Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04613/08
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/07/2013
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – INVERSÃO DO ÓNUS DE PROVA
Sumário:1.Fora do quadro geral e das regras especiais dos artºs. 342º e 343º CC, a inversão do ónus da prova consagrada no artº 344º nº1 CC depende da existência de lei expressa ou convenção válida nesse sentido.

2. Por ausência de consagração normativa superior, v.g. na Constituição da República ou na Lei de Bases do Ambiente, não é juridicamente admissível a transposição para o contencioso jurisdicional da técnica da inversão do ónus de prova própria dos procedimentos da decisão da administrativa em quadros de incerteza, defendida pela versão doutrinária mais radical do princípio da precaução.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Freguesia de Monte Abraão, com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. É dever do Tribunal apreciar todas as questões formuladas pelas "partes", conforme preceitua o artigo 660.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.° do CPTA;
2. Não obstante, o Acórdão ora recorrido não se pronunciou relativamente à questão jurídica suscitada da inversão do ónus da prova;
3. Em face do exposto, é por demais evidente que o Tribunal a quo ao proferir o aliás douto Acórdão recorrido não decidiu sobre todas as questões jurídicas de que tinha que tomar conhecimento, sendo consequentemente nulo de acordo com o preceituado na alínea d), do n.° l, do artigo 668°, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA;
4. O douto acórdão recorrido não se pronunciou igualmente quanto à assacada ofensa ao Princípio da Igualdade nos moldes alegados pela recorrente;
5. De facto, o Tribunal a quo entendeu que o acto impugnado não viola o Princípio da Igualdade porquanto a LMAT irá beneficiar todos os cidadãos;
6. Contudo, a recorrente alegou a ofensa a tal princípio por se privilegiarem determinados cidadãos em detrimento de outros (dos que se encontrarão expostos aos efeitos electromagnéticos emitidos pela LMAT) e bem assim, por noutras situações idênticas as recorridas terem optado pelo enterramento da linha, questões quanto às quais o acórdão recorrido é totalmente omisso, o que gera a sua nulidade;
7. Mal andou o douto acórdão recorrido ao entender inexistir qualquer ofensa ao conteúdo essencial do direito à saúde e ao ambiente sadio por parte do acto impugnado, porquanto os campos electromagnéticos emitidos pela LMAT produzem efeitos negativos para as populações que a eles se encontram expostas;
8. De facto, apesar de não ter ficado provado que a LMAT produz efeitos nocivos para a saúde humana, não ficou provado que não faz mal, sendo certo que atento o princípio da precaução (regra geral da actuação pública), impunha-se tal demonstração por parte das recorridas;
9. Abstractamente, a circunstância da Linha não sobrepassar a circunscrição territorial da recorrente não impede que o seu funcionamento não afecte os direitos e interesses das populações da Freguesia de Monte Abraão, que se visam acautelar em juízo;
10. Mal andou o Tribunal a quo ao entender inexistir uma ofensa do Princípio da Necessidade por parte do acto impugnado;
11. De facto, conforme a recorrente demonstrou, o estabelecimento da LMAT em causa não é adequado, proporcional e necessário stricto sensum relação aos danos que irá provocar, sendo certo que há outras alternativas em relação ao traçado que foi licenciado, nomeadamente o enterramento (ainda que parcial) da linha;
12. Para além do que, até que seja encontrada uma solução alternativa, a linha actualmente existente garante um cabal fornecimento de energia à população e as necessárias salvaguardas de protecção contra falhas, tanto através de uma linha de retorno como através da Rede Nacional de Distribuição, a cargo da EDP;
13. Por outro lado, os diferentes valores em causa não têm a mesma dignidade, porquanto os interesses que as recorridas propugnam carecem de consagração constitucional,
14. Pelo que é manifesto o erro de julgamento de que o acórdão recorrido padece face à assacada ofensa ao Princípio da Proporcionalidade;
15. Mal andou o tribunal a quo ao entender não se verificar a assacada violação ao Regulamento de Segurança das Linhas Eléctricas de Alta Tensão;
16. Efectivamente, contrariamente ao entendimento veiculado no acórdão recorrido, e tendo em conta o supra exposto, é manifesto que o acto sob censura padece de vício de violação dos artigos 5.°, n.° l, e 6.°, n.° l do citado regulamento;
17. Atenta a ilegalidade do acto sob censura, mal andou o douto tribunal ao considerar improcedentes os pedidos de condenação da REIM a abster-se de praticar qualquer acto consequente ou de execução do acto ora impugnado e a repor a situação que existiria se o acto de licenciamento não tivesse sido executado;
18. Tal reposição da situação anteriormente existente passará pela destruição de todas as obras de implantação entretanto levadas a cabo à data em que seja proferida decisão final que declare a nulidade ou anule o acto de licenciamento da LMAT em causa, e bem assim, pela reconstituição da situação fáctica que existia antes de ter sido desencadeada a execução do acto;
19. Mal andou a decisão recorrida ao julgar a recorrente como parte ilegítima, no segmento referente à invocação de vícios de violação de Instrumentos de Gestão Territorial concretamente aplicáveis, na medida em que a violação desses instrumentos é invocável por qualquer pessoa, em virtude da qualificação do desvalor - nulidade - que afecta o acto em causa;
20. O desvalor jurídico nulidade cominado para a violação de instrumentos de gestão territorial permite concluir pelo interesse público, colectivo, geral da sua invocação perante os tribunais, independentemente da situação jurídica concreta de quem o invoca;
21. Ou seja, o facto do correcto ordenamento do território não ser respeitado possibilita a qualquer interessado o recurso aos tribunais para ver declarada a cominação a que concerne a sua violação;
22. Daí que, evidentemente, a recorrente esteja a defender direitos e interesses que são próprios das populações da sua circunscrição territorial, porque são interesses e direitos comuns a toda a comunidade;
23. Mal andou a decisão recorrida ao julgar a recorrente parte ilegítima para imputar ao acto de licenciamento do Projecto vícios de violação do Regulamento do Plano Director Municipal de Sintra, na medida em que os munícipes residentes na circunscrição territorial da recorrente são também munícipes de Sintra. Consequentemente, existe todo o interesse desses munícipes em ver o Plano Director Municipal de Sintra cumprido na íntegra;
24. A decisão a quo errou ao não enquadrar os interesses ambientais e de qualidade/ae vida das populações da circunscrição da recorrente, ora recorrente, como interesses ou Éfíreitos difusos, quando é manifesto que a violação dos instrumentos concretizadores da polítjiza de ordenamento territorial bule com aqueles direitos e interesses;
25. Se a Constituição da República Portuguesa prescreve a inter-relação entre ambiente e ordenamento do território, mal andou a decisão recorrida ao julgar/a recorrente como parte legítima para a defesa de interesses difusos e parte ilegítima para a invocação de violações de instrumentos de gestão territorial perpetrados pelo acto de licenciamento, quando esses instrumentos são, por definição, o meio de concretização da gestão territorial e intrinsecamente ambiental;
26. Mal andou a decisão recorrida ao considerar que a autora, ora recorrente, se encontrava em juízo a defender interesses que não lhe dizem respeito. Com efeito, os instrumentos de ordenamento do território têm uma função essencialmente pública e, consequentemente, o seu integral cumprimento assume um interesse público que a todos pertence, sem qualquer excepção.

*
O Ministério da Economia e da Inovação, ora Recorrido, contra-alegou, concluindo como segue:

1. O Tribunal não tem de resolver as questões cuja decisão estçja prejudicada pela solução dada a outras, (art. 660° n° 2 do CPC aplicável por força do art. 1° do CPTA)
2. E o Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.(art. 660° do C.P.C., aplicável por força do art. 1° do CPTA)
3. Ora a Recorrente baseia a suas alegações em factos que não se encontram alegados, nem provados nos Autos, omitindo os factos contrários se encontram provados, sendo pois totalmente improcedente o presente recurso.
4. In casu ficou provado na alínea P) do probatório que o corredor da Linha não afecta as populações da área territorial da Autora, por ficarem situadas a cerca da distância de um quilómetro do limite desta, logo as inconstitucionalidades e ilegalidades alegadas pela autora a existirem, o que se invoca sem conceder, porque não existem, não afectam os fregueses da autora, nem a autora o logrou provar.
5. E a ora Recorrente não alegou na petição inicial, mas somente nas alegações finais, depois de terminada a produção de prova, malefícios resultantes dos campos electromagnéticos das linhas de alta tensão concretamente para a saúde da população, os quais, aliás confessadamente, nem logrou provar nos autos, pelo que não lhe é licito vir invocar a " inversão do ónus da prova", nem tinha o Tribunal "a quo" de se pronunciar sobre a mesma.
6. Acresce que, não sendo facto público e notório que os campos electromagnéticos das linhas de alta tensão acarretem ou possam acarretar malefícios para a saúde e não estando sequer cientificamente provada relação causal entre os efeitos electromagnéticos e a saúde, não há lugar à inversão do ónus da prova.
7. Aliás a Recorrente ao, contraditoriamente, defender ao enterramento da LMAT está a confessar que não existem os invocados potenciais malefícios para a saúde, pois a linha pelo facto de passar a ser enterrada não deixa de ser de muito alta tensão, sendo neste caso os campos magnéticos muito superiores aos da linha aérea.
8. Todavia e diferentemente do que a Recorrente alega, o douto Acórdão recorrido, embora não tivesse de se pronunciar sobre a, só em sede de alegações finais, suscitada inversão do ónus da prova, fê-lo expressamente.
9. E, como afirma o douto Acórdão recorrido, "foi produzida pela REN, SA a prova em contrário, isto é, a demonstração da adopção de medidas que acautelem os riscos existentes da incerteza científica e até a demonstração da inexistência desses riscos, perante as circunstâncias do caso."(cit pág. 51 do Acórdão recorrido)"
10. Conforme o douto Acórdão recorrido bem julgou, "há que atentar às circunstâncias concretas da LMAT objecto dos presentes Autos, e nestes vem provado que o projecto da LMAT cumpre inteiramente o estipulado no D.L. n° 29/ 2006 de 15 de Fevereiro, na Portaria n° 1421/2004, de 23 de Novembro no que se refere aos níveis de campo eléctrico e de campo magnético de forma a garantir a segurança do público em toda a extensão da linha e todas as condicionantes e limites de segurança constantes do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão aprovado pelo Decreto Regulamentar n.° 1/92 de 18 de Fevereiro, o que implica a improcedência da presente acção."
11. No caso concreto dos Autos, ficou provado que o projecto da LMAT foi, nos termos do Decreto-Lei n° 69/2000, de 3 de Maio, sujeito a avaliação do ponto de vista ambiental (AIA), tendo sido avaliados todos os aspectos relativos à saúde e qualidade de vida da população e integração paisagística e de ordenamento do território, e avaliados e ponderados os corredores alternativos e os impactes do projecto, tendo pois sido feito o balanço entre os impactes e as vantagens do projecto, nomeadamente de contributo para a melhoria da qualidade de vida da população, tendo sido escolhida a alternativa de corredor menos impactante e com melhor salvaguarda da saúde pública, do ambiente e qualidade de vida.
12. Após o que foi proferida em 10/03/2006, a Declaração de Impacte Ambiental pelo Secretário de Estado do Ambiente (DIA) condicionalmente favorável ao Projecto, (alínea J e K do factos provados) "na mesma sendo previstas medidas de minimização, programas de monitorização e planos de acompanhamento ambiental, destinados a minimizar e a prevenir efeitos e impactes negativos, medidas estas de "cautela" ou de "precaução", que igualmente se mostram absorvidas pelo acto ora impugnado, nos termos previstos na alínea M) " e " resulta do preambulo da Portaria n.° 1421/2004, de 23/11, que o legislador não ignorou aquelas que são as premissas do princípio da precaução."( Acórdão recorrido)
13. Aliás não a tendo a ora Recorrente impugnado a DIA emitida pelo Secretário de Estado do Ambiente, perante a competente entidade o MAORDT, aceitou a legalidade e validade deste acto administrativo, pelo que não lhe é licito vir agora invocar alegados vícios que a existirem, o que se alega sem conceder pois ficou provado que não existem, sempre estariam sanados por não oportuna impugnação da DIA.
14. De qualquer modo, ficou provado nos Autos que na situação concreta dos autos a construção e funcionamento da LMAT/não prejudica os direitos dos cidadãos à saúde e ambiente, pois in casu foram cumpridos todos os normativos nacionais e internacionais aplicáveis precisamente para afastar essa perigosidade que/previnem, acautelam e salvaguardam os direitos difusos ao ambiente/e saúde dos cidadãos.
15. Pois o projecto da LMAT está, como foi verificado t/elas competentes entidades, de acordo com todas as regras legais /e regulamentares existentes a nível nacional (e internacional), cumpre todas as normas de segurança aplicáveis e cumpre as distâncias exigidas pelo Regulamento das Linhas Eléctricas de Alta tensão e restantes normas do Regulamento da Segurança das linhas eléctricas de alta tensão, aprovado pelo Dec. Regulamentar n°l/92 de 18/02 e cumpre a Portaria n° 1421/2004 de 23 de Novembro que regulamenta o D.L. n° 11/2003 de 18 de Janeiro (diploma que transcreve e adopta os níveis de referência máximos de exposição do público em geral, definidos na Recomendação do Conselho europeu n°1999/519/CE) e define as restrições básicas e fixa os níveis de referência relativos à exposição do público em geral aos campos electromagnéticos de forma a garantir a segurança do público em toda a extensão da linha.
16. E, como bem afirma o douto Acórdão recorrido, releva in casu não só o facto provado na alínea P) do probatório, como ainda que os Recorridos provaram que, não só não se verificam quaisquer riscos em relação à Freguesia de Monte Abraão, como também que foram adoptadas as medidas necessárias a acautelar os riscos associados à incerteza científica sobre os efeitos da exposição da população aos campos electromagnéticos, estando pois provado que não está in casu ofendido o conteúdo essencial dos direitos fundamentais ao ambiente e à saúde.
17. Logo são falsas e improcedentes as Conclusões 2a) e 3a) e não se verifica a nulidade ali invocada.
18. Também não se verifica violação do princípio da igualdade, nem o alegado vício de omissão de pronúncia, improcedendo as Conclusões 4a a 9a) da Recorrente.
19. Como é patente no art. 117° da petição inicial, a Recorrente não fundamentou a alegada violação do princípio da igualdade nos termos agora indicados nas Conclusões 6a a 9a. Apenas nas alegações finais, como refere o douto Acórdão, a Recorrente veio invocar que este princípio se encontra violado por não terem sido ponderados todos os interesses em presença.
20. Não obstante, o douto acórdão recorrido pronunciou-se afirmando doutamente que a ora a Recorrente não só não alegou factos de orrae se pudesse inferir a violação deste princípio, como também nada provou a este propósito, tendo até ficado provado que este princípio não se mostra violado.
21. Com efeito, e, como refere o douto Acórdão recorrido, é patente a ponderação dos diferentes interesses em presença, não só do próprio acto impugnado, mas também de todo o procedimento administrativo que o precede, desde o EIA e a DIA."
22. E é "facto público e notório, na acepção do n° l do art. 514° do CPC, a clara opção pela solução do transporte aéreo de energia eléctrica, não só em Portugal, como nos demais países europeus, sendo residual a opção do enterramento, limitada apenas a situações em que as várias circunstâncias relevantes assim o não determinem."
23. Ficou também provado o Relatório da OMS que explica que abaixo dos níveis de referência não existe qualquer malefício e ficou provado que a LMAT cumpre o estipulado no D. L. n° 29/ 2006 de 15 de Fevereiro, na Portaria n° 1421/2004, de 23 de Novembro no que se refere aos níveis de campo eléctrico e de campo magnético de forma a garantir a segurança do público em toda a extensão da linha e todas as condicionantes e limites de segurança constantes do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão aprovado pelo Decreto Regulamentar n. ° 1/92 de 18 de Fevereiro.
24. E não tendo ficado provado, como vem confessado pela Recorrente, que a LMAT concreta dos Autos produza efeitos nocivos para a saúde humana, não há in casu que provar que não os produz, como já invocado na Conclusão 6a.
25. E in casu ficou provado que a concreta LMAT dos autos, passa à distancia de um quilómetro da freguesia Recorrente, e cumpre toda a legislação que visa precaver hipotéticos, e não provados, malefícios para a saúde, não acarretando malefícios para a os fregueses da Recorrente nem para a população em geral e não ofende o conteúdo essencial do direito à saúde e ao ambiente sadio, como indicado nas Conclusões 4a a 16a supra, para que se remete.
26. Também não tem razão a Recorrente nas suas Conclusões 10a a 14a, que são improcedentes, não se verificando qualquer erro de julgamento.
27. Desde logo não ficou provada a alegação da Recorrente de que zona para a qual o abastecimento de energia se destina não carece actualmente de energia eléctrica.
28. Ficou sim provado que "Sendo a Grande Lisboa alimentada por duas linhas, caso uma delas falte, a outra terá de servir toda a carga Na actualidade isto ainda é possível, embora com algumas dificuldades. Contudo, face às elevadas taxas de crescimento dos consumos verificadas nesta zona, a curto prazo, em caso de indisponibilidade de uma daquelas linhas, a outra será insuficiente para garantir a totalidade da carga pelo que se mostra multo importante o reforço da rede, para poder ter maior fiabilidade e qualidade de serviço." (cfr. alínea C) do probatório) (sublinhado do douto Acórdão recorrido).
29. Como refere o douto Acórdão recorrido, "nos termos das alíneas GG), HH) e II) dos Factos Assentes, o Projecto da Linha não só é necessário para garantir a continuidade, qualidade e segurança do abastecimento de energia eléctrica a toda a área ocidental da Grande Lisboa, como a sua inviabilização agravaria o quadro de rotura da actual capacidade de transporte e transformação na subestação de Trajouce, com reflexos negativos na economia e bem-estar da população".
30. Os autos mostram que foram estudados em sede de EIA corredores alternativos e que a escolha foi em função daquele que apresenta menores impactes e melhor salvaguarda a saúde pública, ambiente e qualidade de vida, pelo que improcede a afirmação, genérica e que não se mostra sequer provada, da Recorrente, de que in casu não foi tida em consideração a saúde dos cidadãos afectados pela LMAT, mas apenas os restantes cidadãos que beneficiarão de energia eléctrica mas não serão expostos aos efeitos nocivos dos campos electromagnéticos.
31. E a ora Recorrente nem logrou provar que a instalação e funcionamento da Linha de forma subterrânea conduziria a vantagens em termos de qualidade de vida das populações envolvidas;
32. Pelo contrario, ficou provado que o enterramento das linhas não elimina os campos magnéticos gerados por elas, os quais regra geral, são muito mais intensos do que os máximos resultantes da linhas aéreas (para iguais níveis de tensão e corrente) e que existem limitações económicas e técnicas que implicam maiores inconvenientes e desvantagens em relação à linha aérea, as quais restringem o recurso ao enterramento da linha.
33. Improcedem também as Conclusões 15a) e 16a).
34. Com efeito, como bem afirma o douto Acórdão recorrido, a aurora, ora Recorrente, limitou-se a invocar o vício de violação dos art°s 5° nº 1 e 6° n°l do RSLEAT, sem aduzir quaisquer factos donde resultem a exposição das pessoas ao perigo que alega.
35. Desde logo, o facto provado na alínea P) de que o corredor da Linha não afecta directamente as populações da área territorial da Autora, por ficarem situadas a cerca da distância de um quilómetro do limite das circunscrição territorial da Autora, implica que não se verifica in casu o alegado vicio.
36. E por outro lado não só a ora Recorrente não demonstrou que se encontram violadas as normas legais e regulamentares sobre as distâncias mínimas a manter em relação a habitações ou outros equipamentos destinados ao uso de pessoas ou ainda os níveis permitidos, como, pelo contrário, ficou provado pela REN SÁ que a LMAT cumpre o RSLEAT.
37. Improcedem também as Conclusões 17a) e 18a) da Recorrente, pois tendo ficado provada e decidida nos Autos a legalidade do acto administrativo de licenciamento do estabelecimento da linha, bem decidiu o douto Acórdão recorrido que, dado que os pedidos indicados na Conclusão 17a) da Recorrente são dependentes do pedido de impugnação do acto administrativo, tendo este sido julgado improcedente, aqueles improcedem por faltarem os seus legais pressupostos.
38. E, improcedem as Conclusões 19a) a 26a) da Recorrente, não lhe aproveitando a malabarista confusão entre o regime da nulidade e a capacidade e legitimidade processuais, que não são confundíveis.
39. A legitimidade da Recorrente restringe-se aos processos em que se discutam questões respeitantes aos efeitos do acto administrativo na sua própria circunscrição (art°2°/2 da Lei n° 83/95), não podendo agir judicialmente para defesa de interesses referentes a outro local do território nacional.
40. O facto provado na alínea P) mostra a falta de capacidade e de legitimidade para a Recorrente vir a juízo invocar as violações dos PDM de Sintra, de Amadora e de Cascais, pois tais vícios não são susceptíveis de afectar as populações nela residentes, por onde a linha não sobrepassa.
41. E também não cabe à Recorrente, nos termos constitucionais e legalmente definidos, a defesa do interesse geral da legalidade objectiva.
42. Pelo que conforme bem decidiu o Tribunal "a quo" no douto despacho saneador, a ora recorrente carece de capacidade e de legitimidade, quer substantiva quer processual para vir a juízo invocar as violações dos PDMs de Sintra, de Amadora e de Cascais.

