Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1974/09.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
DIRETIVA 90/435/CEE
Sumário:I-A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor. Imputando a Recorrente erro de julgamento da matéria de facto, por deficit instrutório o recurso não versa exclusivamente sobre matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence ao Tribunal Central Administrativo (artigos 38.º, alínea a) e 26.º, alínea b) do ETAF).
II- O processo de impugnação judicial é adequado à reação, na via contenciosa, de um ato de indeferimento expresso de pedido de pagamento de juros indemnizatórios realizado na sequência do deferimento de pedido de reembolso de IRC retido na fonte efetuado ao abrigo da Diretiva 90/435/CEE de 23 de julho, por não ter sido respeitado o prazo de restituição de imposto retido na fonte, constituindo causa de pedir o erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
III-Só existe deficit instrutório quando se entenda que o Tribunal omitiu a realização de diligências de prova suscetíveis de conduzir à fixação de factos capazes de alterar a decisão de direito, sendo que o mesmo só determina a anulação da sentença e baixa dos autos para ampliação da matéria de facto se os mesmos não fornecerem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto.
IV-Se o pedido de reembolso de IRC retido na fonte foi efetuado à luz do artigo 89.º do CIRC e se foi com base nesse normativo que o mesmo foi deferido, será atentando na sua estatuição que se terá de cotejar, necessariamente, o prazo consignado para esse reembolso.
V- O prazo de restituição do imposto retido na fonte tem de ocorrer até ao fim do terceiro mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e requisitos legalmente exigidos (89.º, nº3 do CIRC).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, constante de fls. 149 a 163 dos autos do presente processo que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “B........................”, tendo por objeto a decisão de indeferimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao processo de reembolso de IRC nº 10...../05, deduzido junto da Direção de Serviços das Relações Internacionais da Direção Geral dos Impostos, ao abrigo dos artigos 14.º, nº3 e 89.º ambos do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e da Diretiva do Conselho nº 90/435/CE, referente a imposto retido na fonte do ano de 2004.

A Recorrente, a fls. 179 a 186 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvando-se sempre melhor entendimento e, o devido respeito, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” julgou procedente o pedido da impugnante com visível déficit instrutório, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto e ao seu julgamento de direito.

II – Todavia, se devidamente analisados os factos pertinentes à apreciação e formação da decisão da causa, prevaleceria uma fundamentação diferente, omissos que foram determinados factos na selecção do probatório sendo outros objecto de uma análise crítica deficiente.

III – No presente caso, a impugnante deduziu em 21/10/2009, a presente impugnação judicial, na sequência do indeferimento expresso do pedido de juros indemnizatórios, que apresentou em 23/04/2008, relativamente ao processo de reembolso de IRC n.º 10...../05, deduzido junto da Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Direcção Geral dos Impostos, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 3 do CIRC e da Directiva do Conselho n.º 90/435/CE, por referência ao atraso na devolução de imposto retido na fonte no exercício de 2004.

IV – Nessa senda, entendeu-se que a questão controvertida consiste em apreciar e decidir se no caso dos autos há lugar o artigo 57.º, n.º1 da LGT que à data fixava o prazo geral de 6 meses para conclusão dos procedimentos tributários em geral, nos quais entendeu a decisão recorrida se incluir o procedimento de reembolso.

V – Entendeu ainda a decisão recorrida que atendendo ao prazo genérico fixado à data para a conclusão do procedimento tributário, bem como à jurisprudência citada, nas restituições do imposto pago por retenção na fonte em excesso, também haveria necessariamente, um pagamento indevido, julgando ser plenamente aplicável o disposto na alínea a), do n.º1 do artigo 43.º da LGT.

VI – Neste conspecto alega a impugnante que a demora no pagamento do reembolso do imposto viola o disposto no n.º 6 do artigo 90.º-A do CIRC (actual n.º 8) – preceito apenas introduzido na lei posteriormente.

VII – Desde já importa, no seguimento de Lima Guerreiro, em anotação ao art.º 43.º da LGT, evocar que, não havendo erro na liquidação, mas o atraso no reembolso, a via a adoptar para obter juros indemnizatórios quando a Administração Fiscal não os atribua oficiosamente é a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse em matéria, a intentar nos termos do artigo 145.º do CPPT, em conformidade com a doutrina consagrada pelo Acórdão do STA de 5 de Março de 1997, recurso número 21.837. Ou seja, o meio usado pela impugnante não é próprio para fazer reconhecer o seu pedido.

VIII - Por outro lado e de acordo com o muito ilustre citado - “O procedimento tributário deve definir rapidamente os direitos e deveres da Administração Tributária e do contribuinte por razões de certeza e segurança das relações jurídico-tributárias agudizadas pelo ritmo actual – cada vez mais intenso da vida económica. Essa é, aliás, a razão do encurtamento dos prazos… Obviamente, muito mais importante que a consagração destes princípios na letra da lei, é a garantia das condições de eficiência da administração tributária que assegurem o seu cumprimento, sem prejuízo dos objectivos de eficácia e justiça do ordenamento jurídico-tributário.”

Atente-se a que, sendo este um prazo geral e, portanto meramente ordenador, a passagem de tal prazo acarreta para o contribuinte a presunção de indeferimento tácito. Presunção, contra a qual a contribuinte não reagiu, vindo agora, salvo melhor entendimento, em manifesto abuso de direito, pedir juros indemnizatórios.

IX - Ora a decisão recorrida padece de falta de fundamentação porque também não tratou de averiguar se o prazo em causa seria ou não um prazo adequado para conclusão do procedimento de análise de reembolso em concreto, resposta que deve ser negativa.

Este prazo, é manifestamente insuficiente para o procedimento em causa, já que o legislador, tal como consta da redacção introduzida pelo (artigo 90.ºA do CIRC), dada pelo Decreto-Lei n.º 211/2005 de 07/12, em vigor apenas em 01 de Janeiro de 2006, entendeu que para analisar um pedido de reembolso, será necessário pelo menos o prazo de um ano.

X - Ou seja, à data não existia um prazo para o procedimento em concreto relativo ao reembolso de não residentes ao abrigo da Directiva, portanto, temos por necessário concluir que, sendo a LGT uma lei fiscal basilar que precisa de ser conformada por lei ordinária, cabe ao legislador dizer como e qual o modo como deverá será concretizada.

Ora, por outro lado, para que se constitua o direito a juros é indispensável a comprovação dos seus pressupostos, o que com o devido respeito não foi feito pela decisão recorrida, pois a impugnante esqueceu-se de referir que, de acordo com o n.º 7 desse mesmo artigo por si citado, o legislador determinou que:

“7 – Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior (n.º 6, do artigo 90.º-A, do CIRC), considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.”

