Ministério Público para esse efeito, contra o que impõe o n.º 2 do artigo 64.º do RGCO, conforma a nulidade da alínea c) do artigo 119.º do CPP, e constitui também omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, integrando a nulidade processual da alínea d), do nº 2, do artigo 120º do CPP, a qual, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do mesmo Código, torna inválida a decisão por simples despacho.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

Vem a A.... – S.....recorrer para este Tribunal da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, em sede de recurso de contra-ordenação, julgou improcedente o recurso e manteve a decisão de aplicação de coima.A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 - No âmbito dos presentes autos, o Mmº Juiz decidiu através de simples despacho.

2 - De acordo do estipulado no nº 2, do artigo 64º, do RGCO, a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial, por simples despacho, está absolutamente dependente da não oposição do Ministério Público e do arguido a essa forma de decidir.

3 - A omissão dessa audição consubstancia a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, integrando a nulidade prevista na alínea d), do nº 2, do artigo 120º, do mesmo Código, pelo que a decisão em apreço é inválida, à luz do disposto no nº 1, do artigo 122º, também do CPP, disposições legais sempre aplicáveis ex vi artigos 3º, alínea b), do RGIT e 41º, do RGCO, o que se verifica.

4- Face ao exposto, a douta sentença recorrida, viola o disposto no nº 2, do artigo 64º, do RGCO, aplicável ex vi artigos 3º, alínea b), do RGIT e 41º, do RGCO, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que respeite as disposições legais infringidas.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e determinada a nulidade da sentença recorrida devendo ser substituída por outra que observe o preceituado em tal disposição legal, assim se fazendo a costumada Justiça!


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Neste TCA Sul, o EMMP pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1.º) Em 05.09.2016, foi levantado pela Diretora de Serviços do IMT, o auto de notícia n.º C0……./2016, contra a ora Recorrente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, constando do mesmo que:

“Elementos que caracterizam a infração - 1. Imposto/Trib: Imposto único de Circulação (IUC) 2.Montante do Imposto exigível: 527,00 3. Identificação do veículo: ……4. Período a que respeita a infração: 2016 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-05-31 6.

Normas infringidas: Art.º 17.º, n.º2 2 IUC – falta de pagamento do imposto devido 7. Normas punitivas: Art.º 114.º, n.º2 e 26.º, n.º4 do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária (...)

Verifiquei pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou nos cofres do estado, para o período e até ao termo do prazo referido, respetivamente, em 4 e 5 do quadro 02, o montante do imposto exigível mencionado em 2 e relativo ao veículo identificado em 3 do quadro 02, o que constitui infração às normas previstas em 6 e punível pela (s) disposição (ões) referida (s) em 7 do mesmo quadro. Para os devidos efeitos levantei o presente auto de notícia que vai por mim assinado, não o fazendo o infrator por não se encontrar presente no momento do seu levantamento.” - cf. auto de notícia, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a fls. 2 dos autos.

2.º) Em 05.09.2016 foi autuado no Serviço de Finanças de Lisboa – 7, o processo de contraordenação nº n.º 3…….., pela prática, pela ora Recorrente, da contraordenação prevista e punida pelos artigos 114º, nºs 2 e 26.º, n.º4 do RGIT (“Falta de entrega de prestação tributária”), por violação do disposto no artigo 17.º, n.º2 do Código do Imposto Municipal sobre veículos - cf. fls. 1-B dos autos, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.

3.º) Em 08.09.2016, foi, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 7, emitida “Notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima”, enviada à Recorrente para o “ViaCTT” - cf. doc. de fls. 5 do processo físico, cujo teor aqui se da por reproduzido, para todos os efeitos legais.

4.º) Em 16.09.2016, a Recorrente acedeu à Caixa Eletrónica do “ViaCTT” - cf. doc. de fls. 5 do processo físico, cujo teor aqui se da por reproduzido, para todos os efeitos legais.

5.º) Em 29.09.2016, através de carta registada (registo dos CTT - RD7……..PT), a Recorrente apresentou a sua defesa, arrolando duas testemunhas, tendo a mesma sido considerada intempestiva, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 7 - cf. fls. 7 a 12 do processo físico, cujo teor aqui se da por reproduzido, para todos os efeitos legais.

6.º) Por despacho de 02.10.2016, o chefe do serviço de finanças de Lisboa - 7 decidiu, no âmbito do processo de contraordenação, referido no anterior ponto do probatório, aplicar à Recorrente uma coima no valor de € 162,05, constando da referida decisão, designadamente, o seguinte:

“Descrição Sumária dos Factos – Ao (À) arguido(a) foi levantada Auto de notícia pelos seguintes factos: - 1. Imposto/Trib: Imposto Único de Circulação (IUC) 2.Montante do Imposto exigível: 527,00 3. Identificação do veículo: ….4. Período a que respeita a infração: 2016

5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-05-31, os quais se dão como provados. Matrícula/Registo:…...N.º da Liquidação: L.0…… Normas infringidas e punitivas – Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punido(s) pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contraordenação(ões). Normas Infringidas: Art.º 17.º, n.º2 IUC – Falta de pagamento do imposto devido; Normas Punitivas - Art. 114.º, n.º2 e 26.º, n.º2 do RGIT - Falta de entrega da prestação tributária. Responsabilidade Contraordenacional: A responsabilidade própria do (s) arguido (s) deriva do Art. 7.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável por força do art.º 3.º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo (s) arguido (s) e como autor (es) material (ais) da (s) contraordenação (ões) identificada (s) supra. Medida da Coima - Para fixação da coima (s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objetiva e subjetiva da (s) contraordenação (ões) praticada (s) para tanto importa ter presente e considerar

(...) Atos de Ocultação: Não; Benefício Económico: 0,00; Frequência da prática: Frequente; Negligência: Simples; (…) Situação Económica e Financeira: Baixa; Tempo decorrido desde a prática da infração:3 a 6 meses (…)” - cf. decisão, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 14 do processo físico.

