Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2629/19.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA BANCÁRIA;
IMPOSTO DE SELO;
ISENÇÃO.
Sumário:I. Nos termos da alínea c) do art. 6º do Código de Imposto de Selo, as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública estão isentas de imposto de selo quando este constitua um seu encargo.

II. Essa isenção abrange a garantia bancária prestada com vista à suspensão de processo de execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Universidade Católica Portuguesa (Reclamante), contra a decisão proferida pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) nº ............., referente a dívida de IRC do exercício de 2015, ao ter sido exigido o pagamento de imposto de selo na garantia bancária prestada para efeitos de suspensão daquele processo.

A sentença recorrida considerou que a Reclamante beneficia de isenção de imposto de selo ao abrigo da alínea da alínea c) do art. 6º do Código de Imposto de Selo, e como tal a garantia bancária apresentada pela Reclamante para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal beneficiava daquela isenção.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos artigos 10.º, al. a) do DL n.º 307/71, de 15/07; art. 6.º, al. c) e d), do Código do Imposto do Selo; art. 103.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da nossa mater legis; art. 3.º do CPA e art. 8.º da LGT.

B) devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade e do Princípio da Justiça.

C) Também, deveria o respeitoso Aerópago a quo, ter melhor valorado e considerado o acervo probatório documental constante dos autos (maxime, o teor do vertido nas informações oficiais nº E201902522, de 2019/07/16 e nº E201902937, de 2019/08/29, ambas da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos (DADE), da Direção de Finanças de Lisboa, juntas aos autos como doc. 1 e doc. 2 da contestação/resposta apresentada pela AT, via SITAF, no pretérito dia 15.11.2019;

D) Ao que acresce a vicissitude de terem sido extraídas erradas ilações jurídico-factuais da factualidade dada como assente (mormente a vertida no item C) e D) do probatório.

E) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime pela inexistência de um qualquer vício de violação de lei da decisão reclamada, que condicionou a prestação de garantia à liquidação de imposto de selo, e consequentemente a sua manutenção incólume na ordem jurídica, não padecendo de qualquer anulabilidade.

F) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),

G) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 17º ao 55º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que por economia processual aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

H) Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo,

I) pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo Areópago, de certo, que teria sido outro.

J) Nem, tão pouco, da factualidade dada como assente e do acervo probatório existente nos autos sub judice, foram extraídas ilações jurídico-factuais assertivas por parte do respeitoso Areópago recorrido.

K) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada
JUSTIÇA”.