XI - E se para reembolso de imposto ao abrigo da Directiva são necessários vários requisitos e condições que têm que ser verificados para que haja isenção de retenção na fonte, conforme previsto no artigo 14º do CIRC e diretiva nº 2003/49/CE, do Conselho, de 3 junho, a decisão recorrida não considerou os mesmos, contrariamente ao princípio do inquisitório.

XII – Na verdade, no probatório não consta se tal pedido foi ab initio devidamente instruído pela impugnante, com os elementos necessários para apreciação do pedido de reembolso.

XIII - Termos em que a decisão recorrida não se pode manter na ordem jurídica.

XIV - Assim, caso não se considera a impropriedade do meio processual utilizado impõe-se ampliar a base instrutória para boa aplicação da lei.

XV – Contudo, padecendo de deficiente interpretação do direito, a decisão recorrida deve ser afastada da ordem jurídica.”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, conforme articulado de fls. 188 a 199 formulando as seguintes conclusões:

“1ª As conclusões do recurso definem o seu objecto, nos termos do disposto no nº 4 do artº 635º do CPC, sendo certo que nos termos conjugados do disposto nos artigos 16º, 280º do CPPT, artº 26º alª b) e artº 38º alª a) do ETAF, a competência do TCA do Sul está restrita aos casos em que as questões controvertidas envolvem matéria de facto e de direito.

2ª No caso em apreço, e das conclusões apresentadas pela AT não se identifica uma única questão de facto controvertida, limitando-se a AT a esgrimir a inaplicabilidade de determinadas normas jurídicas, o que necessariamente levará a concluir que sendo o Tribunal ad quem chamado a uma actividade exclusiva de aplicação e interpretação de normas jurídicas, então o TCA do Sul não é competente em razão da hierarquia, logo o recurso deverá ser liminarmente indeferido por violação das disposições indicadas na 1ª conclusão, o que expressamente se requer.

3ª A actuação do representante da AT traduz-se em atraso e delonga no andamento dos presentes autos, que tiveram o seu início em 2009 e se reportam a 2008, ou seja, há mais de 10 anos que a AT vem protelando de forma consciente o pagamento dos valores que são devidos à ora Recorrida. Este comportamento é deveras lamentável e deveria justificar uma análise e reflexão deste Tribunal.

4ª Quanto à questão de fundo: no caso em apreço verificam-se as condições e requisitos previstos no artº 43º da LGT, ou seja, a AT tinha a obrigação de proceder ao reembolso de quantias indevidamente retidas. A AT não o fez de forma atempada e razoavelmente célere.

5ª Assim sendo a Recorrida tem direito a receber juros indemnizatórios, não basta a AT negar, sem fundamentar o porquê, para que possa defender que não são devidos juros.

6ª A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios resulta dos artº 43º da LGT, e artº 61º do CPPT. Tais disposições não se aplicam nem se destinam apenas a situações de legalidade da liquidação de imposto, mas também a situações de excesso de imposto liquidado. Não distinguem as situações de impostos legal, ou ilegalmente liquidados.

7ª O legislador quis abranger todas as situações de pagamentos indevidos independentemente da origem e do que está na sua base.

8ª Tal obrigação resulta do artº 22º da Constituição da República Portuguesa que estabelece o princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados às pessoas, por acções ou omissões, praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício. O direito à indemnização é prévio à sua concretização nas leis tributárias (como refere Jorge Lopes de Sousa).

9ª Assim, a única interpretação compatível com a CRP pressupõe que os casos previstos no artº43º, 100º da LGT e 61º do CPPT, são meramente exemplificativos, não constituindo sequer uma designação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados.

10ª No caso em apreço, a Recorrida apresentou em 18.04.2005 um pedido de reembolso de IRC retido.

11ª À data dos factos – 18.04.2005 – o CIRC não previa norma expressa quanto ao prazo para a AT proceder ao reembolso, no entanto, nessa data, já o nº 1, do artº 57º da LGT fixava um prazo genérico de 6 meses para a conclusão dos procedimentos tributários em geral, nos quais, necessariamente se terá que incluir o procedimento do reembolso de imposto.

12ª À data em que o nº 6, do artº 90.ºA do CIRC entrou em vigor já a AT se encontrava em incumprimento do prazo para proceder ao reembolso que estava legalmente obrigada.

13ª Apenas o atrevimento e a impunidade podem explicar as afirmações do representante da AT que vem pugnar pelo não pagamento de juros indemnizatórios.

14ª Aliás, estamos em presença de um mero imperativo de respeito do Estado para com os contribuintes, em que o próprio Estado num acto de auto-benefício já se concede a si próprio um prazo de 6 meses ou 1 ano para decidir e reembolsar (idêntica benesse não é atribuída ao contribuinte). Negar o direito a juros indemnizatórios é o mesmo que pugnar pelo confisco, numa manifestação medieval do ius imperii.

15ª A Administração Tributária tem a obrigação de reembolsar em tempo razoável, no limite no prazo fixado. Não o fazendo, deve pagar juros indemnizatórios, pois tem na sua posse um montante pecuniário que não lhe é devido.

16ª Todos os elementos constitutivos do direito a juros encontram-se verificados: houve um pagamento indevido de imposto e é imputável à administração tributária a privação desses meios financeiros, que atrasadamente devolveu ao contribuinte. A AT deve por isso pagar juros indemnizatórios.

17ª Afirmar o contrário é violar a Constituição da República, a LGT, o CPPT, mas acima de tudo é violar os princípios mais elementares de justiça e de equilíbrio no relacionamento entre o contribuinte e o Estado, constituindo uma negação frontal das alterações introduzidas pela Constituição da República Portuguesa que colocou o contribuinte numa posição em que passa a ser sujeito de direitos e deveres, em paridade com o credor tributário.

18ª A obrigação de pagamento constitui mera concretização do princípio da legalidade, da boa-fé e lealdade para com o contribuinte a que a AT está sujeita. Nada pode justificar a manutenção de valores na posse do Estado que não lhe são devidos. Estamos sempre numa utilização indevida e injustificada, com um inerente e correspectivo prejuízo para o contribuinte.

19ª À data dos factos o artº 57º da LGT previa um prazo geral de cumprimento dos procedimentos tributários de 6 meses. Falseia a verdade quem afirma o contrário, de que não havia prazo de reembolso, mera manifestação de prepotência.

20ª Pelo que não se pode deixar de manifestar a maior estranheza quanto àquele que afirma que não havia prazo, quando na realidade existia prazo (cfr. artº 57º da LGT), quando afirma que por não existir prazo (caso fosse verdade), todo o contribuinte nesta situação à data da entrada em vigor da norma, não teria direito a receber juros indemnizatórios. Na prática, estaríamos perante a possibilidade do Estado manter-se na posse de tais valores para sempre, apenas porque não tinha prazo para devolver …, já para não falar da descriminação totalmente absurda e infundamentada de um tratamento desigualitário.