7.º) A decisão referida no ponto anterior foi remetida à ora Recorrente através da “Notificação da Decisão de Aplicação da Coima”, emitida em 07.10.2016 - cf. doc. de fls.16 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.

8.º) Em 10.10.2016, foi emitido, pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 7, o oficio n.º 5006, comunicando à Recorrente a intempestividade da defesa apresentada - cf. doc. de fls.12 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.

9.º) Em 09.11.2016, foi apresentado pela Recorrente, no Serviço de Finanças de Lisboa - 7, o presente recurso da decisão proferida no processo de contraordenação referida no ponto 6.


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A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório”.

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2.2. O direito

A aqui Recorrente apresentou recurso da decisão de aplicação de coima, proferida no âmbito do processo º3……, autuado na sequência da imputação à arguida da infracção prevista no artigo 17.º, n.º2 do Código do Imposto Único de Circulação, consubstanciada na falta de entrega de prestação tributária, punida pelos artigos 114.º, n.ºs 2 e 26.º, n.º4 do RGIT.

Tal como resulta da sentença, foi invocada a violação do direito de defesa, o não preenchimento da tipicidade subjectiva necessária e, bem assim, a verificação dos pressupostos para a atenuação especial da coima.

A sentença recorrida não reconheceu razão à arguida e concluiu assim: “julga-se o presente recurso de contraordenação improcedente e, em consequência mantêm-se a decisão de aplicação da coima proferida”.

Conforme decorre das conclusões formuladas, a questão objecto do presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida padece de nulidade insanável pelo facto do juiz ter conhecido do recurso interposto por simples despacho, sem que o arguido e o MP fossem ouvidos em conformidade nos termos do nº2 do artigo 64.º do RGCO, aplicável ex vi al. c) do artigoº 3º, do RGIT.

Vejamos, então, deixando consignado que, analisada a tramitação efectuada nos autos, se verifica que, efectivamente, em 13/12/18, o juiz decidiu o recurso através de simples despacho, não tendo concedido o prazo nem ao MP, nem à Arguida, para, querendo, se pronunciarem, opondo-se caso assim o entendessem, a uma decisão por mero despacho, em conformidade com o disposto no n° 2 do artigo 64° do RGCO.

Por aqui se vê, desde já, que a razão está com a Recorrente, Arguida nos autos.

Tenhamos presente, transcrevendo, em situação em tudo idêntica à que nos ocupa, o que o STA entendeu a propósito da falta de notificação prevista no artigo 64º do RGCO.

Assim:

“Efectivamente de acordo com o artº 64º, nº 2 do RGCO o juiz poderá decidir por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.

Resulta desta norma que o juiz, antes de decidir por despacho, tem que conceder ao arguido e ao Ministério Público, um prazo para que estes, querendo, se possam opor a essa forma de decidir.

Com efeito da conjunção coordenada copulativa «e» utilizada neste n.° 2, resulta, inequivocamente, que estamos perante dois requisitos cumulativos a saber: 1.° O juiz não considera necessária a audiência de julgamento; 2.° O arguido e o Ministério Público não se oponham à decisão do recurso por despacho.

Daqui resulta que o legislador atribuiu ao arguido e ao Ministério Público o direito de submeter a acusação pública a julgamento, mesmo que este se afigure como inútil ao juiz (Vide Beça Pereira, Regime Geral das Contra-ordenações e das Coimas, Ed. Almedina, pags. 106/107 e também Manuel Simas Santos, Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações, anotações ao regime Geral, Vislis Editores, pag. 358.).

Com a realização do julgamento apenas se pretende reforçar as garantias dos vários sujeitos processuais e nomeadamente os direitos de audiência e defesa do arguido no processo contra-ordenacional que constitui garantia assegurada constitucionalmente (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa)

Assim, estando a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial, por simples despacho, absolutamente dependente da não oposição do arguido e do Ministério Público a essa forma de decidir, a omissão da audição do arguido e do Ministério Público para esse efeito, contra o que impõe o n.º 2 do artigo 64.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, conforma a nulidade da alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, e constitui também omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, integrando a nulidade processual da alínea d), do nº 2, do artigo 120º do CPP, a qual, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do mesmo Código, torna inválida a decisão por simples despacho (neste sentido, Simas Santos e Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2ª edição, 2002, pags. 376/377).

Verifica-se pois a nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 119.º, bem como a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120.º, ambos do CPP, o que determina a invalidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 122.º do mesmo CPP, sempre aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT e do art. 41.º do RGCO - cf. também neste sentido, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2014, recurso 1024/14, e de 19.11.2014, recurso 1291/14, ambos in www.dgsi.pt – cfr. acórdão do STA, de 03/06/15, no processo nº 0692/14.

Nesta conformidade, e sem necessidade de outras considerações, conclui-se que o recurso merece provimento.


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3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, declarar a nulidade do despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí prosseguirem com a notificação da Arguida e do Ministério Público, de harmonia e para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do RGCO.

Sem custas.

Lisboa, 28/11/19


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Jorge Cortez