Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1295/11.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
FALTA DE EXERCÍCIO DE PODERES DE ADMINISTRAÇÃO POR PARTE DO OPOENTE/REVERTIDO.
ASSINATURAS DE DOCUMENTOS QUE OBRIGAVAM A SOCIEDADE EXECUTADA ORIGINÁRIA CONSTITUÍAM, NO CASO, A EXECUÇÃO DE ORDENS E ORIENTAÇÕES FORNECIDAS PELO VERDADEIRO ADMINISTRADOR.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
7. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
8. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
9. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
10. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
11. Dos dados carreados para o presente processo resulta que a administração da sociedade executada originária era levada, exclusivamente, a cabo pelo Presidente do Conselho de Administração, o qual prestou depoimento testemunhal admitindo tal situação (e recorde-se que a prova testemunhal produzida nos autos se apresentou com razão de ciência, coerente e merecedora de credibilidade).
12. Mais se provou nos autos que os documentos assinados pelo opoente/recorrido foram-no de acordo com as instruções do Presidente do Conselho de Administração, em consonância com a qualidade de administrador da sociedade. Percebe-se, pois, que a circunstância de a assinatura do revertido surgir aposta em tais documentos, não signifique que este tenha tomado conhecimento dos factos que aquelas envolviam ou os tenha determinado de algum modo, ou sequer que tenha sido ele a negociar em nome da sociedade devedora originária (exercício dos identificados poderes representativos e administrativos face à sociedade).
13. Se é certo que não foi alegada ou demonstrada qualquer situação de coacção que levasse a considerar inválida a manifestação de vontade subjacente à aposição de uma assinatura, não é menos certo que a indagação sobre a administração de facto não visa aferir da validade formal do envolvimento do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto, exercesse (ou pudesse ter exercido). Ora, a resposta a esta questão é negativa. As assinaturas de documentos que obrigavam a sociedade executada originária constituíam, no caso, a execução de ordens e orientações fornecidas pelo verdadeiro administrador.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.88 a 98 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, M……, visando a execução fiscal nº…..-2005/…. e apensos, a correr termos no 3º. Serviço de Finanças de Amadora, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança coerciva de dívidas de I.R.S.-Retenções na fonte e I. Selo, relativas aos anos de 2002 a 2005, I.R.C., de 2004 e 2006, I.V.A., de 2005, e I.R.S., de 2005, tudo no montante total de € 203.933,95.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.112 a 121 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 21-03-2018, a qual julgou procedente a oposição à execução Fiscal n.º ….2005……. e apensos, deduzida por M……, com o NIF ……., revertida no citado processo de execução fiscal, o qual havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, NIF ……., para a cobrança coerciva de dívidas relativas a IRS, IRC, Imposto do Selo e IVA, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 203.933,95 (duzentos e três mil, novecentos e trinta e três euros e noventa e cinco cêntimos) e acrescido;
2-Na sentença ora recorrida julgou-se procedente a oposição acima identificada com o fundamento de que, apesar de resultar provado que a oponente praticou diversos actos que consubstanciam a administração de facto da sociedade devedora originária, essa administração era orientada pelo presidente do conselho de administração, o que perfaz com que não possa ser assacada qualquer actuação culposa à oponente pela falta de pagamento dos tributos ora em cobrança;
3-Contudo, a Fazenda Pública expressamente impugna a factualidade vertida nas alíneas P), Q) e R) dos factos provados da sentença bem como considera, face aos elementos probatórios carreados para os autos, designadamente o requerimento constante de fls. 182 e 183 do PEF, que a sentença recorrida não valorou matéria de facto relevante para a boa decisão de mérito da presente lide;
4-Com efeito, como muito bem consagrou o Douto Tribunal a quo, resulta provado nos presentes autos que a oponente praticou diversos actos que consubstanciam a administração de facto da sociedade devedora originária, cfr. alíneas B), E), F), G) e H) da factualidade assente;
5-O que significa que à oponente sempre estava atribuída uma vontade decisiva no rumo a tomar pela sociedade devedora originária, exteriorizando a sua vontade e vinculando-a perante terceiros, cfr. o acórdão do TCA Sul, de 20-06-2000, proc. n.º 3468/ 00;
6-Assim, todos os documentos assinados pela oponente mencionados nas alíneas B), E), F), G) e H) da factualidade assente são de molde a dar como provado que não era o presidente do conselho de administração quem tomava todas as decisões relativas à administração do sociedade devedora originária, cabendo algumas dessas decisões à oponente;