21ª Contrariamente ao que é afirmado, nos casos de indeferimento tácito não existe a obrigação de reclamação, de recurso ou de impugnação do visado, e neste caso, da ora Recorrida. Ou seja, os efeitos adjectivos do decurso do prazo, são apenas esses: atribuem uma faculdade ao Contribuinte, nada mais do que isso. Acima de tudo, e muito menos constitui, ou constituiu, a AT na dispensa de decidir ou de estarmos perante um caso resolvido.

22ª A ora Recorrente invoca diversos e novos fundamentos para sustentar a sua decisão de recusar o pagamento de juros, num processo ilegal, e que por este via permitiria uma constante renovação da fundamentação do acto decisório, inviabilizando qualquer acto de defesa, e acima actuando em afronta e violação da Constituição da República Portuguesa, LGT, CPA.

23ª O prazo previsto no nº 6 do artº 90ºA, do CIRC (à data em vigor), é um prazo máximo, como se infere da leitura de tal preceito, e não o prazo mínimo para a AT analisar o pedido de reembolso do contribuinte. Afirmar o contrário, como o faz a AT, constitui um acto de menorização deste Tribunal.

24º Em momento algum a AT invocou qualquer facto, diligência ou acto que a ora Recorrida tenha praticado que pudesse justificar algum tipo de atraso ou suspensão do prazo de decisão.

25ª Pelo que não se compreende qual o motivo para a AT vir, agora, totalmente de novo, totalmente em abstracto, afirmar que o processo de análise poderia ter sido muito complexo (??!!).

26ª. Ou seja, a AT não invoca e teria que ser o Tribunal a quo a encontrar um qualquer tipo de actuação ou diligência (inexistente) da Impugnante que teria justificado e desculpabilizasse o tempo que a AT demorou a decidir.

27º Aliás, a AT não invocou pois, como bem sabe, a Recorrida nada contribuiu para suposto e alegado contributo de atraso numa decisão, que a Impugnante, não só solicitou como pretendia que fosse o mais rápida possível, uma vez que se traduzia na devolução de quantias que indevidamente se encontravam na posse do Estado.

28ª Na senda de novos argumentos e factos, a AT não hesita em considerar que caberia ao Tribunal a quo, a obrigação de discorrer e analisar se o prazo de 1 ano seria o prazo adequado para tomar uma decisão. Não se compreende porquê, nem como. Admitindo-se que a AT pretendesse atribuir ao Tribunal um poder legislativo que o mesmo não possui.

29ª A ora Recorrida entende assim que o Tribunal a quo fez um aplicação judiciosa do direito ao reconhecer o direito a juros. A doutrina e a jurisprudência reconhece a aplicação retroactiva de normas fiscais aos contribuintes, quando mais favoráveis aos mesmos, pelo que também por este motivo a contagem do prazo deverá iniciar-se na data de apresentação do pedido. Momento a partir do qual a AT poderia ter sido diligente em decidir, pois, que essa decisão é devida de forma diligente e célere, não porque está estabelecido um direito ao pagamento de juros, mas sim porque é dever da AT fazê-lo.

30ª Não se vislumbra o motivo da Administração Fiscal ter um tratamento mais favorável, que no caso seria não ter que pagar juros indemnizatórios ao contribuinte quando, efectivamente, teve na sua posse disponibilidades financeiras que eram indevidas, em especial quando poderia não pagar juros de todo, bastando para tal que fosse diligente na análise e reembolso dos valores. A AT gozava de prazo claramente generoso, mas não o aproveitou.

31ª Como já referido, à data dos factos, o artº 57º da LGT já previa um prazo genérico para o cumprimento dos procedimentos tributários de 6 meses. Em rigor a contagem de juros deveria ter o seu início no final desses 6 meses.

Nestes termos, e com o mui suprimento deste Tribunal, resta à ora Recorrida pugnar pela manutenção da decisão de reconhecer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, mantendo-se a decisão ora em apreciação, sendo consequentemente reembolsada dos juros indemnizatórios devidos e peticionados, porquanto nenhum dos argumentos ou fundamentos invocados pela Recorrente deverá colher pela absoluta falta de sustentação no Direito aplicável ao caso em apreço.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 204 e 205 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 152 a 156 dos presentes autos):

a) A ora Impugnante B...................... é uma sociedade comercial de direito alemão, que detinha, em 2004 e 2005, cerca de 30% do capital social da B...................... - facto admitido por acordo das partes e decisão de indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, junto a fls. 65 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) Nessa qualidade, a Impugnante auferiu lucros, por referência ao ano de 2004, que lhe foram distribuídos, no montante global de € 352.286,48 (trezentos e cinquenta e dois mil, duzentos e oitenta e seis Euros e quarenta e oito cêntimos), tendo estes lucros sido objecto de retenção na fonte, no montante de € 88.071,62 - facto admitido por acordo, ofício de fls. 62 dos autos e cópia de cheque de fls. 63 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

c) Convicta de que cumpria todos os requisitos estabelecidos para a aplicação da isenção de retenção na fonte de IRC, sobre os lucros que lhe foram distribuídos, de acordo com o disposto na Directiva do Conselho n.º 90/435/CEE, de 23/07 (Directiva Mães-Filhas), em 18/04/2005, a Impugnante apresentou um pedido de reembolso de IRC retido na fonte, em excesso, sobre os lucros que lhe foram atribuídos pela B....................., na qualidade de sócia detentora de 30% do capital daquela - requerimento junto a fls. 55 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) O pedido, referido na alínea antecedente, foi, em data não apurada, objecto de deferimento, por parte da Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Direcção Geral dos Impostos, tendo o cheque de reembolso, no valor total de € 88.071,62 (oitenta e um mil, setenta e um euros e sessenta e dois cêntimos), sido processado em 15/01/2008 e recepcionado pela Impugnante em 07/02/2008 - ofício de fls. 61 dos autos e cópia do cheque de fls. 62, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

e) Em 23/04/2008, a ora Impugnante apresentou, junto da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, um pedido de pagamento de juros indemnizatórios, pelo tempo decorrido desde o peticionado reembolso e a sua efectivação - facto admitido por acordo.

f) Em Janeiro de 2009, a B........................, na qualidade de representante legal, da ora Impugnante foi regularmente notificada do projecto de decisão e respectiva fundamentação, bem como para, querendo, exercer o direito de audição, não tendo usado da referida faculdade - ofício de fls. 64 dos autos e projecto de decisão e fls. 65 e seguintes, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos.

g) Em 22/07/2009, foi a Impugnante notificada da decisão final de indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, cuja fundamentação, com interesse para os autos, infra se transcreve:

“Através de requerimento com entrada nesta Direcção de Serviços em 23/04/2008, a sociedade de direito alemão B....................., com domicílio fiscal em ........................, Deutschland, NIF ................, vem solicitar o pagamento de juros indemnizatórios pelo facto de ter havido demora na restituição de imposto retido na fonte relativamente ao processo de reembolso n.º 10....../2005, no valor de € 88.071,62.

