Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:262/10.5BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
VALOR DE PRÉDIO
VALOR DE MERCADO
INIMPUGNABILIDADE
VPT
Sumário:
I. A omissão do procedimento previsto no art.º 129.º do CIRC determina a inimpugnabilidade do ato tributário quanto às correções previstas no art.º 58.º-A do mesmo Código.

II. Não obstante o VPT ter impacto, designadamente, em sede de tributação do rendimento das pessoas coletivas, a sua fixação é feita em procedimento tributário próprio, no âmbito do qual os intervenientes que dele sejam notificados devem reagir.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

S....., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 16.07.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, na qual foi julgada procedente exceção da inimpugnabilidade do ato, com a consequente absolvição da Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) da instância, na impugnação apresentada pela primeira, que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) atinente ao exercício de 2007.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

1. Não é verdade tal como consta em 1. E em 2. do Relatório da Sentença em crise que a impugnante, notificada que foi da contestação para querendo, responder à excepção de extemporaneidade da impugnação, alegada pela fazenda pública, nada tenha dito, porquanto, em 5 de Abril de 2011, via email, foi junto aos autos a competente resposta à referida excepçao, concluindo-se pela oportunidade da impugnação e assim, pelo prosseguimento dos autos, pelo que nesta matéria deverá a sentença recorrida ser corrigida.

2. A sentença recorrida, descurou factos que, constando de documentos não impugnados, deverão ser dados como provados, não esgotou os mecanismos de prova requeridos para aferir da verdade substancial e não se pronunciou acerca de todas as questões de direito alegados pela então impugnante na sua p.i.

3. Não foi, pois, dada qualquer relevância aos factos constantes dos documentos juntos à p.i, que não tendo sido impugnados - e muitos deles constam do PA – contribuiriam em muito para o conhecimento da verdade substancial, para a defesa do impugnante e, no que mais importa, para a boa decisão da causa.

4. Com efeito, dando como provado o constante em A, do ponto 3.11 da Fundamentação, dever-se-á, considerar igualmente como provado que, foi entregue, em 24/01/2007, não um mas sim três modelos 1 do IMI, a saber, um referente ao prédio inscrito no art. ....., outro referente ao prédio inscrito no art. ..... e um terceiro referente ao prédio inscrito no artº ....., todos da freguesia de ....., conforme consta dos documentos nº 12, 13 e 14 juntos à p.i e não impugnados.

5. Constando o contrato de promessa de compra e venda do anexo I do doc. nº 2, junto à impugnação e fazendo o mesmo parte do PA, não tendo sido aquele documento impugnado, deverá ser dado como provada a celebração do referido contrato nos termos ali constantes.

6. Depois, na sequência do facto inscrito em B, do ponto 3.11 da Fundamentação, deverá dar-se como provado que o preço constante na escritura coincide com o do cheque passado na data da escritura, a favor da sociedade compradora e que consta do talão do competente depósito, assim como do extracto de conta da ora recorrente da Caixa de Crédito Agrícola e ainda do balanço e demonstração de resultados relativo ao exercício de 2007, atento o teor dos documentos juntos à p.i, não impugnados, com os números 8; 9; 10 e nº 11.

7. Do confronto do teor constante do contrato de promessa de compra e venda e do teor da escritura publica de compra e venda, deverá dar-se como provado que as declarações constantes de um e de outro contrato são coincidentes, sendo que a respectiva escritura foi celebrada com a Instituição que financiou a aquisição - B..... S.A, - para depois contratualizar o Leasing com a S....., conforme documento nº 6junto à p.i. (conforme anexo 1 do doc. 2 e doc. 6 juntos à p.i)

8. Para a boa decisão, deverá ser dado como provado, que o preço constante da escritura publica (documento 6) para a venda do prédio inscrito na matriz sob o art. ....., foi o valor de € 1.580.571,20 (um milhão, quinhentos e oitenta mil, quinhentos e setenta e um euros e vinte cêntimos), sendo que o negócio, ou seja a venda dos três prédios acima descritos importou o rendimento total de € 1.860.000,00 (um milhão e oitocentos e sessenta euros).

