Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05971/12
Secção:CT . 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/12/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
ARTº.2, Nº.3, AL.E), DO C.I.R.S.
INDEMNIZAÇÕES PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
ARTº.2, Nº.4, DO C.I.R.S.
CONCEITO DE ANTIGUIDADE.
Sumário:1. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
2. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.
3. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
4. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.
5. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.
6. Os fundamentos do recurso não versam exclusivamente matéria de direito quando o recorrente questiona as ilações que o Tribunal “a quo” retira da factualidade provada (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Ora, em tais conclusões a recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação.
7. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
8. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.).
9. Nos termos do artº.2, nº.3, al.e), do C.I.R.S., o legislador considera rendimentos do trabalho dependente quaisquer indemnizações resultantes, além do mais, da extinção da relação jurídica que origine os mesmos rendimentos do trabalho dependente. Tais indemnizações pela cessação do contrato de trabalho não se enquadram no conceito de remuneração, embora recebam enquadramento expresso enquanto rendimentos do trabalho passíveis de tributação, nos termos consagrados no nº.4, do mesmo preceito.
10. Da exegese do artº.2, nº.4, do C.I.R.S., deve concluir-se que nos casos de recebimento de indemnizações por extinção do contrato de trabalho ou outros contratos que originem rendimentos tributáveis na categoria A do I.R.S., a lei consagra uma não sujeição a imposto (delimitação negativa da incidência objectiva do I.R.S. em sede de categoria A) ainda que com um limite máximo. O limite da não sujeição é o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos, ou fracção, de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.
11. Não resultando da norma sob exame (cfr.artº.2, nº.4, do C.I.R.S.) que o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de I.R.S.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.170 a 180 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelo recorrido, A..., tendo por objecto liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2007 e no montante total de € 25.713,23.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.193 a 197 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos submetidos à sua apreciação e consequentemente uma errada interpretação do direito aplicável;
2-O artº.2, nº.4, do Código de I.R.S., mostra-se muito claro relativamente à situação em apreço, na verdade e atentos os factos dados como provados na douta sentença recorrida, o impugnante, no que respeita à entidade devedora, apenas tinha direito a uma indemnização correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações fixas sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado por dois;
3-Na situação analisada no douto acórdão do TCAS referido na douta sentença ora recorrida, o trabalhador foi como que “obrigado” a rescindir um contrato e no mesmo acto a celebrar um contrato com outra entidade patronal, uma vez que devido a uma reestruturação das empresas em causas o trabalho desenvolvido pela anterior entidade patronal iria passar a ser desenvolvido por outra, havendo assim uma continuidade nos dois contratos, estamos neste caso perante uma situação idêntica a um “trespasse”;
4-No caso em apreço nos presentes autos, o impugnante fez cessar o seu contrato de trabalho com a anterior entidade patronal, para constituir um novo vínculo laboral com uma terceira entidade completamente diferente;
5-Aliás, entre as duas empresas não existia qualquer similitude, sendo que a primeira operava na área do sector automóvel e a segunda no ramo da farmacêutica, não existindo qualquer relação económica/especial entre as mesmas;
6-Pelo que, os valores auferidos pelo impugnante a titulo de indemnização, mais não são que uma compensação financeira por ter rescindido o contrato de trabalho que tinha com a anterior entidade patronal, sendo que, a não sujeição de tal compensação a I.R.S. viola o disposto no artº.2, nº.4, do C.I.R.S.;
