Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07162/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/13/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:REFORMA DA SENTENÇA
RECURSO COM BASE EM ERROS OU LAPSOS MANIFESTOS
Sumário:I - As situações de reforma da decisão, passíveis de enquadramento no nº 2, alíneas a) e b) do referido artigo 669º do CPC, ou seja, quando em causa estiver a ocorrência de um erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, apenas estão previstas para os casos em que da decisão em causa não couber recurso.

II - O legislador cuidou de assegurar que, em caso de decisão da qual não cabe recurso, o lapso manifesto cometido pelo juiz (traduzido num erro evidente, patente, indiscutível e captável com imediação), não fosse irremediável, evitando, desta forma, decisões patentemente ilegais ou injustas.

III - Nos processos iniciados a partir de 01/01/08, a que seja aplicável o artigo 669º do CPC, na redacção do DL 303/2007, a possibilidade de reforma da sentença, com base em qualquer dos fundamentos previstos no nº 2 do referido preceito, passou a existir apenas nos casos em que não couber recurso da decisão (o que, de resto, e naquilo que para aqui importa, corresponde ao regime actualmente previsto no artigo 616º do Novo CPC).

IV - Quer isto dizer que uma reapreciação do mérito da sentença prolatada, com base num alegado manifesto lapso do juiz, que deixou de considerar a existência no processo de documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida (alínea b) do nº2 do artigo 669º do CPC), que, como é o caso, admite recurso ordinário, terá necessariamente que ser feita em sede de recurso jurisdicional interposto de tal sentença.

V - Considerando que, no caso em apreço, a Administração Tributária não fez a prova, que lhe competia, no sentido de demonstrar que a revertida era gerente de facto da devedora originária, a oponente não podia deixar de ver reconhecida a sua ilegitimidade (para efeitos de efectivação da responsabilidade subsidiária) e, consequentemente, ver extinta a execução fiscal na medida em que contra si reverteu, com o que não ocorreu qualquer lapso ou erro manifesto, sendo improvido o recurso interposto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem, com invocação expressa do artigo 669º, nº2, alínea b) e nº3 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, em articulado dirigido ao TCA SUL, “requerer a reforma da sentença na parte em que ordenou a extinção da execução contra a oponente”, o que faz, por discordar da sentença – designadamente do respectivo segmento decisório – proferida, no TAF de Leiria, em sede de oposição à execução fiscal deduzida, em 5/05/2010, por ... .

Apresenta, para tanto, as seguintes conclusões:

A - A sentença sob recurso ordenou a anulação do despacho que efectivou a reversão da execução fiscal contra a oponente e responsável subsidiário, com base na respectiva falta de fundamentação de facto.

B - Tal como decorre do probatório e da fundamentação da decisão, não existiu uma avaliação de mérito da matéria controvertida que possa motivar a extinção da execução contra a oponente, tal como a Mma Juiz a determina.

C - Pelo que a douta sentença sob recurso deveria limitar-se a anular o despacho de reversão por vício de forma, consubstanciado em falta de fundamentação.

D - Pois que nos casos em que a anulação do acto administrativo é motivada por um mero vício de forma, a Administração Fiscal pode executar uma decisão anulatória praticando um acto de sentido idêntico, mas sem o vício que o atingia, faculdade que a decisão sob recurso inviabiliza.

E - Assim, a douta decisão, julgando a oposição procedente deveria determinar a anulação da decisão que operou a reversão contra a oponente.

F - Decidindo doutro modo, a douta decisão violou os artigos 77º da LGT, 101º e 124º do CPPT e 125º do CPA, pelo que não pode manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA”


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Importa, desde já, esclarecer que este articulado, assim dirigido ao TCA, foi acompanhado de um requerimento dirigido ao Juiz de Direito do TAF de Leiria, no qual se pode ler, ipsis verbis, o seguinte:

“Notificada da douta Sentença proferida no processo em epígrafe, a representante da Fazenda Pública, nos termos e para os efeitos do artigo 669º, nº2, alínea b) do CPC, vem requerer a reforma da sentença na parte em que ordenou a extinção da execução contra a oponente, sentença na parte em que ordenou a extinção da execução contra o oponente (sic), nos termos e nos fundamentos que expõe nas suas alegações de recurso para o TCA que ora junta, dando cumprimento ao disposto no art. 669º/3 do CPC”.