Alega no pedido que, tendo entregue o pedido de reembolso em 19/04/2005, apenas recebeu o respectivo cheque de reembolso, em 07/02/2007.

A requerente, considera que esta demora no pagamento do reembolso do imposto viola o disposto no n.º 6 do artigo 90.º-A do CIRC (actual n.º8) e ainda a alínea a) do n.º3 do artigo 43.º da LGT.

Da análise do pedido de pagamento dos juros indemnizatórios apresentado pelo impugnante, conclui-se que o mesmo se fundamenta no disposto no n.º6 do artigo 90.º-A do CIRC (actual n.º 8).

Acontece porém que esta disposição legal (artigo 90.ºA do CIRC) apenas foi introduzida no Código do IRC pelo Decreto-Lei n.º 211/2005 de 07/12, tendo entrado em vigor em 01 de Janeiro de 2006, com a seguinte redacção:

“O reembolso do excesso do imposto retido na fonte deve ser efectuado no prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a reembolsar juros indemnizatórios calculados a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.”

Anteriormente os reembolsos eram regulados pelo disposto no artigo 90.º do mesmo código, só que não havia a estipulação de qualquer prazo para que os mesmos processassem.

Ora, tratando-se de um pedido de reembolso formulado antes da entrada em vigor do artigo 90.ºA do CIRC, não pode ser-lhe aplicada esta norma, uma vez que à mesma não foi dada eficácia retroactiva.

Por outro lado, há ainda que levar em linha de conta com o disposto na alínea a) do n.º3 do artigo 43.º da LGT, que dispõe:

“São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos.”

Resulta claro que apenas se vencem juros indemnizatórios no caso de ser ultrapassado o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos.

Ora, no presente caso não se verifica nenhuma das condições de aplicação da presente norma.

Em primeiro lugar, conforme o referido supra, à data em que foi formulado o pedido de reembolso do imposto em causa não havia qualquer norma que estipulasse prazo para a sua conclusão.

Por outro lado, não estamos perante uma situação de reembolso de imposto oficioso por parte da Administração Tributária, mas sim de um reembolso de imposto a pedido do contribuinte.

Assim sendo, nunca poderia ter aplicabilidade a presente norma da LGT ao caso em análise.

Nestes termos, conclui-se não existir qualquer fundamento para o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Administração Tributária ao contribuinte pela demora no reembolso de imposto requerido antes da entrada em vigor do artigo 90.ºA do CIRC (…)” - decisão de fls. 3 do PA, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.”


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Não há factos não provados, relevantes para o conhecimento das questões de que cumpre apreciar.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

A convicção do Tribunal formou-se com base na análise dos documentos, supra identificados, a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Aliás, a matéria factual não é controvertida, encontrando-se grande parte dos factos descritos no probatório, admitidos por acordo das partes. “


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

h) A 17 de março de 2006, na sequência do pedido referido em c), a Direção de Serviços das Relações Internacionais expediu o ofício nº 00........ endereçado para a “B................, Lda” na qualidade de representante de “B..........................”, reportado ao assunto “Notificação para apresentar documentos” do qual se extrai, designadamente, o seguinte teor:

(…)

Após análise aos pedidos de reembolso e documentos apresentados, verificou-se serem necessários outros elementos de prova necessários à prossecução dos processos, pelo que se NOTIFICA V.EXA na qualidade de representante das Requerentes para apresentar nesta Direcção de Serviços os seguintes documentos:

1-Fotocópia da Acta da deliberação da distribuição dos lucros sobre os quais se solicita o reembolso do imposto pago.

2-Documento comprovativo da colocação dos lucros à disposição relativo a cada uma das Requerentes, onde se evidencie o montante, data da transferência e entidades intervenientes, podendo estes documentos serem constituídos por fotocópias autenticadas de documentos bancários.

3- Fotocópias dos registos contabilísticos que evidenciem os pagamentos dos lucros e respectivas retenções do imposto.

4- Comprovativo da apresentação da declaração MOD 30, relativamente aos rendimentos pagos em 23 de Dezembro de 2004, e sobre os quais foram apresentados pedidos de reembolso de imposto.

5-Originais ou cópias autenticadas da prova de que cada uma das Requerentes reunia à data da distribuição dos lucros as condições do artº 2º da Directiva nº 90/435/CEE de 23 de Julho.

6- Informar qual o Número de Identificação Fiscal português de cada uma das Requerentes.

7- Se os rendimentos foram obtidos pelas Requerentes através de estabelecimento estável em Portugal (…)” (cfr. fls. 38 e 39 do PA apenso);

i) A 06 de abril de 2006, na sequência do pedido referido na alínea antecedente, “B................., Lda” na qualidade de representante de “B.....................”, apresentou a documentação solicitada e prestou os esclarecimentos requeridos (cfr. fls. 41 do PA apenso);

j) A 12 de maio de 2006, o Técnico Responsável da Direção de Serviços das Relações Internacionais proferiu informação instrutora do pedido de reembolso de IRC melhor evidenciado em c) e do qual consta, designadamente, o seguinte:

“ 9.A questão subjacente ao presente requerimento prende-se com a aplicação das normas da Directiva nº 90/435/CEE, segundo a qual os dividendos distribuídos por uma sociedade filha (B.................... LDA” à sociedade mãe (B.....................), ficam dispensados de retenção na fonte de imposto no Estado de origem, desde que verificados determinados pressupostos. (…)

26. Ora, o nº2 do artigo 89.º do CIRC, no caso de haver de distribuição de dividendos de sociedades filhas a sociedades mães durante o decurso do período de dois anos, determina que pode haver lugar ao reembolso do imposto logo que decorra esse período de detenção, desde que seja feita prova de que estão efectivamente reunidas as condições do artigo 2º da Directiva 90/435/CEE e dos demais requisitos exigidos.