7-E também deve resultar provado, por perscrutação dos mesmos documentos, que a oponente não desempenhava apenas a função de técnica responsável pelo departamento comercial da sociedade devedora originária, antes exteriorizava a vontade social e representava a sociedade perante parceiros comerciais e institucionais, o que lhe conferia a respectiva qualidade de administrador;
8-Portanto, independentemente da vontade que possa estar acometida aos restantes membros de conselho de administração, subsiste sempre na oponente uma palavra a dizer no que toca à celebração de negócios jurídicos e à representação social da originária executada;
9-Em consequência e respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte da oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT;
10-Logo, a prova de que não houve na insuficiência do património para solver as dívidas fiscais ou equiparadas, impende sobre os mesmos gerentes ou administradores, estabelecendo os normativos citados, uma presunção de culpa, e fazendo pesar, materialmente, sobre este o risco decorrente da necessidade de realizar a prova do contrário. (Cfr. entre outros os Acórdãos do STA de 12.11.1997, Proc. n.º 21 469 e do TCA Norte de 18.02.2010, Proc. n.º 00385/ 07.8BEBRG, Ac. TCA Sul de 06.10.2009, Proc. n.º 03336/ 09);
11-Essa culpa afere-se em abstracto, pela diligência de um gerente medianamente diligente e respeitador das boas práticas comerciais (bonus pater familiae), operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais – Cfr. arts 487.º, n.º 2 e 799.º, n.º 2 do Código Civil (CC);
12-É à oponente que cumpre demonstrar e provar que, em face dessa situação, agiu com a diligência própria de um bonus pater familiae, como administrador competente e criterioso, que demonstre que fez esforços no sentido de inverter essa situação de molde a evitar que o património da sociedade se tornasse insuficiente para a satisfação das dívidas fiscais;
13-Dos presentes autos não resulta demonstrado e, muito menos, provado que a oponente tenha sido uma administrador diligente e, consequentemente, que a falta de pagamento das dividas exequendas não lhe seja imputável; ou seja, não resultou provado um único acto ou diligência, empreendido pela oponente, com o intuito de salvar, ou pelo menos minorar, a situação financeira desastrosa da sociedade da qual era administrador;
14-Não basta, para ilidir a presunção de culpa ínsita no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, e contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida, que se empurre a responsabilidade pela falta de pagamento dos impostos para o presidente do conselho de administração, enquanto responsável máximo da sociedade;
15-Antes, é necessário que a oponente logre demonstrar, na sua esfera de actuação enquanto administrador da sociedade, que encetou diligências destinadas à protecção dos credores e à salvaguarda do património social da sociedade devedora originária, como, por exemplo, a reconversão da actividade ou a apresentação, em tempo útil, a medida de recuperação ou de insolvência, o que nunca sucedeu na hipótese sub judice;
16-No caso em apreço, a oponente foi acompanhando a situação de descalabro financeiro da sociedade devedora originária com alguma passividade sem que, tal como lhe competia enquanto administrador efectivo da mesma, ter diligenciado no sentido de inverter o estado de coisas, designadamente através da reconversão do seu objecto social ou, vendo que o não conseguia, apresentar a sociedade, em tempo útil, a medida de recuperação ou de insolvência;
17-Donde resulta que a oponente, primando pela gestão omissiva, não acautelou os interesses quer dos credores da sociedade, quer da própria sociedade devedora originária, o que deixa transparecer, desde logo, a sua administração desleixada;
18-Resulta ainda provado no caso em apreço, através do requerimento constante de fls. 182 e 183 do PEF, que a oponente, na qualidade de administrador efectivo da sociedade devedora originária, deliberadamente ordenou o não pagamento dos tributos ora em crise, o que fez, segundo alega, mas que também não encontra suporte probatório que o confirme, em prol da continuação da laboração da sociedade originária executada;
19-Apenas este facto, alheado de todos os demais, se mostra, em nosso modesto entendimento, susceptível de configurar a culpa da oponente, nos termos acima referenciados, porquanto a mesma tomou uma opção consciente e propositada no sentido do não pagamento dos tributos que, sabia, serem devidos;
20-Pelo facto de estamos, ademais, perante dívidas provenientes de IVA e de retenções na fonte em sede de IRS e de Imposto do Selo, no qual compete à devedora originária a função de sujeito passivo do imposto, estando vinculada ao cumprimento da prestação tributária;
21-Portanto, a sociedade devedora originária, pela mão da oponente, como fiel depositária de verbas que não lhe pertenciam, não as entregou como era sua obrigação, nos prazos e locais determinados pela lei, fazendo uso desses valores, lesando, para além do Estado, os seus funcionários, colaboradores, clientes, fornecedores, a quem competiu a prestação pecuniária, violando assim uma relação de confiança;
22-Nesta conformidade, por tudo o que se deixou exposto somos levados a concluir que a falta de pagamento das dívidas em apreço se verificou por culpa da oponente, uma vez que esta não provou, como lhe competia, a prática de quaisquer actos de administração no sentido de obviar, ou pelo menos minorar, uma previsível situação de insuficiência do património societário que atestem uma actuação diligente de sua parte;
23-Desta forma, e contrariamente ao que foi postulado pelo Doutro Tribunal a quo, perante tal matéria factual, devemos considerar que a oponente jamais logrou demonstrar qualquer acto ou diligência empreendido com o intuito de salvar, ou pelo menos minorar, a situação financeira desastrosa da sociedade da qual era administrador., sendo responsável para que a sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, com o NIF ……. não cumprisse com o dever fundamental de pagamento dos tributos;
24-Com o devido e muito respeito, a sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais;
25-TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE JULGUE OS PRESENTES AUTOS TOTALMENTE IMPROCEDENTES, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!
X
Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.122 a 146 dos autos), tendo, a final, expendido o sequente quadro Conclusivo:
1-A decisão recorrida não padece dos vícios que lhe são imputados pela Fazenda Pública de inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa. Senão vejamos;
2-Os factos plasmados nas alíneas P), Q) e R) da matéria de facto assente resultaram cabalmente demonstrados com base dos depoimentos testemunhais produzidos, que o Tribunal considerou claros e precisos, reveladores de conhecimentos diretos dos factos e perentórios em afirmar a veracidade dos factos identificados nas alineas P), Q) e R);
a. Especial importância revelou o depoimento do Presidente do Conselho de Administração da sociedade devedora original, que confirmou que era ele que tomava todas as decisões de gestão daquela sociedade, e que apenas solicitou a determinados trabalhadores "o favor" de fazerem parte do Conselho de Administraçtio por uma questão formal. As reuniões que realizavam eram apenas de organização de trabalho, sendo que as tarefas de administração eram todas levadas a cabo pelo presidente do Conselho de Administração. Foi por sua única vontade que optou por dar prioridade aos pagamentos das instituições de crédito e trabalhadores, em detrimento dos pagamentos de tributos.».
b. Assim, deve improceder, por manifesta falta de fundamento, a pretensão da Fazenda Pública no sentido de ser julgada como não provada a matéria constante das alienas P), Q) e R), já que tal matéria resultou ampla e cabalmente demonstrada nos autos (prova testemunhal idónea).
3-O tópico que a Fazenda Pública pretende ver consagrado em nova alínea a incluir na lista de Factos Assentes, a saber "A dívida exequenda respeita a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal e pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte da Oponente, nos termos do disposto no artigo 24º, n.º 1, al. b) da LGT", não reporta a verdadeira matéria de facto, mas sim a uma CONCLUSÃO que se retira da conjugação da matéria de facto assente já dada como provada, nomeadamente da matéria constante das alíneas A),C), D) e H);
a.Assim, deve improceder, por manifesta falta de fundamento, a pretensão da Fazenda Pública no sentido de ser acrescentada uma alínea com esse teor à matéria de facto assente com o teor;
4-A prova testemunhal produzida nos autos permitiu demonstrar:
a. Que o Presidente do Conselho de Administração da sociedade devedora originária, F…….., tomava todas as decisões de administração na empresa;
b. Que a Oponente é uma técnica da sociedade devedora originária, com responsabilidades no departamento comercial;
c. Que a Oponente desempenhava as suas funções na sociedade devedora originária sob ordem e direção do presidente do conselho de administração, não participando no processo de tomada de decisões da administração;
d. Que os documentos que a oponente assinou na qualidade de administradora da sociedade devedora originária, foram-no sob ordem e direção do presidente do conselho de administração e de acordo com as respetivas instruções;
e. Que as reuniões de administração que realizavam eram apenas de organização de trabalho, sendo que as tarefas de administração eram todas levadas a cabo pelo presidente do Conselho de Administração;
f. Que foi por única vontade e opção do presidente do conselho de administração que se deu prioridade aos pagamentos das instituições de crédito e trabalhadores, em detrimento dos pagamentos de tributos.
