Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11462/14.9BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO ARBITRAL;
LEI DE ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA; RECURSO: CAAD
Sumário:Face ao regime decorrente do art.º 39.º, n.º 4, da Lei 63/2011, de 14-12, o recurso para o tribunal estadual competente, no caso, para o Tribunal Central Administrativo, só é possível se as partes tiverem consignado de forma expressa, designadamente na convenção de arbitragem celebrada ou nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos seus intervenientes, a sua vontade quanto a essa possibilidade, ou à admissibilidade desse recurso jurisdicional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Instituto dos Registos e do Notariado, IP (IRN), interpôs recurso da decisão arbitral proferida em 28-03-2014, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nesse processo e condenou o INR a “pagar aos restantes funcionários representados pela DEMANDA os juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em função do tempo decorrido desde o momento em que devia ter sido paga cada uma das diferenças remuneratórias mensais correspondentes ao reconhecimento do direito de acesso à categoria superior”; “a recalcular a quantia já paga a cada funcionário a título de diferença remuneratória pela promoção a escriturário superior, de forma a equivaler, em termos líquidos de IRS, à soma das quantias que deveriam ter sido sucessivamente pagas em função do direito de acesso ao cargo superior”; “a recalcular a quantia paga a cada funcionário a título de diferença remuneratória pela promoção a escriturário superior, de modo a eliminar o efeito da incidência da sobretaxa prevista no art. 187.º da Lei n.° 66-B/2012, relativamente às quantias que deviam ter sido pagas antes da entrada em vigor da norma correspondente” e a “pagar os emolumentos calculados em função das remunerações devidas pelo acesso à categoria de escriturário superior, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos”.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A) Ao condenar o ora recorrente a pagar aos representados do recorrido - exceção feita à representada ….., relativamente à qual foi julgado improcedente o pedido de promoção - juros de mora, desde o momento em que cada um desses trabalhadores reuniu os requisitos (previstos no n° 3 do artigo 6° do Decreto-Lei n° 131/91 de 2 de abril) para a promoção à categoria de escriturário superior, o Centro de Arbitragem Administrativa incorre em erro de julgamento da matéria de direito, porquanto faz uma incorrecta interpretação e aplicação do estatuído no n° 4 do artigo 6° do Decreto-Lei n° 131/91 de 2 de abril.
B) O preceito em apreço prescreve que o acesso (leia-se, a promoção a escriturário superior) "produz efeitos independentemente de quaisquer formalidades, excepto publicação no Diário da República, e retroage à data em que o funcionário adquiriu o direito à categoria superior" (negrito e sublinhado nossos) - cfr. n° 4 do mesmo artigo.
C) Pelo que, não obstante a promoção à categoria de escriturário superior retroagir à data em que os representados do recorrido reuniram os requisitos necessários para tal promoção (vd. parte final do n° 4 artigo 6°), é inexorável que o direito a essa promoção (e todos os outros, designadamente pecuniários, que lhe estão inerentes) só produz efeitos com a publicação em Diário da República.
D) Nesta conformidade, é forçoso concluir que antes da referida publicação - condição de eficácia da promoção a escriturário superior - o recorrente não era devedor de qualquer quantia aos representados do recorrido.
E) Pese embora se escude no conceito de "prestação certificativa", procurando ocultar, assim, a evidência da necessidade de (previamente à publicação da promoção a escriturário superior em Diário da República) existir um ato administrativo constitutivo desse direito à promoção, a própria decisão recorrida acaba por admitir que "é verdade que a DEMANDADA só pode efetuar as prestações remuneratórias inerentes ao novo cargo depois de efetuar a prestação certificativa; mas isso não significa de modo algum que seja lícito o não pagamento das remunerações, já que a prestação certificativa também é efetuada pela própria DEMANDADA" (negrito nosso) - Cfr. Parte final do 5§ da pág. 8 da decisão recorrida.
