Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2263/171.7BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC;
DIFERENÇAS NEGATIVAS DE CAIXA;
CUSTOS.
Sumário:I. Os custos ou perdas da empresa constituem elementos negativos da conta de resultados, e são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa (cfr. artigo 23, do CIRC).

II. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para «(…) a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» ( cfr. artigo 23.º do CIRC).

III. As diferenças negativas de caixa (derivadas das situações de furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos funcionários da recorrida) constituem custos fiscais porque provenientes do desenvolvimento da actividade da empresa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida pelo E........., S.A. contra o acto de liquidação de IRC n.º………….., e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2009.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pelo E………….., S.A, com o NIPC………, com o objetivo de contestar as correções efetuadas em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), e correspondentes liquidações adicionais deste imposto e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2009 (estas melhor identificadas nos autos), na parte relativa à correção de encargos não dedutíveis para efeitos fiscais diferenças negativas de caixa.
B) Ora, apesar dos factos considerados como provados, não pode a Recorrente concordar que os mesmos revelem a totalidade da verdade material em causa nos presentes autos, por se encontrar a mesma incompleta e insuficiente, o que acarretou numa consequência jurídica injusta e desmedida, a qual merece censura.
C) Para serem considerados dedutíveis, os custos enunciados no artigo 23.º do Código do IRC na (na redação à data), devem obedecer a dois requisitos fundamentais, a saber que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais, conforme resulta do artigo 115.º do Código do IRC, e que estes sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.
D) A ausência de qualquer destes requisitos implica a sua não consideração para efeitos fiscais, devendo, consequentemente, as respetivas importâncias serem acrescidas ao resultado contabilístico.
E) A aceitação fiscal dos custos não pode observar qualquer tipo de discricionariedade, e não basta invocar justificações plausíveis para se poder aceitar a dedutibilidade fiscal do custo incorrido, há que procurar sustentar o respetivo custo com documentação idónea que justifique a sua indispensabilidade, para a realização de proveitos.
F) Com efeito, a respeito da indispensabilidade do custo para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, a Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a afirmar que que não basta, para que exista uma conexão entre custos e ganhos para que os primeiros tenham relevância fiscal, é, pois, necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação dos rendimentos e ganhos.
G) E seguindo de perto o entendimento já vertido ao longo de todo o procedimento tributário, e em sede de contestação e alegações finais, cumpre relembrar que sendo certo que cabe à ora Recorrida definir suas estratégias empresarias destinadas à obtenção de resultados e à forma de minimizar os riscos inerentes à prossecução da sua atividade, considera a ora a Recorrente (e salvo melhor opinião), que não basta invocar justificações como as invocadas pela Recorrida em sede de p.i.5 de que “(…) os custos e proveitos contabilizados nas referidas contas de diferenças negativas e diferenças positivas são o resultados de furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos seus funcionários que operam nas caixas registadoras, no âmbito de pagamentos efetuados em numerário por parte de clientes (…)”; ou como as justificações apresentadas pela testemunha C......... (funcionário da Recorrida desde 2000 e responsável pelo Departamento de Auditoria Interna), de “(…) que se trata de um custo inevitável (…), não temos forma de o evitar (…)”, e que o Tribunal a quo atendeu, para se poder aceitar a dedutibilidade fiscal do custo incorrido.
H) Infere-se dos autos que a própria Recorrida desconhece a origem em concreto das diferenças de caixa detetadas, pois as mesmas poderão dever-se a furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos funcionários.
I) De facto é essencial que seja efetuada a comprovação, para que seja aceite fiscalmente como custo do exercício nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, isto é, que exista e que seja apresentada prova idónea que justifique as diferenças apuradas.
J) Por outro lado, e contrariamente à conclusão a que chega o Tribunal a quo, na senda do entendimento sufragado pela Impugnante, não pode a Recorrente concordar que o furto se insira no quadro normal da atividade exercida e, embora não se possa ignorar que esses riscos existem, o que é certo é que podem ser minimizados e haverá sempre que acautelar que a eventual relevância fiscal de um furto não se constitua uma via relativamente fácil de evasão fiscal.
K) Em regra, não se poderá concluir que as perdas que resultem de furtos possam ser consideradas como decorrentes da atividade normal desenvolvida pelos sujeitos passivos, nem que contribuam para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não podendo, dessa forma, aceitar-se para efeitos fiscais, a sua dedutibilidade.
L) O mesmo se dirá quanto aos enganos nos trocos, e mais uma vez reitera a Recorrente que não pode concordar com o afirmado “(…) de que se trata de um custo inevitável (…) não sendo possível o evitar (…)”.
M) Sempre se dirá que existem soluções tais como as de correções às deficiências existentes de controlo interno, designadamente, mediante a adoção de procedimentos com vista à proteção dos ativos em causa. Para além disso, destaca-se uma possível solução que foi apontada pelos Serviços de Inspeção e que consta vertida no seu Retório.
N) Mais uma vez não é pretensão da AT, nem nunca foi, imiscuir-se nas opções de gestão de empresa, porém é apontado pelos Serviços de Inspeção um “caminho certamente menos sinuoso”, e que estamos em crer que permitiria minimizar os riscos inerentes à atividade da Impugnante:
“(…) Face ao relatado, e não pretendendo a Administração Fiscal imiscuir-se na gestão da empresa, mais uma vez se refere que caso a empresa optasse pelo abono para falhas consagrado no artigo 2.º, n.º 3, alínea c) do Código do CIRS, os correspondentes custos seriam aceites independentemente do seu valor (…)”.
O) Neste desiderato, está, pois, fora do escopo da referida norma assente no artigo 23.º do Código do IRC, os custos contabilizados com as diferenças negativas de caixa, reiterando a AT, a sua posição, pois que agiu no exercício das suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos, mantendo o nessa sede assumido, e pugnando com os fundamentos na mesma vertidos pela procedência total do presente Recurso.
P) Pelo que deverá o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada, a Sentença recorrida e substituída por uma outra que mantenha na ordem jurídica o ato de liquidação de IRC e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2009