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A REN – Rede Eléctrica Nacional SA, ora Recorrida, contra-alegou concluindo como segue:

1. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões por ela suscitadas na acção, designadamente a questão da pretensa inversão do ónus da prova por força do Princípio da Precaução, pelo que, não sendo nula a decisão ora impugnada à luz do artigo 668o/l/d do CPC aplicável ex vi do artigo 1° do CPTA, improcedem as conclusões 2a e 3a das alegações da recorrente.
2. Independentemente de o acórdão registar a pronúncia sobre a referida questão, a verdade é que o princípio da precaução não vigora no ordenamento jurídico português com o valor e o alcance que a recorrente lhe dá.
3. Acresce ao que antecede que os autos demonstram que o acto impugnado deu integral cumprimento ao princípio da precaução, provando-se que foram adoptadas medidas destinadas a prevenir os impactos sobre o ambiente e de salvaguarda da saúde pública definidas na sequência do procedimento de avaliação de impactes ambientais, respeitando também a Portaria n° 1421/2004, de/23 de Outubro que densifica este princípio fixando limiares de intensidade para os campos eléctrico e magnético que a LMAT em causa está longe de atingir.
4. É falso que o acórdão recorrido tenha omitido pronúncia sobre a alegada violação do Princípio da Igualdade, não sendo por isso nula à luz do artigo 668o/1/d do CPC aplicável ex vi do artigo 1° do CPTA, improcedendo em consequência a conclusão 4a.
5. É falso que o Tribunal a quo tenha entendido que o acto impugnado respeita o Princípio da Igualdade unicamente porque a LMAT irá beneficiar todos os cidadãos como se afirma na conclusão 5a das alegações da recorrente.
6. A fls 57 e 58 do acórdão recorrido consta o conjunto de razões que, no entender do Tribunal a quo, motivam a improcedência do vício de violação do princípio da igualdade, o que a recorrente não pode deixar de saber pois foi notificado da decisão, configurando a alegação manifesta litigância de má fé.
7. O que a recorrente pretende com o presente recurso não é sindicar a legalidade da decisão judicial recorrida, é um novo julgamento da legalidade da decisão administrativa impugnada, para o que reitera aqui a argumentação usada na acção, designadamente a pretensa violação do Principio da Igualdade.
8. Apesar de por princípio estar legalmente vedado ao tribunal de recurso a prolação de uma nova decisão que faça tábua rasa do julgado nas instâncias, sempre se dirá que ficou pró vadio desde logo por confissão da A., ora recorrente, que a linha passa a pelo menos um quilómetro dos limites da Freguesia, não afectando qualquer dos seus habitantes.
9. Não passando a LMAT em causa pelo território da Freguesia e nessa medida não afectando os seus habitantes, os fregueses de Monte Abraão não se encontram, logicamente, discriminados em relação aos demais.
10. Ainda que a linha afectasse os fregueses de Monte Abraão (que não afecta, como ficou provado) e sobre os mesmos impendesse algum ónus, esse ónus seria equivalente ao imposto por razões de interesse público aos habitantes de outras freguesias em qualquer local do País.
11. Tendo o acórdão recorrido considerado que só existe violação do Princípio da Igualdade quando, em condições materialmente idênticas, a Administração trate diferenciadamente os destinatários dos seus actos, discriminando em razão de qualquer dos factores a que se refere o artigo 13.° da Constituição, improcedem também as conclusões 5a e 6a das alegações da recorrente.
12. A A., ora recorrente, não provou que o acto de licenciamento que impugnou viola o conteúdo essencial dos direitos consagrados nos artigos 64° e 66° da Constituição, isto é, os direitos à saúde pública e a um ambiente sadio.
13. Ao invés os recorridos produziram ampla prova no sentida de demonstrar o que no processo instrutor já se anunciava, isto á, que os campos eléctrico e magnético gerados pela LMAT r/ao são susceptíveis de afectar ou por em risco a saúde pública.
14. Foi igualmente demonstrado que a LMAT não gera outros impactes ambientais para além dos que foram considerados em sede de AIA, tendo sido adoptadas as medidas minimizadoras constantes da DIA em que se baseou a decisão administrativa impugnada pela aqui recorrente Freguesia de Monte Abraão.
15. O projecto da LMAT e a linha em serviço respeitam os limites impostos pela Portaria n° 1421/2004, de 23 de Outubro para protecção da saúde das populações mais próximas das linhas de transporte de energia eléctrica.
16. Improcedem por isso as conclusões 7a e 8a das alegações da recorrente, não ocorrendo qualquer erro de julgamento na apreciação que o Tribunal a quo fez destas questões.
17. É absurdo pretender-se que o Tribunal a quo errou quando, perante a prova por confissão da ora recorrente de que a linha não sobrepassava o território da Freguesia e que por isso não afectava os seus habitantes, concluiu pela ilegitimidade da Freguesia recorrente para acautelar em juízo os interesses dos fregueses.
18. Contrariamente ao que afirma a recorrente na conclusão 9a. das suas alegações, ninguém pode reclamar protecção judicial para defesa de direitos ou interesses que não detém, nem para/repelir ameaças ou perigos a que, comprovadamente, não está sujeito.
19. O Tribunal a quo procedeu a uma correcta ponderação dos interesses em causa, concluindo que o acto impugnado respeitou o Princípio da Proporcionalidade nas suas diferentes vertentes.
20. A A., aqui recorrente, não logrou provar que a linha em causa não era necessária; ao invés os recorridos demonstraram cabalmente, e o acórdão regista, que a LMAT é indispensável para garantir o abastecimento contínuo e seguro à zona ocidental da região da Grande Lisboa.
21. À opção pela linha aérea ou pelo enterramento dos cabos de transporte de energia eléctrica presidem critérios técnicos e não jurídicos, pelo que o licenciamento da LMAT em causa é, quanto à solução adoptada, insindicável pelos tribunais administrativos por se situar no domínio da discricionariedade técnica.
22. Ainda que não fosse como antes se conclui, a opção pelo enterramento da linha não era a solução mais adequada, e logo conforme ao Princípio da Proporcionalidade, porquanto a esta solução se opõem graves condicionalismos técnicos e económicos.
23. A solução de enterramento não seria, por outro lado, a mais adequada do ponto de vista da defesa da saúde pública conquanto os campos magnéticos gerados são em algumas circunstâncias mais intensos do que os gerados pelas linhas aéreas.
24. Face aos interesse público que a LMAT visa prosseguir e à necessidade geral de abastecimento energético seguro e contínuo, a decisão recorrida, ao julgar pela necessidade da linha e pela sua adequação, procede a uma correcta ponderação dos interesses em causa, respeitando assim o Princípio da Proporcionalidade strícto sensu, devendo pois improceder as conclusões 10a a 14a da alegações da recorrente.
25. O douto acórdão recorrido andou bem quando nele se decidiu, fundamentadamente, que o acto impugnado não ofendeu o Regulamento de Segurança das Linhas de Alta Tensão.
26. Não ocorre qualquer violação dos artigos 5°/l e 6°/l do referido diploma, pelas razões que se colhem do douto acórdão recorrido, pelo que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento nesta matéria, contrariamente ao que a recorrente levou às conclusões 15a e 16a das suas alegações.
27. São absurdas as conclusões 17a e 18a das alegações da recorrente, pois tratando-se de pedidos que dependiam da pretensão de anulação do acto em causa, tendo este pedido improcedido totalmente, não poderia o Tribunal deixar de julgar improcedente aqueles outros.
28. São totalmente improcedentes as conclusões 19a e 20a das alegações da recorrente face à prova produzida de que a linha por não passar no território da Freguesia de Monte Abraão não afectar as populações que residem.
29. Nos termos do artigo 235o/2 da CRP, as autarquias locais prosseguem os interesses próprios das respectivas populações, o que determina o estatuto processual da aqui recorrente.
30. A alegação de nulidade de um acto administrativo não pode ser feita por quem carece de legitimidade por não ver os seus direitos ou interesses afectados pelo alegado acto nulo; nessa medida, andou bem o Tribunal a quo quando julgou pela ilegitimidade da recorrente para impugnar o acto por pretensa violação dos PDM de Sintra, de Cascais e da Amadora.
31. Pelo que antecede, e pelo mais que fundamenta nesta parte a decisão recorrida e que não merece qualquer censura, improcedem as conclusões 19a a 26a das suas alegações.
32. As alegações do recorrente no sentido de que o Tribunal a quo omitiu a pronúncia devida na apreciação da alegada inversão do ónus da prova por força do princípio da precaução e da indagação da alegada infracção ao princípio da igualdade, revelam manifesto abuso do direito ao recurso, configurando uma situação de litigância de má fé.
33. A recorrente não podia ignorar, face ao teor claro da decisão recorrida, que o Tribunal a quo efectivamente apreciou as questões que alega terem sido omitidas, alterando por isso a verdade dos factos.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:
A) A REN - Rede Eléctrica Nacional, S.A. é concessionária da Rede Nacional de Transporte de Electricidade no território de Portugal continental - Acordo e doe. de fls. 1402-1414, junto aos autos de processo cautelar;
B) No âmbito das suas atribuições, a REN elaborou projecto designado "Linha Fanhões-Trajouce, a 220 Kv", traduzido na implantação de apoios para o funcionamento de linhas de muita alta tensão, atravessando os concelhos da Amadora, Sintra e Cascais - Acordo e doe. de fls. 58 e seguintes dos presentes autos;
C) No âmbito do referido projecto, a REN foi proponente do "Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do Troço da Linha Fanhões-Trajouce, a 220 Kv. entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce", constando dos "Elementos Adicionais, Resumo Não Técnico", datado de Setembro de 2005, o que se extrai, por súmula: "J - INTRODUÇÃO Neste documento apresenta-se o Resumo Não Técnico do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do Projecto da Linha Fanhões-Trajouce, a 220 Kv, (troço entre o Apoio n° 46 e a Subestação de Trajouce), em fase de projecto de execução, nos termos do previsto no Decreto-Lei n° 69/2000, de 3 de Maio, que estabelece o regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). A REN (...) pretende efectuar o reforço do fornecimento de energia eléctrica em Muito Alta Tensão à Zona da Grande Lisboa, nomeadamente, à Subestação de Trajouce, que é actualmente alimentada pelas linhas que a interligam às subestações de Alto da Ádira e Rio Maior. A subestação de Trajouce abastece uma parte significativa dos consumos localizados na zona ocidental da Grande Lisboa. Presentemente, a sua alimentação é conseguida através de apenas duas linhas de 220 kv, o que significa que, caso uma delas falte, a outra terá de servir toda a carga. Na actualidade isto ainda é possível, embora com algumas dificuldades. Contudo, face às elevadas taxas de crescimento dos consumos verificadas nesta zona, a curto prazo, em caso de indisponibilidade de uma daquelas linhas, a outra será insuficiente para garantir a totalidade da carga, pelo que se mostra muito importante o reforço da rede, para poder ter maior fiabilidade e qualidade de serviço. (...) 2. OBJECTIVO ENQUADRAMENTO E LOCALIZAÇÃO DO PROJECTO Como já foi referido, o presente projecto visa melhorar as condições de abastecimento, em muita alta tensão, à região da Grande Lisboa, sendo o objectivo do EIA identificar os potenciais impactes inerentes à construção e exploração deste projecto, bem como, identificar as medidas de minimização e/ou compensação mais adequadas por forma a reduzir o significado dos impactes identificados. (...) Este projecto foi também objecto de um estudo de grandes condicionantes e selecção de corredores. O estudo de selecção de corredores desenvolvido teve como finalidade identificar e validar, do ponto de vista ambiental e técnico, um corredor para o estabelecimento da linha. (...) 3.3.1. Construção da Linha: As actividades de construção da Linha são muito simples e englobam, basicamente, abertura de caboucos e execução das fundações para os postes, montagem mecânica dos postes e montagem de isoladores e condutores (cabos). (...) 4 — AMBIENTE AFECTADO, ANÁLISE DE IMPACTES E MEDIDAS DE MINIMIZAÇÃO Tendo em atenção as características Específicas do Projecto, procedeu-se a uma caracterização dos principais elementos que poderiam, eventualmente, ser afectados, com algum significado, com a construção e exploração da nova Linha. Analisaram-se, também, sempre que tal foi pertinente, os impactes resultantes da desactivação da mesma. A caracterização da situação actual do ambiente, na área em causa, envolveu a recolha e análise de um conjunto diversificado de dados de base e informações existentes em vários organismos e entidades responsáveis pela sua disponibilização. A necessidade de complementar a informação recolhida, bem como a circunstância de se conhecer, com maior pormenor, os dados de natureza local, conduziu à realização de estudos e trabalhos de campo que contribuíram, nomeadamente, para a caracterização da flora e fauna terrestres, observação e avaliação das paisagens e confirmação da ocupação do solo, caracterização acústica da zona através de medições do ruído e trabalhos de prospecção arqueológica na área previstas para a implantação dos postes. (...) a análise e selecção de corredores, efectuada numa fase anterior ao EIA, por forma a definir as localizações mais adequadas para os postes e traçado da linha, é considerada como a medida minimizadora mais importante num projecto desta natureza. 4.1. ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO A análise do Ordenamento do Território, foi efectuada a partir da consulta dos Planos Directores Municipais (PDM) dos concelhos de Amadora, Sintra e Cascais (...) As Áreas Culturais e Naturais (...) não se considera que a afectação provocada pela Linha constitua um impacte ao nível do ordenamento do território. (...) No que se refere ao Espaço Urbano, e uma vez que só irá existir dois apoios, e tendo em atenção que não existe qualquer impedimento legal à implementação deste tipo de infraestruturas em áreas urbanas (desde que cumpridas as distâncias de segurança), não se considera que haja qualquer impacte sobre o ordenamento do território. (...) A Linha em estudo (4 apoios) ficarão implantados em áreas afectas à Reserva Ecológica Nacional. A afectação desta área, num total de 1600 m2 na fase de construção e 480 m2 na fase de exploração, é considerada com um impacte negativo, com significado. Não haverá qualquer afectação de Reserva Agrícola Nacional (RAN) (...) 4.3. DEMOGRAFIA E POVOAMENTO A área em estudo localiza-se na região da Grande Lisboa, atravessando, de nascente para poente, território das freguesias de São Brás e Mina (concelho da Amadora), Belas, Agualva-Cacém, São Marcos e Rio de Mouro (concelho de Sintra) e São Domingos de Rana (concelho de Cascais). As freguesias atravessadas estão classificadas como áreas predominantemente urbanas. Um dos principais impactes negativos resultantes da instalação de linhas de alta tensão corresponde à sobrepassagem ou proximidade de edificações com função residencial (...) As referidas sobrepassagens e presença da Linha induzem perturbações na população devidas essencialmente, à redução da qualidade de vida das populações. No entanto, e a curto prazo, o desconforto originado pela presença de um elemento estranho no quotidiano das populações tende a atenuar-se pela habituação e pelo conhecimento que entretanto se adquire. Todavia, considera-se este impacto como negativo e significativo para as populações residentes na proximidade da Linha. Por outro lado, e de um ponto de vista mais global, considerando que a Linha em estudo tem por objectivo o reforço do fornecimento de energia eléctrica em muito alta tensão à zona da Grande Lisboa, considera-se que a Linha terá um contributo muito importante no quotidiano das populações pela maior disponibilidade e fiabilidade de energia (...) a exploração da Linha constituirá um impacte positivo, muito significativo. Importa, também esperar, na fase de construção, a existência de impactes ao nível das populações resultantes das actividades de obra (...) as medidas de minimização propostas para os impactes identificados passam pela indemnização dos proprietários e/ou arrendatários dos terrenos onde foram colocados os postes e daqueles que sofram estragos motivados pela construção da Linha ou devido a limitações de utilização do terreno durante a fase de exploração da mesma. (...) 4.5. AMBIENTE SONORO (...) Na fase de exploração não são identificados quaisquer impactes negativos imputáveis ao projecto (...) 4.6. PAISAGEM (...) Na fase de exploração, uma vez que se trata da introdução de novos elementos construídos na paisagem, continuar-se-á a sentir a degradação da qualidade visual e a alteração do carácter da paisagem actualmente existente, resultante do efeito de intrusão. Haverá assim, e pontualmente, um impacte negativo, com algum significado local. A desactivação da Linha representará um impacte positivo no cenário paisagístico da área interessada pelo Projecto. (...)" - Acordo e doe. de fls. 70-88 dos autos de processo cautelar, a fls. 58-76 dos presentes autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;