7-Se atendermos a toda a legislação laboral, no que respeita à antiguidade, e tendo em conta o disposto no artº.9, do Código Civil, a mesma afere-se pelo número de anos ou fracção que o trabalhador exerceu funções para uma determinada entidade patronal;
8-Encontrando-se bem patente este entendimento, na necessidade que o legislador teve em regulamentar as situações em que as entidades patronais faziam cessar os contratos de trabalho e voltavam a readmitir os trabalhadores, quer nos seus quadros, quer no de empresas com as quais tinham relações especiais para diminuir o tempo de antiguidade;
9-Face ao exposto, salvo o devido respeito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada análise dos factos submetidos à sua apreciação e consequentemente uma errada interpretação do direito aplicável, violando o disposto no artº.2, nº.4, do C.I.R.S.;
10-Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.225 a 248 dos autos), sustentando nas Conclusões o seguinte:
1-A alínea A) da matéria de facto considerada provada na douta sentença recorrida contém um mero lapso de escrita, uma vez que o contrato de trabalho aí mencionado foi celebrado em 01/09/1994 (e não em 01/09/2004);
2-O conceito de antiguidade a considerar para efeitos do nº.4, do artº.2, do Código do I.R.S., é o conceito laboral de antiguidade, o qual compreende a antiguidade fixada por lei, por IRCT ou por contrato individual de trabalho;
3-O recorrido logrou negociar uma cláusula no contrato de trabalho celebrado com a “B...” através da qual a antiguidade a ter em consideração para todos os efeitos legais abrange, não só a antiguidade junto desta empresa, mas também os anos decorridos junto do anterior empregador;
4-É esta antiguidade que, sendo juridicamente válida no Direito Laboral, deverá ser também tida em conta para efeitos da exclusão de tributação prevista no nº.4, do artº.2, do Código do I.R.S.;
5-Andou bem a sentença recorrida ao considerar, na esteira da jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo e, bem assim, do Tribunal Central Administrativo Norte, que o conceito de antiguidade previsto no nº.4, do artº.2, do Código do I.R.S., é o conceito laboral de antiguidade, por força do nº.2, do artº.11, da L.G.T.;
6-Não se figura também que haja “in casu” uma qualquer situação de (ainda que potencial) evasão fiscal, pois que o recorrido apenas pretendeu manter a antiguidade que já possuía junto da anterior entidade empregadora;
7-As mesmas razões que permitem ao trabalhador manter a antiguidade que possuía junto do anterior empregador, para efeitos de Direito Laboral, justificam que essa antiguidade releve também para efeitos fiscais, ficando o trabalhador com os mesmos direitos (laborais e fiscais) que possuía caso não tivesse mudado de emprego;
8-Assim, reconhecendo a Exma. RFP que o conceito de antiguidade a tomar em consideração é o conceito laboral de antiguidade, e não logrando demonstrar qualquer razão justificativa para uma interpretação restritiva, no presente caso, deste conceito no âmbito tributário, deverão, retirar-se todas as consequências da cláusula licitamente aposta ao contrato de trabalho celebrado entre o recorrido e a “B...”;
9-Não está em causa uma “isenção fiscal” ou de um qualquer “benefício fiscal”, mas de uma exclusão de tributação - ou seja, de uma não incidência de imposto - pelo que não tem aplicação a tese da interpretação restritiva dos benefícios fiscais;
10-Deverá, pois, reconhecer-se, como fez a douta sentença recorrida, que se está perante uma compensação excluída de tributação à luz do nº.4, do artº.2, do Código do I.R.S., não merecendo qualquer censura a actuação do recorrido e não sendo de modo algum procedente a argumentação da Administração Tributária;
11-Nestes termos, e com o doutro suprimento de V. Exas., não deverá ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, porque correcta do ponto de vista dos factos e do Direito.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.260 dos autos), mais tendo suscitado a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, dado que o recurso deduzido apenas abarca matéria de direito.