9. Para além do consignado em C, do ponto 3.11 da Fundamentação, deverá dar-se como provado que as outras duas avaliações, referentes aos prédios inscritos nos artigos .....e ....., cujos modelos 1 do IMI foram entregues na mesma data, o resultado da avaliação referente ao prédio inscrito no art. ..... é de Janeiro de 2007, o resultado da avaliação do prédio .....é de Janeiro de 2010 e do 2038 de Março de 2010, já que tais factos constam de documentos juntos ao PA e juntos que foram pelo impugnante à sua p.i, não foram impugnados

10. Deverá ainda ser dado como provado e que a avaliação destes últimos prédios só foi notificada à aqui recorrente, depois desta, aquando do exercício do direito de audição prévia, ter chamado a atenção da AF para este facto (conforme doc. 1, 12 a 19º juntos à p.i).

11. Estes factos provados que sejam, criará seguramente a convicção de qualquer homem médio que a AF, ao agir como agiu, incorreu da prática de erro nas avaliações efectuadas, já que consubstanciando os três prédios uma edificação unitária, uma única unidade funcional (vide als. c) e d) do contrato promessa - doc. nº nº 1 do anexo I, do doc. 2 junto à p.i, não impugnado), implicaria três avaliações autónomas, uma vez que os prédios em termos matriciais têm inscrições distintas, mas que as mesmas teriam se efectuadas em simultâneo, já que tais prédios estão interligados e, a olho nu, não percebe, onde começam uns e acabam outros.

12. O Tribunal a quo, foi omisso na apreciação de matéria de direito invocada pela aqui requerente aquando da impugnação, porquanto se limitou a apreciar de forma genérica as alegações da então impugnante, de que "...a matéria colectável em sede de IRC proveio da diferença positiva entre o valor patrimonial tributário fixado após uma avaliação incorrecta por parte da AF do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo .....e o valor declarado em escritura publica de compra e venda" e de "... que a avaliação ao imóvel em causa padece de erro de direito e de facto, porque violou o disposto no artigo 41º (redacção à data da avaliação efectuada) do Código de Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI) e porque a Administração Fiscal não procedeu à avaliação de dois outros prédios contíguos ao prédio avaliado, nomeadamente os dois prédios da mesma freguesia inscritos sob os artigos 2038º e 2039º, que integram a mesma escritura de compra e venda".

13. Efectivamente, a aqui recorrente levantou outras questões de direito que não mereceram e deveriam ter merecido a apreciação do Tribunal recorrido.

14. Na verdade continua a ser entendimento do aqui recorrente, o alegado na impugnação, designadamente que, atentos os dispositivos legais constantes do CIMI e os documentos juntos à p.i, a saber, o Modelo I do IMI entregue em 24/01/2007 junto dos Serviços de Finanças, a Caderneta Predial (documento n920 junto à p.i,) e a Licença de Utilização emitida pela Câmara Municipal competente (documento nº 21 junto à p.i) foi violado o referido artigo 41º do CIMI, em virtude do coeficiente considerado para a avaliação teria que ser o constante no artigo 41º do CIMI, na redacção originária (aprovado pelo Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro), correspondendo este à afectação do prédio, constante da licença de utilização emitida pela Câmara Municipal competente, tendo em conta que a Declaração de modelo 1 do IMI foi entregue em 24/01/2007 e afectação ali declarada é. Armazéns e actividade industrial (vide doc, nº12) e, a constante da licença de utilização junta àquele Modelo é, serviços, comércio e industria (vide doc. 21) pelo que o coeficiente a aplicar, atento o dispositivo atrás referido (art. 41º do CIMI) teria que ser, 0,6, correspondendo este ao coeficiente aplicável a Armazéns e actividade industrial ou, então, em alternativa, ter-se-ia que determinar a área correspondente aos serviços, ao comércio e à industria e fazer a correspondência proporcional de cada área a cada um dos coeficientes ali determinados, o que não foi feito pela AF.

15. Consequentemente, a Administração Fiscal, violou a lei, designadamente o disposto no referido artigo 41º do CIMI, ao considerar como coeficiente de afectação do prédio em referência - o inscrito no art. .....- 1,10, ou seja, o coeficiente correspondente à afectação de Serviços, sem para tal existisse qualquer fundamento, quer declarativo quer proveniente do licenciamento competente, como se afere dos documentos juntos, não impugnados.