F) Ora, tal afirmação espelha bem a incongruência da fundamentação da decisão recorrida, porquanto - como resulta do ponto 5 dos factos provados – em dezembro de 2013 (e nos termos do estabelecido na parte final do n° 4 do artigo 6° do Decreto-Lei n.° 131/91, de 2 de abril) o recorrente procedeu ao pagamento das diferenças remuneratórias resultantes dai e com efeitos retroativos à data do preenchimento s de tal promoção.
G) Não é, pois, o "pagamento das remunerações" que se põe em causa, mas, sim, a condenação no pagamento dos juros de mora referentes a essas diferenças remuneratórias, porquanto, se a própria decisão arbitrai admite - como se viu - que o recorrente não podia efetuar as prestações remuneratórias (leia-se o pagamento das diferenças remuneratórias decorrentes da promoção) antes da publicação da lista de promoção em Diário da República (que ocorreu em 18/12/2013 - cfr. Ponto 3 dos factos provados), não se compreende como pode depois - contraditoriamente - defender que o recorrente está em mora (ou em incumprimento de tal obrigação de pagamento) desde a data em que se verificou o preenchimento dos requisitos necessários à promoção (ou seja, desde 2010)!
H) Visto que só com a publicação em Diario da republica se produzem os efeitos da promoção, antes da ocorrência dessa publicação (em 18/12/2013) não se verificou qualquer incumprimento por parte do recorrente, nem, concludentemente, este incorreu em mora; sendo certo que só uma errada interpretação e aplicação do disposto no n° 4 do artigo 6° do Decreto-Lei n.° 131/91, de 2 de abril, pode ter conduzido o Centro de Arbitragem Administrativa a tal decisão.
I) A decisão recorrida determina ainda que o recorrente recalcule as quantias já pagas a cada um dos trabalhadores promovidos, por forma a "neutralizar o efeito dos regimes fiscais mais gravosos do que aqueles a que estavam sujeitas as diferenças remuneratórias no momento em que deveriam ter sido pagas" (negrito e sublinhado nossos) - cfr. último § da pág. 10 da decisão arbitral recorrida - condenando o recorrente a "recalcular a quantia já paga a cada funcionário a título de diferença remuneratória pela promoção a escriturário superior, de forma a equivaler, em termos líquidos de IRS, à soma das quantias que deveriam ter sido sucessivamente pagas em função do direito de acesso ao cargo superior", bem como a "recalcular a quantia paga a cada funcionário a título de diferença remuneratória pela promoção a escriturário superior, de modo a eliminar o efeito da incidência da sobretaxa prevista no artigo 187° da Lei n° 66-B/2012, relativamente às quantias que deveriam ter sido pagas antes da entrada em vigor da norma correspondente":
J) Ora, a este propósito, reitera-se tudo quanto acima se referiu a propósito da condenação no pagamento de juros de mora.
K) E salienta-se a incongruência que, também aqui, está subjacente à fundamentação da decisão arbitral impugnada, porquanto, se por um lado admite que só após a publicação em Diário da República da promoção dos trabalhadores em apreço o recorrente poderia "efetuar as prestações remuneratórias inerentes ao novo cargo", simultaneamente, insiste que essas mesmas prestações remuneratórias deveriam ter sido pagas na data (ou, sucessivamente, a partir da data) em que se verificou o preenchimento dos requisitos necessários a tal promoção!
L) Não podendo, outrossim, deixar-se de destacar a falsa questão que se pretende levantar com a referência feita na decisão recorrida à sujeição dos trabalhadores em apreço a consequências (fiscais) mais desfavoráveis, derivadas da circunstância de terem sido pagas, numa única prestação, quantias referentes a rendimentos que se reportam a anos anteriores, pois e desde logo, a taxa de retenção na fonte não se confunde com a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e, ademais, os contribuintes afetados sempre poderão fazer reportar tais rendimentos aos anos a que estes respeitam, nos termos legalmente previstos para o efeito.