Notificadas as partes da excepção alegada, veio o recorrente apresentar requerimento aduzindo que se proceder a mesma excepção, desde já se requer a remessa do processo ao Tribunal competente (cfr.fls.269 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.271 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.171 a 174 dos autos):
1-No dia 1/09/1994, o impugnante celebrou um contrato de trabalho com a sociedade comercial denominada “C...de Portugal, S.A.” (cfr.documento junto à p.i. sob o nº.1, a fls.26 a 28 dos presentes autos);
2-No dia 22/05/2003, a sociedade “D...Portugal, Comércio e Indústria de Veículos, Lda.” (anteriormente designada “C...de Portugal, S.A.”) contratou o impugnante, para que este exercesse funções inerentes à categoria profissional de Chefe de Divisão prevista no Instrumento de Regulamentação de trabalho aplicável - C.C.T.V. para o sector automóvel (cfr.documento junto à p.i. sob o nº.2, a fls.29 a 31 dos presentes autos);
3-De acordo com a cláusula 3ª. do sobredito contrato:

“1.O presente contrato produzirá os seus efeitos na data de início da efectiva prestação de trabalho por parte do SEGUNDO OUTORGANTE, a qual se verificará no dia 15 de Julho de 2003. Para os devidos efeitos legais, nomeadamente em sede de cessação do presente contrato de trabalho, a D...PORTUGAL reconhece ao SEGUNDO OUTORGANTE, à data de início da efectiva prestação de trabalho, uma antiguidade na empresa equivalente a 6(seis) anos.
(...)
3.Em caso de extinção do presente contrato de trabalho por qualquer motivo ou fundamento, será respeitada para qualquer efeito legal a antiguidade, na Empresa reconhecida ao SEGUNDO OUTORGANTE no nº.1 da presente cláusula.”
(cfr.documento junto à p.i. sob o nº.2, a fls.29 a 31 dos presentes autos);

4-No dia 20/06/2006, o impugnante celebrou com a sociedade comercial denominada “B... - Produtos Farmacêuticos, S.A.” um contrato de trabalho em cuja cláusula 1ª. ficou estipulado:
“ (…)
2.Para efeitos do presente contrato, as partes acordam em considerar a retroacção dos efeitos do contrato à data de Junho de 1996, considerando-se para todos os efeitos legais a antiguidade do trabalhador na Entidade Empregadora como reportando-se a essa data.”
(cfr.documento junto à p.i. sob o nº.3, a fls.32 a 39 dos presentes autos);

5-Com data de 18/01/2007, a “B... - Produtos Farmacêuticos, S.A.”, dirigiu ao impugnante, uma carta com o seguinte teor:

“Nos termos e para os efeitos do artigo 105° do Código do Trabalho, vimos proceder à denúncia do contrato de trabalho por nós celebrado em 20 de Junho de 2006, a qual é operada ainda durante o respectivo período experimental, o qual, face às funções desempenhadas, corresponde a 240 dias, cfr. artigo 107°, alínea c) do Código do Trabalho.
A supra citada denúncia do contrato produzirá efeitos no próximo dia 26 de Janeiro de 2007.”
(cfr.documento junto à p.i. sob o nº.4, a fls.40 dos presentes autos);

6-No dia 26/01/2007, a “B... - Produtos Farmacêuticos, S.A.” emitiu em nome do impugnante o recibo de remuneração nº.00034 no valor líquido total de € 107,486.00, integrando este a verba a título de “IND.CESS.CONT.TRABALHO” no montante de € 95.000.00 (cfr.documento junto a fls.42 dos presentes autos);
7-No dia 26/01/2007, o impugnante assinou a declaração de quitação, na qual declara ter recebido da “B... - Produtos Farmacêuticos, S.A.”, a quantia, líquida de impostos, de € 107.486,00, a título de compensação pecuniária de natureza global, na qual se incluem e liquidam todos os créditos vencidos à data da cessação do seu contrato de trabalho (cfr.documento junto à p.i. sob o nº.5, a fls.41 dos presentes autos);
8-No dia 26/05/2008, o impugnante apresentou a declaração mod. 3 de I.R.S., referente aos rendimentos auferidos no ano de 2007, da qual faz parte entre outros, um anexo “A” no qual inscreveu o montante de € 99.507,98 a título de rendimento bruto de trabalho dependente (cfr.documento junto a fls.95 a 102 do processo administrativo apenso);