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Sobre o articulado, a que fizemos referência, dirigido a este TCA, recaiu um despacho (cfr. fls. 81 dos autos), proferido pelo Mmo. Juiz a quo, cujo teor aqui se deixa transcrito:

“Considerando que o Requerimento apresentado pela RFP é dirigido aos Venerandos Juízes Desembargadores do TCA Sul, e tendo em conta que o mesmo assume a forma de um recurso (possuindo as Conclusões), admito o presente recurso interposto por legal e tempestivo, o qual será processado e julgado como os de apelação em processo civil, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo – artigos 280º, nº1; 281º, 282º, 286º nº 2, todos do CPPT e artigos 644º, 645, nº1, 647º nº1, todos do CPC.

Notifique nos termos previstos do nº 2 do art. 282º do CPPT”.

Tal despacho foi notificado às partes e ao EMMP (cfr. fls. 83 a 85), não tendo tal notificação desencadeado qualquer actividade processual.

Após, o Mmo. Juiz do TAF de Leiria proferiu o seguinte despacho, que infra se transcreve, o qual termina ordenando a remessa dos autos a este TCA:

“A fls. 75 dos Autos veio a Fazenda Pública, em articulado dirigido aos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do TCA Sul, requerer a reforma da sentença na parte em que ordenou a extinção da execução contra a Oponente, uma vez que no entender da Fazenda Pública, o Tribunal anulou o despacho que operou a reversão da execução com base na respectiva falta de fundamentação de facto.
Considerando que esse requerimento era dirigido aos Venerandos Juízes Desembargadores do TCA Sul, e tendo em conta que o mesmo assumia a forma de um recurso (possuindo as Conclusões), foi admitido como recurso da sentença (cfr. fls. 81 dos Autos).
Ora, vistos os autos designadamente a sentença sob recurso, maxime a fls. 68 e 69 dos Autos, afigura-se-nos que não assiste razão à Fazenda Pública relativamente ao pedido de reforma da sentença.
Com efeito, na referida sentença não ocorreu nenhum erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação dos factos, nem o processo contém documentos de prova plena que só por si impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Na verdade, o Tribunal julgou procedente a presente oposição uma vez que considerou « que não foi feita qualquer prova que a Oponente tenha exercido a gerência de facto da sociedade Grosso & Rito, Lda…» e não com base na falta de fundamentação de facto do despacho de reversão como alega agora a RFP.
Nesta conformidade, mantenho na íntegra a decisão recorrida, a qual, na nossa opinião, não padece de qualquer deficiência, e em consequência indefere-se a arguida reforma da sentença.
Todavia, Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, melhor decidirão.
Notifique.
Oportunamente, remeta os autos ao Tribunal Central Administrativo Sul.
D.N.
Leiria, 14 de Novembro de 2013”


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A Oponente, Recorrida, ... , notificada da admissão do recurso, não apresentou contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

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Foram colhidos os vistos legais.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 17/10/2005 foi instaurado em nome da sociedade “... Actividades Hoteleiras, Lda.”, portadora do NIPC ... , no Serviço de Finanças de Leiria 1, o processo de execução fiscal nº 1384200501055011 relativo ao IRS do ano de 2005 - cfr. fls. 1 e 3 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos;
B) Em data não apurada, foram apensados ao processo referido em A), os processos de execução fiscal números 1384200501062409, 1384200501065637, 1384200601000683, 1384200601007424, 1304200601013920, 1384200601016970 – cfr. listagem constante a fls. 1 do PA, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos;
C) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria, a nomeação da Oponente enquanto gerente da sociedade “... – Actividades Hoteleiras, Lda” desde 28/01/2004 juntamente com o outros 2 sócios – ... e ... – cfr. Ap. 38/19951031, constante na certidão do registo comercial de fls. 54 e 55 do PA;
D) A sociedade devedora originária obrigava-se pela assinatura de dois gerentes - cfr. certidão do registo comercial de fls. 54 dos Autos.
E) Em 27/03/2010 o Serviço de Finanças de Leiria 1 remeteu para a Oponente, por carta registada, com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 90 do PA, denominado de “Citação (Reversão)”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte « (…) Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(a) POR REVERSÃO, nos termos do art. 160º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia de 1.431,04 EUR de que era devedor (a) o(a) executado(a) infra indicado(a) , ficando ciente de que nos termos do n. 5 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.(…)»;
F) A p.i. foi apresentada em 5/05/2010 junto do Serviço de Finanças de Leiria 1 - cfr. fls. 3 dos Autos.