M) Certo é que, em todo e qualquer caso, nesta matéria a decisão recorrida viola grosseira e manifestamente o disposto no Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas singulares (CIRS), de cujos artigos 98°/1 e 99°-A/3 resulta claro que a taxa de retenção aplicável é aquela que se encontra em vigor no momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares.
N) Sendo inexorável que, por força do estatuído nos referidos preceitos do CIRS e no artigo 187° da Lei n° 66-B/2012) - e estando o recorrente sujeito ao princípio da legalidade (constitucionalmente consagrado no n° 2 do artigo 266° da Constituição da República Portuguesa) - ao efetuar o pagamento das referidas diferenças remuneratórias, o recorrente estava obrigado a fazer a correspondente retenção na fonte em sede de IRS de acordo com a taxa - e sobretaxa - que se encontravam em vigor no momento desse pagamento.
O) Pelo que, também na parte referente ao regime de IRS aplicável às diferenças remuneratórias pagas pelo recorrente, é evidente o erro de julgamento da matéria de direito em que incorre a decisão arbitral, pois a condenação do recorrente a recalcular tais quantias de molde a "neutralizar os efeitos fiscais" decorrentes das taxas de retenção em vigor no momento do pagamento (ou, dito de outro modo, subtraindo os rendimentos dos representados do recorrido ao estatuído perentoriamente na lei fiscal), consubstancia uma clara violação dos artigos 98°/1 e 99°-A/3 do CIRS e o artigo 187° da Lei n° 66-B/2012, inquinando a decisão recorrida com o vício de violação de lei.”

O Recorrido não contra-alegou.

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da inadmissibilidade do recurso por falta de compromisso arbitral.

A esta questão respondeu o Recorrente.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Da questão prévia da inadmissibilidade do recurso

Foi suscitada pelo MP a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso, por as partes não terem acordado expressamente na sua admissibilidade, nos termos do art.º 39.º, n.º 4, da Lei n.º 63/2011, de 14-12 (Lei de Arbitragem Voluntária – LAV) e esta lei derrogar o regime anteriormente instituído no art.º 29.º do Regulamento do CAAD. Essa mesma questão é de conhecimento oficioso.

Este TCAS, no P. 12992/16, de 22-09-2016, já se pronunciou sobre questão similar, decidindo pela irrecorribilidade da decisão arbitral quando as partes não tenham consignado de forma expressa e explícita a sua vontade quanto a essa possibilidade, ou à admissibilidade desse recurso jurisdicional.
Essa é também a jurisprudência que foi adoptada pelo STA nos processos n.º 0181/17, de 20-06-2017 e Ac. do STA n.º 112/17, de 20-06-2017.
Assim sendo, também aqui nos pronunciaremos pela irrecorribilidade da decisão em questão nestes autos, remetendo para a argumentação aduzida no invocado Ac. do TCAS n.º 12992/16, de 22-09-2016, que subscrevemos.
No citado acórdão do TCAS é referido o seguinte: “Estipula o artigo 29º do citado Regulamento do CAAD que:” 1- As decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral podem ser anuladas pelo Tribunal Central Administrativo com qualquer dos fundamentos que, na lei sobre a arbitragem voluntária, permitem a anulação da decisão dos árbitros.
2 – Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos para o Tribunal Central Administrativo que caberiam das sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos de 1ª instância” (disposição alterada em 29 de Abril de 2013).
Por sua vez, o artigo 29º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, que aprovou a Lei de Arbitragem ( entretanto alterada pelo Decreto – Lei nº 38/2003, de 8 de Março), e que veio a ser revogada pela actual Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, referia o seguinte: “ 1 - Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo Tribunal de comarca.
2 – A autorização dada aos árbitros para julgarem segundo a equidade envolve a renúncia aos recursos”.