D) Decorre do Resumo Não Técnico integrante do Estudo de Impacto Ambiental, que antecede, que os apoios que vão sustentar a Linha localizam-se em várias categorias de espaços previstas nos Planos Directores Municipais (PDM) dos concelhos da Amadora, Sintra e Cascais - Acordo e doe. de fls. 58 e seguintes dos autos;
E) No concelho da Amadora, de acordo com o PDM, os dois apoios previstos ficam localizados em Espaço Verde de Protecção e Enquadramento - Acordo;
F) No concelho de Cascais, o único apoio previsto fica localizado em Espaço de Protecção e Enquadramento, do PDM - Acordo;
G) No concelho de Sintra, de acordo com o PDM, os apoios previstos ficam assim localizados: 4 (quatro) apoios ficam localizados em Espaço Canal; 3 (três) apoios em Espaço Cultural e Natural; 5 (cinco) apoios em Espaço Urbanizável de Uso Predominantemente Habitacional; 2 (dois) apoios em Espaço Urbano; 3 (três) apoios em Espaços Industriais; 6 (seis) apoios em Espaços de Protecção e Enquadramento e 4 (quatro) apoios em áreas afectas a Reserva Ecológica Nacional - Acordo;
H) Durante a fase de discussão pública do Estudo de Impacte Ambiental, que ocorreu entre 10/11/2005 e 16/12/2005, foram apresentadas reservas e/ou condicionantes à realização do referido Projecto, quer por entidades públicas, quer por privados - cfr. doe. de fls. 89 e seguintes dos autos de processo cautelar, para que se remete, para todos os efeitos;
I) Na fase de discussão pública, o Município de Sintra apresentou a Moção que se dá como assente a fls. 108 dos autos de processo cautelar, nos termos da qual transmitiu ao Instituto do Ambiente a sua objecção ao Projecto no que toca à passagem pela zona de Colaride, apelando ao Instituto que encontre soluções alternativas ao trajecto;
J) Em sequência, em 10/03/2006, o Secretário de Estado do Ambiente emitiu a Declaração de Impacte Ambiental (DIA), condicionalmente favorável ao Projecto "Linha Fanhões/Trajouce a 220 Kv, troço entre o Apoio n° 46 e a Subestação de Trajouce", sendo, para tanto, previstas várias "Medidas de Minimização", programas de monitorização, plano de acompanhamento ambiental e outros elementos discriminados em anexo à citada Declaração, exigindo-se informação complementar em relação a algumas questões - doe. de fls. 192-193 e 194-199 dos autos de proc. cautelar, a fls. 77-78 e 79-84 dos presentes autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos;
K) Em Abril de 2006, na sequência da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) condicionalmente favorável do Projecto, foram apresentadas à Autoridade de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), esclarecimentos e elementos adicionais, em conformidade com o constante a fls. 200-2002 dos autos de proc. cautelar, a fls. 85-87 dos presentes autos, para que se remete e que aqui se considera integralmente reproduzido;
L) Em 12/06/2006 o Executivo da Freguesia de Monte Abraão aprovou uma Moção, nos termos da qual manifestou a sua discordância com o Projecto, propondo a opção do enterramento da Linha - doe. de fls. 204-205 dos autos de proc. cautelar;
M) Em 16/08/2006 o Director-Geral da Direcção Geral de Geologia e Energia emitiu acto administrativo de licenciamento do projecto "Linha Fanhões- Trajouce, a 220 Kv, no troço compreendido entre o apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce", sujeito aos seguintes condicicionamentos: "7 -Satisfazer os condicionamentos impostos pela ANA; 2 -Cumprir as medidas de minimização e monitorização constantes da DIA" — Acordo e doe. de fls. 54-55 dos autos;
N) No dia seguinte, em 17/08/2006, a REN foi notificada do despacho que antecede, do mesmo constando o que se extrai: "Assunto: LICENÇA DE ESTABELECIMENTO - Para os devidos efeitos comunico que, nos termos do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo DL nº 26852, de 30 de Julho de 1936, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n° 446/76, de 5 de Junho, foi concedida por despacho de 16 de Agosto de 2006, licença de estabelecimento para: Linha aérea a 220 Kv Fanhões- Trajouce, constituída por um troço já existente entre a subestação de Fanhões e o seu apoio nº 45, na extensão de 18200 m, e por um troço a construir entre este apoio e a subestação de Trajouce, na extensão de 1074Sm. Desmontagem da ligação actualmente existente entre o apoio n" 45 atrás referido e a linha Rio Maior - Trajouce. Os apoios nºs. 46, 47 e 48 são comuns a esta última linha. Mais se informa que esta licença fica sujeita às seguintes cláusulas: l - Satisfazer as condicionantes impostas pela ANA; 2 - Cumprir as medidas de minimização e monitorização constantes da Declaração de Impacte Ambiental (DIA). Junto remeto um exemplar do respectivo projecto, devidamente visado, bem como o Estudo de Impacte Ambiental, o qual servirá para provar, perante as entidades competentes, que a licença foi concedida, podendo iniciar os trabalhos de estabelecimento da referida instalação. Esta licença confere à REN os direitos previstos no artigo 12° do Decreto-Lei nº 29/2006, de 15 de Fevereiro, nomeadamente a constituição das servidões necessárias ao estabelecimento e exploração da referida instalação. (...)" - doe. de fls. 56-57 dos autos;
O) A REN deu início à execução dos trabalhos de estabelecimento da Linha - Acordo;
P) O corredor da Linha não afecta directamente as populações da área territorial da Autora, por ficarem situadas a cerca da distância de um quilómetro do limite da circunscrição territorial da Autora - Acordo e Confissão;
Q) O local onde se encontra situado a Anta de Belas ou Anta de Monte Abraão foi utilizado para colocar manilhas - cfr. does. de fls. 214-219 e 266-267 dos autos de proc. cautelar e Acordo;
R) A Anta de Belas ou Anta de Monte Abraão não se situa em área territorial da Autora, Freguesia de Monte Abraão, por situar-se na Freguesia de Belas - Acordo;
S) O transporte de energia em regime de muito alta tensão é uma actividade perigosa, pela própria natureza da actividade de distribuição de energia eléctrica - Acordo;
T) O transporte de energia processa-se por via aérea, através da instalação de postes de altura elevada (mais de 60 metros) - Acordo;
U) No âmbito do processo camarário n° 4751/2006, em 24/11/2006, o Vereador da Câmara Municipal de Sintra, proferiu despacho de concordância com a informação/parecer da Divisão de Fiscalização Municipal, relativa a "Construção de linhas de alta tensão, em zonas de protecção arqueológica", da mesma constando o que se extrai: "A REN (...) é responsável pela construção de linhas aéreas de transporte de electricidade que decorre em zonas de protecção arqueológica, nomeadamente no Alto de Colaride e junto à Anta de Monte Abraão. Os trabalhos estão a ser realizados (...) sem que para o efeito tenham sido licenciados pela Câmara Municipal de Sintra ou que tenha sido apresentado plano de obras, l- Ora, tendo em atenção que a Anta de Monte Abraão se trata de um imóvel classificado como Monumento Nacional (...) urge proceder à sua protecção, valorização e salvaguarda (...) Atento aos considerandos descritos e tendo em especial atenção a violação do disposto no PDM de Sintra acima referido, e de acordo com o determinado no Artº 102°, nº l alínea c) do D.L. nº 555/99, de 16 de Dezembro, propõe-se: a) Embargo da obra por 12 meses nos termos do Artº 102 nº l alínea c) e Artº 104° do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro dada pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho. b) Inexistência de audiência dos interessados (...}" -doe. de fls. 263-265 dos autos de proc. cautelar;
V) Na mesma data, em 24/11/2006 foi emitido Mandado de Embargo, constando do respectivo Auto de Embargo, datado de 27/11/2006, o que se extrai, "SUSPENDER IMEDIATAMENTE os trabalhos da obra, que constam de construção de linhas aéreas de transporte de electricidade que decorre em zonas de protecção arqueológica, junto à Anta de Monte Abraão. A obra objecto do presente auto de Embargo encontra-se em fase de abertura de caboucos a cerca de cem metros da Anta de Monte Abraão e/junto à CREL, entre a Idanha e Monte Abraão. Os postes não se encontram instalados." -cfr. does. de fls. 260 e 261-262 dos autos de proc. cautelar, para que se remete;
W) Na mesma data de 24/11/2006 a REN dirigiu a Carta ao Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, sob Ref. "Carta EQ 727/2006", donde se extrai: "(...) O traçado da linha em assunto tem quatro apoios (apoios n" 54, 65, 66 e 74) em zonas de Reserva Ecológica Nacional. Junta-se cópia do desenho D, com a localização de áreas de Reserva Ecológica Nacional e localização dos apoios, verificando-se que (...) a colocação daqueles apoios está isenta de autorização ou comunicação prévia." - doe. de fls. 264 dos presentes autos;
X) Em resposta, em Janeiro de 2007, a Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo informou a REN do seguinte "(..) pelo facto do Ecossistema afectado pela colocação dos apoios ser o de Riscos de Erosão, a sua concretização está isenta de autorização ou comunicação prévia a esta CCDR (...)" - doe. de fls. 265 dos autos;
Y) Consta do Relatório emitido pelo Centro Regional para a Europa, da Organização Mundial de Saúde, sobre "Campos electromagnéticos", o que se extrai, por súmula: "O Centro Regional para a Europa da Organização Mundial de Saúde é solicitado, com regularidade, a dar conselho de carácter técnico ou prático relativamente a um vasto número de questões relacionadas com a saúde e o ambiente. (...) SUMARIO (...) O grau de exposição do ser humano aos CEM (campos electromagnéticos) deve ser avaliado com base num conjunto de níveis de referência, que se encontram estabelecidos duma forma clara e bem fundamentada. (...) Relativamente às pessoas que, na sua vida quotidiana, estão expostas a esses níveis de referência, não foram detectados efeitos adversos nos seus padrões de saúde. No entanto, tendo particularmente em atenção as questões "cancro e campos magnéticos" e "efeitos de longo termo associados aos telefones móveis (telemóveis) ", muitos estudos prosseguem ainda o seu curso de realização. Por parte da população, verificam-se, muitas vezes, preocupações significativas, nalguns casos ansiedade, relativamente a algumas fontes de CEM, especialmente linhas de transporte de electricidade e antenas de transmissão das estações de base das redes de telemóveis. Estas preocupações estão a ter uma incidência directa nas políticas de saúde pública em muitos países. (...) Os campos eléctricos provocados pelas linhas de transporte podem ser atenuados pela interposição de muros, edifícios e árvores. Os cabos eléctricos soterrados quase não produzem campos eléctricos à superfície. Os campos magnéticos não são atenuados pela interposição de árvores, muros ou edifícios. Enterrar os cabos eléctricos não reduz os campos magnéticos da mesma forma que reduz os campos eléctricos. Contudo, a intensidade dos campos magnéticos diminui rapidamente com a distância à sua fonte de origem. (...) Desde então, têm sido publicados em todo o mundo muitas centenas de estudos sobre a saúde humana. Alguns estudos têm identificado um aumento da incidência de doenças próximo de linhas de transporte de energia eléctrica, enquanto muitos estudos o não têm feito. Nos casos em que o risco tem sido quantificado, verifica-se que ele é geralmente pequeno. Apesar do elevado número de estudos que conclui o contrário, é por vezes dado um grande ênfase a qualquer estudo isolado que sugira risco para a saúde. (...) Dito duma forma geral, a questão "CEM e saúde " tem sido objecto de uma enorme quantidade de estudos de investigação e de resenhas científicas (...) deve reconhecer-se que se trata dum tópico especialmente controverso, a que está frequentemente associada muita confusão, alimentada pela obtenção de resultados contraditórios. (...) Em campos eléctricos intensos, por exemplo debaixo de linhas aéreas de transporte de energia, algumas pessoas podem sentir as cargas alternantes quando os seus pêlos começam a vibrar. Esta situação não se reveste de qualquer perigo mas pode provocar um incómodo. (...)" - doe. de fls. 365-389 dos autos de proc. cautelar, para que se remete, para todos os efeitos legais.
Z) A ora Autora, em 05/12/2006, instaurou processo cautelar deduzindo os pedidos de adopção das providências cautelares de suspensão de eficácia do acto administrativo de licenciamento do Projecto contra o Ministério da Economia e da Inovação e a intimação a abstenção de conduta contra da REN, pedindo o decretamento provisório desta última providência, que correu termos sob n° 1354/06.OBESNT, apenso à presente acção administrativa especial;
AA) Em 13/12/2006 o Director-Geral da Direcção Geral de Geologia e Energia emitiu Resolução Fundamentada - cfr. doe. de fls. 274-278 do proc. cautelar;
BB) Em 29/01/2007 foi proferida decisão definitiva do pedido de decretamento provisório nos termos do disposto no nº 6 do art° 131° do GPTA, rejeitando a providência requerida - cfr. fls. 1269-1300 do proc. cautelar apenso;
CC) A Autora instaurou a presente acção administrativa especial em juízo em 13/02/2007, mediante envio por correio postal - cfr. fls. 2 dos autos;
DD) O acto de licenciamento não foi notificado à Autora — Acordo;
EE) Em 16/03/2007 foi proferida sentença no âmbito do processo cautelar que correu termos neste TAF de Sintra, sob n° 1354/06.OBESNT, indeferindo o pedido de adopção das providências cautelares requeridas - cfr. fls. 1426- 1483 dos autos de processo cautelar;
FF) A Autora teve conhecimento do acto impugnado, assente na alínea M), em 13/11/2006 - prova testemunhal;
GG) O Projecto da Linha é necessário para garantir a continuidade, qualidade e segurança do abastecimento de energia eléctrica a toda a área ocidental da Grande Lisboa - prova testemunhal;
HH) A inviabilização do Projecto agravaria o quadro de ruptura da actual capacidade de transporte e transformação na subestação de Trajouce — prova testemunhal;
II) Com reflexos negativos na economia e bem-estar da generalidade dos cidadãos - prova testemunhal;
JJ) Existem limitações técnicas e económicas que restringem o recurso à solução do enterramento das linhas - prova testemunhal.

Factos não provados: Em face da prova produzida, resultou não provada a seguinte matéria de facto:
· A instalação e transporte de electricidade em regime de muito alta tensão implica degradação do ambiente;
· E diminui a qualidade de vida das populações;
· Acarretando problemas de saúde para as populações afectadas derivadas do funcionamento próximo;
· A instalação e funcionamento da Linha de forma subterrânea conduziria a vantagens em termos de qualidade de vida das populações envolvidas;
· A zona para a qual o abastecimento de energia se destina não carece actualmente de energia eléctrica;
· A Autora teve conhecimento do acto impugnado, antes de 13/11/2006;
· Existem limitações administrativas que restringem o recurso à solução do enterramento das linhas.


DO DIREITO

a. omissão de pronúncia – artº 668º nº 1 d) CPC;

Nos itens 1 a 6 das conclusões de recurso vem assacada a nulidade do acódão por incorrer em desconformidade primária de direito adjectivo, artº 668º nº 1 d) CPC, porque “não se pronunciou relativamente à questão jurídica suscitada da inversão do ónus da prova” (itens 1 a 3) bem como “não se pronunciou igualmente quanto à assacada ofensa ao Princípio da Igualdade nos moldes alegados pela recorrente.” (itens 4 a 6).
No que respeita a esta causa de nulidade específica da sentença, especificada na alínea d) do elenco taxativo do artº 668º nº 1 do CPC em conjugação, quanto ao respectivo conteúdo, com o disposto no artº 660º nº 2 do mesmo Código, cumpre, primeiro, salientar que o conceito adjectivo de questão, no que respeita à delimitação do conhecimento do Tribunal ad quem pedida pelo Recorrente, “(..) deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (..)” (1).
Para este efeito de obstar a que a sentença fique inquinada do vício de omissão de pronúncia, temos que questões de mérito “(..) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (..) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.
Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.
E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva. (..)” (2)
Em segundo lugar, cumpre salientar igualmente que não cabe confundir questões com considerações, “(..) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. (..)” (3).
Nesta matéria das “(..) nulidades da sentença por excesso ou omissão de pronúncia e ainda por conhecimento de objecto diverso do requerido, [o] fundamento da arguição destes vícios da decisão será a errada interpretação dos actos postulativos. Saber se qualquer uma destas nulidades procede supõe uma interpretação dos actos postulativos e o respectivo confronto com a decisão. (..)” (4).

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Portanto, a traço largo, cabe atender a três vectores: salvo conhecimento oficioso, as questões carecem de ser suscitadas pelas partes nos articulados, aqui incluídas as alegações finais; a nulidade apenas decorre da omissão de questão alegada, estando de fora o argumentário adjacente; entre as questões e a pretensão jurisdicional deduzida em juízo tem que haver uma conexão jurídica directa.
Como actos postulativos importam o pedido deduzido pela ora Recorrente de declaração de nulidade ou a anulação do licenciamento de 16/08/2006 do Projecto “Linha Fanhões-Trajouce, a 250 Kv no troço compreendido entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce”, cumulado com a condenação da ora Recorrida REN – Rede Eléctrica Nacional SA a abster-se da prática de actos consequentes ou de execução do licenciamento impugnado e a praticar os actos materiais necessários à reconstituição da situação anterior à prática do acto impugnado.
A propósito dos alegados efeitos maléficos dos campos electromagnéticos originários das LMAT sobre a saúde das pessoas, causa de pedir substanciadora do pedido múltiplo, a ora Recorrente suscitou nas alegações finais uma questão de natureza processual, apresentada como sendo um caso de inversão do ónus de prova, construída nos seguintes termos:
· não é a Autora e ora Recorrente quem tem de provar que as LMAT originam campos electromagnéticos que fazem mal à saúde das pessoas, mas o contrário,
· são as Rés e ora Recorridas quem tem de provar que as LMAT originam campos electromagnéticos que não fazem mal à saúde das pessoas, por força do dever geral de garante imposto pelo Princípio da Precaução “atendendo à qualidade das Recorridas, às suas competências e aos deveres que lhes incumbem de evitar que o estabelecimento de linhas eléctricas provoque perigo para os cidadãos”.
Todavia, a questão nos moldes colocados não se reconduz à omissão de pronúncia, pois a lei sanciona com a nulidade a falta absoluta de motivação e não a motivação deficiente ou errada, que “(..) é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. (..)”(5).
Na circunstância em apreço, a omissão de pronúncia sobre a inversão de ónus de prova (itens 1 a 3) entronca no entendimento sufragado pela ora Recorrente sobre o princípio da precaução, a partir do qual onera a parte contrária com a prova da “exposição não nociva para a saúde pública” às LMAT.
Logo por aqui se vê que a questão fundamental suscitada compete ser analisada como vício por erro de julgamento pois a questão trazida a recurso é o entendimento da ora Recorrente sobre as consequências adjectivas do princípio da precaução no domínio dos temas probatórios, matéria amplamente tratada pela doutrina especializada.
No tocante à omissão de pronúncia em sede de “Princípio da Igualdade nos moldes alegados pela recorrente” (itens 4 a 6), já se deixou claro que a sanção da nulidade de sentença é restrita à falta absoluta de consideração jurídica sobre o bem ou mal fundado das questões alegadas pelas partes a propósito em matéria de excepção e de causa de pedir, não cabendo nesta medida sencionatória o deixar de se pronunciar juridicamente sobre parte das considerações expostas nos articulados sobre a questão central da excepção ou dos fundamentos do pedido.
Se a sentença não teve em conta considerações trazidas a juízo pelo sujeito processual e que abonam em favor de distinta solução plausível em direito, isto é, em favor de diversa tese doutrinária sobre o direito objectivo, essa falta de consideração é subsumível no erro de julgamento e apreciada como tal, não se reconduzindo à omissão de pronúncia.
Na circunstância concreta, o Tribunal a quo pronunciou-se expressamente sobre a violação do Princípio da Igualdade nos termos alegados no artigo 117 da p.i. – vd. acórdão sob recurso no segmento constante de fls. 956 a 958 dos autos - pelo que não é sustentável a omissão de pronúncia nesta matéria.
Pelo exposto improcedem as questões de nulidade de sentença trazidas a recurso nos itens 1 a 6 das conclusões.


b. legitimidade activa; interesses difusos;

O segmento em causa do despacho saneador ora impugnado é para confirmar pelas razões que seguem.
Na presente acção administrativa especial vem pedida a declaração de nulidade ou a anulação do acto de licenciamento do Projecto “Linha Fanhões-Trajouce, a 250 Kv no troço compreendido entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce”, de 16/08/2006 pelo Director-Geral da Direcção Geral de Geologia e Energia, Direcção Geral integrada no Ministério da Economia e da Inovação, pedido cumulado com a condenação da ora Recorrida REN – Rede Eléctrica Nacional SA a abster-se da prática de actos consequentes ou de execução do licenciamento impugnado e a praticar os actos materiais necessários à reconstituição da situação anterior à prática do acto impugnado, acção julgada totalmente improcedente.
Em via de recurso do despacho saneador, nos itens 9 e 19 a 26 das conclusões vem suscitado o erro de julgamento por a ora Recorrente ter sido declarada parte ilegítima “(..) para impugnar o acto de licenciamento nos termos alegados em juízo nas alíneas a), b), c), d) e), f) g), h) e i) do ponto 1. da petição inicial (..)”.
Ou seja, a ora Recorrente Freguesia do Monte Abraão foi julgada parte ilegítima para impugnar o despacho de 16/08/2006 de licenciamento do Projecto “Linha Fanhões-Trajouce, a 250 Kv no troço compreendido entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce” pelos vícios de violação de lei dos artºs. 35º, 36º,26º, 25º, 29º, 33º do Regulamento do PDM/Sintra, dos artºs. 36º e 50º dos Regulamentos dos PDM/Amadora e Cascais, respectivamente, bem como dos artºs. 4º nº 4 e 15º do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional, matéria exposta nos artigos 56º a 106º da petição inicial.

Importa, em primeiro lugar, assentar conceitos.

Entende-se por interesses difusos “(..) os interesses sem titular determinável, meramente referíveis na sua globalidade a categorias indeterminadas de pessoas (..) evidenciados pela sua adstrição a um conjunto de pessoas caracterizado pela sua indivisibilidade e pela indeterminabilidade dos seus componentes (..) A necessidade de admitir a iniciativa processual popular relativamente aos interesses materiais seleccionados no nº 3 do artº 52º da CRP resulta de, em muitas circunstâncias, eles se apresentarem para a grande maioria dos cidadãos como meros interesses difusos, pelo que ninguém poderá invocar um interesse pessoal e directo na prevenção, cessação ou perseguição judicial das infracções contra esses bens cometidas.
Assim ocorrerá sempre que, nem os preceitos constitucionais que os arvoram em Direitos económicos, sociais e culturais hajam sido densificados pelo legislador em normas das quais resultem para pessoas individualizáveis prestações públicas determináveis, nem os preceitos constitucionais que apontam tarefas fundamentais do Estado com o conteúdo material em causa, hajam sido legislativamente desenvolvidos em normas organizatórias ou funcionais da administração presididas - a par de finalidades de mero interesse geral – por um fim de protecção de pessoas em situações concretas. (..)” (6)
Nos interesses difusos “(..) É a própria ausência de manifestas e inequívocas situações de vantagem de dimensão individual e conteúdo substancial, accionáveis judicialmente junto do juiz administrativo pelos particulares a conduzir-nos á conclusão já perspectivada anteriormente: o interesse pluri-individual que se consolida em torno de grupo de cidadãos mais ou menos vastos, parece representar um quid novi em ralação à tradicional situação jurídica subjectiva de conteúdo individual a cuja tutela é [era] tradicionalmente préordenado o sistema de justiça administrativa. (..)” (7)
Os interesses difusos “(..) Pode dizer-se que se caracterizam por serem interesses “pluralistas, solidários, comunitários e não patrimoniais” [Colaço Antunes, A tutela … p. 35] e, num certo sentido, “desinteressados”. Para nós, e apesar de não deixarmos de os perspectivar como interesses subjectivos particulares, parece-nos que os interesses difusos se apresentam como interesses ontologicamente públicos [Colaço Antunes, A tutela … p. 35], porque o seu objecto é, em termos qualitativos, idêntico ao objecto dos interesses públicos, na medida em que é constituído por bens pluri-individuais, comuns a uma dada comunidade. (..)” (8)
Efectivamente, “(..) Convém não esquecer que os interesses materiais qualificados no nº 3 do artº 52º da CRP têm todos eles também a natureza de interesses públicos postos por lei a cargo da administração directa e indirecta de pessoas colectivas de população e território: Estado, regiões autónomas e autarquias locais. Pelo menos, a maioria daqueles interesses constitui até objecto de tarefas fundamentais do Estado, nos termos do artigo 9º da CRP. Integram matéria das atribuições legislativas das regiões autónomas nos termos dos respectivos estatutos político-administrativos. Cabem plenamente nas atribuições dos municípios e, em alguma medida, das freguesias. [Cfr. Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, sobre o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, artigos, 13º e 14º].
Torna-se, pois, patente que um critério determinante de selecção de interesses qualificados na alínea a) do nº 3 do artigo 52º da CRP, decalcado sem acrescentos (que teriam sido possíveis) no artigo 1º da LPPAP [Lei 83/95, 31.08], foi o de se tratar de assuntos públicos (terminologia do artigo 48º nºs 1 e 2 da LPPAP) em cuja direcção todos os cidadãos têm o direito de tomar parte. (..)
Estes interesses são também atribuições dos municípios (e, pelo menos em grande medida, das freguesias), ou seja, interesses públicos postos por lei a cargo das autarquias na medida em que tenham refracção na área dos respectivos territórios. (..)” (9)
Natureza simultaneamente pública que também resulta evidenciada na enumeração exemplificativa de valores e bens constitucionalmente protegidos seguida no artº 9º nº 2 CPTA, norma de extensão da legitimidade activa, dentre outras entidades, às autarquias locais, em que “(..) a sua legitimidade difusa assenta no facto de os bens ou valores constitucionalmente tutelados, embora radicados em toda a colectividade, terem (ou poderem ter) particular incidência na área de uma ou mais freguesias ou municípios – o que, naturalmente, restringe a sua legitimidade aos processos em que se discutam questões respeitantes aos efeitos da medida administrativa na sua própria circunscrição (artº 2º nº 2 da Lei nº 83/95) não podendo agir para defesa de interesses difusos postos em causa noutro local do território nacional. (..)” (10)
*
No campo processual, a assinalada natureza dual dos interesses difusos reflecte-se na configuração da legitimidade activa, na medida em que a legitimação não resulta da posição do Autor face à relação material litigada, relação essa que pretende modificar, invalidar ou extinguir, antes reside, directamente, no próprio acervo de interesses difusos que o Autor invoca, algo de parecido com o que ocorre no campo das acções constitutivas em que a relação material controvertida reside no próprio direito potestativo.
Neste sentido, o factor a que importa atender não é “(..) o da natureza mais ou menos anónima do titular do interesse difuso – mas o do seu objecto ou, mais exactamente, o da natureza do bem. O objecto da tutela é directa e normativamente o próprio bem de fruição difusa – enquanto fundamento ecológico de existência e de vida – e não qualquer posição jurídica individual ou colectiva. (..)” pois que a natureza dual dos interesses difusos significa que “(..) o interesse público e o interesse difuso não se distinguem por inerência à matéria … mas pela capacidade do primeiro para exprimir o fim e o limite normativo da tutela, enquanto o segundo representa os efeitos, os resultados, numa interpretação diversa da protecção de tais bens pelos titulares dos interesses difusos (..)”. (11)
Por quanto vem dito e, significativamente, por força da mencionada natureza dual dos interesses difusos, a legitimação activa para a respectiva defesa em juízo por parte das autarquias, maxime por parte da ora Recorrente Junta de Freguesia do Monte Abraão, afere-se em função do âmbito de interesses públicos específicamente postos a seu cargo, tendo por limite normativo a extensão territorial de competência para as atribuições especificadas no artº 14º nº 1 alíneas a) a l) e nº 2 da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro.
Pelo que vem de ser dito improcedem as questões suscitadas nos itens 9 e 19 a 26 das conclusões de recurso.


c. princípios da prevenção e da precaução;

Decorre do probatório que o licenciamento de 16.08.2006 foi antecedido da elaboração do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) a cargo do proponente do projecto, a ora Recorrida REN, procedimento de EIA que obteve em 10.03.2006 a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) emitida pelo Secretário de Estado do Ambiente em exercício de funções à data, condicionada a, além do mais, medidas de minimização – vd. alíneas J) e M) do elenco da matéria de facto provada.
O procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA) constitui um dos instrumentos jurídicos específicos da tutela do ambiente, tendo esta como pilar fundamental, entre outros, o princípio da prevenção – vd. artºs. 66º nº 2 a) CRP e 3º a) Lei 48/98 de 11.08 (Lei de Bases do Ambiente), em ordem a, respectivamente, “prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão” e “promover a valorização integrada das diversidades do território nacional”. (12)
Evidenciam os Autores citados na referência supra, que se trata de um procedimento a desenvolver prévia ou em simultaneidade com outro tipo de instrumentos administrativos procedimentais de apoio à autorização ou licenciamento de projectos susceptíveis de assumir impactes ambientais significativos, como é o caso dos presentes autos.
Atenta a problemática circunscrita pelas conclusões de recurso, importa relevar que a lei configura o procedimento de AIA em diversas fases, nomeadamente após a emissão da declaração de impacte ambiental (DIA), contando “(..) com uma fase de pós-avaliação, que permite o acompanhamento, pela Autoridade de AIA, do cumprimento das condições impostas ao operador na DIA que lhe foi destinada (atente-se em que, na esmagadora maioria das situações, a DIA é condicionalmente favorável, o que implica a aposição de um conjunto de medidas de minimização cujo cumprimento deverá ser observado (..)
Esta fase de pós-avaliação, a que alude o artº 27º do RAIA (DL 69/04 de 03.05 alterado e republicado pelo DL 197/05 de 08.11) segue a DIA até à desactivação do projecto e assenta em observatórios paralelos; de uma banda, desenvolvidos pelo próprio operador, através de monitorização plasmada em relatórios a apresentar com uma determinada periodicidade, fixada na DIA (ou no EIA – estudo de impacto ambiental) – artº 29º; de outra banda, a realização de auditorias por parte da Autoridade de AIA, com vista a confirmar a veracidade da informação contida nos relatórios (artº 30º do RAIA) ou na sequência de alguma queixa apresentada por qualquer interessado uma vez que tanto os relatórios como o resultado da auditoria são publicitados (cfr. artºs. 31º e 23º/2 do RAIA). (..)” (13)
Tal como ocorre com as demais “decisões administrativas em zonas de incerteza” cuja finalidade é concretizar a prevenção do risco em matéria ambiental, a DIA é normativamente configurada como acto administrativo especial na medida em que o seu conteúdo é passível de vir a sofrer alterações em virtude da superveniência de circunstâncias concretas.
O que significa que a lei atribui à Administração o poder de controlar e adequar os pressupostos do quadro regulativo configurado na DIA em função quer da realidade de facto quer dos juízos técnicos de avaliação do risco.
E significa mais.
Por um lado, que a avaliação do risco em ordem a prevenir danos ecológicos se traduz, sempre, na emissão de juízos técnicos, o que em sede contenciosa nos remete, necessariamente, para o contraditório pericial em que, por inversão (artº 344º nº 1 in fine, CC, o ónus de prova corre a cargo do réu, isto é, a cargo da parte que é accionada como lesante do interesse público ambiental e que tem no domínio da sua esfera jurídica o dever de observar as medidas de minimização do risco.
E, no que respeita ao controlo jurisdicional da margem de livre decisão, significa também que “(..) o tribunal não deve ultrapassar a fronteira do controlo pela negativa, ou seja, da não desnecessidade, da não inadequação, da não intolerabilidade da decisão administrativa em face do concreto quadro de protecção de interesses e valores que se lhe apresenta. (..)
O controlo jurisdicional da margem de livre decisão, quer no que se refere à eleição da opção técnica, quer no tocante ao exercício da prognose de valoração da incerteza em função dos interesses em presença, é admissível apenas a título de verificação da plausibilidade da decisão (uma espécie de mínimo de objectividade exigível [Afonso Queiró] por confronto com o iter decisório exposto na fundamentação e passível de reconstrução a partir da consulta aos elementos do procedimento. O juiz deve, sublinha Breuer, quedar-se dentro das “fronteiras da substituibilidade da decisão”. É, portanto, de rejeitar que refaça o juízo ponderativo da Administração Pública, embora se lhe deva reconhecer, no contexto da sua função de controlo de validade da decisão, a possibilidade de analisar a correcção abstracta de aplicação dos parâmetros de proporcionalidade. (..)
No exercício das suas competências de prevenção de riscos (no caso, no âmbito da Atomgesetz), a Administração deve ter em consideração, não apenas os dados científicos objecto de consenso na comunidade científica, mas também todas as opiniões que revistam um mínimo de solidez e credibilidade.
Bem assim como o julgador, que deverá ancorar o seu julgamento revisivo de análise administrativa em opiniões científicamente sustentadas, mesmo que minoritárias (desde que plausíveis), sendo-lhe vedado apelar a “fantasmas de risco, numa construção puramente intelectual.” (..)”. (14)
*
Deixando o princípio da prevenção e passando para o quadro do princípio da precaução as soluções jurídicas em concreto tornam-se muito problemáticas; desde logo derivado à flutuação doutrinária no que toca a saber se se trata, ou não, de um conceito principialista novo ou se mais não é do que uma “prevenção alargada de riscos”.
No nosso direito o princípio da precaução tem acolhimento na lei ordinária, concretamente no artº 3º nº 1 e) da Lei 58/2005 de 29/12 (Lei da Água) definido como o conjunto de “medidas destinadas a evitar o impacte negativo de uma acção sobre o ambiente devem ser adoptadas, mesmo na ausência de uma relação de causa-efeito entre eles”.
O que necessariamente inviabiliza a possibilidade de o princípio da precaução constituir um critério de apreciação geral da validade de actos administrativos concretizadores em matéria de ambiente, exactamente o contrário do que se verifica no tocante ao princípio da prevenção objecto de consagração em normativos de hierarquia superior no nosso ordenamento, vd. artºs. 66º nº 2 a) CRP e 3º a) Lei 48/98 de 11.08 (Lei de Bases do Ambiente).
Por outro lado, cabe ter presente, como já salientado, a forte controvérsia vigente no discurso doutrinário em torno dos princípios de prevenção e precaução, muito ampla, que vai desde a defesa da existência de uma base de contradistinção assente em núcleos de substantividade próprios de cada um dos citados princípios, até ao extremo oposto que assimila as concretizações da precaução a “sound bites” configurando-as como “face perversa da precaução”, e que além do mais não são “(..) nada que uma geometria variável das prevenção, sustentada no princípio da proporcionalidade, não contemple. (..)” advogando-se a necessidade de “(..) abandonar a perspectiva perigosamente simplista da precaução e colocar a ênfase numa atitude de prevenção equilibrada (..)”. (15)


d. princípio da precaução e inversão do ónus da prova - artº 344º nº 1 C. Civil;

Sustenta a ora Recorrente no item 8 das conclusões de recurso que, “apesar de não ter ficado provado que a LMAT produz efeitos nocivos para a saúde humana, não ficou provado que não faz mal, sendo certo que atento o princípio da precaução (regra geral da actuação pública), impunha-se tal demonstração por parte das recorridas”.
Como já referido supra, a tese trazida a recurso é a seguinte:
· não é a Autora e ora Recorrente quem tem de provar que as LMAT originam campos electromagnéticos que fazem mal à saúde das pessoas, mas o contrário,
· são as Rés e ora Recorridas quem tem de provar que as LMAT originam campos electromagnéticos que não fazem mal à saúde das pessoas, por força do dever geral de garante imposto pelo Princípio da Precaução “atendendo à qualidade das Recorridas, às suas competências e aos deveres que lhes incumbem de evitar que o estabelecimento de linhas eléctricas provoque perigo para os cidadãos”.
Em ordem a aferir da legalidade da actividade administrativa no quadro da apreciação da validade do acto administrativo de licenciamento de 16.08.2006, a ora Recorrente insere o seu ponto de vista na versão doutrinária mais radical do princípio da precaução que transpõe para o contencioso jurisdicional a técnica da inversão do ónus de prova própria dos procedimentos da decisão administrativa em quadros de incerteza.
No domínio procedimental por regra cabe ao agente económico interessado na emissão do acto autorizativo a prova de que a actividade de risco para bens jurídicos constitucionalmente tutelados que pretende desenvolver no mercado se situa dentro dos limites de conformidade normativa – técnica e jurídica - aplicáveis ao caso em concreto.
Como nos diz a doutrina, “(..) A interpretação tradicional exige aos que pretendem defender o ambiente – o ofendido, a Administração – a prova de que uma actividade causa perigos ou danos. O princípio da precaução vem dizer que devem ser os potenciais agressores a demonstrar que uma acção não apresenta riscos sérios ou graves para o ambiente, uma vez que são eles que pretendem alterar o status quo ambiental (..)”, sendo que a doutrina realça que se coloca “(..) a questão de saber, primus, se constitui uma regra aplicável sempre que exista um risco ambiental ou se depende da sua gravidade e irreversibilidade; secundus, se é necessário demonstrar a inocuidade da relação ao ambiente ou basta a mera plausibilidade de não ocorrência de efeitos ambientais adversos. (..)” (16)
Todavia, esta transposição do quadro procedimental para o contencioso jurisdicional da técnica da inversão do ónus de prova não é admissível salvo previsão normativa expressa nos termos do disposto no artº 344º nº 1 Código Civil que, na circunstância, não existe.

*
Efectivamente, a regra geral em matéria de prova tem assento na ideia fundamental de “(..) não poder o juiz aplicar uma norma de direito sem estarem provados os diversos momentos de facto que integram a sua hipótese, e condicionam portanto a sua estatuição cada parte terá aquele ónus quanto a todos os pressupostos das normas que lhe são favoráveis. E assim, se na lei há uma regra e uma excepção, (ou várias) a parte cuja pretensão se baseia na norma-regra só tem a provar os factos que constituem a hipótese dessa norma, e não já a existência dos que constituem a hipótese da norma-excepção. (..)” (17)
Nesta matéria é sabido que o nosso direito não assumiu a tese dos temas probatórios fixos, antes pelo contrário e em ordem a obviar ao impasse decisório derivado duma situação de non liquet deixando o tribunal a questão em aberto, a lei fixou critérios gerais de repartição do ónus probandi, v.g. nos artºs. 342º nºs. 1 e 2 e 343º nº 1 Código Civil, deste modo atribuindo a um ou outro dos sujeitos da relação material controvertida, o encargo de prova dos pontos de facto que importam à decisão, cabendo ter em conta duas formulações doutrinárias.
Segundo uma das teses em presença “(..) o ónus da prova aparece sempre como inerente à própria norma jurídica a aplicar, devidamente interpretada … não há por natureza factos constitutivos, impeditivos ou extintivos … O que para um direito ou no domínio de uma relação jurídica é facto impeditivo, para outro bem pode ser facto constitutivo. É, pois, à respectiva norma ou normas aplicáveis e só a elas, que há que recorrer. (..)”, ou seja, a regra do ónus da prova é inerente ao direito material, sendo irrelevante, neste enquadramento, a posição que as partes assumam em juízo. (18)
Noutra formulação, partindo da posição de que “(..) não há temas probatórios fixos – pontos de facto quanto aos quais o ónus da prova haja de pesar sempre sobre determinado sujeito da relação material correspondente. O onus probandi competirá a um ou outro desses sujeitos, conforme a posição em que esteja na relação processual. O que importa, quanto a cada um dos sujeitos da relação material, é a sua posição no processo – a pretensão que lá deduz. (..)” (19)
Fora do quadro geral e das regras especiais dos artºs. 342º e 343º, a inversão do ónus da prova vem consagrada no artº 344º nºs 1/2, C. Civil, segundo um quadro fixo de pressupostos,
· “quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine”.
· “quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado”

*
O que significa, seguindo neste matéria a doutrina especializada, que “(..) a exigência de lei expressa (ou convenção válida) decorre da identificação da inversão do ónus de prova como uma restrição do direito ao processo equitativo – do réu , que inopinadamente se pode ver a braços com a necessidade de se defender em juízo de uma alegação cuja desmontagem lhe cumpre inteiramente.
Mas na origem dessa restrição há-de estar a indispensabilidade da mesma para permitir ao autor realizar o seu direito à justiça uma vez que peticiona o reconhecimento de uma situação cujo domínio de comprovabilidade, por razões fácticas ou jurídicas, se encontra do lado do réu.
Ou seja, a inversão deverá servir a realização da concordância prática entre o direito à justiça do autor e o direito de defesa do réu.
Ora, se já é altamente duvidoso, em razão das considerações anteriores, que a inversão possa existir sem previsão expressa do legislador, ainda que tal se admitisse - sem conceder -, excessiva seria sempre a extensão de tal medida deste onus probandi para além dos limites do razoável, como preconiza o princípio da precaução.
Com efeito, a exigência da prova da inocuidade da actividade como condição de obtenção de uma autorização ou de isenção de responsabilidade, obriga a uma diabólica probatio que afronta os cânones da proporcionalidade, em virtude da compressão intolerável, quer do direito (processual) de defesa, quer da liberdade (material) da iniciativa económica privada. (..)”. (20)
De quanto vem de ser dito cabe concluir, por reporte a qualquer das posições doutrinárias processuais expostas, que a tese sobre os termos de repartição processual do ónus de prova sustentada pela ora Recorrente é contrária ao regime vigente no nosso ordenamento jurídico, v.g. derivado do enquadramento legal dos artºs 342º nº 1 e 344º nº 1 CC, na medida em que,
1. a ora Recorrente é o sujeito processual que na qualidade de Autor invoca a produção de efeitos nocivos para a saúde das populações por via da exposição aos campos electromagnéticos derivados da LMAT no troço entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce e por isso mesmo peticiona a declaração de nulidade ou a anulação do licenciamento de construção da Linha Fanhões-Trajouce, a 250 Kv,
2. incumbindo-lhe a prova dos factos constitutivos da acção, ou seja, da produção dos efeitos nocivos na saúde humana pelos ditos campos electromagnéticos das LMAT no troço entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce e do consequente pedido de condenação a destruir as instalação das LMAT já edificadas no solo, vd. artº 342º nº 1 CC,
3. face à inexistência de previsão legal específica de inversão do ónus de prova, vd. artº 344º nº 1CC.
Conclui-se, pois, que não assiste razão à ora Recorrente no sentido de transferir o esforço probatório e pô-lo a cargo dos ora Recorridos invertendo, sem base legal, o ónus de prova a que está adstrita, pelo que improcede a questão trazida a recurso no item 8 das conclusões.


e. sindicância jurisdicional da margem de livre apreciação de prevenção do risco em domínios de incerteza;

Indagar sobre o grau de adequação e de necessidade das medidas de compensação e minimização de risco assumidas no domínio do procedimento de EIA e no acto de DIA condicionada que antecederam o licenciamento do projecto de implantação de LMAT no troço entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce – vd. itens C), J), K), M) e N) do probatório – requer que o Tribunal se debruce sobre o elemento central da decisão administrativa, configurado pelo juízo de prognose sobre a evolução futura do risco de eclosão de danos significativos ecológicos, ambientais e de saúde pública para as populações residentes na área de competência territorial da Junta de Freguesia de Monte Abraão, a ora Recorrente.
Pelas razões já referidas, esta margem de exercício de livre valoração que é própria da função administrativa na fase de preparação da decisão de licenciamento da actividade económica de transporte de electricidade via LMAT, vive da livre valoração dos factos e outros elementos da realidade efectuada em função de juízos técnicos que, necessariamente, têm que ter existência real na medida em que são pressupostos de facto da decisão.
O que significa que “(..) Com a introdução da técnica, o fenómeno do risco desenvolve-se e obriga cientistas, funcionários administrativos e juízes a lidar com um crescendo de incerteza. Na avaliação da validade de uma decisão … assente no pressuposto de utilização da “melhor técnica disponível” passa-se para um segundo patamar da prevenção que se identifica com a antecipação do risco … que força à realização de juízos de possibilidade desde que minimamente sustentados em dados científicos credíveis … a validade afere-se – salvo indicação diversa do legislador – não apenas por aquilo que se sabe, mas também por aquilo de que razoavelmente se pode suspeitar (não exclusão prática do risco.
É a valoração deste incerteza que condiciona o âmbito da sindicância jurisdicional. (..) O controlo jurisdicional da margem de livre decisão, quer no que se refere à eleição de opção técnica, quer no tocante ao exercício da prognose de valoração da incerteza em função dos interesses em presença, é admissível apenas a título de verificação da plausibilidade da decisão (uma espécie de mínimo de objectividade exigível [na expressão de Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, polic. Coimbra/1976, pág. 583], por confronto com o iter decisório exposto na fundamentação .. refazível a partir da consulta aos elementos do procedimento. (..)” (21)
No caso dos autos, o referido mínimo de objectividade exigível consta do procedimento de EIA e consequente DIA de 10.03.2006 que sustentam o despacho de licenciamento de 16.08.2006, já mencionados por referência aos itens C), J), M) e N) do probatório, sendo certo que a ora Recorrente não carreou para a petição inicial factualidade que sustentasse um esforço de demonstração, por mínima que fosse, de existência de factores de risco decorrentes da instalação de equipamento de transporte de electricidade mediante linhas de muito alta tensão, as LMAT no troço entre o Apoio nº 46 e a Subestação de Trajouce.
Pelo contrário nos artigos 32 a 34, 44, 48 e 49 da p.i. expôs juízos conclusivos sobre a perigosidade da actividade em causa e o enterramento da linha por referência a segmentos do procedimento de EIA em concreto elaborado pela ora Recorrido REN, SA e nos artigos 37 a 43 e 46, a estudos publicados sobre o sector eléctrico e o ambiente, sendo certo que é obrigação do Autor deduzir na petição inicial o elenco de factos e as razões de direito que sustentam o pedido jurisdicionalmente deduzido entronca no princípio do dispositivo (artº 467º nº 1 c) e d) CPC).
Do exposto decorre que no âmbito da presente acção não foi alegada e, consequentemente, não foi julgada matéria de facto que sustente do ponto de vista jurídico a existência de danos ou de risco de danos, conforme alegado nas questões trazidas a recurso nas conclusões, por ofensa do direito à saúde e ao ambiente sadio (item 7), bem como dos princípios da necessidade (itens 10 a 13), da proporcionalidade (item 14) nem por de violação do regime constante dos artº. 5º nº 1 e 6º nº 1 do Regulamento de Segurança das Linhas Eléctricas de Alta Tensão (itens 15 e 16)., perdendo assim base de sustentação, de facto e de direito, os pedidos condenatórios de abstenção de condutas e destruição das edificado de transporte de LMAT (itens 17 e 18).
Pelo que vem de ser dito improcedem as questões suscitadas nos itens 7 e 10 a 18 das conclusões de recurso.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.
Custas a cargo da Recorrente - taxa de justiça fixada em 10 (dez)UC’s, artº 73º-D) nº 3, CCJ.

Lisboa, 07.MAR.2013


(Cristina dos Santos) ..................................................................................................................

(António Vasconcelos) ......................................................................................................................

(Paulo Gouveia) ....................................................................................................................



(1) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, pág.142.
(2) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 53/54.
(3) Autor e Obra citados na nota (2), pág. 143.
(4) Paula Costa e Silva, Acto e processo, Coimbra Editora/2003, págs. 412 e ss.
(5) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, pág. 140.
(6) Sérvulo Correia, Direito do contencioso administrativo, Vol. I, Lex/2005, págs. 245, 261 e 667.
(7) Luís Filipe Colaço Antunes, A tutela dos interesses difusos em direito administrativo – para uma legitimação procedimental, Almedina/1989, pág.189.
(8) Nuno Sérgio Marques Antunes, O direito de acção popular no contencioso administrativo português, Lex /1997, pág 39.
(9) Sérvulo Correia, Direito do contencioso administrativo, Vol. I, Lex/2005, págs. 659 e 668.
(10) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF – Anotados, Almedina/2004, pág. 163.
(11) Luís Filipe Colaço Antunes, O equívoco da discriminação plurisubjectiva na tutela de um mítico personagem: de Jhering a Giannini – Ac. do STA de 15.12.99, proc. nº 43704, anotado, CJA nº 30, pág. 27.
(12) Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada, Vol. I, Coimbra Editora/2007, pág.846; Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. I, Almedina /2009,págs.190/191; Jorge Eduardo Figueiredo Dias, Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos do CEDOUA, Almedina/2007, 2ª ed., págs. 87/88.
(13) Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, …, págs. 211/212.
(14) Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, ... págs. 267/268.
(15) Carla Amado Gomes, Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente, Coimbra Editora/2007, págs. 362/383 e 409/417.
(16) Ana Gouveia Martins, O princípio da precaução no direito do ambiente, AAFDUL/2002, págs.54/55.
(17) Manual de Andrade, Noções elementares de processo civil, 2ª ed. Coimbra Editora/1979, págs. 200/201.
(18) Anselmo de Castro, Direito processual civil …., Vol. III, págs. 353/356.
(19) Manual de Andrade, Noções elementares …, pág. 202
(20) Carla Amado Gomes, And now something completely different: a co-incineração e as malhas da precaução – Ac. do TCAN de 29.03.2007, P. 758/06 – CJA/63, pág. 58.
(21) Carla Amado Gomes, Risco e modificação …págs. 490/491, 493/494.