16. E, ainda que mal, a AF considerou o teor constante no art. 41º do CMI à data da avaliação - 2008/03/31 - (atenta a redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12) deveria ter considerado o novo conceito de afectação - Comércio e Serviços em propriedade industrial (aliás, consentâneo com a realidade) - e ter aplicado como coeficiente de afectação 0,8, ou seja, o que lhe é correspondente, e nunca 1,10 como aplicou, por tal aplicação carecer de fundamento legal.

17. É assim evidente, a violação do princípio da legalidade por parte da Administração Fiscal.

18. A tributação (no caso, acrescida) em sede de IRC, que gera um imposto de € 120.751,38, sustentada em erro " grosseiro"da Administração Fiscal, merece da Justiça melhor apreciação, sob pena de vencer a Injustiça!

19. Das notificações das avaliações efectuadas em sede de IMI, nada consta acerca das consequências resultantes para os contribuintes notificados, para efeitos de tributação em sede de IRC ou IRS, da não reclamação da referida avaliação notificada.

20. Por isso, será da maior injustiça aplicará sociedade recorrente, sanção tão severa, como a advinda da sentença recorrida, pelo facto desta não ter reclamado da avaliação de um prédio que, foi vendido pelo preço declarado em escritura publica, cumprindo-se todos os deveres legais declarativos e que desconhecia que de tal omissão resultaria a tributação acrescida, em sede de IRC, gerando um imposto de tão catastrófico e infundado valor.

21. O facto da ora impugnante não ter efectuado qualquer reclamação em sede de IMT ou não ter jogado mão da possibilidade conferida pelo art. 129º do CIRC, não poderá invalidar ou impossibilitar a impugnação de um acto de liquidação em sede de IRC, quando esta liquidação tem como fundamento uma presunção de uma omissão fiscal, imputada ao contribuinte e, como consequência, a obrigação de pagamento de um imposto sobre um rendimento que, efectivamente não auferiu.

22. A determinação da matéria tributável que levou à Liquidação ora impugnada, é única e exclusivamente sustentada na presunção constante no nº2, do art. 58º-A do CIRC. Presunção que, à luz do disposto nos arts. 349º e 350 do C.Civil e atento o disposto nº 1 do art. 129º do CIRC, poderá ser elidida mediante prova em contrário.

23. Ora, só poderia o Tribunal a quo não só apreciou a alegação atrás inscrita, como impossibilitou ao então impugnante a produção de prova pericial e testemunhal então requerida.

24. Mal andou o Tribunal recorrido quando escusando-se de apreciar todas as questões de direito alegadas pelo então impugnante e inviabilizando a produção de prova requerida, se limitou para decidir como decidiu, quando conclui que o impugnante não usou o procedimento previsto no artigo 129º do CIRC.

25. Atenta a especificidade do caso concreto, é pois insuficiente a fundamentação da sentença em crise, até porque para a recorrente, esta é uma sentença violentíssima e altamente prejudicial para a contribuinte em causa.

26. Com efeito, não prescinde a aqui recorrente da apreciação do então alegado de 33º 45º da p.i.

27. O facto de não ter sido efectuada qualquer reclamação em sede de IMI, ou não se ter usado a possibilidade inscrita no refrido art. 129º do CIRC, pelas razões expostas, não pode invalidar ou impossibilitar a impugnação de um acto de liquidação em sede de IRC, quando esta liquidação tem como fundamento uma presunção de uma omissão fiscal imputada ao contribuinte e, como consequência, a obrigação de pagamento de um imposto tão elevado, desproporcionado e injusto.

28. A liquidação do tributo em causa e a consequente obrigação de pagamento por parte da pessoa colectiva aqui recorrente, só é devida na medida da sua legalidade, isto é, na proporção da riqueza auferida pela contribuinte / rendimento obtido, atento o disposto no nº 4, do art. 104 da C.R.P. e art. 1º do CIRC. , sob pena da Administração Fiscal colocar-se numa situação de Enriquecimento sem causa, porquanto aquela Administração enriqueceria "sem causa justificativa", atento o disposto no art. 473º do C.Civil.