27. Verificamos, assim, que estão reunidas as condições para que possa ser autorizado o reembolso do IRC requerido. (…)

CONCLUSÃO

Face ao exposto, afigura-se-nos caso mereça concordância superior, ser de deferir o presente pedido de reembolso de imposto sendo de devolver a importância de 88.071,62€ (oitenta e oito mil e setenta e um euros e sessenta e dois cêntimos) (cfr. fls. 83 a 88 do PA apenso cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

k) Em resultado da informação constante na alínea antecedente, o Chefe de Divisão da Direção de Serviços das Relações Internacionais, proferiu parecer com o seguinte teor:

Confirmo. Atento o disposto no nº2 do artigo 89.º do CIRC, afigura-se-me ser de autorizar o pedido de reembolso da quantia de 88.071,62 à requerente e correspondente ao montante requerido.

Para efeitos do disposto no nº3 do artigo 89.º do CIR, o prazo termina no próximo dia 31 de Julho de 2006” (cfr. fls. 83 do PA apenso);

l) Na sequência do deferimento do pedido de reembolso referido em c), a Direção Geral dos Impostos emitiu, em 15 de janeiro de 2008, cheque com o nº 41............, não à ordem de B........................, no valor de €88.071,62, o qual foi rececionado em 07 de fevereiro de 2008 (facto alegado pela Recorrida na p.i. e não impugnado e corroborado pelo teor dos documentos de fls. 108 e 109 do PA apenso);

m) De ofício nº 17........., datado de 20 de julho de 2009, da Direção de Serviços das Relações Internacionais, endereçado para a “B....................., Lda” na qualidade de representante de “B......................”, reportado ao assunto: Pedido de Juros Indemnizatórios, tendente à notificação do despacho de indeferimento referido em g), consta designadamente, o seguinte:

(…) Caso não se conforme com a decisão agora comunicada, poderá V. Exa, querendo:

· Deduzir Impugnação Judicial, nos termos da alínea b) do nº1, do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, no prazo de noventa dias a contar da data de assinatura do Aviso de Recepção.

· Interpor Recurso Hierárquico, nos termos do nº2, do Artigo 66.º do mesmo Código, dirigido ao Director-Geral dos Impostos, no prazo de 30 dias a contar daquela data.” (cfr. fls. 1 do PA apenso);


***

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

c) Em 18/04/2005, “B......................”, na qualidade de sócia da sociedade de direito português de “B....................., Lda” apresentou pedido de reembolso de IRC retido na fonte ao abrigo do disposto no número 3 do artigo 14.º e do artigo 89.º do CIRC, com o seguinte pedido final:

“ Assim solicita-se a V. Exa que, nos termos e para os efeitos previstos na Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, se digne mandar proceder à devolução do IRC retido na fonte sobre os lucros recebidos da sociedade de direito português B................... no exercício de 2004, no montante de Euros 88.070,30(…)” (cfr. fls. 6 a 11 do PA apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

d) A 27 de julho de 2007, o SubDiretor Geral, na sequência da apresentação do requerimento constante na alínea c), e com base na informação instrutora e parecer referidos em j) e k), prolatou despacho com o seguinte teor:

“ Concordo e autorizo o reembolso de imposto no montante de €88.071,62” (cfr. fls. 83 do PA apenso);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios relativa ao ano de 2004, a qual condenou a Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor de €88.071,62 calculados desde 18 de abril de 2006 a 07 de fevereiro de 2008.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre começar por analisar da arguida incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal e improcedendo a mesma da inidoneidade do meio processual. Ultrapassadas estas questões de índole formal, ter-se-á de se aquilatar do erro de julgamento de facto por alegado deficit instrutório e violação do princípio do dispositivo e erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos de direito.

Ainda neste particular, e em termos de delimitação da lide, importa relevar que não obstante a Recorrente ter invocado na conclusão IV a falta de fundamentação da decisão recorrida, a verdade é que não a configura e a comina enquanto nulidade da sentença, inferindo-se do teor das demais alegações que a aludida falta de fundamentação radica em erro de julgamento de facto, concatenado com o evidenciado deficit instrutório, vertente na qual será apreciado e em sede própria.

Comecemos pela arguida incompetência em razão da hierarquia suscitada pela Recorrida, uma vez que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Apreciando.

De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.

Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do C.P.P.T., o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos. (2)

In casu, do teor das conclusões das alegações de recurso, verifica-se, desde logo, que a Recorrente imputa erro de julgamento da matéria de facto, por deficit instrutório invocando expressamente nas conclusões XI e XII que “no probatório não consta se tal pedido foi ab initio devidamente instruído pela impugnante, com os elementos necessários para apreciação do pedido de reembolso”, pelo que, contrariamente ao invocado pela Recorrida, não versa exclusivamente sobre matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, em ordem ao consignado nos artigos 38.º, alínea a) e 26.º, alínea b) do ETAF.

A corroborar a competência deste Tribunal está, desde logo, o aditamento à matéria de facto, concretamente, das alíneas h) a m), o qual se reputou relevante para a presente lide recursiva.

E por assim ser, sem necessidade de outros considerandos improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, aduzida pela Recorrida.

Atentemos, ora, na alegação constante na conclusão VII, concatenada com a inidoneidade da impugnação judicial para conhecimento da pretensão do pagamento de juros indemnizatórios.

Alega a Recorrente que “[n]o seguimento de Lima Guerreiro, em anotação ao art.º 43.º da LGT, evocar que, não havendo erro na liquidação, mas o atraso no reembolso, a via a adoptar para obter juros indemnizatórios quando a Administração Fiscal não os atribua oficiosamente é a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse em matéria, a intentar nos termos do artigo 145.º do CPPT, em conformidade com a doutrina consagrada pelo Acórdão do STA de 5 de Março de 1997, recurso número 21.837. Ou seja, o meio usado pela impugnante não é próprio para fazer reconhecer o seu pedido”.

Vejamos, então.

Cumpre, desde já, relevar que não obstante a Recorrente nunca ter arguido a impropriedade processual junto da primeira instância, a verdade é que revestindo o erro na forma do processo questão de conhecimento oficioso entende-se que a mesma não comporta ius novarum, podendo/devendo este Tribunal emitir juízo de valoração quanto à mesma.

Apreciando.

O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado. (3) Porquanto, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo. (4) Logo, para se aferir da existência ou não de erro na forma de processo, cumpre atentar no pedido que foi formulado e na concreta pretensão de tutela jurisdicional servindo de elemento coadjuvante a causa de pedir invocada. (5)

In casu, resulta expressamente do pedido constante na p.i. o seguinte: “[v]em a Impugnante requerer que a presente impugnação judicial seja recebida, julgada procedente na sua totalidade por provada e, como tal, seja anulada a decisão de indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, sendo consequentemente reembolsada dos juros indemnizatórios, no montante de €6.370,11 (Seis Mil Trezentos e Setenta Euros e Onze Cêntimos). A título meramente subsidiário, sem conceder no acima melhor exposto, e apesar de discordar com tal eventual e possível entendimento, sempre seriam devidos juros indemnizatórios no montante de €3.879,98, calculados a partir do dia 01.01.2007”.

Ora, o aludido pedido é ajustado à forma de processo de impugnação judicial que se coaduna com um contencioso de anulação. Com efeito o processo de impugnação judicial é adequado à reação, na via contenciosa, de um ato de indeferimento expresso de pedido de pagamento de juros indemnizatórios realizado na sequência do deferimento de pedido de reembolso de IRC retido na fonte efetuado ao abrigo da Diretiva 90/435/CEE de 23 de julho, por não ter sido respeitado o prazo de restituição de imposto retido na fonte, constituindo causa de pedir o erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

De relevar, neste particular, que a jurisprudência do STA tem vindo a aceitar que a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária é um meio processual complementar, apenas devendo ser proposta quando os restantes meios contenciosos não assegurem uma tutela efetiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, o que não é, de todo, o caso vertente. (6)

Note-se inclusive que tal é o que resulta do teor da notificação que indeferiu o pedido de pagamento de juros indemnizatórios constante da alínea m) da factualidade assente, segundo a qual o meio adequado para a Recorrida fazer valer a sua pretensão é, de facto, a impugnação judicial, constando menção expressa no sentido “deduzir impugnação judicial, nos termos da alínea b) do nº1, do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, no prazo de noventa dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção”.

In fine, sempre importa ter presente que o direito a juros indemnizatórios é uma mera decorrência da Lei, nas situações nele previstas, impondo-se o seu pagamento, sem necessidade de prévio pedido, por força do dever que impende sobre a AT de reconstituir a situação hipotética que existiria caso a restituição oficiosa tivesse sido concretizada no prazo legal consignado para o efeito.

Em face de todo o exposto, improcede a arguida impropriedade do meio processual.

Vejamos, ora, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto.

A Recorrente alega que a sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou procedente o pedido da Impugnante com visível deficit instrutório, incorrendo, por isso, em erro na apreciação da matéria de facto, violando, outrossim, o princípio do inquisitório.

Concretiza, para o efeito, que para efeitos de reembolso de imposto ao abrigo da Diretiva do Conselho 90/435/CE se têm de considerar verificados vários requisitos, sendo relevante para a presente lide ponderar se o pedido foi, desde logo, instruído com todos os elementos necessários para apreciação do pedido de reembolso o que não consta, de todo, no probatório da decisão recorrida.

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que a decisão recorrida fundamenta o reconhecimento dos juros indemnizatórios no artigo 57.º, nº1 da LGT, e não no artigo 90.º A, nº6 do CIRC, inferindo-se, assim, que o Tribunal a quo face ao enquadramento jurídico propugnado não reputou relevante a fixação de factualidade tendente a aferir da suspensão de prazo e eventual subsunção no normativo 90.º A, nº7 do CIRC.

É certo que a fixação da matéria de facto deve ser norteada por todos os factos que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão, mas a verdade é que o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, nº.1 e 607.º, nºs.2 a 4, do CPC,) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigos 123.º, nº.2, do CPPT).

Na verdade, finda a produção de prova o Juiz, perante a premência da decisão, e norteado pelo princípio do inquisitório efetuará um juízo crítico sobre todos os elementos dos autos, devendo aquilatar se os mesmos são ou não bastantes a, com segurança, e em conformidade com as regras do ónus da prova, decidir a questão controvertida colocada. Só a resposta negativa a essa questão impõe que o Tribunal realize ou ordene que sejam realizadas, sendo possível, as diligências que entenda pertinentes para a descoberta da verdade material e que lhe possam permitir ultrapassar a questão ou afastar as dúvidas suscitadas.

De todo o modo, sempre se dirá que, in casu, a questão convocada pela Recorrente não radica em deficit instrutório, pois não obstante o défice instrutório e o erro de julgamento de facto se traduzirem ambos erros de julgamento, a verdade é que derivam de realidades de facto e de direito distintas. Com efeito, só existe deficit instrutório quando se entenda que o Tribunal omitiu a realização de diligências de prova suscetíveis de conduzir à fixação de factos capazes de alterar a decisão de direito.

Ademais, a existência de deficit instrutório, só determina a anulação da sentença e baixa dos autos para ampliação da matéria de facto se os mesmos não fornecerem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto.

In casu, a alegação da Recorrente não é suscetível de configurar qualquer deficit instrutório, visto que o Tribunal a quo não omitiu quaisquer diligências de prova, não competindo determinar qualquer diligência de prova adicional- que aliás nem, tão-pouco, é devidamente concretizada-quando muito configurará erro de julgamento por não ter sido relevada factualidade atinente à instrução do pedido de reembolso e à própria fixação do dies a quo do direito a juros indemnizatórios.

Sendo certo que, no caso vertente, conforme resulta da matéria de facto aditada o Tribunal ad quem, no âmbito dos seus poderes de cognição e por os elementos documentais constarem no Processo Administrativo apenso, aditou a matéria constante nas alíneas h) a n), delas resultando, designadamente, factualidade relacionada com o pedido de esclarecimentos e junção de documentação relevante para apreciação do pedido de reembolso retido. E por assim ser improcede o alegado deficit instrutório e violação do inquisitório.

De relevar, neste particular, que a análise da questão inerente à instrução do pedido de reembolso e a concreta aferição de esclarecimentos adicionais em nada poderá configurar uma questão nova -conforme parece defender a sociedade Recorrida na conclusão 22 das contra-alegações -desde logo, por se configurar como uma questão de direito que radica no próprio reconhecimento do direito a juros indemnizatórios e concreta subsunção normativa da questão.

Aqui chegados, ultrapassada qualquer questão inerente à insuficiência da matéria de facto assente, vejamos, então, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, considerando para o efeito a matéria de facto, ora, aditada e corrigida.

Para o efeito, importa, então, indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao condenar a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, competindo aferir se a questão de facto se subsumia no artigo 57.º, n º1 da LGT que à data fixava o prazo geral de 6 meses para conclusão dos procedimentos tributários conforme entendeu o Tribunal a quo, ou assim não se entendendo qual o normativo aplicável, de que forma e com que abrangência.

Vejamos, então.

A Recorrente alega que o prazo constante no artigo 57.º da LGT não é aplicável ao caso dos autos, sendo manifestamente insuficiente para o procedimento em causa, já que o legislador, tal como consta da redação introduzida pelo (artigo 90.ºA do CIRC), dada pelo Decreto-Lei n.º 2011/2005 de 07/12, em vigor apenas em 01 de janeiro de 2006, entendeu que para analisar um pedido de reembolso, será necessário pelo menos o prazo de um ano.