Constata-se assim, pela comparação entre o nº 2 do artigo 29º do citado Regulamento e o nº 1 do artigo 29º da Lei nº 31/86, que ambos consentiam o recurso jurisdicional se as partes não tivessem renunciado antecipadamente a este.
Contudo, o nº 4 do artigo 39º da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária) veio , em nosso entender, derrogar trais normativos, estabelecendo regra oposta, ou seja, a de que para haver recurso jurisdicional da sentença, têm as partes que nisso acordar expressamente na convenção de arbitragem.
Com efeito, o nº 4 do artigo 39º da Lei nº 63/2011, que entrou em vigor em 14 de Março de 2012, estipula textualmente o seguinte: “ 4 - A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.
Assim, se a aceitação do Regulamento de Arbitragem, por via do recurso ao Tribunal Arbitral, implicasse a sua integração na convenção de arbitragem e forçosamente a aplicação automática do nº 2 do artigo 26º do citado Regulamento, ficaria sem aplicação útil o nº 4 do artigo 39º da Lei nº 63/2011, que é manifestamente contrário ao citado nº 2 do artigo 26º.
Por outro lado, o recurso ao Centro de Arbitragem Administrativa, ainda que obrigatório pelo Ministério da Justiça, refere-se ao recurso à arbitragem e não ao recurso jurisdicional da sentença arbitral.
Por conseguinte, nos termos da actual Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) tal recurso jurisdicional só é actualmente possível se constar da convenção de arbitragem que as partes pretendem fazer uso do mesmo. E nada consta da Portaria nº 1120/2009, de 30 de Setembro, ou de qualquer outro dispositivo legal, que impeça a celebração de convenção de arbitragem com vista ao acordo sobre a impugnação de sentença arbitral, mesmo no âmbito da CAAD.
É, pois, esta a interpretação que se nos afigura mais consentânea com a letra e o espirito da LAV na medida em que nesta Lei se quis restringir ao máximo o acesso aos tribunais, bastando-se a arbitragem a si própria, sob pena de ficarem defraudados os objectivos para que aquela lei foi criada ou seja, “ eficácia, economia e celeridade e do próprio contributo para o descongestionamento dos tribunais” como claramente se evidencia do preâmbulo da citada lei. A não ser assim ficaria uma parte substancial das matérias abrangidas pela arbitragem, como são as da CAAD, fora do alcance dos objectivos da Lei da Arbitragem Voluntária, o que não parece ter sido o desejo do legislador.”
Este foi também o sentido seguido pelo STA no processo n.º 0181/17, de 20-06-2017, no qual se defendeu o seguinte: “Dúvidas não parecem existir que com a «LAV/2011» e por força da própria revogação operada, mormente, do art. 186.º do CPTA, inverteu-se o regime supletivo decorrente da «LAV/1986» [cfr. o citado art. 29.º] e acolheu-se ou consagrou-se uma regra de irrecorribilidade da decisão arbitral [de mérito ou de forma] [cfr. articulação conjugada, dos seus arts. 39.º, n.º 4, 46.º, n.º 1, e 59.º, n.ºs. 1, al. e), 2 e 8], já que aquela decisão é suscetível de recurso jurisdicional para o tribunal estadual competente [o TCA em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem] apenas no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem, mostrando-se proibido tal recurso, em qualquer caso, quando a causa haja sido decidida pelo tribunal arbitral segundo a equidade ou mediante composição amigável.
(…) Exige-se ou impõe-se inequivocamente hoje uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes [demandantes e demandados, incluindo contrainteressados] quando à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento.
(…) Ora, no caso vertente estamos perante arbitragem permanente institucionalizada do «CAAD» a que o aqui recorrente «MJ» se vinculou tal como resulta do proémio e do disposto no art. 01.º da citada Portaria n.º 1120/2009.
