Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03125/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/09/2009
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. ANULAÇÃO. JUROS DE MORA. FUNDAMENTAÇÃO. JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Sumário:1. Tendo a liquidação adicional tido lugar pela desconsideração dos montantes de diversas verbas declaradas pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, deve entender-se que o mesmo só pretende a anulação daquelas às quais imputa vícios conducentes à sua anulação, que não quanto às restantes às quais nenhuns vícios imputa, quando a anulação dessa liquidação possa ser parcial;
2. Os juros de mora devidos por atraso no pagamento do tributo encontram-se também sujeitos a fundamentação, de molde a permitir ao contribuinte conhecer os seus elementos essenciais e a com ela se conformar ou contra ela reagir;
3. Os juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando a anulação da liquidação ocorrer por iniciativa da AT, apenas são de contar desde o 30.º dia posterior à decisão até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, na parte que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) Do articulado da petição inicial, não se descortina que a Impugnante tenha posto em causa o montante dos PEC’s corrigidos pela Administração Tributária, pois embora peticione a anulação a anulação da liquidação adicional, apenas procede à sua impugnação na parte influenciada pela não consideração dos prejuízos fiscais daí que a anulação da liquidação através de documentos de correcção único efectuada pela Administração Tributária se tenha reportado apenas aos prejuízos fiscais anteriormente desconsiderados, mantendo-se a liquidação na parte influenciada pela correcção dos PEC’s;
b) A liquidação correctiva apenas executou o despacho revogatório, considerando os prejuízos fiscais, mantendo o valor da matéria colectável declarado inicialmente pela ora impugnante mas não alterando o montante dos PEC’s. Por outro lado, a Administração Tributária só poderia corrigir o avlor dos PEC’s se a ora impugnante tivesse vindo aos autos provar que o valor corrigido estava incorrecto por os valores pagos estarem em consonância com os declarados, o que aqui não se verificou;
c) A falta de fundamentação encontrada na douta sentença recorrida para atacar o imposto a pagar resultante da manutenção do valor dos PEC’s é completamente destituída de
sentido legal, já que a impugnante conhecia as razões por que lhe foi liquidado aquele imposto e a Jurisprudência vai no sentido de que não é insuficiente a fundamentação que dê a
conhecer ao seu destinatário a motivação funcional do acto, ou seja, as razões por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação, e repete-se que em lado nenhum da p.i, se encontra plasmada a sua impugnação a esses montantes corrigidos;
d) Quanto à questão dos juros de mora, a Direcção de Serviços de Justiça Tributária esclareceu (a pedido da Fazenda Pública - Crf. Informação junta como Doc. 1 aos autos), que deverá proceder-se à sua correcção de conformidade com a anulação da dívida de € 811 116,64, para € 674439,64, pelo que apenas são devidos € 7 085,00 em vez de € 15 286,24 (Vide cálculo do ponto 3.2 daquela Informação), já que tendo a Impugnante pago este último montante, resultou um pagamento em excesso de € 8 201,24, que lhe deve ser reembolsado (Vide explanação constante do art.º 12° das alegações);
e) A lógica da douta sentença quanto a esta questão resulta num completo “paradoxo”, salvo o devido respeito que a Mm.ª Juiz "a quo" nos merece, já que quanto ao montante a reembolsar de juros de mora à ora impugnante, não existe pronúncia sobre se existe ou não vício de falta de fundamentação, mas quanto aos juros de mora ainda devidos considera-se que se encontram feridos do referido vício. Questiona-se se a liquidação de juros é a mesma só padece de vícios no que é devido e não no que é reembolso, mas a liquidação não é una?
f) Improcede o vício de falta de fundamentação atribuído aos juros de mora porque sempre que o destinatário possa ficar ficar cinete do sentido e da decisão das razões que a sustentam não estamos em presença daquele vício de forma, o que aqui se verifica;
g) Os requisitos legais para que haja direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte são a existência de erro imputável aos serviços (Cfr. n.º 1 do Art.º 43.º da LGT) determinado em reclamação ou impugnação judicial. No caso sub judice, embora o erro tivesse sido invocado na p.i, a liquidação correctiva foi anulada unicamente por vício de falta de fundamentação, como facilmente se depreende do texto da douta sentença a fls. 175 que se passa a transcrever “nesta decisão não se chegou à apreciação se houve erro dos serviços, mas unicamente que se está perante um vício de falta de fundamentação, e tão só” (Vide Ac. do STA, 2008/10/01, proc. 0244/08 e Ac. do TCA do Sul, 2008/09/16, proc. 02413/08;
h) Logo, ainda que o referido vício de forma tenha sido reconhecido em impugnação judicial, não inclui o requisito do erro imputável aos serviços que gera o direito a juros indemnizatórios, tanto mais que é a Mm.ª Juiz que reconhece na douta sentença que nestes autos “não sabemos se ocorreu esse erro”;
i) Assim, é incoerente que se condene a Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes de € 136676,83 (já devolvido ao contribuinte) e de
€ 8 201,24 (a devolver ao contribuinte), já que ambos os montantes resultaram da anulação da liquidação de imposto na parte que a Administração desconsiderou os prejuízos fiscais, o que não implicou que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação ocorrida não se pode concluir sem mais que houve um prejuízo que mereça ser ressarcido , devendo-lhe ser restituído apenas aquilo que foi recebido;
j) A douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à valoração da matéria de facto dada como provada com as implicações daí decorrentes ao nível das regras de direito aplicáveis, violando assim o disposto no Art. 77.º e Art.º 43. n.º 1 da LGT e Art.º 61.º do CPPT.

Pelo exposto e pelo muito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, só assim se fará JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter uma correcta interpretação de facto e de aplicação do direito.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A Fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a ora recorrida, na presente impugnação judicial, impugnou a totalidade da liquidação adicional ou só a parte relativa à desconsideração dos prejuízos fiscais relativos a exercícios anteriores; Se a liquidação dos juros de mora padece do vício de falta de fundamentação (formal); E se a recorrida tem direito a juros indemnizatórios por mor da anulação oficiosa da liquidação adicional operada pela AT.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A impugnante foi alvo de uma acção de inspecção referente ao exercício de 2001 (fls 16 a 31, dos autos);
B) No âmbito dessa acção de inspecção a AT determinou a matéria colectável do exercício de 2001, com recurso a métodos indirectos efectuando correcções às vendas contabilizadas no montante de € 481,484,69 (fls 27 dos autos);
C) A impugnante declarou, no exercício de 2001, um prejuízo a pagar no montante de € 781.410,28, e das correcções não resultou imposto a pagar (fls 17, dos autos);
D) No ano de 2005, a impugnante foi alvo de uma acção de inspecção referente aos exercícios de 2002 e 2003 (fls 32 a 52, dos autos);
E) No âmbito dessa acção de inspecção a AT determinou a matéria colectável desses dois exercícios com recurso a métodos indirectos e efectuou correcções aos proveitos no montante total de € 768.861,11 (fls 49 a 51, dos autos);
F) Para o exercício de 2003, a AT efectuou correcções aos proveitos no montante total de € 219.005,43 (fls 49 a 51, dos autos);
G) A correcção efectuada aos exercícios de 2001 e 2002 não deu lugar ao pagamento de imposto (fls 51 e 52, dos autos);
H) A correcção efectuada ao ano de 2003, deu lugar ao pagamento de imposto (fls 52, dos autos);
I) No exercício de 2005, a impugnante declarou lucro tributável e deduziu os prejuízos fiscais que haviam sido apurados nos exercícios de 2000, 2001 e 2002, no montante total de € 546.707,32 (€ 67.787,76 relativo ao exercício de 2000, € 299.952,59, relativo ao ano de 2001, € 178.966,97 relativo ao exercício de 2002) (fls 53 a 56, dos autos);
J) A AT notificou o impugnante nos termos do documento de fls 57, que se dá por reproduzido e, com interesse para a decisão da causa se reproduz:
Assunto: Correcção do valor dos prejuízos fiscais dedutíveis
Exercício de 2005
(...)
O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 47º, do Código do IRC, evidenciado por Vª Exª, na declaração Modelo 22 do exercício de 2005, não se encontra de acordo com os elementos constantes na base de dados da administração fiscal e vai ser objecto de correcção na respectiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo.