29. Com efeito, o artigo 1º do CRC "... consagra os pressupostos da incidência do IRC. È da conjugação dos vários pressupostos: de natureza objectiva - obtenção de rendimentos (art.e 4º), subjectiva - por um sujeito passivo (artigo 2º) e temporal - no período de tributação (art. 8º) que resulta o vinculo tributário. O IRC é um imposto: sobre o rendimento, directo, real, periódico, estadual, proporcionalglobal e principal"(vide nota ao art. 1º do Código de IRC - Direito Tributário - Colectânea de Legislação, Joaquim Fernando Ricardo, 5ª Edição - 2007).

30. Assim, só apenas com o preenchimento de tais pressupostos, poder-se-á tributar e obrigar a aqui recorrente no pagamento do Imposto (IRC) então liquidado e, como atrás se demonstrou tais pressupostos não se encontram preenchidos.

31. Atentas as exigências constitucionais, os princípios gerais e as normas especiais que compõem 0 Direito Fiscal / Tributário, não deve, nem pode a Administração fiscal e os Competentes Tribunais ficarem indiferente à verdade material ou substancial subjacente à tributação.

32. Acresce que, na interpretação das normas tributárias, manda o nº3, do artigo 11º da LGT, quando exista duvida, que se atenda à substancia económica dos factos tributários, o que nos parece não ter sido considerado pelo Tribunal a quo.

33. Será pois abusivo que, a AF, sustentada num erro grosseiro praticado por si mesma, liquide, pretendendo cobrar, um tributo que, na verdade, não corresponde à riqueza auferida / rendimento obtido pela aqui reclamante.

34. A Sentença de que ora se recorre, viola assim, além do disposto no art. 41º do CIMI, o art. 1º do CIRC e o disposto no nº3, do art. 103º e 0 nº 4, do art.104º da Constituição da Republica Portuguesa.

Termos em que deverá o presente recurso ser procedente, revogando-se a sentença recorrida, decidindo-se pela absolvição do aqui recorrente ou, não se entendendo assim, deverá revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se aquela por outra que decida nos termos então peticionados em sede de impugnação.

E assim, farão V.Exas, a JUSTIÇA por todos tão aclamada!”.

A FP não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se nulidade da sentença, por omissão de pronúncia?

b) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Verifica-se erro de julgamento no tocante à inimpugnabilidade do ato, quer no que respeita ao procedimento previsto no art.º 129.º do Código do IRC (CIRC) quer no que respeita ao valor patrimonial tributário (VPT) fixado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), na medida em que a administração tributária (AT) não considerou um valor correto e tem de ser admissível a apreciação de tal circunstância em sede impugnatória?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 24.01.2007 a Impugnante entregou no Serviço de Finanças de Beja o Modelo 1 do IMI, relativo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ....., cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido – cf. documento nº 12 da petição inicial.

B) Em 24.09.2007, a Impugnante celebrou escritura pública de compra e venda que engloba o prédio referido na alínea A) supra e cujo teor se dá aqui por reproduzido – cf. documento nº 6 da petição inicial.

C) A primeira avaliação do prédio inscrito na matriz sob o artigo .....foi concretizada em 21.10.2007, tendo sido atribuído um valor patrimonial tributário de € 2.307.210,00 – cf. fls. 15 e 16 do Processo Administrativo (PA).

D) Em 20.11.2007, o B....., SA, reclamou, junto do Serviço de Finanças de Beja, da avaliação efectuada ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ....., pedindo a realização de uma segunda avaliação do imóvel, requerimento que se dá aqui por reproduzido – cf. fls. 18 do PA.

E) Em 31.03.2008 foi concretizada a segunda avaliação do prédio inscrito na matriz sob o artigo ....., tendo-lhe sido atribuído um valor patrimonial tributário de € 2.307.210,00, resultado que foi notificado à Impugnante em 23.04.2008 – cf. fls. 19, 25 e 26 do Processo Administrativo (PA).

F) Em 3.12.2009, a Impugnante foi notificada do “PROJECTO DE CORRECÇÕES DO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO – ARTIGO 60º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 60º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA (RCPIT)” para no prazo de 10 dias, querendo, exercer o direito de audição – cf. documento nº 1 junto com a petição inicial.

G) Do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção consta que:

“(…)

I.-2. Descrição Sucinta das Conclusões da Acção de Inspecção.

Em resultado da acção de inspecção concluiu-se pela prática das seguintes irregularidades a saber:

. Omissão dos proveitos obtidos com a alienação onerosa de imóvel.

II. Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção

II. – 1. Credencial e período em que decorreu a acção

O processo foi aberto por Ordem de Serviço nº .....de 29.09.2009, com origem no email de 17.09.2009, da Divisão de Planeamento e Apoio Técnico, da DSPCIT Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária, com registo entrada nesta Direcção de Finanças nº .....de 18.09.2009.

(…)

A acção teve como critério de selecção “Entidades que efectuaram vendas de imóveis em 2007 que entregaram declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC mas existem diferenças entre os valores ajustados pelo sujeito passivo e os valores patrimoniais apurados ou não entregaram DR. Mod. 22.”

(…)

A inspecção foi iniciada em 29.10.2009 e finda em 26.11.2009.

II. – 2. Motivo, âmbito e incidência

Conforme critério de selecção, a abertura da Ordem de Serviço teve por motivo de origem o facto de se ter detectado omissão, na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2007, de proveitos obtidos com a alienação onerosa de imóvel.

Por despacho de autorização do Exmo. Sr. Chefe da Divisão da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Beja, foi determinado que a acção de inspecção fosse interna, rápida e a análise incidisse especificamente sobre a falta referida.

(…)

III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável

Omissão dos proveitos obtidos com a alienação onerosa de imóvel

Conforme escritura pública de Compra e Venda de 24.09.2007, realizada no Cartório Notarial de J....., a empresa alienou ao B....., S.A., com NIPC: ....., adiante “B.....”, pelo valor declarado de 1.580.571,20 €, o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ....., sob o artigo nº ......

Na sequência da declaração Modelo 1 de IMI entregue em 24.01.2007, o imóvel foi sujeito a uma 1ª avaliação, nos termos e para efeitos da alínea i) do artigo 13º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

Conforme Ficha de Avaliação nº ....., em 21.10.2007 foi levada a efeito a referida 1ª avaliação do imóvel. Como resultado foi-lhe atribuído o valor patrimonial de 2.307.210,00 €. Do facto foram os dois intervenientes no negócio notificados, designadamente a empresa em 13.11.2007 e o “B.....” em 08.11.2007, em carta registada com Aviso de Recepção, nos termos e para efeitos do nº 4 do artigo 76º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Do valor patrimonial atribuído ao imóvel, reclamou o “B.....” em 20.11.2007, solicitando uma 2ª avaliação.

Conforme Ficha de Avaliação nº ....., em 31.03.2008 foi levada a efeito a 2ª avaliação do imóvel. Como resultado desta, foi-lhe atribuído o mesmo valor da 1ª avaliação. Do facto foram de novo os dois intervenientes no negócio notificados, designadamente a empresa em 23.04.2008 e o “B.....” em 14.04.2008, em carta registada com Aviso de Recepção, nos termos e para efeitos do nº 4 do artigo 76º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Do valor patrimonial atribuído em 2ª avaliação do imóvel, nenhum dos notificados reclamou e não se tem conhecimento que tenha havido lugar a impugnação.

Neste contexto, em face da análise à Declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2007, dos esclarecimentos entretanto obtidos junto da empresa, e relativamente aquele imóvel, conclui-se que a empresa omitiu o valor de 726.638,80 €, resultante da diferença positiva entre o valor patrimonial tributário acima referido, e o valor de alienação de 1.580.571,20 € declarado na escritura pública de compra e venda acima identificada, e também na Declaração Modelo 1 de IMI, uma vez que não fez reflectir na declaração de rendimento Modelo 22, linha 257 do quadro 07, tal diferença.

O facto constitui infracção ao artigo 58º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas e é punível nos termos do artigo 119º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de Junho.

(…)” - cf. documento nº 1 junto com a petição inicial.

H) A Impugnante exerceu o direito de audição – cf. anexo 1 do documento nº 2 da petição inicial.

I) Em 13.01.2010, a Impugnante foi notificada das correcções resultantes da acção de inspecção “…cujo relatório/conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação…

. Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria colectável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta…” – cf. documento nº 2 da petição inicial.