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.»

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A Recorrida veio oferecer as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«1) A Recorrente vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que veio a julgar a impugnação judicial deduzida pela Recorrida por procedente e, em consequência, anular parcialmente os atos de liquidação de IRC n.º ………….. e respetivos juros compensatórios, do período de tributação de 2009, na parte referente à correção com a epígrafe “encargos não dedutíveis para efeitos fiscais – diferenças negativas de caixa” que são o resultado de furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos funcionários da Recorrida que operam nas caixas registadoras, no âmbito de pagamentos efetuados em numerário.

2) Em suma, a Recorrente alega, tendo por base as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto, que os referidos custos para serem dedutíveis à luz do disposto no art.º 23º CIRC deviam obedecer a dois requisitos, especificamente que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais, conforme resulta do art.º 115 do CIRC e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, o que, segundo a Recorrente não acontece, sendo necessário concluir que os encargos indicados pela Recorrida não podiam ser considerados para efeitos fiscais uma vez que não foram comprovados nos termos exigidos.

3) Entende a Recorrida que não assiste razão à Recorrente.

4) Dadas as circunstâncias assentes na matéria julgada provada, estavam reunidas as condições para julgar os encargos como dedutíveis, sendo produzida prova documental ou testemunhal.

5) O Tribunal a quo, indo ao encontro da jurisprudência, considerou que o resultado de furtos e/ou enganos que a Recorrida incorreu preenchia os pressupostos do disposto no art.º 23º CIRC, bem como o Ministério Público foi claro ao dar razão à Recorrida.

6) A Recorrente apenas se insurge quanto à aplicação do art.º 23º CIRC, não colocando em causa a identificabilidade do encargo.

7) Sendo assim, cumprindo o princípio da tributação pelo lucro real plasmado no art.º 104, n.º 2 da CRP, evitando a existência de imposto sem rendimento efetivo, o Tribunal a quo bem fez ao enquadrar os encargos como dedutíveis nos termos do art.º 23 CIRC.

8) A prova documental e a prova testemunhal formaram a convicção do Tribunal a quo, que acabou por concluir que não existem dúvidas de que as diferenças de caixa foram inevitáveis e indispensáveis à realização dos proveitos nos termos definidos no art.º 23 do CIRC.

9) Ora, a Recorrida logrou provar os factos que lhe incumbiam (Art.º 74 LGT), não tendo a Recorrente assegurado o ónus que lhe incumbia.

10) A verdade é que os furtos e erros de caixa, tendo em conta o número de operações e a dimensão da Recorrida, não podiam ser desconsiderados.