5-Esta matéria provada é absolutamente perentória e esclarecedora, dela se retirando:
a. Que a administração da sociedade devedora originária, muito embora fosse formalmente composta por cinco administradores, era exercida de modo perfeitamente individual e unipessoal, encontrando-se toda ela centralizada na pessoa do Presidente do Conselho de Administração;
b. Que era o Presidente do Conselho de Administração da sociedade que, solitária e isoladamente, tomava todas as decisões da administração, determinando e decidindo, de modo unilateral, todos os destinos da sociedade;
c. Que qualquer ato exteriorizado pela Oponente era praticado, apenas e só, quando isso mesmo lhe era ordenado pelo Presidente do Conselho de Administração da sociedade e da forma como lhe era ordenado, sem ser questionado;
d. Que as funções técnicas efetivamente desempenhadas pela Oponente nunca se confundiram com funções de administração de facto, sendo certo que a Oponente sempre foi, de facto, apenas e só, uma mera trabalhadora por conta da sociedade aqui em apreço, que recebia ordens, instruções e diretrizes da verdadeira administração de facto e de direito.
6-Um ato de administração tem ser um ato voluntário e autónomo de quem o pratica, que não se reconduz à mera execução de uma instrução emanada de alguém que se encontra em posição hierarquicamente superior, como sucedeu no caso em apreço, onde os atos exteriorizados pela Oponente corresponderam sempre ao cumprimento de uma ordem ou instrução do Presidente do Conselho de Administração;
7-Acresce que os documentos que a Autoridade Tributária carreou para este processo como tendo sido assinados pela oponente não são suficientemente relevantes para sustentar o efetivo exercício da administração de facto pela oponente, uma vez que:
a. Perante a prova testemunhal produzida, o facto de a Oponente ter assinado, ao longo dos vários anos durante os quais perdurou a sua administração de direito, apenas os seguintes quatro documentos:
i. Um documento denominado de contrato de aluguer relativo a um equipamento Xerox;
ii. Um requerimento de "protesto pela reivindicação dos bens móveis" apresentado junto do Serviço de Finanças de Amadora 3;
iii. Um pedido de pagamento em prestações apresentado no Serviço de Finanças de Amadora 3; e
iv. Um pedido de restituição de verbas apresentado junto do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu,
Em nada altera a asserção de que a Oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, até porque,
b. Abstraindo da sua qualidade de administradora de direito, seria perfeitamente plausível que a Oponente tivesse assinado esses mesmos documentos enquanto mera responsável pela área comercial da sociedade devedora originária, como o era de facto;
c. Nem sequer estão em causa documentos essenciais ao giro comercial da sociedade, pelo que não terão os mesmos a virtualidade de pôr em causa a conclusão de que os atos típicos da administração de facto não eram praticados pela Oponente;
d. Os documentos em causa são perfeitamente esporádicos face ao hiato temporal em análise e inidóneos para sustentarem, por si só e com segurança, o exercício efetivo da administração de facto, tanto mais que a prova testemunhal produzida se apresentou com razão de ciência, coerente e merecedora de credibilidade,apontando inequivocamente no sentido contrário;
8-Assim, face à prova testemunhal produzida e à matéria de facto dada como provada, imperioso será concluir a oponente, enquanto mera administradora de direito, e não de facto, não é subsidiariamente responsável pelas dívidas da sociedade devedora originária, conforme resulta do disposto no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT);
9-A este propósito, regista-se que a jurisprudência e a doutrina são unânimes em considerar que o simples facto de uma pessoa se encontrar inscrita como administradora de direito não faz dessa pessoa administradora de facto, apenas cria uma presunção, ilidível, de administração de facto. E, no caso dos autos, a elisão de tal presunção foi amplamente obtida quer pela "confissão" do único administrador de facto da devedora originária, quer pelas respostas dadas pelos outros administradores de direito, A…….. e C……;
10-No caso sub judice toda a prova testemunhal demonstra a não existência de factos integrativos da gerência de facto relativamente à oponente. E prova documental que a Autoridade Tributária juntou ao processo foi completamente "abalroada" pela prova testemunhal produzida nos autos, perdendo toda a sua eficácia demonstrativa;
11-Subsistindo, nos termos supra descritos, uma dúvida substancial e fundada sobre o efetivo exercício da administração por parte da oponente, essa dúvida tem de desfavorecer a Autoridade Tributária, a quem cabia o ónus da demonstração do exercício efetivo da administração de facto por parte da oponente, como pressuposto essencial para o acionamento da responsabilidade subsidiária, por via da reversão;
12-Falhando o pressuposto essencial para o acionamento da responsabilidade subsidiária através da reversão previsto no crtigo 24º, n.º 1 da LPT - a efetiva administração de facto - não pode tal reversão manter-se, devendo antes ser reconhecida a ilegitimidade da oponente para os termos da execução fiscal (artigo 204°, n.º 1, alínea b) do CPPT);
13-Sem conceder e à cautela, é de salientar que, ainda que se concluísse pelo efetivo exercício da administração de facto por parte da oponente, teria aplicação nestes autos a disposição plasmada na alínea a) do n.º 1 do artigo 24º da LGT - segundo o qual para que a Autoridade Tributária possa lançar mão do mecanismo da reversão é necessária a demonstração da culpa do administrador na criação da situação de insuficiência do património da pessoa coletiva para satisfação das dívidas tributárias - uma vez que está demonstrado que:
a. A oponente foi nomeada administradora de direito em Agosto de 1985 (cfr. Alínea A) dos Factos Provados);
b. Os impostos em causa nestes autos reportam a IRS (retenções na fonte), Imposto de Selo, IVA e IRC relativas aos períodos de 2002 a 2005 (cfr. Alíneas C) e D) dos Factos Provados);
c. A oponente renunciou à gerência em Agosto de 2008 (cfr. Alínea H) dos Factos Provados);
14-Mas a verdade é que a Autoridade Tributária - a quem incumbe o ónus desta prova - foi incapaz de provar que foi por culpa da ora oponente que o património da sociedade executada principal se tomou insuficiente para a satisfação das dívidas fiscais. Pelo contrário, o que ficou verdadeiramente demonstrado foi a total incapacidade da oponente para atuar de forma diferente e para decidir o que quer que seja quanto ao património da sociedade;
15-Em face do exposto, improcedem todos os argumentos invocados pela Fazenda Pública para fundamentar as alegadas desconformidades da decisão recorrida;
16-Esteve, por isso, bem a decisão recorrida ao decidir pela procedência da oposição e consequente extinção do processo de execução fiscal contra a oponente, razão pela qual deverá ser negado total provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida;
17-Termos em que, espera a oponente ver negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e confirmada a decisão recorrida, como é de JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.151 a 153 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.156 e 157 dos autos), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.89 a 93 do processo físico):
A-A 05.08.1985 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Amadora, a constituição da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, n.i.p.c. ….., tendo sido designado para o conselho de administração: F……, para o cargo de presidente, S….., A……., M…… e D……, como vogais, e C……, como suplente do conselho de administração, mais se obrigando a sociedade com a assinatura de a) dois administradores; b) a assinatura de um administrador e um procurador; c) a assinatura do administrador-delegado (cfr.cópia de certidão do Registo Comercial de Amadora junta a fls.46 e 47 da certidão do processo de execução apensa);
B-A 15.09.2003 foi, além de outros, pela oponente, M….., na qualidade de representante da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, assinado um contrato de aluguer com o n.º A 682….., celebrado com a Capital W………, relativo a equipamento Xerox, por período de 60 meses (cfr.documento junto a fls.186 da certidão do processo de execução apensa);
C-Contra a sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, nipc………, foi instaurado, em 24.06.2005, o processo de execução fiscal n.º …..-2005/…., por dívida de imposto de selo e retenções na fonte de IRS, referentes aos exercícios de 2002 a 2004, visando a cobrança de quantia exequenda de € 149.850,67 (cfr.documentos juntos a fls.1 a 34 da certidão do processo de execução apensa);
D-Ao PEF identificado no ponto anterior foram apensos os seguintes processos, mais ficando a dívida exequenda a perfazer € 203.933,95:

PEF
    Tributo
    Exercício
Quantia Exequenda
…….2005………….IRS/Imp.Selo
    2005
        €2.659,41
…….2005………….IRS/Imp.Selo
    2005
        €3.837,35
…….2005………….IRS/Imp.Selo2004/2005
      €13.007,50
……2005…………..
IRC
    2004
        €3.287,85
……2005…………..
IVA
    2005
      €25.975,95
……2005…………..
IRC
    2004
        €28,23
……2005…………..
IRS
    2005
        €4.655,86
……2007…………..
IRC
    2006
        €578,58
……2009…………..
Juros
    2005
        €52,55
(cfr.documentos juntos a fls.57 e 208 a 316 da certidão do processo de execução apensa);
E-A 03.06.2005 foi, além de outro, pela oponente, na qualidade de representante da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, apresentado junto do 3º. Serviço de Finanças de Amadora, um requerimento de “protesto pela reivindicação dos bens móveis”, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….-2003/….. e apensos (cfr.documento junto a fls.184 e 185 da certidão do processo de execução apensa);
F-A 06.09.2005 foi, além de outro, pela oponente, na qualidade de representante da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, apresentado junto do 3º. Serviço de Finanças de Amadora, um pedido de pagamento em prestações no âmbito do processo de execução fiscal n.º …..-2005/….. e apensos (cfr.documento junto a fls.37 e 38 da certidão do processo de execução apensa);
G-A 12.06.2006 foi, além de outro, pela oponente, na qualidade de representante da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, apresentado junto do instituto de gestão do fundo social europeu um pedido de restituição de verbas (cfr.documento junto a fls.190 da certidão do processo de execução apensa);
H-A 19.08.2008 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Amadora, a renúncia de M…… ao cargo no conselho de administração da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.” (cfr.cópia de certidão do registo comercial junta a fls.62 a 64 do processo de execução apenso);
I-A 02.09.2008, no Tribunal do Comércio de Lisboa, 4.º Juízo de Lisboa, foi declarada a insolvência da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.” (cfr.cópia de anúncio publicado no D.R. e junta a fls.27 dos presentes autos);
J-Por despacho de 16.03.2011, do Chefe de Finanças Adjunto do 3º. Serviço de Finanças de Amadora, foi determinado o início do procedimento de reversão do processo de execução fiscal n.º …..-2005/….. e apensos, contra os responsáveis subsidiários da sociedade “F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.” (cfr.documentos juntos a fls.78 a 86 da certidão do processo de execução apensa);
K-Por ofício n.º 36…, de 16.03.2011, do 3º. Serviço de Finanças de Amadora, foi remetido, via carta registada, para o domicílio da oponente notificação para o exercício do direito de audição prévia (cfr.documentos juntos a fls.103 e 104 da certidão do processo de execução apensa);
L-Por despacho de 04.07.2011, do Chefe de Finanças Adjunto do 3º. Serviço de Finanças de Amadora, foi determinada a reversão do processo de execução fiscal n.º ….-2005/….. e apensos contra a oponente com fundamento no artigo 24.º, n.º 1, al. b) da Lei Geral Tributária (cfr.documentos juntos a fls.155 a 158 da certidão do processo de execução apensa);
M-Por ofício n.º 11…., de 04.07.2011, do 3º. Serviço de Finanças de Amadora, foi remetida citação para o domicílio da oponente em sede do processo de execução fiscal n.º ….-2005/….. e apensos para pagamento da quantia exequenda de € 203.933,95, e acrescido (cfr.documento junto a fls.167 da certidão do processo de execução apensa);
N-A 12.07.2011 foi a oponente citada em sede do processo de execução fiscal n.º …..-2005/…… e apensos (cfr.documentos juntos a fls.167 e 175 da certidão do processo de execução apensa);
O-A 08.08.2011 foi recebida a petição inicial que deu origem à presente acção (cfr.data de entrada aposta a fls.1 do processo físico);
P-O presidente do conselho de administração da sociedade F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, F………, tomava todas as decisões na empresa (cfr.teor da prova testemunhal produzida);
Q-A oponente era uma técnica da sociedade F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, com responsabilidades no departamento comercial (cfr.teor da prova testemunhal produzida);
R-A oponente desempenhava as suas funções na sociedade F. R. E. C. INDUSTRIAL, S.A.”, sob ordem e direcção do presidente do conselho de administração (cfr.teor da prova testemunhal produzida).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Foram ouvidas pelo tribunal as testemunhas F…….., A……. e C….., respectivamente, presidente, vogal e vogal suplente Administração da sociedade “F. R. E. C INDUSTRIAL, S.A.”.
Todas as testemunhas prestaram depoimentos claros e precisos, revelando ter conhecimentos directos dos factos, e sendo todas peremptórias em afirmar a veracidade dos factos identificados nas alíneas P), Q) e R) dos factos assentes.
De especial relevância mostrou-se o depoimento do próprio presidente do Conselho de Administração, F……., que confirmou que era ele que tomava todas as decisões de gestão daquela sociedade, e que apenas solicitou a determinados trabalhadores “o favor” de fazerem parte do Conselho de Administração por uma questão formal. As reuniões que realizavam eram apenas de organização de trabalho, sendo que as tarefas de administração eram todas levadas a cabo pelo presidente do Conselho de Administração. Foi por sua única vontade que optou por dar prioridade aos pagamentos das instituições de crédito e trabalhadores, em detrimento dos pagamentos de tributos.
Todos reconheceram que pela oponente eram assinados documentos em nome da sociedade, quando estava disponível, mas apenas sob ordem do presidente do Conselho de Administração. As duas últimas testemunhas, também pertencentes ao Conselho de Administração daquela sociedade, desempenharam papel similar ao da oponente, pertencendo formalmente àquele Conselho, mas sem que tenham alguma vez detido poder de direcção ou de vinculação da sociedade…”.

X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova de um dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente (exercício efectivo da administração da sociedade executada originária), em consequência do que determinou a sua extinção quanto ao mesmo.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante alega, em primeiro lugar, que expressamente impugna a factualidade vertida nas alíneas P), Q) e R), dos factos provados da decisão recorrida, bem como considera, face aos elementos probatórios carreados para os autos, designadamente o requerimento constante a fls.182 e 183 da certidão do processo de execução apensa, que a sentença recorrida não valorou matéria de facto relevante para a boa decisão de mérito da presente lide. Que resulta provado nos presentes autos que a oponente praticou diversos actos que consubstanciam a administração de facto da sociedade devedora originária. Que todos os documentos assinados pela oponente, mencionados nas alíneas B), E), F), G) e H) da factualidade assente, são de molde a dar como provado que não era o presidente do conselho de administração quem tomava todas as decisões relativas à administração do sociedade devedora originária, cabendo algumas dessas decisões à oponente. Que também deve resultar provado, por perscrutação dos mesmos documentos, que a oponente não desempenhava apenas a função de técnica responsável pelo departamento comercial da sociedade devedora originária, antes exteriorizando a vontade social e representando a sociedade perante parceiros comerciais e institucionais, o que lhe conferia a respectiva qualidade de administrador (cfr.conclusões 3 a 7 e 18 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (nomeadamente, da matéria de facto constante das citadas alíneas P), Q) e R), do probatório supra), diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Apesar do acabado de mencionar, faz a entidade recorrente referência ao documento junto a fls.182 e 183 da certidão do processo de execução apensa. Ora, este documento é de teor igual ao que fundamentou a factualidade constante da al.F), do probatório supra exarado, nada adiantando em sede de decisão da matéria de facto estruturada pelo Tribunal “a quo”, a qual esta instância de recurso acompanha.
Por último, alude o apelante a diversas alíneas da matéria de facto em que, defende, se encontra provada a gerência de facto da opoente e ora recorrida (cfr.alíneas B), E), F) e G) da factualidade assente). Tal conclusão não pode ser acompanhada por este Tribunal, pelos motivos que infra se expõem (em sede de exame do outro esteio do recurso) e para onde se remete.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente fundamento do recurso e confirma-se a factualidade provada constante da decisão recorrida.
O recorrente alega, em segundo lugar e em resumo, que subsiste na pessoa da oponente uma palavra a dizer no que toca à celebração de negócios jurídicos e à representação social da originária executada. Em consequência, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte da oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. Que é à oponente que cumpre demonstrar e provar que, em face dessa situação, agiu com a diligência própria de um “bonus pater familiae”, como administrador competente e criterioso, que demonstre que fez esforços no sentido de inverter a situação de insuficiência patrimonial da sociedade de molde a evitar a não satisfação das dívidas fiscais. Que a falta de pagamento das dívidas revertidas se verificou por culpa da oponente, uma vez que esta não provou, como lhe competia, a prática de quaisquer actos de administração no sentido de obviar, ou pelo menos minorar, uma previsível situação de insuficiência do património societário que atestem uma actuação diligente da sua parte. Que a sentença recorrida estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa (cfr.conclusões 8 a 17 e 19 a 24 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária dos oponentes deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração que nos encontramos perante dívidas revertidas de impostos relativos a períodos fiscais que vão de 2002 a 2006, assim se inserindo no seu período de vigência (cfr.als.C), D) e M) do probatório; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição, em consequência da A. Fiscal não ter efectuado prova do exercício efectivo da administração da sociedade executada originária e por parte do opoente/recorrido, dado que o mesmo actuava por “intermédio de outrem”, não tendo o domínio da acção, da vontade funcional, antes se limitando a cumprir e assinar o que lhe era pedido pelo verdadeiro administrador da sociedade, o Presidente do Conselho de Administração (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2010, proc.4266/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/01/2011, proc.4333/10; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 21/06/2018, proc.1294/11.1BESNT).
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova da gerência de facto, desde logo porque da matéria de facto constam diversos actos formais de assinatura de documentos por parte do opoente/recorrido em representação da sociedade executada originária (cfr.alíneas B), E), F) e G) do probatório).
Examinemos.
Antes de mais, é útil lembrar que o exercício efectivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária, o qual se deve efectivar através da reversão e a lei não estabelece, neste domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova, mais competindo este ónus à A. Fiscal.
Depois, recorde-se que o opoente, no articulado inicial do processo, nega que em algum momento tenha tomado decisões de administração da sociedade executada originária, sendo o verdadeiro administrador da sociedade o Presidente do Conselho de Administração (cfr.artºs.30 a 55 da p.i. junta a fls.1 a 15 do processo físico).
Ora, dos dados carreados para os autos (cfr.alíneas P), Q) e R) do probatório) resulta que a administração da sociedade executada originária era levada, exclusivamente, a cabo pelo Presidente do Conselho de Administração, F……., o qual prestou depoimento testemunhal admitindo tal situação (e recorde-se que a prova testemunhal produzida neste processo se apresentou com razão de ciência, coerente e merecedora de credibilidade).
Por outro lado, os documentos assinados pelo opoente/recorrido foram-no de acordo com as instruções do Presidente do Conselho de Administração, em consonância com a qualidade de administrador da sociedade. Percebe-se, pois, que a circunstância de a assinatura do revertido surgir aposta em tais documentos, não signifique que este tenha tomado conhecimento dos factos que aquelas envolviam ou os tenha determinado de algum modo, ou sequer que tenha sido ele a negociar em nome da sociedade devedora originária (exercício dos identificados poderes representativos e administrativos face à sociedade).
Se é certo que não foi alegada ou demonstrada qualquer situação de coacção que levasse a considerar inválida a manifestação de vontade subjacente à aposição de uma assinatura, não é menos certo que a indagação sobre a administração de facto não visa aferir da validade formal do envolvimento do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto, exercesse (ou pudesse ter exercido). Ora, a resposta a esta questão é negativa. As assinaturas de documentos que obrigavam a sociedade executada originária constituíam, no caso, a execução de ordens e orientações fornecidas pelo verdadeiro gestor F……., limitando-se o oponente/recorrido a executar essas decisões.
Com estes pressupostos, somente ao verdadeiro administrador da sociedade executada originária, F…….., era imputável a falta de pagamento das dívidas em cobrança coerciva no âmbito do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso.
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente/ recorrido, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., devido a falta de prova da efectiva administração de facto do mesmo face à empresa executada originária, “F. R. E. C. Industrial, S.A.”, e no âmbito do processo de execução fiscal nº……-2005/….. e apensos, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Ana Pinhol - 1º. Adjunto)



(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)