J) Das correcções resultantes da acção de inspecção consta do relatório/conclusões que:

“(…)

IX.-2. Da audição

No que se mostra relevante, no âmbito do exercício do seu Direito de Audição , o sujeito passivo refere que o acréscimo à matéria colectável no valor de 726.638,80 € referido no capítulo III do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, resulta de “um erro da Administração Fiscal na avaliação efectuada ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ..... da freguesia de .....”, nomeadamente porque a Administração Fiscal não procedeu à avaliação de dois outros prédios contíguos ao prédio avaliado, nomeadamente os dois prédios da mesma freguesia inscritos sob o artigo 2038º e 2039º, parte integrante do mesmo negócio. O facto, no seu entender, alteraria substancialmente o valor a tributar em sede de IRC.

IX.-3. Da apreciação

No que se mostra mais relevante, os argumentos invocados e apresentados pela empresa em nada contrapõem as conclusões referidas no capítulo III do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária.

Na verdade, a correcção proposta no capítulo III do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, pretende tributar um valor em sede de IRC e não em sede de IMT. O erro de avaliação a que a empresa se refere, a existir, deveria ter sido invocado em sede de IMT, no momento da notificação da avaliação, nos prazos e no contexto referido no código do IMT, procedimento que a empresa entendeu não ser necessário realizar (Ver capítulo III). Não se percebe o porquê de agora a empresa vir argumentar, extemporaneamente e fora do contexto, um erro que não existe em sede de IRC, face ao disposto no artigo 58º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas.

IX.-4. Conclusão

Em face do exposto e conforme os motivos indicados, os valores apurados e propostos como correcção no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária são de manter.(…).” – cf. documento nº 2 da petição inicial.

K) Foi emitida liquidação oficiosa adicional de IRC, com o nº ....., relativa ao ano de 2007, no valor de € 136.847,46, resultando a liquidação de imposto no valor de 120.751,38 €, atenta a compensação nº ....., no valor de 16.096,08 € - cf. documentos nºs 3 e 4 da petição inicial. – acto impugnado.

L) A Impugnante apresentou reclamação graciosa em 5.05.2010, que foi indeferida – cf. documento nº 5 da petição inicial e fls. 3 a 8 e 52 a 55 do PA.

M) A Impugnante apresentou a declaração de rendimentos de IRC Modelo 22, correspondente ao exercício de 2007, em 26.05.2008, via internet – cf. fls. 30 a 33 do PA”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados pelas partes.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Dos lapsos de escrita

Antes de mais, cumpre apreciar o alegado pela Recorrente quanto aos lapsos de escrita.

Nos termos do art.º 614.º do CPC:

“1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação”.

In casu, a Recorrente suscitou o lapso de escrita constante da conclusão 1., respeitante ao Relatório da sentença.

O relatório da sentença é uma mera síntese da posição das partes, sendo que qualquer lapso que aí conste não tem influência em termos de validade da sentença.

Não obstante, nos autos não existe qualquer articulado ou requerimento de resposta à exceção, motivo pelo qual carece de materialidade o requerido pela Recorrente em termos de retificação da sentença.

III.B. Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, na medida em que não apreciou todas as questões de direito suscitadas na petição inicial, designadamente a questão atinente ao errado coeficiente considerado na avaliação.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que se não verifica a mencionada nulidade, porquanto, atenta a posição do Tribunal a quo, no sentido da inimpugnabilidade do ato, resultaria prejudicada a apreciação de quaisquer outras questões.

Como tal, nesta parte não assiste razão à Recorrente.

III.C. Do erro de julgamento

Considera, por outro lado, a Recorrente que o facto de não ter sido efetuada qualquer reclamação em sede de IMI, no tocante ao VPT, ou de não ter usado da possibilidade prevista no art.º 129.º do CIRC não pode implicar a invalidade ou a impossibilidade a impugnação de um ato de liquidação de IRC, entendendo que interpretação contrária é atentatória do principio da tributação pelo rendimento real [art.º 104.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art.º 12.º do CIRC], sob pena de a AT se colocar numa situação de enriquecimento sem causa.

Vejamos então.

Em causa, está a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2007.

Como resulta da factualidade assente, a Recorrente apresentou, em janeiro de 2007, junto dos serviços da AT, a declaração Modelo 1 do IMI, relativa ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ..... [cfr. facto A)].

Resulta igualmente provado que tal prédio foi vendido a 24.09.2007 [cfr. facto B)].