11) Pelo exposto, a decisão do Tribunal a quo não merece censura.

Termos em que deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente, sendo a sentença confirmada, fazendo-se assim justiça.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central, pugnou no seu douto parecer pela procedência do recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:
(i) Insuficiência da matéria de facto;
(ii) Se a sentença recorrida errou ao ter considerado que as diferenças negativas de caixa configuram um custo fiscal ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. A Impugnante tem por objeto social o comércio a retalho em estabelecimentos não especificados sem predominância de produtos alimentares, bebidas e tabacos – cf. acordo (artigos 1º da petição inicial e 2º da contestação);
2. A Impugnante adoptou um período de tributação com início a 01/03 e termo a 28/02 do ano subsequente - cf. acordo (artigos 2º da petição inicial e 2º da contestação);
3. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI 201100002 a actividade da Impugnante foi objecto de procedimento de inspeção tributária, de âmbito geral, ao exercício de 2009, tendo os serviços de inspecção apurado e concluído o seguinte: «III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções meramente Aritmética – (…). III.1. Correcções à Matéria Tributável - IRC (…) – III.1.2. Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais – Diferenças negativas de caixa – (…) - No final do exercício de 2009, o saldo da conta #6551101024 - Diferenças negativas Caixa - Nac. TPV´s, expresso no balancete analítico (…), era devedor no montante de 38.493,08 euros, o qual não foi acrescido para efeitos de apuramento do lucro tributável declarado. Neste âmbito, importa realçar que, no decurso do exercício em causa, o sujeito passivo, alterou os procedimentos inerentes à contabilização das diferenças de caixa apuradas, conforme se passa descrever: Até 31/07/2009, contabilizava as diferenças negativas de caixa, a débito da conta #6551101024 - Diferenças negativas Caixa - Nac. TPV‘s, e as diferenças positivas, a crédito da conta #7631001044 - Diferenças Positivas Caixa - Nac. TPV´s. No final de cada mês, procedia à transferência dos valores registados na conta #76310001044 para a conta #6551101024, os quais influenciavam assim negativamente o saldo devedor mensal desta conta, enquanto o saldo mensal da primeira conta era nulo. A partir de 01/08/2009, passou a contabilizar diariamente as diferenças apuradas em caixa, quer negativas, quer positivas, na conta #2685102023 - Outros Devedores e Credores - Pda.Ptes Dif. Cx, procedendo à transferência mensal das mesmas para a conta de resultados #6551101024, depois de efectuada a respectiva validação pelo departamento 'Caixa Central‘. Deste modo, a conta #2685102023 - Outros Devedores e Credores - Pda.Ptes Dif. Cx, apresenta um saldo mensal nulo. Face ao exposto, a análise da conformidade dos valores respeitantes a diferenças de caixa, reflectidos contabilisticamente como custo e como proveito do exercício de 2009, teve em consideração a alteração de procedimentos levada a efeito pelo sujeito passivo na contabilização das mesmas: A) Diferenças de caixa contabilizadas no período de 01/03/2009 a 31/07/2009: Relativamente ao período em causa, procede-se à tributação das diferenças negativas de caixa não reversíveis, reflectidas contabilisticamente como custo do exercício, no montante de 256.962,35 euros, com os fundamentos (…): O saldo acumulado da conta #6551101024 - Diferenças negativas Caixa - Nac. TPV‘s, à data de 31/07/2009, ascende a 19.735,47 euros. Na mesma data, a conta #7631001044 - Diferenças Positivas Caixa - Nac. TPV's, evidenciava um saldo final nulo. Da análise dos movimentos constantes do extracto da conta #7631001044, abrangendo o período de 01/03/2009 a 31/07/2009, verificou-se que, no final de cada mês, o total das diferenças positivas de caixa aí contabilizadas, é transferido para a conta #6551101024 - Diferenças negativas Caixa-Nac. TPV‘s, facto que se traduz no apuramento de um saldo mensal nulo. O valor das diferenças de caixa transferido mensalmente, da conta #7631001044 - Diferenças Positivas Caixa - Nac. TPV´s, para a conta #6551101024 - Diferenças negativas Caixa-Nac. TPV‘s, durante o