* *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

A. A UNIVERSIDADE CATÓLICA está isenta de IS por se tratar de uma pessoa coletiva de utilidade pública.
B. Tal como foi expressamente reconhecido na sentença a quo, nos termos do artigo 6.º, alínea c) do Código do IS, “[s]ão isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo: as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública”.
C. Tratando-se de uma isenção subjetiva, o que, aliás, é confirmado pela própria epígrafe do artigo, aplicável aos casos em que o imposto constitui encargo das “entidades obrigadas à sua apresentação”, esta será aplicável ao IS que incide sobre a garantia prestada pela UCP, nos termos descritos nos presentes autos.
D. Salienta-se que no Parecer sobre o “IRC – Enquadramento da Universidade Católica Portuguesa no IRC” o CEF da Autoridade Tributária e Aduaneira, sustenta expressamente que “[d]eve considerar-se que a Universidade Católica Portuguesa, que é ope legis uma pessoa coletiva de utilidade pública, prossegue, exclusiva ou predominantemente, os fins científicos e culturais referidos no artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC.” (cfr. ponto III.8 do Parecer sobre o “IRC – Enquadramento da Universidade Católica Portuguesa no IRC”, p. 136) (cfr. Doc. n.º 25 junto à Reclamação).
E. Acresce que, conforme se referiu, nos termos do artigo 10.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho (cuja manutenção em vigor foi clarificada pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de abril), a UNIVERSIDADE CATÓLICA dispõe de uma isenção global de impostos, contribuições e taxas.
F. Com efeito, decorre do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho, que: “[r]elativamente à aquisição e fruição dos seus bens e às actividades que exerça para a realização dos seus fins, a Universidade Católica goza de isenção de:
a) Impostos, contribuições ou taxas do Estado e das autarquias locais, incluindo o imposto do selo;
b) Preparos, custas e imposto de justiça, em processos que corram em quaisquer tribunais em que seja parte principal, assistente ou interveniente.”.
G. Os referidos Decretos-Leis foram aprovados ao abrigo do artigo 20.º da Concordata de 1940, que já previa um regime fiscal aplicável a entidades eclesiásticas, i.e., o regime fiscal aplicável à UNIVERSIDADE CATÓLICA sempre foi um regime fiscal especial face ao regime geral previsto nas respetivas Concordatas.
H. Ora, nos termos do artigo 7.º, n.º 3 do CC a “lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.
I. Sucede que, não apenas decorre da Concordata de 2004 a intenção de manter o regime fiscal da UNIVERSIDADE CATÓLICA como, sobretudo, não existe uma vontade inequívoca em sentido contrário.
J. Por outro lado, nem se diga que existe uma incompatibilidade entre o artigo 10.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 307/71 e a Concordata de 2004 para, atendendo à hierarquia normativa dos tratados internacionais, justificar que o referido Decreto-Lei não se encontra em vigor porque não existe qualquer incompatibilidade entre os dois diplomas.
K. Existindo uma relação especialidade entre o Decreto-Lei n.º 307/71 e a Concordata de 2004, nunca existiria qualquer incompatibilidade baseada na hierarquia. Com efeito, compatibilidade entre os dois regimes é uma decorrência da relação de especialidade referida.
L. Por outro lado, não existe qualquer incompatibilidade entre a Concordata de 2004 e o artigo 10.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho, já que aquela, no seu artigo 31.º ressalvou expressamente a aplicação deste Decreto-Lei.
Mais ainda, a ausência de incompatibilidade entre o Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho e o artigo 21.º, n.º 3 da Concordata de 2004 resulta do estatuto especial conferido à Universidade Católica pela própria Concordata, em virtude da sua especificidade institucional. A Concordata refere-se expressamente à UNIVERSIDADE CATÓLICA, reconhecendo que esta tem características diferentes de outros estabelecimentos de ensino católico o que justifica, ademais, a existência de um enquadramento jurídico-tributário especial.
N. Mesmo que o artigo 10.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho não estivesse em vigor, o que apenas se considera por mera cautela de patrocínio, sempre este seria aplicável por força do princípio da boa-fé na vertente da proteção da confiança, já que a AT tem vindo, ao longo dos anos, a confirmar a vigência da referida isenção.
O. Para além de o enquadramento aplicável à UNIVERSIDADE CATÓLICA nunca ter sido questionado pela AT no passado,
P. O entendimento da AT, de que a UNIVERSIDADE CATÓLICA se encontra isenta ao abrigo do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho, é ainda confirmado pelas instruções de preenchimento do modelo 2 de IS e do modelo 1 de IMT que, à data de apresentação das presentes contra-alegações, se encontram disponíveis no sítio na internet da AT.
Mesmo que a AT tivesse uma opinião diferente, sempre estaria obrigada a cumprir com o regime decorrente do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho, já que a vigência deste é inclusivamente confirmada pelas instruções que disponibiliza aos contribuintes, tendo estas instruções sido aprovadas por Portaria.
R. Por outro lado, a AT decidiu recentemente, a favor da UNIVERSIDADE CATÓLICA, uma reclamação graciosa (a Reclamação Graciosa n.º .............), em que se discutia igualmente a aplicação da isenção resultante do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho. Na informação final produzida no processo de reclamação graciosa referido defende a AT que “(…) o DL 307/71, de 15 de Julho foi revogado, com excepção do seu artº 10º pelo DL 128/90 de 17 de Abril.”, acrescentando: “(…) verifica-se que de facto existe uma Isenção, que dispensa procedimento de reconhecimento de benefício fiscal (…)”. Assim, tratando-se de uma decisão relativa à aplicação da mesma isenção, relativamente ao mesmo sujeito passivo (apenas diferindo o imposto e o período) não haverá qualquer razão para que o presente caso seja decidido de forma diversa da Reclamação Graciosa n.º ..............
S. Mais ainda, recentemente, no dia 17 de junho de 2019, foi publicado o Relatório “Os Benefícios Fiscais em Portugal” (o “Relatório”), elaborado pelo Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais constituído em 17 de abril de 2018 por Despacho do Ministro das Finanças n.º 4222/2018, de 17 de abril 2018 vem expressamente identificada a isenção prevista no artigo 10.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho, e é apresentada como estando em vigor (cfr. página 80 do Relatório).
T. Por outro lado, mesmo que a referida isenção não fosse aplicável – o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio – a UNIVERSIDADE CATÓLICA sempre seria isenta de IS por força da aplicação automática do regime fiscal das IPSS, previsto no artigo 10.º, n.º 1, al. b) do Código do IRC, na medida em que se trata de uma pessoa coletiva legalmente equiparada a IPSS nos termos do artigo 12.º da Concordata de 2004 e do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro, que aprovou o Estatuto das IPSS já que, para além dos fins religiosos (e.g., difusão e ensino da religião católica), desenvolve, ainda, atividades educativas.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, em face da fundamentação exposta e porque a sentença recorrida bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, consequentemente, ser negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.”.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se a sentença padece de erro de julgamento ao considerar que a Recorrida estava isenta de imposto de selo ao abrigo da alínea c) do art. 6º do Código de Imposto de Selo em relação à garantia bancária prestada para efeitos de suspensão de um processo de execução fiscal.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Reclamante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº ............., instaurado para cobrança da quantia exequenda de € 396.866,46, respeitante a IRC, do período de tributação de 2015 – cfr. documento 2 junto aos autos com a petição inicial e fls. 2 do PEF apenso;

B) A Reclamante manifestou no processo de execução fiscal intenção de apresentar reclamação graciosa para discussão da legalidade da dívida exequenda e requereu a suspensão da execução fiscal, juntando documento comprovativo da prestação de garantia bancária na qual foi aposta a menção “Isenta de imposto do Selo ao abrigo do artigo 10º do Decreto-Lei nº 307/71, de 15 de Julho, aplicável por força do artigo 9º do Decreto-Lei nº 128/90, de 17 de Abril. “– cfr. documento 3 junto aos autos com a petição inicial e fls. 3 a 8 vº do processo instrutor;

C) Para apreciação do pedido de suspensão da execução fiscal mediante prestação de garantia foi elaborada, pelos serviços da Administração Tributária, a informação constante de fls. 13 a 15vº do PEF apenso da qual consta, entre o mais, o seguinte: “Constata-se que não foi liquidado o imposto de selo, ao abrigo da isenção prevista no art. 10º do Dec.-Lei 307/71, de 15 de julho, aplicável por força do art. 9º do Dec.-Lei nº 128/90, de 17 de abril. Não podemos concordar com tal entendimento. […] a isenção de impostos prevista no art. 10º do Dec.-Lei nº 307/71, de 15 de julho, aplica-se à aquisição e fruição de bens e às atividades que a UCP exerça para a realização dos seus fins. […] o negócio jurídico em causa (celebração de contrato com uma instituição bancária, para garantia no presente PEF, em que está em causa o pagamento de IRC) não integra os fins sociais da UCP, motivo pelo qual será devido Imposto de Selo, Verba 10.3 TG.”

D) Com data de 24-07-2019, foi expedido o ofício nº 2598, dirigido ao mandatário da Reclamante, comunicando, entre o mais, o seguinte: “fica por este meio notificado da aceitação da garantia prestada, por se mostrar suficiente e idónea. Fica igualmente notificado de que deverá ser liquidado e pago o competente imposto do selo […] “ - cfr. documento 1 junto com a petição inicial e fls. 16 do PEF apenso;

E) Em 26-07-2019, o ofício mencionado na alínea anterior foi enviado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 5, por correio registado - cfr. documento 1 junto com a petição inicial e fls. 17 do PEF apenso;

F) Em 29-07-2019, o correio registado mencionado na alínea anterior foi entregue ao destinatário - cfr. documento 1 junto com a petição inicial e fls. 18 do PEF apenso;

G) Em 07-08-2019, foi remetida ao Serviço de Finanças de Lisboa 5 a petição inicial da presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal – cfr. vinheta postal aposta no envelope de fls. 36/SITAF.

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Factos não provados:
Inexistem factos com relevância para a decisão que importe discriminar como não provados.
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Motivação da decisão de facto:
A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, não impugnados, bem como no conteúdo do processo de execução fiscal apenso, conforme referido em cada alínea do probatório”.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrente veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução e considerou que a prestação de garantia apresentada pela Recorrida para efeitos de suspensão do processo executivo estava isenta de imposto de selo ao abrigo da alínea c) do art. 6º do Código de Imposto de Selo.

Na sentença recorrida foi considerado que a Reclamante beneficiava da isenção de imposto de selo ao abrigo da alínea c) do art. 6º do Código do Imposto de Selo em virtude de se tratar de uma pessoa colectiva de utilidade pública, cujo reconhecimento foi efectuado por acto legislativo, objecto de publicação em Diário da República I Série de 17/04/1990.

A Fazenda Pública alega em síntese que o facto de a Recorrida beneficiar de uma qualificação ope legis como pessoa colectiva de utilidade pública, “não legitima a defesa de um qualquer estatuto de excepção e não pode significar uma atribuição automática de todos e quaisquer benefícios fiscais” e que não é enquadrável na alínea d) do art. 6º do CIS, equiparando-se a IPSS por não cumprir com os requisitos legalmente estatuídos. Mais afirma que a Recorrida defende a aplicação do art. 10º, alínea a) do Decreto-lei nº 307/71 de 15 de Julho, cuja manutenção em vigor foi clarificada pelo art. 9º do Decreto-lei nº 128/90 de 17 de Abril mas não tem razão porquanto a constituição de uma garantia bancária para efeitos de suspensão de processo de execução fiscal não pode beneficiar da isenção do pagamento de imposto de selo dado que não é uma garantia prestada no âmbito de uma actividade exercida pela reclamante, nem tão pouco no âmbito de uma actividade acessória.


Importa destacar que a sentença recorrida fundamentou a procedência da reclamação no seguinte:
(…) face ao disposto no art. 1º do Decreto-Lei nº 128/90, a Reclamante foi reconhecida pelo Estado como pessoa colectiva de utilidade pública.
E, se é certo que a Concordata de 1940 deixou de vigorar na ordem jurídica nacional, sendo substituída pela Concordata de 2004, inexiste qualquer evidência interpretativa de que essa circunstância, por si só, permita concluir que o Estado Português deixou de reconhecer a UCP como pessoa colectiva de utilidade pública.
Ora, para efeitos de aplicação da isenção prevista na al. c) do art. 6º, cumpre somente verificar se estamos perante pessoa colectiva de utilidade pública.
Tal reconhecimento foi efectuado por acto legislativo, objecto de publicação na Série I do Diário da República de 17-04-1990.
Improcedem, portanto, as razões aduzidas em contrário pela Fazenda Pública, atinentes à falta de junção de comprovativo da declaração de utilidade pública e à falta de menção da norma no documento de prestação de garantia bancária.
De facto, torna-se desnecessária a junção de comprovativo da declaração de utilidade quando a mesma consta de acto legislativo que, como tal, foi objecto de publicação – cfr. art. 119º da CRP e Lei 74/98, de 11-11 (Publicação, identificação e formulário dos diplomas).
Pelo que, atendendo a que a Administração Tributária está vinculada ao princípio da legalidade em toda a sua actividade, nomeadamente a tributária - cfr. arts. 103º, nº 2, e 266º, nº 2, da CRP, 3º do CPA, 8º da LGT e 1º do CPPT – padece de ilegalidade a decisão de determinar a liquidação de imposto de selo pela prestação de garantia por parte da Reclamante, não aplicando a referida norma de isenção.
Por outro lado, a aplicabilidade das normas de isenção não deve ser recusada com base no incumprimento de requisitos formais supríveis, como seja a menção de norma diversa no documento de prestação de garantia, desde que seja constatado que a entidade que invoca ter direito à isenção reúne os pressupostos estabelecidos na lei.
Por outro lado, diversamente da norma constante do art. 10º do Decreto-Lei nº 307/71, a isenção prevista no art. 6º, al. c) do CIS não é limitada à aquisição e fruição dos seus bens e às actividades que exerça para a realização dos seus fins, dependendo apenas da qualificação do titular do encargo do imposto como pessoa colectiva de utilidade pública.
Em face do exposto, ao desconsiderarem a aplicabilidade da norma de isenção prevista na al. c) do art. 6º do CIS, os serviços da Administração Tributária incorreram em erro sobre os pressupostos de direito, vício que gera a anulabilidade da decisão do órgão de execução fiscal aqui reclamada, a qual, por isso, não pode manter-se na ordem jurídica”.

O art. 6º do Código do Imposto de Selo (CIS) consagra uma isenção subjectiva às entidades nele mencionadas e que se traduz na isenção de imposto de selo, quando este constitua seu encargo. E na alínea c) dessa disposição legal estão mencionadas as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública.

Ora o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública da Recorrida decorre do Decreto-Lei nº 307/71 de 15 de julho, que aprovou o seu estatuto legal e do Decreto-Lei nº 128/90 de 17 de abril.

Salienta-se ainda que a isenção mencionada no art. 6º do CIS, apenas depende de o imposto constituir encargo de uma pessoa colectiva de utilidade administrativa ou pessoa colectiva de mera utilidade pública, não está portanto dependente de despacho posterior ou outro acto concreto, bastando apenas o averbamento no documento ou título da disposição legal que prevê essa isenção (cfr. art. 8º do CIS).

Tendo presente o enquadramento legal acima referido, conclui-se assim que o Recorrido beneficia de isenção do imposto de selo na garantia bancária prestada para efeito de suspensão do processo de execução fiscal nº ..............

A sentença recorrida que assim decidiu não merece reparo, improcedendo o recurso apresentado pela Fazenda Pública.
Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo, que é de € 398.260,36, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.
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V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça

Lisboa, 25 de Junho de 2020

Luísa Soares
Mário Rebelo
Patrícia Manuel Pires