Entretanto, a avaliação do prédio em causa foi feita a 21.10.2007, tendo sido objeto de pedido de segunda avaliação [cfr. factos C) e D)]. Em 31.03.2008, é concretizada a segunda avaliação, que foi notificada à Impugnante a 23.04.2008 [cfr. facto E)].

Na sequência de ação inspetiva, ocorrida em 2009, a AT efetuou correção relativa à alienação onerosa do imóvel a que nos tendo vindo a referir, em virtude de o valor da avaliação ser superior ao valor declarado na escritura de compra e venda, na sequência do que foi emitida a liquidação em crise.

Compulsada a petição inicial, verifica-se que a Recorrente alega que o preço efetivamente recebido foi o declarado na escritura e que esse era o valor de mercado do prédio (cfr. art.º 10.º), não correspondendo à verdade a presunção do art.º 58.º-A, n.º 2, do CIRC, invocando ainda que a avaliação ao abrigo do CIMI foi feita erroneamente.

O Tribunal a quo entendeu, neste contexto, uma vez que não fora desencadeado o procedimento previsto no art.º 129.º do CIRC e que não fora sindicado o VPT fixado, que a liquidação era inimpugnável.

Vejamos se assim é.

Comecemos por apreciar a questão atinente à ausência do procedimento previsto no então art.º 129.º do CIRC.

Nos termos do então art.º 58.º-A do CIRC:

“1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado” (sublinhados nossos).

No n.º 2 deste art.º 58.º-A está, pois, consagrada uma presunção do valor da transmissão para efeitos de IRC, presunção essa ilidível, como decorre, desde logo, do art.º 73.º da LGT.

Assim, e nesse seguimento, cumpre atentar no disposto no art.º 129.º do mesmo código, nos termos do qual:

“1 - O disposto no nº 2 do artigo 58º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o nº 3 do artigo 62º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objetivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.

3 - A prova referida no nº 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no nº 2 do artigo 58º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.

5 - O procedimento previsto no nº 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei.

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.

7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.

8 - A impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo” (sublinhados nossos).

Portanto, em casos nos quais o valor declarado seja inferior ao VPT, o legislador optou por consagrar uma presunção, presunção essa que, no entanto, é ilidível, exigindo-se, para o efeito, que seja despoletado um procedimento próprio, para efeitos de demonstração de que o valor efetivamente praticado é inferior ao VPT.

Sobre a consequência da falta deste procedimento em sede de impugnação da liquidação de IRC (liquidação essa que reflita a aplicação do disposto no art.º 58.º-A do CIRC) já se pronunciaram os nossos tribunais superiores [v., v.g., os Acórdãos Supremo Tribunal Administrativo de 06.02.2013 (Processo: 0989/12), de 03.12.2014 (Processo: 0881/12), de 30.05.2018 (Processos: 0860/15 e 861/15) e de 06.11.2019 (Processo: 0806/15)].

Neste seguimento, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.03.2020 (Processo: 01104/10.7BELRA), onde se refere:

“[C]abe começar por recordar o que se encontra disposto no n.º 7 do artigo 129.º do Código do IRC (na redacção e numeração à data dos factos), o qual estabelecia que: “A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.

Ora, no presente caso, torna-se notório que o legislador decidiu, a par do que sucede em muitas outras soluções legais, tratar aquele pedido enquanto condição de procedibilidade da impugnação, e cuja omissão determina a inimpugnabilidade do ato tributário quanto a essas correcções – sobre este género de soluções, em que se exige a intervenção prévia do órgão administrativo, vd., em geral, SERENA CABRITA NETO / CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário - Vol. I, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 548 e ss..

É, igualmente, o que este Supremo Tribunal vem sufragando em muitas das suas decisões, acima identificadas no Parecer do Ministério Público e que aqui se dão por reproduzidas, salientando-se, muito recentemente, os Acórdãos proferidos em 06-11-2019, no processo n.º 1264/09.4BELRA, e em 21-11-2019, no processo n.º 0816/08.0BECBR, podendo ler-se lapidarmente nas conclusões daquele que: “A apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efectivo (instauração do procedimento), previsto no n.º 3 artigo 129.º do CIRC (actualmente, artigo 139.º do CIRC), é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.

Não vislumbramos, por isso, fundamento para nos desviarmos daquelas posições, não obstando às mesmas a alegação de que tal faz precludir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos do contribuinte e de que ocorre uma violação do princípio da impugnação unitária, como pretende a Recorrente.