9-Com base nos valores inscritos na declaração de rendimentos a que alude o nº.8 do probatório, foi emitida a liquidação de IRS nº. 2008 3364157 na qual foi apurado reembolso na importância de € 2.173,53 (cfr.documento junto a fls.103 a 107 do processo administrativo apenso);
10-A Administração Fiscal levou a efeito uma acção de inspecção ao impugnante, com referência ao ano de 2007, de âmbito parcial, na sequência de acção à sociedade “B... - Produtos Farmacêuticos S.A.” (cfr.documento junto a fls.109 a 119 do processo administrativo apenso);
11-A acção de inspecção a que alude o nº.10 do probatório culminou com a elaboração do Relatório de Inspecção Tributária do qual se destaca:

“III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTO DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1- IRS - Correcções à matéria tributável
No exercício de 2007, o sujeito passivo, (...) recebeu uma indemnização, por cessação de contrato de trabalho, da empresa B... Produtos Farmacêuticos, SA NIPC 501 316 825, no montante de € 95.000,00 (Anexo 1 - cópia recibo de remunerações), sem que esta tenha procedido ao cálculo do montante sujeito a retenção na fonte nos termos do nº.4 do artº.2° do CIRS e à respectiva retenção e entrega do imposto nos termos do n.°1 do art.99° do mesmo preceito legal.
Cálculo do montante de indemnização sujeito a imposto:
- Cálculo do limite nos termos do n.°4 do art. 2°do CIRS
Limite a excluir de tributação = l,5*N* Trr/12
= 1,5*2* (€ 95.000,00* 14)/12 = € 33.250,00
Sendo que:
N - Número de anos ou fracção ao serviço da empresa arredondado por excesso para número inteiro.
Trr - Total de remunerações regulares com carácter de retribuição nos últimos 12 meses.
- Valor sujeito a imposto = Valor pago de indemnização - limite nos termos do n.°4 do art. 2° = € 95.000,00 - € 33.250.00 = € 61.750,00

Concluindo, o valor de € 61.750,00 está sujeito a imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, nos termos do n.°4 do art.2° e art.º 103° do CIRS.”
(documento junto a fls.109 a 119 do processo administrativo apenso);

12-No dia 21/05/2010, a Administração Fiscal emitiu a liquidação adicional de IRS nº. 5002879968 no montante de € 25.713,23, sendo € 23.743,93 a título de I.R.S. e € 1.969,30 a título de Juros Compensatórios (cfr.documento junto à p.i. sob o nº.7, a fls.79 a 81 dos presentes autos);
13-No dia 6/09/2010, o impugnante prestou a garantia nº.22631 do “Barclays Bank PLC” no montante de € 35.722,63 no âmbito do processo de execução fiscal nº. 1503-2010/112688.1 referente ao montante aposto na liquidação a que alude o nº.12 do probatório (cfr.documento junto à p.i. sob o nº.8, a fls.82 a 87 dos presentes autos);
14-A petição inicial que originou os presentes autos foi remetida a Tribunal em 30/09/2010, por correio registado (cfr.data aposto a fls.2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com interesse para a decisão…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal fundou-se no teor dos documentos constantes dos presentes autos, informações oficiais, na posição das partes vertida nos respectivos articulados…”.
X
Considera-se um lapso material manifesto a data inserta na alínea A) da matéria de facto constante da douta sentença recorrida (1/9/2004), a qual já foi alterada para “1/9/1994”, no nº.1 da matéria de facto provada supra exarada, dado ser esta a data correcta de celebração do contrato (cfr.artº.667, do C.P.Civil; artº.249, do C.Civil).
Igual considerando quanto à data inserta na alínea B) da matéria de facto constante da douta sentença recorrida (22/5/2005), a qual já foi alterada para “22/5/2003”, no nº.2 da matéria de facto provada supra exarada, dado ser esta a data correcta de celebração do contrato (cfr.artº.667, do C.P.Civil; artº.249, do C.Civil).