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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.


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Antes de prosseguirmos a análise que se impõe, importa que façamos, desde já, alguns esclarecimentos prévios e que tomemos uma posição segura sobre a configuração jurídica da actuação processual desenvolvida nos autos pela Fazenda Pública. E isto porque, se bem vemos o que nos vem apresentado, laborou-se em muita confusão.

Vejamos, então, e por partes.

Após a prolação da sentença, a actividade processual levada a efeito pela Fazenda Pública, seja no requerimento dirigido ao Juiz a quo, seja no recurso interposto para este TCA (para o qual aquele requerimento remete), assentou no disposto no artigo 669º, nºs 2, alínea b) e 3 do CPC (na redacção da Lei nº 303/2007, de 24/08, a que corresponde o actual artigo 616º, nºs 2, alínea b) e 3 do Novo CPC).

Sob a epígrafe Esclarecimento ou reforma da sentença, o artigo 669º do CPC (na redacção assinalada) dispunha nos seguintes termos:

“1 - Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:

a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos;

b) A sua reforma quanto a custas e multa.

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3 - Cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação”. (negrito nosso)

Da leitura da disposição legal transcrita temos, assim, que, quando cabe recurso da decisão (o que é o caso dos autos, atento valor do processo - € 1.431,01 – e o disposto no artigo 280º, nº4 do CPPT), o requerimento de aclaração - nº1, alínea a) – ou o requerimento da sua reforma quanto a custas e multa - nº1, alínea b) – é feito na alegação de recurso (embora de forma autónoma, como salienta Abílio Neto, in CPC anotado, 20ª edição, Abril/2008, pág. 939, “em ordem a facilitar ao juiz aperceber-se da necessidade de proferir o despacho a que se refere o nº1 do art. 670º”). Quer isto dizer que as situações de reforma da decisão, passíveis de enquadramento no nº 2, alíneas a) e b) do referido artigo 669º, ou seja, quando em causa estiver a ocorrência de um erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, apenas estão previstas para os casos em que da decisão em causa não couber recurso. Com efeito, é claro o nº 2 citado, ao referir que “Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz…” e, por sua vez, o nº 3 do referido preceito ao dispor que “Cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no n.º 1 (que não, note-se, no nº 2) é feito na alegação.”

Vale isto por dizer, na interpretação que fazemos, que o legislador cuidou de assegurar que, em caso de decisão da qual não cabe recurso, o lapso manifesto cometido pelo juiz (traduzido num erro evidente, patente, indiscutível e captável com imediação - vide, ac. do STA, de 07/02/02, Incid. 3316/01 – 7ª. sumários 58º), não fosse irremediável, evitando, desta forma, decisões patentemente ilegais ou injustas. Como aponta Abílio Neto, na obra e pág. citadas, “embora, no rigor dos princípios, a norma do nº2 deste artigo (leia-se, 669º do CPC), introduzida pela Reforma de 95/96, que permite a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando ocorria manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração, não configure uma autêntica reforma da sentença, mas sim uma reapreciação do mérito, própria de um recurso, sendo este o lugar próprio para a sua invocação, o certo é que nos processos não passíveis de recurso ordinário, essa é a única forma de reagir contra uma decisão injusta ou ilegal”. (sublinhado nosso)

E, na verdade, assim é, uma vez que relativamente às decisões de que cabe recurso jurisdicional, a reapreciação do seu mérito, assente em qualquer das situações subsumíveis à previsão das alíneas a) e b) do nº2 do artigo 669º, é susceptível de análise por parte do Tribunal Superior, o qual, no uso dos poderes que lhe cabe, sempre as poderá revogar.