Prejuízo fiscal declarado Prejuízo fiscal corrigido 546.707,32 € 0,00 €
(...)
L) Em 2006, com data limite de pagamento em 2007-01-08, a impugnante foi notificada da liquidação de IRC n° 20062310388669, referente ao exercício de 2005, no montante de € 158.787,97 (fls 58, dos autos);
M) Na mesma ocasião a impugnante foi notificada da demonstração da liquidação de juros, no montante total de € 15.268,24 (fls 59, dos autos);
N) Após a notificação das liquidações referidas em M) a impugnante enviou a pedido de fls 60, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, solicitando que lhe fosse notificada integralmente a fundamentação, de facto e de direito da liquidação adicional de IRC, no montante de € 158.787 ,97 e da aplicação dos juros de mora, e os montantes sobre os quais os juros foram calculados;
O) Em resposta ao requerimento referido em --- a AT notificou a impugnante nos seguintes termos (fls 63, dos autos):
Assunto: Notificação nos termos do artº 37º, do CPPT
Exmos Srs
Em resposta ao solicitado em 15 de Janeiro do corrente ano, informa-se que as liquidações de retenção na fonte relativas aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, se encontram fundamentadas no relatório de inspecção tributária, enviado a V.Exªs, pelo n/ofício n° Div: 12983 de 08/11/2006, com AR e assinada em 13/11/2006.
Mais informo que relativamente à liquidação adicional de IRC do ano de 2005, esta encontra-se fundamentada na liquidação n° 20062310388669, enviada em 2006-11-28, através de registo postal n° RY387388845PT, da qual se junta cópias. Ainda relativamente a esta liquidação foi enviada a Exª informação prévia de correcção dos valores declarados, por não haver saldo de prejuízos fiscais a serem considerados no exercício de 2005. Os juros de mora calculados encontram-se fundamentados pelo artº 101º, do Código do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas.
(...)
P) Em 08-01-2007, a impugnante procedeu ao pagamento, dentro do prazo, referente ao exercício de 2005, no montante de € 158.787,94 (fls 58, dos autos);
Q) Em 11-12-2007, a AT, considerando que deveria ter sido deduzido o prejuízo fiscal apresentado pela impugnante, no montante de € 546.707,32 e procedeu à anulação da liquidação adicional de IRC de 2005, através da elaboração de documento único (DC­ - Único) (fls 86 a 89, dos autos);
R) AT enviou à impugnante, a título de reembolso, um cheque no montante de € 136.676,83 (fls 97, dos autos);
S) Juntamente com o cheque foi junto a demonstração do acerto de contas, no qual a AT procedeu à compensação dos montantes de € 15.286,24, a título de juros de mora e de € 6.824,87, a título de acerto de liquidação (fls 97, dos autos);
T) A impugnante foi notificada da liquidação n° 2007 8910019364, onde se verifica a liquidação dos juros de mora, no montante de € 15.286,24 (fls 98, dos autos).

O tribunal formou a sua convicção dos factos provados no teor dos documentos juntos em cada ponto.

Factos não provados
Não se provaram os factos subjacentes ao acréscimo do montante de IRC de € 6.824,87.


4. Para julgar parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a ora recorrida impugnou toda a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2005, na parte remanescente e não anulada oficiosamente (€ 6.824,87 de imposto e € 15.286,26 de juros), tendo considerado que aquele primeiro montante não se encontra devidamente fundamentado, bem como a parte dos juros de mora ainda não reembolsada pela AT (€ 8.201,24), e bem assim condenou a AT no pagamento dos juros indemnizatórios sobre os montantes de € 136.676,83, já reembolsado, e € 8.201,24, a reembolsar.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, desde logo se vem insurgir contra a sentença recorrida na parte em que anulou a liquidação em causa no tocante à parte da desconsideração dos PEC,s, por não haverem sido impugnados, mas tão só na parte em que haviam sido desconsiderados os prejuízos fiscais declarados, só nesta parte podendo a liquidação ser anulada, para além de que na parte da desconsideração dos PEC,s não poder existir falta de fundamentação, por a ora recorrida bem conhecer as razões dessa desconsideração, bem como inexistir o mesmo vício de falta de fundamentação quanto aos juros de mora que considerou devidos, não havendo também lugar a quaisquer juros indemnizatórios a favor da contribuinte por a anulação ter tido por fundamento um vício de forma que não um erro imputável aos serviços.

Vejamos então.
Desde logo questiona a recorrente que a liquidação adicional relativa ao exercício de 2005, liquidação n.º 20062310388669, do montante de € 158.787,94 (cópia a fls 58 dos autos), em que nela também foi corrigido os PEC,s declarados, também possa, nesta parte, ser anulada a correspondente liquidação, por a ora recorrida, na presente impugnação judicial, não haver colocado em causa, estes montantes, tendo em conta que o acto de liquidação é divisível tanto por natureza como por disposição legal, podendo ser anulado apenas numa sua parte (1), podendo o contribuinte restringir a medida dessa anulação, direito que se encontra na sua disponibilidade, nos termos do disposto no art.º 108.º do CPPT, e, com mais substância se afirmava na norma do art.º 5.º do vetusto CPCI.

E tem razão a recorrente.
Ainda que a ora recorrida na matéria do prémio da sua petição inicial de impugnação tenha identificado como objecto da mesma, a liquidação adicional n.º 2006 2310388669, do exercício de 2005, bem como no seu art.º 27.º venha assacar a tal acto o vício de forma de falta de fundamentação, sem o restringir a nenhuma das suas verbas, o certo é que nos art.ºs 12.º e segs. da mesma peça processual, apenas e só quanto aos prejuízos fiscais dos exercícios anteriores e por si declarados na declaração modelo n.º 22 do mesmo exercício de 2005, do total de € 546.707,32, se vem insurgir articulando argumentos tendentes à sua anulação, sendo este exactamente o montante desses prejuízos fiscais declarados e não aceites pela AT, como se pode ver do doc. de fls 57 dos autos, sendo que neste montante se não engloba aquela diferença dos PEC,s, não aceites fiscalmente, constituindo as verbas relativas aos prejuízos fiscais e à não aceitação dos PEC,s, realidades distintas, previstas em normas distintas (art.ºs 47.º e 87.º do CIRC) e tendo mesmo de ser declaradas na respectiva declaração modelo n.º22, em campos distintos, como a ora recorrida declarou – cfr. sua declaração de rendimentos entregue e relativa a 2005 nos seus campos 309 e 356, a fls 55 e 56 dos autos – pelo que nesta parte o recurso não pode deixar de proceder com a revogação da sentença recorrida que em sentido contrário decidiu, não podendo nesta parte a liquidação deixar de se manter, ou seja quanto à desconsideração de parte do montante dos PEC,s, não impugnada pela ora recorrida (de € 29.001,58 para 22.176,70).


Passamos agora a conhecer da falta de fundamentação da parte dos juros moratórios de € 7.085,00, contidos na liquidação adicional em causa do total de € 15.286,24, em que a impugnação judicial igualmente foi julgada procedente e que a recorrente discorda, pretendendo que tais juros se mostram devidamente fundamentados – cfr. alínea f) das conclusões do recurso.