Recorde-se que o conteúdo destes números da matéria de facto não é impugnado pela recorrente.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do que anulou a liquidação adicional de I.R.S., relativa ao ano de 2007 e identificada no nº.12 do probatório, mais tendo condenado a A. Fiscal no pedido de pagamento de indemnização em virtude de garantia bancária indevidamente prestada (cfr.nº.13 da factualidade provada).
X
Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência do Tribunal, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário.
Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.685-C, nº.5, do C. P. Civil (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pelo M.P. junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, que se consubstancia na incompetência do T.C.A. “ad quem” em razão da hierarquia.
A competência do tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.213).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. se deve concluir que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o S.T.A., quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos, se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar da mesma factualidade provada (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul, 8/5/2012, proc.3180/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.213 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões do recurso explanadas supra, a Fazenda Pública, além do mais, questiona as ilações que o Tribunal “a quo” retira da factualidade provada (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso).
Ora, em tais conclusões a recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal (em razão da hierarquia), aduzida pelo Digno Magistrado do M.P.
X
Passemos à apreciação do fundamento do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que se atendermos a toda a legislação laboral, no que respeita à antiguidade, e tendo em conta o disposto no artº.9, do Código Civil, a mesma afere-se pelo número de anos ou fracção que o trabalhador exerceu funções para uma determinada entidade patronal. Encontrando-se bem patente este entendimento, na necessidade que o legislador teve em regulamentar as situações em que as entidades patronais faziam cessar os contratos de trabalho e voltavam a readmitir os trabalhadores, quer nos seus quadros, quer no de empresas com as quais tinham relações especiais para diminuir o tempo de antiguidade. Que o artº.2, nº.4, do Código de I.R.S., se mostra muito claro relativamente à situação em apreço. Na verdade e atentos os factos dados como provados na douta sentença recorrida, o impugnante, no que respeita à entidade devedora, apenas tinha direito a uma indemnização correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações fixas sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado por dois. Que os valores auferidos pelo impugnante a titulo de indemnização, mais não são que uma compensação financeira por ter rescindido o contrato de trabalho que tinha com a anterior entidade patronal, sendo que, a não sujeição de tal compensação a I.R.S. viola o disposto no artº.2, nº.4, do C.I.R.S. Que a sentença recorrida fez uma errada análise dos factos submetidos à sua apreciação e consequentemente uma errada interpretação do direito aplicável, violando o disposto no artº.2, nº.4, do C.I.R.S. (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
“In casu”, o impugnante/recorrido defende que na indemnização por cessação de contrato de trabalho por si auferida (cfr.nº.6 do probatório), se deve levar em consideração a antiguidade consagrada no contrato de trabalho que celebrou com a entidade patronal (cfr.nº.4 do probatório), para efeitos de enquadramento na norma de incidência que é o artº.2, nº.4, do C.I.R.S., assim não existindo fundamento para a estruturação da liquidação de I.R.S. efectuada pela Fazenda Pública.
Pelo contrário, a A. Fiscal baseia a liquidação objecto do presente processo no pressuposto de que na indemnização auferida pelo recorrido em virtude da cessação do contrato de trabalho que celebrou com a sociedade “B... - Produtos Farmacêuticos, S.A.”, apenas se pode levar em consideração a antiguidade de dois anos relativa ao tempo de trabalho junto da mesma entidade empregadora (no caso meras fracções que são arredondadas para o nº. inteiro), tudo para efeitos de enquadramento na norma de incidência constante do citado artº.2, nº.4, do C.I.R.S., assim tendo procedido à alteração, para mais, do rendimento declarado pelo recorrido em sede de I.R.S. do ano de 2007, no montante de € 61.750,00, quantia sujeita a tributação ao abrigo do mencionado preceito (cfr.nº.11 do probatório).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Concretamente, nos termos do artº.2, nº.3, al.e), do C.I.R.S., o legislador considera rendimentos do trabalho dependente quaisquer indemnizações resultantes, além do mais, da extinção da relação jurídica que origine os mesmos rendimentos do trabalho dependente. Tais indemnizações pela cessação do contrato de trabalho não se enquadram no conceito de remuneração, embora recebam enquadramento expresso enquanto rendimentos do trabalho passíveis de tributação, nos termos consagrados no nº.4, do mesmo preceito (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.131; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.55 e seg.).