XVII. Da análise conjugada e devidamente articulada/adaptada do que se mostra disposto nos arts. 01.º, n.º 5, 02.º, n.ºs 1 e 5, 06.º e 62.º, todos da «LAV» e, ainda, do previsto nos arts. 184.º e 187.º do CPTA, na Portaria n.º 1120/2009 e no art. 08.º, n.º 5, do referido Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD» aqui aplicável, extrai-se que as partes, por força da propositura da ação/processo arbitral no «CAAD» e da dedução da contestação nos termos do respetivo regulamento, aderem ao regime respetivo nele definido, passando o mesmo regulamento e o nele definido a ter ou a valer como convenção de arbitragem entre as partes, cumprindo-se, assim, a forma escrita legalmente exigida para esse efeito.
XVIII. Na situação sob apreciação constata-se que a ação foi intentada ao abrigo deste quadro normativo e a mesma mostra-se sujeita, nomeadamente, ao aludido Regulamento de Arbitragem, conforme decorre também do n.º 5 do art. 08.º do mesmo regulamento.
XIX. Assente este pressuposto e, bem assim, o de que no contexto da propositura da ação/processo arbitral no «CAAD» o citado Regulamento deste e o nele definido tem ou vale como convenção de arbitragem entre as partes importa, então, determinar da observância ou cumprimento in casu daquilo que é o regime legal vigente, aqui plenamente aplicável, em matéria de exigência da expressa manifestação de vontade das partes quanto à admissão de recurso jurisdicional da decisão arbitral a proferir naquela ação/processo.
XX. É certo que no n.º 2 do art. 26.º daquele Regulamento se prevê que inexistindo renúncia por parte das partes quanto à possibilidade de dedução de recurso jurisdicional da decisão arbitral esta é, então, suscetível dos mesmos recursos jurisdicionais que no caso caberiam das decisões proferidas pelos tribunais estaduais de 1.ª instância, sendo também um dado adquirido o facto de que nas decisões proferidas no âmbito do «CAAD» o tribunal decide não segundo a “equidade ou mediante composição amigável”, mas segundo o “direito constituído” [cfr. art. 24.º, do mesmo regulamento].
XXI. E também se mostra claro e adquirido nos autos o facto de que, em momento algum do processo arbitral, desde logo nos articulados como sede própria e devida para esse efeito, as partes vieram, de modo expresso, tomar posição quanto à admissão ou à suscetibilidade da decisão arbitral ser passível de recurso jurisdicional nos mesmos moldes em que são admitidos para as decisões dos tribunais estaduais de 1.ª instância.
XXII. De facto, inexiste a demonstração in casu de qualquer pronúncia expressa das partes quanto ao reconhecimento da admissibilidade ou da suscetibilidade da decisão arbitral ser passível de recurso jurisdicional tal como se mostra previsto e exigido, em termos inequívocos, pela atual «LAV» [cfr., nomeadamente, seus arts. 39.º, n.º 4, 46.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1, al. e), 2 e 8], na certeza de que essa exigência legal não se basta ou pode ter-se como cumprida ou satisfeita, a ponto de ter-se como preenchida ou verificada, através duma inferência ou extrapolação feita ou extraída do silêncio, ou do mero comportamento ou atitude de dedução ou prática de atos em processo arbitral e duma decorrente adesão ou aceitação implícita do determinado e previsto no regulamento.
XXIII. O legislador, quanto à exigência em causa, não se bastou com uma mera atitude silente ou implícita a extrair ou inferir de determinados atos ou comportamentos havidos ou desenvolvidos, mormente, em decorrência de eventuais previsões normativas existentes em determinados regulamentos, mas que não hajam sido materializados e verbalizados, sob forma expressa, numa afirmação clara e inequívoca que explicite de forma direta a existência no caso de recurso jurisdicional da decisão que seja tomada pelo tribunal arbitral.