A propósito da reforma da decisão, refere J. Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, Vol, II, págs. 369 e 370, que:

“(…)

Nos processos iniciados antes de 1-1-08, à face da redacção do CPC anterior ao DL 303/2007, independentemente de caber ou não recurso da decisão, as partes podem também pedir ao próprio tribunal que proferiu a sentença a sua reforma, invocando ter ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos e quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e o juiz, por lapso manifesto, não tenha tomado em consideração [art. 669º, nº2, alíneas a) e b), do CPC, nas anteriores redacções].

Se couber recurso da decisão, estes pedidos de reforma são formulados nas alegações de recurso (nº 3 do mesmo art. 669º, na anterior redacção), mas cabe ao tribunal recorrido apreciá-los.

Estas possibilidades de reforma, porém, só podem ter lugar em caso de erros evidentes, de carácter inquestionável.

c) Reforma da decisão em processos iniciados a partir de 1-1-08

O referido DL nº 303/2007, nos casos em que da decisão cabe recurso, eliminou a possibilidade de pedido de reforma nas situações previstas no nº 2 do art. 669º do CPC.

Para os casos em que da decisão não cabe recurso, este diploma manteve a possibilidade de pedido de reforma com fundamento em ter ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, nos termos da alínea a) desse número, e deu nova redacção à alínea b), restringindo a possibilidade de reforma aqui prevista aos casos em que “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. (sublinhado nosso)

Assim, entendemos que se pode concluir que, nos processos iniciados a partir de 01/01/08, a que seja aplicável, o artigo 669º do CPC, na redacção do DL 303/2007, a possibilidade de reforma da sentença, com base em qualquer dos fundamentos previstos no nº 2 do referido preceito, passou a existir apenas nos casos em que não couber recurso da decisão (o que, de resto, e naquilo que para aqui importa, corresponde ao regime actualmente previsto no artigo 616º do Novo CPC).

Quer isto dizer que uma reapreciação do mérito da sentença prolatada, com base num alegado manifesto lapso do juiz, que deixou de considerar a existência no processo de documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida (alínea b) do nº2 do artigo 669º do CPC), que, como é o caso, admite recurso ordinário, terá necessariamente que ser feita em sede de recurso jurisdicional interposto de tal sentença.

Já vimos que não faz aqui sentido falar de reforma da sentença, nos termos em que a Recorrente o faz, mas, ainda assim, a questão colocada ao TCA não deixa de ser passível de (re)apreciação em sede de recurso jurisdicional e, nessa medida, tal como foi considerado pelo Tribunal a quo (embora não exactamente pelas mesmas razões, como daquilo que ficou dito se infere), deve aceitar-se o articulado ora em análise como recurso da decisão proferida pelo TAF de Leiria, admitindo-se, como já foi feito, o recurso jurisdicional dirigido ao TCA, já que a tal não se opõem razões de legitimidade ou de tempestividade (a sentença foi notificada através de ofício datado de 10/09/13 e os requerimentos aludidos, onde se inclui aquele que vem dirigido ao TCA, deu entrada no TAF de Leiria, via site, em 13/09/13 – cfr. fls. 71 e 78 dos autos).

Será, pois, com esta nova configuração que passamos a apreciar o recurso que nos vem dirigido.

Dito isto, impõe-se esclarecer, ainda, outro ponto.

Como dissemos, o recurso dirigido a este TCA foi-o ao abrigo do disposto nos artigos 669º, nº 2, alínea b) e nº 3 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, sendo certo que as considerações que deixámos expostas foram feitas em torno do regime da reforma da sentença previsto naquele preceito, na redacção da Lei nº 303/2007, de 24/08.

Contudo, afigura-se-nos claro que aos presentes autos é já aplicável o Novo CPC, resultante da Lei nº 41/13, de 26/06. Os presentes autos de oposição foram instaurados em 2010 (cfr. fls. 1 a 3 dos autos), tendo a sentença posta em crise sido proferida em 05/09/13 (cfr. fls. 63 a 69 dos autos). Assim, mesmo no que toca ao regime dos recursos, no caso de decisão proferida a partir de 01/09/13 e de a mesma respeitar a processo instaurado a partir de 01/01/08, o regime segue integralmente o Novo CPC – neste sentido, vide António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs.15 e 16

Diga-se que a aplicação do Novo CPC em nada altera aquilo que vimos de dizer quanto à reforma da sentença prevista no anterior artigo 669º do CPC, a que actualmente corresponde o artigo 616º. Isto mesmo resulta incontornável face à leitura do artigo 616º que, na parte que aqui interessa, não introduziu qualquer modificação assinalável, como se conclui da leitura do preceito que aqui se deixa transcrito:

1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação

Face ao que ficou dito, e sem necessidade de mais aturadas considerações, passamos a apreciar o recurso que nos vem dirigido.


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2.2. De direito

Aqui chegados, a questão que se coloca, por ser aí que se funda a discordância da Recorrente face ao decidido, respeita unicamente à circunstância de não ter existido “uma avaliação de mérito da matéria controvertida que possa motivar a extinção da execução contra a oponente, tal como a Mma Juiz a determina”, pelo que, conclui a Recorrente, a “sentença sob recurso deveria limitar-se a anular o despacho de reversão por vício de forma, consubstanciado em falta de fundamentação”, pois só assim “a Administração Fiscal pode executar uma decisão anulatória praticando um acto de sentido idêntico, mas sem o vício que o atingia, faculdade que a decisão sob recurso inviabiliza”.

Vejamos, então, desde já se adiantando que a Recorrente não tem razão. E isto porque, como se demonstrará, a Fazenda Pública labora num completo equívoco.

É que, contrariamente ao que a Fazenda pressupõe, a oposição não foi julgada procedente com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, ou seja, por um vício de forma, mas sim, e antes, por se ter considerado procedente o fundamento previsto na alínea b) do nº1 do artigo 204º do CPPT - Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida.

Com efeito, após analisar o regime da responsabilidade dos membros de corpos sociais, previsto no artigo 24º, nº1 da LGT, o Mmo. Juiz a quo concluiu que:

“Porém, do probatório não conseguimos concluir que existem indícios suficientes de que a Oponente tenha praticado esses actos de gerência.
Na verdade, do probatório resulta apenas que a Oponente foi designada gerente em 2004 e nesta parte a Fazenda Pública tinha a tarefa de trazer para o processo provas que demonstrassem inequivocamente que a Oponente exercia efectivamente a gerência, e da prova documental apenas resulta a nomeação da Oponente enquanto gerente de direito.

Por conseguinte, não foi feita qualquer prova que a Oponente tenha exercido a gerência de facto da sociedade Grosso & Rito, Lda. e, pertencendo à Fazenda Pública, nesta matéria, o ónus da prova, concluímos que a Oponente é parte ilegítima na presente execução, impondo-se a procedência da presente oposição, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos…”
Por conseguinte, o Tribunal a quo julgou a oposição procedente e “em consequência condenou a Fazenda Pública no pedido de extinção da execução fiscal n.º 1384200501055011 e apensos, relativamente à Oponente”.

Temos assim que concluir que o segmento decisório da sentença recorrida é o correcto, em face do fundamento que determinou a procedência da oposição. Considerando que a Administração Tributária não fez a prova, que lhe competia, no sentido de demonstrar que a revertida era gerente de facto da devedora originária, a oponente não podia deixar de ver reconhecida a sua ilegitimidade (para efeitos de efectivação da responsabilidade subsidiária) e, consequentemente, ver extinta a execução fiscal na medida em que contra si reverteu.

Ao assim decidido não subjaz qualquer vício de forma que a Administração possa, porventura, sanar, praticando um novo despacho de reversão, como a Fazenda Pública, ora Recorrente, pretende. O Tribunal a quo ao decidir nos termos em que decidiu fê-lo correctamente, pois retirou a consequência jurídica que se impunha perante a análise jurídica efectuada.

Por conseguinte, sem que se imponham considerações adicionais, conclui-se que o presente recurso está condenado ao insucesso, improcedendo todas as conclusões da alegação do recurso.


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3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de Março de 2014.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Benjamim Barbosa)

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(Anabela Russo)