Mais sustenta que, à data não existia um prazo para o procedimento em concreto relativo ao reembolso de não residentes ao abrigo da Diretiva, portanto sendo a LGT uma lei fiscal basilar que precisa de ser conformada por lei ordinária, cabe ao legislador dizer como e qual o modo como deverá será concretizada.

A Recorrida contra-alega defendendo que, in casu, se verificam as condições e requisitos previstos no artigo 43.º da LGT, competindo à Recorrente o reembolso de quantias indevidamente retidas, de forma atempada e razoavelmente célere, o que não fez.

Densifica para o efeito que a Recorrida apresentou em 18 de abril de 2005, um pedido de reembolso de IRC retido, sendo que à data inexistia norma expressa quanto ao prazo para a AT proceder ao reembolso. De todo o modo, defende que nessa data já o nº 1, do artigo 57.º da LGT fixava um prazo genérico de 6 meses para a conclusão dos procedimentos tributários em geral, nos quais, necessariamente, se terá que incluir o procedimento do reembolso de imposto.

Acresce que à data em que o nº 6, do artigo 90.ºA do CIRC entrou em vigor já a Administração Tributária se encontrava em incumprimento do prazo para proceder ao reembolso que estava legalmente obrigada.

Conclui, a final, que o Tribunal a quo fez uma aplicação judiciosa do direito ao reconhecer o direito a juros.

Apreciando.

A decisão recorrida reconheceu o direito a juros indemnizatórios entendendo aplicável o prazo de procedimento tributário contemplado no artigo 57.º da LGT, ponderando para o efeito que “[n]ão obstante o CIRC, à data em que foi efectuado o pedido de reembolso (18/04/2005), não prever especificamente um prazo para o procedimento, já se encontrava à data, em vigor o artigo 57.º, n.º1 da LGT que fixava o prazo geral de 6 meses para conclusão dos procedimentos tributários, em geral, nos quais se inclui o procedimento de reembolso.

Assim e, atendendo ao prazo genérico fixado à data para a conclusão do procedimento tributário, bem como a jurisprudência, supra citado, no sentido de que nas restituições do imposto pago por retenção na fonte em excesso, também há, necessariamente, um pagamento indevido, julga-se ser plenamente aplicável in casu o disposto na alínea a), do n.º1 do artigo 43.º da LGT.”

Concluindo, assim, que “assiste, ao ora Impugnante o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, contabilizados a partir de 18/04/2006 (conforme peticionado) e não a partir de 18/10/2005 (data em que foram ultrapassados os 6 meses do procedimento de reembolso, nos termos supra descritos, porquanto o Tribunal não pode condenar para além do pedido) até à data em que o Impugnante foi ressarcido (07/02/2008).”

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o artigo 43.º da LGT, sob a epígrafe de “Pagamento indevido da prestação tributária”, e com a redação à data dos factos, o qual estatuía que:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.” (sublinhados nossos).

Importa, desde já, referir que quanto à alínea a), do n.º 3. do artigo 43.º da LGT, ora relevante e aplicável no caso dos autos, entende a doutrina que estarão aqui contemplados os casos de retenção na fonte de imposto ou de pagamentos por conta do imposto a pagar a final, assim como o não cumprimento do prazo de reembolso de IVA, quando não efetuados no prazo legal. (7) ..

Nessa medida, tendo em consideração o recorte fáctico dos autos, verifica-se que o reembolso do imposto retido na fonte pela B......................, LDA relativamente a lucros colocados à disposição da B............................, ora Recorrida, é suscetível de enquadramento no citado normativo.

Aqui chegados, importa, então, apurar qual o prazo de restituição oficiosa do tributo em causa.

Como visto, o Tribunal a quo entendeu que tendo sido apresentado um pedido de reembolso de imposto retido na fonte e inexistindo qualquer prazo estipulado na lei para o seu reembolso, ter-se-ia de recorrer ao prazo de procedimento consignado no preceito legal 57.º da LGT. Entendemos, porém, que não fez a melhor leitura do regime jurídico à data da prática dos factos tributários.

Senão vejamos.

Neste particular, importa chamar à colação o disposto no artigo 57.º da LGT sob a epígrafe de “prazos”, com a redação anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, o qual preceituava que:

“1 - O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de seis meses, devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de atos inúteis ou dilatórios.

2 - Os atos do procedimento tributário devem ser praticados no prazo de 10 dias, salvo disposição legal em sentido contrário.

3 - No procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil.

4 - Os prazos referidos no presente artigo suspendem-se no caso de a dilação do procedimento ser imputável ao sujeito passivo por incumprimento dos seus deveres de cooperação.

5 - Sem prejuízo do princípio da celeridade e diligência, o incumprimento do prazo referido no n.º 1, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.”

Ora, do teor do citado preceito legal concatenado com o artigo 56.º do mesmo diploma legal resulta que impende sobre a Administração Tributária dever de decisão desde que não tenha existido pronúncia há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objeto e fundamentos e quando tiver sido ultrapassado o prazo legal de revisão do ato tributário , sendo certo que em caso de incumprimento do dever de decisão se presume o indeferimento da pretensão por forma a permitir que o interessado possa reagir graciosa ou contenciosamente.

A ratio legis subjacente ao citado normativo prende-se com o princípio constitucionalmente consagrado da boa administração (artigo 267.º da CRP) e com razões de celeridade enquanto emanação deste, não se afigurando que o mesmo esteja construído para situações de ultrapassagem dos prazos de restituição oficiosa do imposto.

Ademais, o artigo 57.º, nº1 da LGT só é de aplicar se não existir disposição que preveja um prazo distinto, o que não se verifica no caso dos autos.

Contrariamente ao evidenciado pelo Tribunal a quo existia norma jurídica que regulamentava tal situação fática, concretamente o artigo 89.º do CIRC. É certo que o Impugnante na sua p.i. sempre convocou o artigo 90ºA, nº6 do CIRC, e é igualmente certo que o Tribunal a quo o analisa com base no artigo 57.º da LGT, contudo tal em nada baliza o Tribunal ad quem visto que não está vinculado à alegação das partes quanto à concreta enunciação e qualificação jurídica.

Mas atentemos, então, com o devido pormenor.

Do recorte probatório dos autos, verificamos que:

Em 18 de abril de 2005, a Recorrida apresentou, ao abrigo dos artigos 89.º do CIRC e de acordo com a Diretiva do Conselho 90/435/CEE, de 23 de julho, pedido de reembolso de imposto retido na fonte pela B....................., LDA relativamente a lucros colocados à disposição da B......................., ora Recorrida, tendo, nessa sequência, em 17 de março de 2006 sido solicitados esclarecimentos adicionais e a apresentação de documentos que se reputavam idóneos para o efeito, o que foi satisfeito, em 06 de abril de 2006.

Mais resulta assente que o deferimento assentou no cumprimento integral dos requisitos contemplados na Diretiva 90/435/CEE, convocando de forma expressa o disposto no nº2 do artigo 89.º do CIRC, o qual foi materializado mediante a emissão de cheque no valor de €88.071,62, datado de 15 de janeiro de 2008, rececionado a 07 de fevereiro de 2008.

Ora, em face do supra aludido dimana inequívoco que o pedido de reembolso foi efetuado à luz do citado artigo 89.º do CIRC e foi com base nesse normativo que o mesmo foi deferido, pelo que será atentando na sua estatuição que se terá de cotejar, necessariamente, o prazo consignado para esse reembolso. Note-se que, in casu, está em causa o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios e o seu concreto cômputo e não a legalidade do próprio reembolso, a qual, conforme dimana do probatório, se encontrada firmada na ordem jurídica.

Conforme resulta da alínea j) da factualidade assente (alínea, ora, aditada), a Administração Tributária delimitou a questão da seguinte forma: “[a] questão subjacente ao presente requerimento prende-se com a aplicação das normas da Directiva nº 90/435/CEE, segundo a qual os dividendos distribuídos por uma sociedade filha (B.................... LDA” à sociedade mãe (B.............), ficam dispensados de retenção na fonte de imposto no Estado de origem, desde que verificados determinados pressupostos.

Mais concretizando, para o efeito, que “[o] nº2 do artigo 89.º do CIRC, no caso de haver de distribuição de dividendos de sociedades filhas a sociedades mães durante o decurso do período de dois anos, determina que pode haver lugar ao reembolso do imposto logo que decorra esse período de detenção, desde que seja feita prova de que estão efetivamente reunidas as condições do artigo 2º da Directiva 90/435/CEE e dos demais requisitos exigidos.

Concluindo, assim, que estavam “[r]eunidas as condições para que possa ser autorizado o reembolso do IRC requerido. (…)”.

Resulta, assim, que a Administração Tributária tendo por referência esse enquadramento e perante os factos apurados, concluiu que a Recorrida reunia os requisitos que legalmente se mostravam exigíveis ao reembolso do imposto retido ao abrigo do artigo 89.º, números 1 e 2 do CIRC.

Nessa medida, ter-se-á de aquilatar qual a data em que deveria ter sido restituído o imposto retido, convocando, para o efeito, o artigo 89.º, nº3 do CIRC segundo o qual “a restituição deve ser efetuada até ao fim do 3.º mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e requisitos legalmente exigidos e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado”.

Mais importa sublinhar e enfatizar que tal é a base legal que resulta expressa do parecer que sancionou a informação instrutora e fundamentou o deferimento do reembolso peticionado, no qual é expressamente evidenciado que “Para efeitos do disposto no nº3 do artigo 89.º do CIR, o prazo termina no próximo dia 31 de Julho de 2006”. (8)

Ora, em face do citado preceito legal verifica-se que o prazo de restituição do imposto retido na fonte deveria de ocorrer até ao fim do terceiro mês imediato ao da apresentação dos elementos e informações indispensáveis à comprovação das condições e requisitos legalmente exigidos.

Regressemos, ora, ao recorte fático dos autos.

No caso sub judice, tendo a Recorrida, a 06 de abril de 2006, apresentado a documentação solicitada e prestado os esclarecimentos adicionais requeridos no processo de reembolso, dimana inequívoco que o prazo de restituição oficiosa expirou em 31 de julho de 2006, prazo esse em total consonância com o evidenciado no parecer do Chefe de Divisão e melhor evidenciado na alínea k), ora, aditada.

Nessa medida, tendo a Recorrida apenas sido reembolsada em 07 de fevereiro de 2008, verifica-se que, efetivamente, foi ultrapassado o prazo legal consignado na lei para efeitos de restituição do imposto, existindo, assim, direito a juros indemnizatórios uma vez que a Recorrida foi privada, de forma indevida, de meios financeiros por atraso na restituição de reembolsos devidos.

Com efeito, este tipo de juros tem natureza indemnizatória, sendo que o dever do seu pagamento radica da responsabilidade civil da Administração pela prática de atos ilícitos (art.º 483.º do Código Civil), designadamente da privação indevida de capital por período ou o atraso na restituição de reembolsos, e constitucionalmente consagrada no artigo 22.º da CRP. Resultando, outrossim, do próprio artigo 100.º da LGT, a obrigação da reconstituição da situação ex ante por parte da Administração Tributária.

Em face do exposto, a Recorrida tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios conforme reconhecido pelo Tribunal a quo, ainda que com fundamentação distinta da preconizada pela 1ª instância desde 01 de agosto de 2006 a 07 de fevereiro de 2008, calculados sobre a quantia de €88.071,62.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência revogar parcialmente a sentença recorrida, quanto ao segmento relativo ao dies a quo do reconhecimento a juros indemnizatórios o qual se fixa em 01 de agosto de 2006 e não no dia 18 de abril de 2006, mantendo-se quanto ao demais.

Custas a cargo da Recorrente e da Recorrida, nos termos do constatado decaimento, o qual se fixa na percentagem de 84% e 16%, respetivamente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 08 de maio de 2019

(PATRÍCIA MANUEL PIRES)

( VITAL LOPES)

(JOAQUIM CONDESSO)

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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(2) Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 0161/14, de 09 de abril de 2014 e demais jurisprudência nele citada..

(3) Vide Acórdão do STA, proferido n.º 01549/13, com data de 18 de junho de 2014..

(4) Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.

(5) Neste sentido vide Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01223/16, de 18 de janeiro de 2017..

(6) cfr. os Acórdãos do STA de 11 de dezembro de 2002, proc. n° 46283; de 8 de outubro de 2003, proc. n° 525/03; de 12 de novembro de 2003, proc. n°1237/03; de 14 de janeiro de 2004, proc. n° 1698/04 ; de 6 de outubro de 2005, proc. n° 607/05; de 17 de outubro de 2012, proc. nº 0295/12, bem como o de 16 de outubro de 2013 (Pleno)..

(7) vide neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotação ao artigo 61.º do CPPT, 6ª edição: Áreas editora, página 541 JOSÉ MARIA PIRES, etal, LGT Comentada e Anotada, em anotação ao art.º 43º da LGT, Almedina,2015, pág. 372

(8) Enquanto subsídio meramente interpretativo, sublinhe-se que esta é a posição que se encontra vertida nas Instruções Administrativas, designadamente, no Oficio-Circulado n.º 020 095/2004,de 04 de agosto, do qual resulta menção expressa ao prazo estipulado no n.º 3 do artigo 89.º do CIRC.