período em questão, totalizou 370.626,87 euros (Anexo 2, fls. 2), tendo sido confirmado que este valor se encontrava a influenciar negativamente o saldo final devedor da conta #6551101024 (Anexo 2, fls. 3). Deste modo, expurgando o valor das diferenças positivas transferido da conta #7631001044, apura-se um total de diferenças negativas de caixa de 390.362,34 euros [(19.735,47 euros, saldo final da conta #6551101024, em 31/07/2009) + 370.626,87 euros, (valor global das transferências da conta #7631001044, contabilizadas a crédito daquela conta)] em vez do valor de 19.735,47 euros. Contudo, através da análise comparativa dos dois extractos de conta em questão (período de 01/03/2009 a 31/07/2009), verificou-se que alguns dos valores registados a crédito |da conta #7631001044 eram coincidentes com os montantes relevados a débito da conta #6551101024. Por forma a apurar o valor efectivo quer das diferenças positivas, quer das diferenças negativas de caixa, foram solicitados esclarecimentos ao Sujeito Passivo sobre a referida coincidência de valores, tendo-se concluído existirem diferenças positivas de caixa reversíveis, assim como diferenças negativas de caixa reversíveis, dado serem resultantes de erros efectuados em movimentos de caixa que, quando detectados e justificados, originam a contabilização de uma diferença de caixa de sentido contrário à inicialmente registada, por forma a concretizar a respectiva anulação. Neste contexto, foram identificados valores contabilizados nas contas #7631001044 e #6551l01024 que, na realidade, não consubstanciavam, nem diferenças negativas de caixa, nem diferenças positivas de caixa, dado não corresponderem, respectivamente, a perdas e a sobras de meios monetários, mas sim a movimentos de caixa incorrectos e à anulação destes. Não obstante, a análise documental dos valores em questão, no total de 133.399,99 euros, ter sido efectuada, por aplicação do método de amostragem racional, mediante selecção dos registos contabilísticos com montante mais significativo, a qual confirmou tratarem-se efectivamente de erros em movimentos de caixa (Anexo 2, fls. 4), conclui-se ser de expurgar o referido total para efeitos de apuramento das diferenças positivas e negativas de caixa, efectivas. Assim, a importância de 133.399,99 euros (Anexo 2, fls. 5), deve ser subtraída quer ao valor das diferenças positivas de caixa, quer ao valor das diferenças negativas de caixa, os quais passam assim a ascender a 237.226,88 euros (370.626,87 euros - 133.399,99 euros) e a 256.962,35 euros (390.362,34 euros - 133.399,99 euros), respectivamente, em vez de 370.626,87 euros e de 390.362,34 euros. B) Diferenças de caixa contabilizadas no período de 01/08/2009 a 28/02/2010: O saldo dos registos contabilísticos efectuados na conta #6551101024 - Diferenças negativas Caixa - Nac. TPV‘s, no período de 01/08/2009 a 28/02/2010, ascende a 18.757,61 euros. Da análise efectuada, verificou-se que, na fase transitória de implementação da nova movimentação contabilística das diferenças de caixa, foram ainda contabilizados valores a crédito da conta #7631001044 - Diferenças Positivas Caixa - Nac. TPV‘s, abrangendo o período de 01/08/2009 a 28/02/2010, os quais no entanto, não influenciaram negativamente, a formação do saldo devedor dos movimentos contabilísticos ocorridos no mesmo período na conta #6551101024 (18.757,61 euros), dado terem sido transferidos para a conta #2685102023 - Outros Devedores e Credores - Pda.Ptes Dif. Cx, e não para a conta #6551101024. De notar que as diferenças negativas e positivas de caixa, contabilizadas na conta #2685102023, depois de validadas pelo departamento “Caixa Central‘, são transferidas para a conta de resultados #6551101024. Como tal, impõe-se tributar, o saldo dos registos contabilísticos efectuados na conta #6551101024, no período de 01/08/2009 a 28/02/2010, no total de 18.757,61 euros. Face ao exposto, constata-se que após a eliminação dos valores relativos a erros de movimento em caixa, os restantes valores contabilizados nas contas #7631001044 - Diferenças positivas Caixa - Nac. TPV‘s e #6551101024 - Diferenças negativas Caixa - Nac. TPV´s, no período de 01/03/2009 a 31/07/2009, bem como o saldo devedor dos montantes registados de 01/08/2009 a 28/02/2010 na mencionada conta # 6551101024, são decorrentes da actuação dos funcionários que operam com as caixas registadoras, designadamente: a) Diferenças Positivas de Caixa: Enganos nos trocos, em pagamentos que sejam efectuados em numerário, pelos clientes. b) Diferenças Negativas de Caixa: Furtos; Enganos nos trocos, em pagamentos que sejam efectuados em numerário, pelos clientes. As diferenças negativas de caixa apresentadas, relacionadas com furtos e enganos nos trocos, efectuados pelos funcionários que operam nas caixas registadoras, no total de 275.719,96 (256.962,35 euros + 18.757,61 euros), não são consideradas um custo fiscalmente dedutível, na medida em que o Sujeito Passivo, não consegue dissociar o que respeita a uma e outra situação, existindo somente uma mera suposição do motivo que subjaz à diferença negativa detectada. O artigo 2.° n.° 3, alínea c) do Código do IRS, permite abonos para falhas devidos a quem, no seu tratalho, tenha de movimentar numerário, (…) os quais são aceites comjo custo para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.°, n.° 1 do Código do IRC. (…). (…) procede-se à tributação das diferenças negativas de caixa não reversíveis, reflectidas contabilisticamente como custo do exercício, no montante de 275.719,86 euros, na medida em que se desconhecendo a origem das diferenças detectadas, não pode a Administração Fiscal aferir da indispensabilidade deste custo para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme preconiza o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, para que um custo seja aceite para efeitos fiscais. No entanto, a correcção proposta, foi parcialmente anulada, em 195.275,24 euros, na sequência do exercício do direito de audição, (…) passando a ascender apenas a 80.444,72 euros (275.719,56 euros - 195.275,24 euros). (…). IX Direito de Audição – (…) 1) Das correcções à matéria tributável - IRC Diferenças negativas de caixa – (…). O Sujeito Passivo contesta a correcção efectuada, argumentando o seguinte (…): os movimentos contabilizados nas contas #7631001044, #6551101024 e #2685102023 respeitam a movimentos de caixa incorrectos e à anulação destes, provenientes de duas fontes de origem: movimentos contabilizados pelo ―fundo" (…), e movimentos registados nos diversos terminais ponto de venda — TPV‘S. (…) os movimentos solicitados pelos SIT, a título meramente exemplificativo no valor de Euro 133.399,99 foram provenientes unicamente de movimentas incorrectos e à anulação destes gerados pelo “fundo”- Caixa Central. Durante o decurso da acção de inspecção não foi solicitado pelos SIT qualquer justificação de movimentos incorrectos e à anulação destes, provenientes dos terminais pontos de venda.‖ (…) os documentos seleccionados, com o intuito de apurar os montantes contabilizados a título de diferenças positivas de caixa e de diferenças negativas de caixa, e que na realidade não consubstanciavam aquela natureza, por corresponderem a erros de movimentas de caixa e à correspondente anulação dos mesmos, correspondiam aos registos constantes dos extractos das contas # 6551101024 - Diferenças negativas Caixa - Nac. TPV‘s e # 7631001044 - Diferenças Positivas Caixa - Nac. TPVs, cujo título é revelador de que se tratam de diferenças apuradas nos terminais pontos de venda (TPV´s), procedimento que comprova a verificação das diferenças apuradas pelos terminais pontos de venda por parte dos serviços de inspecção tributária. O facto dos documentos seleccionados, (…), respeitarem unicamente a movimentos incorrectos gerados pelo “fundo" - Caixa Central e à correspondente anulação destes, é decorrente em exclusivo do facto de a selecção ter tido em consideração a pesquisa de registos de igual montante contabilizados em simultâneo nas duas referidas contas, com exclusão daqueles que configuravam a transferência dos saldos mensais apurados na conta #7631001044 para a conta #6551101024. O item de pesquisa - valor coincidente, prende-se com o factor de individualização geralmente associado a uma operação, cujo objectivo seja o de anular uma operação anterior, porque tratando-se de movimentos incorrectos de caixa e à anulação destes, seria lógico que a operação de rectificação do erro, fosse de igual valor à inicial, mas de sinal contrário. (…). A não individualização do registo contabilístico de cada uma das operações de movimentos de erros de caixa, bem como de cada uma das respectivas operações de rectificação, não toma viável o detalhe/justificação da totalidade dos movimentos de caixa incorrectos posteriormente anulados, por parte do sujeito passivo (…). (…). Atentos os elementos adicionais facultados pelo Sujeito Passivo (…), no montante de 195.275,24 euros, conclui-se que a correcção proposta deve ficar limitada ao valor de 80.444,72 euros (275.719,96 euros - 195.275,24 euros). Neste contexto, é de salientar que pelo facto do montante de 195.275,24 euros, respeitar a erros efetuados em movimentos de caixa que quando detectados e justificados originam, a contabilização de uma diferença de caixa de sentido contrário à inicialmente registada por forma a concretizar a respectiva anulação, o total das diferenças positivas efectivas, sofre uma redução de igual montante, passando a ascender a 41.951,64 euros em vez de 237.226,88 euros, conforme mencionado no projecto de relatório de inspecção. (…) o sujeito passivo argumenta no sentido das diferenças negativas de caixa efectivas, registadas na rubrica #6551101024, deverem ser consideradas fiscalmente dedutíveis. Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, só se consideram custos do exercício, (…). (…). a Administração Tributária ao referir que o Sujeito Passivo, não consegue dissociar os custos relativos a furtos dos custos relativos a enganos nos trocos, (…), existindo somente, uma mera suposição do motivo que subjaz à diferença negativa contabilizada como custo, apenas teve como propósito concluir que desconhecendo-se a origem das diferenças detectadas, não pode a Administração Fiscal aferir da indispensabilidade do mesmo para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. (…). o sujeito passivo, continua contudo a não comprovar a origem das diferenças de caixa, por forma a que se pudesse aferir da indispensabilidade deste custo para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme o preconizado no artigo 23.º do CIRC. (…) enquanto a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos (artigo 23.° do CIRC), no que se refere aos proveitos, a lei não faz qualquer exigência, conforme estabelece o artigo 20.º do mesmo Código, pelo que as diferenças positivas de caixa efectivas, no valor de 41.951,64 euros, por respeitarem a sobras de numerário, resultantes de enganos nos trocos, constituem um proveito enquadrável neste normativo.» - cf. relatório de inspecção, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 86 a 154 dos autos;
4. Em resultado das correções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária, no âmbito do procedimento de inspecção tributária referido no ponto anterior, foram emitidas, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º ……….e as liquidações de juros compensatórios n.º ………. E …………., do período de tributação de 2009, no valor total de €222.734,12 - cf. liquidações a fls. 24 a 26 dos autos;
5. A Impugnante tem cerca de 3000 vendedores nas suas lojas de Lisboa e de Vila Nova de Gaia e, em cada uma das lojas, existem cerca de 400 terminais de pagamento por elas espalhados e qualquer vendedor pode aceder aos mesmos para efectuar todo o tipo de transações que o terminal permite, como vendas ou devoluções – cf. depoimento da testemunha C.........;
6. O departamento de caixa da Impugnante analisa diariamente todas a diferenças provocadas em todos os terminais de pagamento e corrige as diferenças cuja origem se consegue detectar - cf. depoimento da testemunha C.........;
7. As duas lojas da Impugnante dispõem de câmaras de vídeo vigilância localizadas perto dos terminais de pagamento e o departamento de segurança da Impugnante tem seguranças que circulam junto dos terminais de pagamento que tenham sido sinalizados, que estão atentos aos vendedores e que estão em contacto com os operadores das câmaras de vídeo vigilância - cf. depoimento da testemunha C.........;
8. É habitual existirem, diariamente, diferenças de caixa de valores reduzidos, como €0,50, €1,00 ou €2,00, resultantes de erros nos trocos e nas transações ou de furtos que não se conseguem imputar a uma determinada venda ou a um determinado vendedor - cf. depoimento da testemunha C..........

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Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
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O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na posição das partes assumidas nos articulados e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, conforme identificado nos pontos 1. a. 4. dos factos provados,
No que respeita aos pontos 5. a 8. dos factos provados, o Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base no depoimento da testemunha C......... que o prestou de forma credível, espontânea e segura.
A testemunha declarou ser funcionário da Impugnante desde 2000 sendo responsável pelo Departamento de Auditoria Interna, revelou ter conhecimento directo do modo como funcionam os terminais de pagamento das duas lojas da Impugnante e dos respectivos mecanismos de fiscalização interna e afirmou que é normal verificarem-se diferenças de caixa de valores reduzidos que resultam de erros nos trocos e nas transações ou de furtos efectuados pelos vários vendedores, mas que não se conseguem imputar a uma determinada venda ou a um determinado vendedor.»


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B. DO DIREITO
A Administração Tributária na sequência de uma acção de fiscalização (Ordem de Serviço n.º OI201100002), efectuou correcções à matéria tributável declarada pela Impugnante (doravante recorrida), nomeadamente (na parte que, aqui, releva) a respeitante «Diferenças negativas de caixa» no montante de 80.444,72€, que não foi aceite fiscalmente nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
Nessa sequência, a Administração Tributária procedeu à correcção do lucro tributável declarado referente ao ano de 2009, e à emissão da correspondente liquidação adicional do IRC que considerou em falta, que a recorrida impugnou judicialmente junto do Tribunal Tributário de Lisboa.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação na consideração, por um lado que « (…) as quantias contabilizadas como «Diferenças negativas de caixa» dizem respeito a quantias em falta devido a furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos vendedores da Impugnante.». E, por outro lado, « (…) a ocorrência destas situações de furtos e de enganos nos trocos pelos vendedores da Impugnante, que não se conseguem imputar a uma operação/transacção concreta ou a determinado vendedor, constitui uma consequência inevitável decorrente da própria atividade desenvolvida pela Impugnante, sendo, por esse motivo, indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, devendo tais diferenças negativas de caixa ser consideradas como um custo fiscal.».
Tendo presente as conclusões da alegação do recurso interposto, verifica-se que o primeiro vício imputado à sentença consiste na insuficiência da matéria de facto provada porquanto os factos apurados e constantes na decisão da matéria de facto são insuficientes para a decisão de direito.
Ainda segundo a recorrente, as provas apresentadas não constituem provas idóneas que justifiquem o montante dos custos contabilizados nem a indispensabilidade dos mesmos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.
Por conseguinte, a questão que cumpre apreciar neste recurso consiste em saber se, em face à factualidade provada, a sentença errou ao considerar encargos dedutíveis para efeitos fiscais as diferenças negativas de caixa nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
Dito isto, vejamos então se pode ser concedida razão à recorrente.
Como é sabido, o lucro tributável para efeitos de tributação em IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (cfr.artigo 17.º, nº 1, do CIRC), a qual deverá, designadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo.
E é certo, também, que quando a contabilidade esteja assim organizada, «presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (cfr.artigo 75.º da LGT).
Nos termos do disposto no artigo 23.° do CIRC consideram-se como custos fiscais ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, para que os custos tipificados no mencionado preceito legal sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais é necessário, que se verifique, dois tipos de requisitos, uns de natureza prévia à análise da dedubilidade fiscal, a saber:
1. Que o custo foi efectivamente suportado pelo SP e não por terceiros, na medida em que o custo só poderá relevar fiscalmente e contabilisticamente se efectivamente incorrido pelo SP;
2. Inscrição do custo na contabilidade do SP.
E, a segunda categoria de requisitos, também de verificação cumulativa, respeitam:
1. Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais;
2. Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
Na ausência de definição legal destes «documentos justificativos», considera Tomás de Castro Tavares, ser adequada e bastante «uma qualquer forma externa de representação da operação (…) desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)». (Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, 396, pp. 123 ss.).
A comprovação de custos, (ao invés do nº 5, do artigo 36.º CIVA - cfr. artigo 19.º, nº 2, do mesmo diploma legal), para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, é possível, no caso de inexistência de documento de origem externa (nos casos em que este devesse existir), a prova dos custos através de documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova.
Sobre a questão da indispensabilidade dos gastos/custos, têm vindo a ser apontadas três interpretações possíveis a saber: indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade ou de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário.
As duas primeiras linhas de entendimento, não merecem acolhimento, pois que a formulação dos juízos de necessidade e oportunidade dos gastos competem à empresa.
Acresce, que pese embora se tratar de uma despesa com um fim empresarial não significa que tenha desde logo um fim imediato e directamente lucrativo.
Com efeito, se a empresa decide fazer uma despesa de modo a prosseguir a sua actividade, não deixa por essa razão de ser um custo fiscal. Com efeito, artigo 23.º do CIRC não refere que a despesa se apresente como condição sine qua nom dos proveitos, no que respeita à segunda, a admitir-se, estaremos, sem dúvida a permitir à Administração Tributária intrometer-se na gestão das empresas.
Defende-se, assim, que os custos indispensáveis serão aqueles que correspondam a gastos realizados no interesse da sociedade, sendo excluídos os que não se insiram no interesse da sociedade, isto é, que foram incorridos para outros fins.
No que tange à matéria do ónus da prova, encontra-se solidificado a nível jurisprudencial que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à Administração Tributária o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Administração Tributária questionar essa indispensabilidade.
É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.6.2001, proferido no processo n.º 4736/01).
Em função do que fica exposto, é ponto assente que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Neste contexto, não basta que exista uma conexão entre custos e proveitos para que os primeiros tenham relevância fiscal, épois necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação (dos) proveitos.
Assim sendo, questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artigo 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.
Norteados pelos parâmetros traçados e em função da factualidade, estamos em condições de apurar o acerto da correcção em causa.
Recorda-se que a Administração Tributária não colocou em causa que a verba no montante de 80.444,72€, está relacionada com furtos e enganos nos trocos, efectuados pelos funcionários da recorrida que operam nas caixas registadoras, entendeu, sim, desconsiderar fiscalmente o custo referido, porque a recorrida não dissociou «(…) o montante que respeita a uma e a outra situação, existindo somente uma mera suposição do motivo que subjaz à diferença negativa detectada.».
Quer isto dizer que a relevância da despesa para a sua qualificação como custo dedutível foi derivada da circunstância de não se mostrar identificado qual o montante correspondente a cada uma das situações - furtos e enganos nos trocos-.
Ora, como bem refere a sentença recorrida: «Considerando que a Impugnante exerce a actividade de comércio a retalho e que os clientes podem proceder ao pagamento dos bens em numerário nos cerca de 800 terminais de pagamento das duas lojas da Impugnante, que estes podem ser utilizados por vários vendedores no mesmo dia, entende-se que, de acordo com as regras da experiência comum, apesar dos meios humanos e técnicos utilizados pela Impugnante, não é sempre possível determinar em que transação/operação ou que vendedor incorreu em erro ou furtou numerário, de modo a apurar a origem da diferença negativa de caixa.».
Por outro lado, embora, a prova documental se deve ter como preponderante na documentação do custo e na sua consequente dedutibilidade, não é, todavia, a única, face, até, à prevalência do princípio da capacidade contributiva.
E, foi nesta perspectiva que a recorrida arrolou testemunhas, pretendendo fazer a prova de factos – alegados na petição – referentes à realidade económica dos custo, resultando assente que em cada uma das duas lojas da recorrida trabalham cerca de 3000 vendedores, que em cada uma das lojas existem cerca de 400 terminais de pagamento por elas espalhados, que qualquer vendedor pode aceder aos mesmos para efectuar todo o tipo de transações que o terminal permita, como vendas ou devoluções, e que é habitual existirem, diariamente, diferenças de caixa de valores reduzidos, como €0,50, €1,00 ou €2,00, resultantes de erros nos trocos e nas transações ou de furtos que não se conseguem imputar a uma determinada venda ou a um determinado vendedor (cf. pontos 5. e 8. do probatório).
De qualquer forma, nem tão pouco a Administração Tributária ensaiou dizer que custos decorrentes de furtos e enganos de trocos não se inserirem no interesse societário da recorrida, i.é. na sua relação com a actividade desenvolvida.
Sendo assim, como bem decidiu a Mmª Juiz «a quo» a liquidação de IRC impugnada, na parte relativa à correcção com a epígrafe «Encargos não dedutíveis – Diferenças negativas de Caixa», no montante de €80.444,72, violou o disposto no artigo 23º, n.º 1, do CIRC.
Concluímos, assim, pela improcedência do presente recurso.
IV.CONCLUSÕES
I. Os custos ou perdas da empresa constituem elementos negativos da conta de resultados, e são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa (cfr. artigo 23, do CIRC).
II. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para «(…) a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» ( cfr. artigo 23.º do CIRC).
III. As diferenças negativas de caixa (derivadas das situações de furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos funcionários da recorrida) constituem custos fiscais porque provenientes do desenvolvimento da actividade da empresa.

V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 24 de Junho de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]
(Ana Pinhol)