No exame do presente recurso deve, portanto, levar-se em consideração o artº.2, nº.4, do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2007, a aplicável ao caso “sub judice”, a qual tinha a seguinte redacção:
ARTIGO 2.º
(Rendimentos da categoria A)
(…)
4 – Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº.1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor, administrador ou gerente de pessoa colectiva, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação na parte que exceda o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.
(…)

É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Da exegese do artº.2, nº.4, do C.I.R.S., deve concluir-se que nos casos de recebimento de indemnizações por extinção do contrato de trabalho ou outros contratos que originem rendimentos tributáveis na categoria A do I.R.S., a lei consagra uma não sujeição a imposto (delimitação negativa da incidência objectiva do I.R.S. em sede de categoria A) ainda que com um limite máximo. O limite da não sujeição é o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos, ou fracção, de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora (cfr. ac.T.C.A.Sul, 21/9/2010, proc.3748/10; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.56).
Não tendo o legislador fiscal definido para este efeito, o conceito de antiguidade do trabalhador, temos de nos socorrer do conteúdo desse conceito tal como vigora no direito laboral, sabido que constitui doutrina corrente (actualmente consagrada no artº.11, da L.G.T.) que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmo ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
O direito laboral prevê um conceito amplo de antiguidade ao permitir que seja tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutras entidades patronais, por forma a que ele seja admitido sem prejuízo da antiguidade ali adquirida, pois que tal não é proibido nem pela lei (cfr.v.g.artºs.129, nº.1, al.j), e 396, do Código do Trabalho) nem pelos princípios da boa fé, sendo uma prática atendida nalguns Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho e nos usos da profissão do trabalho e das empresas.
Pelo que, assenta a questão controvertida no problema de saber qual a antiguidade a ter em conta no caso de ter sido estabelecida entre a entidade patronal e o trabalhador uma antiguidade anterior à da admissão na empresa, cumprindo, antes de mais, esclarecer que, tal como parece unânime no direito laboral, são três as fontes que poderão estabelecer essa antiguidade, a saber (tendo por pano de fundo o princípio da liberdade contratual - cfr.artº.405, do C.Civil):
1-A Lei;
2-O Contrato Individual de Trabalho;
3-Os Instrumentos de Regulação Colectiva de Trabalho.
Não resultando da norma sob exame (cfr.artº.2, nº.4, do C.I.R.S.) que o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul, 11/5/2004, proc.6002/01; ac.T.C.A.Sul, 21/9/2010, proc.3748/10).
Voltando ao caso concreto, estipulando-se no próprio contrato de trabalho do impugnante/recorrido que o tempo de serviço se reporta a data anterior à celebração do próprio acordo contratual (cfr.nº.4 do probatório) e conta para efeitos de antiguidade, esta não pode ser posteriormente restringida, para efeitos indemnizatórios, ao tempo de serviço prestado por conta do empregador.
Assim sendo, o impugnante/recorrido tem direito a ver excluído de tributação uma quantia dos rendimentos que lhe advieram da cessação da relação laboral calculada com base na sua antiguidade, reportada a Junho de 1996, assistindo-lhe razão na pretensão de ver reconhecida a ilegalidade da liquidação que não teve em conta esse facto.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, embora com a actual fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 12 de Março de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)


(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto) -Vencido.
Embora concorde com a tese que fez vencimento, tendo aliás, como adjunto subscrito o Ac. TCAS de 21.9.2010 acima citado, nesta situação concreta, promoveria a ampliação da matéria de facto para esclarecer se o impugnante recebeu ou não compensação pela cessação do primeiro contrato, anulando, em conformidade, oficiosamente (art. 712.º n.º 4 COC) a Sentença recorrida.