XXIV. Não pode assim ter-se como preenchido na situação vertente o requisito legal definido ou exigido como condição da recorribilidade da decisão arbitral pela simples inferência ou juízo implícito decorrente do simples facto de as partes haverem submetido o litígio ao tribunal arbitral funcionando no âmbito do «CAAD» e do respetivo processo ser tramitado e julgado segundo o previsto no regulamento em referência daquela associação e, bem assim, do facto de nos termos do previsto nesse regulamento no silêncio das partes ou de uma ausência de renúncia destas haver lugar sempre a recurso jurisdicional.
XXV. Independentemente do que, em função do teor de determinada norma regulamentar, se possa inferir, tácita ou implicitamente, da ausência de comportamento, de atuação ou de manifestação de vontade das partes, impunha-se e impõe-se, hoje, na «LAV» a existência de expressa manifestação da vontade das mesmas quanto à possibilidade ou à admissibilidade de existência de recurso jurisdicional duma decisão arbitral a realizar-se ou materializar-se na convenção de arbitragem celebrada ou, então, nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos seus intervenientes, constituindo a existência duma tal manifestação expressa das partes condição de verificação necessária para o assegurar da recorribilidade de tal decisão.
XXVI. Sendo essa hoje uma exigência e um requisito legalmente imposto pela «LAV», esta, enquanto ato legislativo e pela posição hierárquica, força e função que daí decorrem, reclama a conformação com a mesma daquilo que é o quadro legal produzido à sua sombra e em sua execução [cfr., nomeadamente, os arts. 112.º, n.ºs 1, 5, e 7, da CRP, 135.º, 136.º e 143.º do CPA/2015], dado a emissão de regulamentos e o poder ao abrigo do qual os mesmos são produzidos não podem deixar nunca de postular a vinculação e obediência à lei.
XXVII. Daí que, sob pena de verificação de eventual ilegalidade do regulamento, impõe-se, numa interpretação conforme do quadro normativo em confronto [mormente, dos arts. 08.º, n.º 5, e 26.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD» com o art. 39.º, n.º 4, da «LAV»], concluir, em consonância com exposto, no sentido de que se exige a existência na ação/processo arbitral junto do «CAAD» duma expressa e concordante manifestação de vontade das partes plasmada, desde logo, nos articulados, quanto à admissão da suscetibilidade de haver recurso jurisdicional da decisão arbitral que venha a ser proferida naquela ação/processo, declaração expressa essa cuja ausência, gerando a irrecorribilidade daquela decisão, não pode ser suprida por quaisquer inferências ou juízos implícitos ou tácitos a extrair ou assentar em atos ou comportamentos ainda que decorrentes ou estribados em previsões regulamentares genéricas e abstratas.
XXVIII. Assim, não obstante a verificação do requisito cumulativo previsto na segunda parte do art. 39.º, n.º 4, da «LAV» [litígio arbitral não haver sido decidido segundo a equidade ou mediante composição amigável] temos que, na ausência de demonstração no âmbito do processo/ação arbitral sob análise da existência duma declaração ou manifestação de vontade expressa das partes quanto à admissão da possibilidade de interposição de recurso jurisdicional da decisão arbitral que nele veio a ser proferida, tal como é exigido e imposto pela primeira parte do referido preceito, soçobra o presente recurso jurisdicional, impondo-se, em consequência, a manutenção do julgado no acórdão recorrido com todas as legais consequências.” – cf. em igual sentido e com idênticos fundamentos, o Ac. do STA n.º 112/17, de 20-06-2017.
O presente processo arbitral foi interposto após a entrada em vigor da Lei n.º 63/2011, de 14-12 e correu sob a égide de tal lei.
No indicado processo as partes não fizeram prova de que previram - na convenção de arbitragem, em termos expressos - a possibilidade de recurso, conforme impõe o n.º 4 do artigo 39º da Lei n.º 63/2011, de 14-12 (cf. também o art.º 61º dessa Lei).
Portanto, o presente recurso terá de ser rejeitado, por inadmissível e não há que conhecer do seu objecto.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em não admitir o presente recurso, por inadmissível, por a decisão impugnada ser irrecorrível;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 11 de Julho de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)