Quanto à invocada falta de fundamentação dos actos de liquidação adicional onde se incluem tais juros, diremos que a fundamentação dos actos administrativos em geral, constitui um imperativo constitucional, expressamente previsto no art.º 268.º n.º3 da CRP, cujo escopo imediato é esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo que determinou a adopção do acto, com determinado conteúdo, na esteira das lições de Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, 2001, Vol. II, pp.351 e segs.

E no âmbito do direito tributário, tal exigência de fundamentação dimanava directamente da norma do art.º 82.º do CPT e hoje da norma do art.º 77.º da LGT, a qual deve ser remetida ao contribuinte por força do disposto no art.º 21.º do mesmo Código, e a fundamentação externada pela AT deve satisfazer o requisito de fundamentação contemporânea (2) exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente quando permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, sendo clara quando é inteligível e sem ambiguidades ou obscuridades e é congruente quando exprime concordância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo.

Como é sabido, a fundamentação de um acto de liquidação no caso, deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.

A liquidação de juros de mora pela AT apenas pode repousar em atraso no pagamento dos tributos já liquidados, nos termos do disposto nos art.ºs 101.º do CIRC (republicação operada pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho) e 86.º, n.º1 do CPPT, pelo que, tal como nos juros compensatórios a favor da AT, tal liquidação deverá conter um mínimo de fundamentação, como seja o montante sobre que incidem, o respectivo prazo, a taxa aplicada e a quantificação operada, para desta forma permitirem ao contribuinte aquilatar da sua correcção e poder determinar-se pela sua aceitação ou pela sua impugnação, se entender que a mesma se encontra eivada de algum vício que a inquinava de ilegal, como veio a entender.

No caso, a fundamentação da liquidação dos juros de mora mostra-se efectuada com tais elementos, como se pode ver pela nota de demonstração de liquidação de juros, junta aos autos pela própria ora recorrida, a fls 59, que deles foi notificada, onde dela se vê que foram indicados os montantes sobre que incidem, os respectivos prazos, a taxa aplicada e bem assim a quantificação alcançada, pelo que do ponto de vista formal repousa em fundamentação contemporânea, clara, suficiente e congruente, o mesmo sendo de dizer que a mesma não pode padecer do invocado vício formal da sua falta, sendo, também, nesta parte, de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu.


Resta agora apreciar se no caso pode haver lugar a juros indemnizatórios a favor da ora recorrida, na parte em que a liquidação adicional foi oficiosamente anulada pela AT e em que foi reembolsada a ora recorrida, bem como na parte em que ainda o não foi reembolsada – matéria da conclusão g) e segs do recurso.

Nesta parte também a recorrente não pode deixar de ter razão, ainda que por argumentação distinta da por si avançada em sede das conclusões do seu recurso, já que a liquidação adicional quanto ao imposto de € 136.676,83, não foi anulado pela sentença recorrida na presente impugnação judicial por vício de forma de falta de fundamentação, mas sim tal anulação foi oficiosa por parte da AT, e em que processou a nota de reembolso do respectivo montante, pelo que o direito a tais juros não se pode fundar na norma do n.º1 do art.º 43.º da LGT, mas sim na norma da alínea b) do n.º3 do mesmo art.º 43.º da LGT, sendo que neste caso os juros só podem ser devidos a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito.

Na verdade, a causa da anulação do imposto em causa por mor da desconsideração dos referidos prejuízos fiscais dos exercícios anteriores, não foi determinada em qualquer meio impugnatório deduzido pela ora recorrida e que dela tenha conhecido para proceder a tal anulação como determina a norma do n.º1 do art.º 43.º da LGT, mas sim foi a própria AT que, ainda que no âmbito da mesma impugnação judicial, mas antes da prolação da decisão final, reconheceu a razão da mesma ora recorrida, e reapreciando tal liquidação adicional decidiu pelo despacho de fls 77/78 a respectiva anulação, desta forma não lhe podendo ser aplicável o regime deste n.º1 por falta de preenchimento dos respectivos pressupostos legais (anulação da liquidação determinada em meio impugnatório que a contribuinte tenha deduzido e por cujo vício a mesma tenha sido anulada), pelo que a situação fáctica só poderá ser subsumível à norma da alínea b) do n.º3 do mesmo art.º 43.º da LGT.

É que o regime do n.º1 do art.º 43.º da LGT só tem aplicação, como refere António Lima Guerreiro (3), quando se encontrar demonstrada a culpa funcional da AT, embora “lato sensu”, com a demonstração dos seus pressupostos nessa decisão proferida nessa reclamação graciosa ou impugnação judicial, o que não chegou a ser apreciado no presente meio impugnatório, tendo sido a própria AT, ela própria que, reconhecendo a razão da recorrida, procedeu à referida anulação, como acima se disse, pelo que não foram conhecidos judicialmente dos pressupostos para tal direito a juros indemnizatórios.

Ora, como a decisão de anulação de tal liquidação adicional foi de 11 de Dezembro de 2007 (cfr. despacho de fls 77 e segs dos autos) e a nota de crédito foi processada em 10.1.2008 (cfr. doc. de fls 97 dos autos), ou seja dentro dos trinta dias posteriores a tal decisão, nenhuns juros indemnizatórios são devidos, sendo de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu e onde, aliás, nem invoca a norma desta alínea b) que prevê a atribuição de tais juros em caso de anulação oficiosa pela AT.

E aplicando igual fundamentação ao montante dos juros de mora ainda não reembolsados (€ 8.201,24), como a decisão que os reconheceu é de 28.10.2008 (cfr. despacho de fls 143 e segs dos autos), apenas serão devidos juros indemnizatórios incidentes sobre este montante a contar do 30.º dia posterior a esta data e até ao processamento da respectiva nota de crédito, assim, também nesta parte, se concedendo provimento ao recurso, ainda que em parte, apenas.

Como nota final, não podemos deixar de mencionar a nulidade que a sentença recorrida padeceria, ao condenar em objecto diverso do pedido – foi pedida a anulação da liquidação adicional n.º 2006 2310388669 referente ao exercício de 2005 (cfr. identificação do acto a anular no proémio da petição inicial de impugnação e respectivo pedido expresso, a final formulado) e a condenação na sentença recorrida foi decretada na anulação da liquidação que a veio a substituir, com o n.º 20078910019364, como da mesma sentença se pode ver – desta forma tendo a sentença condenado em objecto diverso do pedido, infringindo o disposto no art.º 668.º, n.º1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do art.º 2.º alínea e) do CPPT, questão que, contudo, não é de conhecer no âmbito do presente recurso por não ter sido arguida pela recorrente e também não ser de conhecimento oficioso por parte do Tribunal (4).


É assim de conceder parcial provimento ao recurso e de revogar parcialmente a sentença recorrida e de a manter no remanescente.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder parcial provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida quanto à anulação da liquidação adicional na parte relativa aos PEC,s desconsiderados pela AT, a qual nesta parte a liquidação se mantém, bem como em revogar a mesma sentença no tocante aos juros de mora liquidados de € 7.085,00, os quais também se mantêm e em igualmente revogar a sentença recorrida quanto aos juros indemnizatórios cominados e incidentes sobre € 136.676,83 e bem assim como os incidentes sobre € 8.201,24 até 27.11.2008, apenas estes sendo devidos desde 28.11.2008, mantendo-se a sentença recorrida no remanescente.


Custas pela recorrente na medida do decaimento.


Lisboa, 9 de Dezembro de 2009

(1) Cfr. no mesmo sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 27.9.2005, recurso n.º 287/05.
(2) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 4.6.2008, recurso n.º 247/08.
(3) In Lei Geral Tributária, Anotada, Rei dos Livros, em anotação ao art.º 43.º.
(4) Cfr. no mesmo sentido o acórdão do STA de 22.9.1999, recurso n.º 23837.