É que, por um lado, a sindicabilidade judicial direta para efeitos de ilisão de uma presunção legal – como é nitidamente aquela contida no artigo 58.º-A, n.º 2 do Código do IRC - não é constitucionalmente exigida pelo direito fundamental a uma tutela judicial efetiva, não ficando esta comprometida pela intervenção prévia de um órgão administrativo capaz de, desde logo, resolver a discordância existente quanto ao cálculo do lucro tributável do sujeito passivo. Por outro lado, o princípio da impugnação unitária não fica prejudicado quando, excepcionalmente e para casos claramente demarcados, se exige uma prévia sindicância administrativa a respeito de um vício imputável ao cálculo do lucro tributável relativo à alienação de uma categoria concreta de ativos e em que a AT se encontra em posição privilegiada de corrigir desfasamentos, prevenindo futuros litígios judiciais; a liquidação que se siga àquele cálculo, não é demais lembrar, continua a ser judicialmente sindicável por todos os demais vícios de que padeça, sem qualquer prejuízo para os direitos do contribuinte”.

Aderindo a este entendimento, verifica-se que, quanto à questão de o preço praticado ser o de mercado, a Recorrente deveria ter lançado mão do procedimento previsto no então art.º 129.º do CIRC, o que não fez, não sendo impugnável a liquidação de IRC com tal fundamento. Pelo que, nesta parte, nada há a apontar à sentença recorrida.

No entanto, como referimos, a Recorrente invoca ainda que a avaliação do prédio feita ao abrigo do CIMI estava incorreta.

Para ser apreciada a legalidade de um ato de avaliação patrimonial tributária existe uma tramitação específica. Com efeito, sendo efetuada a 1.ª avaliação, cabe ao interessado, discordando da mesma, requerer uma segunda avaliação. Caso permaneça a sua discordância, tem de impugnar diretamente este ato de segunda avaliação, nos termos do art.º 134.º do CPPT.

Ora, in casu, nada disto ocorreu.

Com efeito, no tempo oportuno, a Recorrente não reagiu contenciosamente de quaisquer erros advenientes a avaliação efetuada.

Assim sendo, o ato de avaliação patrimonial tributária em causa sedimentou-se na ordem jurídica, não podendo o mesmo ser sindicado em sede de impugnação de liquidação de IRC que o reflita.

Como tal, também nesta parte se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que não pode ser posta em causa a liquidação impugnada com base num alegado erro na avaliação patrimonial de um ato que, não tendo sido oportunamente sindicado, já se sedimentou na ordem jurídica.

Consideramos, no entanto, que não estamos perante uma questão de inimpugnabilidade da liquidação de IRC com esse fundamento, mas sim perante uma questão que leva à improcedência do pedido formulado, o que implica que se proceda à alteração do segmento decisório formulado.

Refira-se ainda que não se alcança de que forma os princípios constitucionais fiscais são postos em causa, o que, aliás, foi alegado de forma global. Com efeito, estava ao alcance da Recorrente lançar mão dos procedimentos previstos na lei para o efeito (ou seja, os relativos à avaliação patrimonial e o previsto no art.º 129.º do CIRC). Não tendo lançado mão dos procedimentos em causa, sibi imputet. No entanto, o que é certo que é a tutela jurisdicional efetiva está salvaguarda no nosso ordenamento, justamente considerando o conjunto de procedimentos a que viemos fazendo referência e aos quais a Recorrente não lançou mão em tempo oportuno (sendo que nada na lei exige que, em termos de notificação, designadamente da 2.ª avaliação, se tenha de indicar todas as situações em que o VPT pode relevar, ao contrário do defendido pela Recorrente).

Logo, não assiste razão à Recorrente, resultando por esta via prejudicada a apreciação quer do alegado erro na decisão proferida sobre a matéria de facto, quer no tocante ao erro de julgamento e, bem assim, quanto ao alegado enriquecimento sem causa, questões cuja apreciação dependeria sempre da possibilidade quer de aferir da legalidade do VPT fixado, quer de aferir que o preço efetivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial tributário, o que, nos termos assinalados, não pode ser feito.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, com a consequente improcedência da impugnação e manutenção dos atos impugnados;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 11 de março de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha